Acessibilidade / Reportar erro

(Re-)significando o Espaço como Capital: Contribuições de Estudo com Empreendedores Locais

RESUMO

Tomando como referência as abordagens adotadas por Bourdieu (2010)BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. e Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., este artigo tem como foco apresentar os resultados de um esforço de pesquisa destinado a investigar as relações entre os construtos Espaço e Dinâmica Social. Neste sentido, visa investigar de que maneira as relações entre diferentes agentes sociais - com ênfase nos papeis desempenhados por empreendedores locais - que, ao mobilizar diferentes capitais - econômicos, sociais, culturais e simbólicos (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.) - condicionam e são condicionados por configurações espaciais específicas, criadores de dinâmicas socioespaciais que são facilitadores da diversidade em maior ou menor grau (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.). Para tal, foi conduzida pesquisa inspirada na Grounded Theory, envolvendo análise documental, observação direta e 41 entrevistas semiestruturadas com empreendedores, moradores, transeuntes e formadores de opinião inseridos na dinâmica de importante rua da periferia da cidade de Sete Lagoas (MG). Resultados notáveis incluem a relevância de estudos que traçam considerações mais sistemáticas, extrapolando os capitais econômico, social, cultural e simbólico (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.), atribuindo maior importância ao "capital espacial", comumente relegado a segundo plano não somente na "Teoria da Ação Prática", de Bourdieu como também em estudos clássicos em Economia e Geografia (SANTOS, 2012SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.). Outro resultado significativo deste estudo é que os sujeitos personificados nos diferentes tipos de empreendedores identificados - Tradicionais, Modernos e Bricoleurs - não emergem, nem atuam em um vácuo socioespacial, nem são independentes uns dos outros. Ao contrário, fazem parte de uma ecologia social comunitária (HANNAN; FREEMAN, 1984HANNAN, Michael; FREEMAN, John. Structural inertia and organizational change. American Sociological Review, v. 49(2):149-164, 1984.), repleta de disputa, colaboração e sinergias intencionais e inconscientes, em que o espaço, além das forças tecnológico-econômicas, desempenha um papel relevante.

Palavras-chave:
Empreendedorismo comunitário; Espaço; Dinâmica socioespacial; Teoria da ação prática

ABSTRACT

Taking as reference the approaches adopted by Bourdieu (2010)BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. and Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., the focus of this article is to present the findings of a research effort designed to investigate the relationships between the constructs Space and Social Dynamics. In this sense, it seeks to investigate in which manner did the relationships among different social agents - emphasizing the roles played by local entrepreneurs - which, upon mobilizing different capitals - economic, social, cultural and symbolic (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.) - shape and are shaped by specific spatial configurations, creators of socio-spatial dynamics that are diversity-enablers to a greater or lesser extent (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.). For this purpose, an investigation inspired on the Grounded Theory was undertaken, involving documentary analysis, direct observation and 41 semi-structured interviews with entrepreneurs, dwellers, passers-by and opinion leaders inserted into the dynamics of an important peripheral street in the city of Sete Lagoas/MG. Notable findings include the relevance of studies that draw more systematic considerations, extrapolating economic, social, cultural and symbolic capitals (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.), allocating a greater importance to "spatial capital", usually relegated to a secondary plane not only in Bourdieu's "Theory of Practical Action" as well as in classical studies into Economics and Geography (SANTOS, 2012SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.). Another of this study's significant findings is that the subjects personified in the different types of entrepreneurs identified - Traditional, Modern and Bricoleurs - do not emerge nor act in a socio-spatial void, nor are independent from each other. Quite the opposite, they are a part of a community social ecology (HANNAN; FREEMAN, 1984HANNAN, Michael; FREEMAN, John. Structural inertia and organizational change. American Sociological Review, v. 49(2):149-164, 1984.), rife with dispute, collaboration and intentional and unconscious synergies, in which space, in addition to technological-economical forces, plays a relevant role.

Keywords:
Community entrepreneurship; Space; Socio-spatial dynamics; Theory of practical action

1. INTRODUÇÃO

A relevância de se investigar a rua como dispositivo para uma compreensão mais fidedigna do cotidiano urbano contemporâneo e das interações sociais entre seus diferentes agentes sociais tem se mostrado cada vez mais com vigor nos estudos administrativos e organizacionais (SANTOS, 2012SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.; JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.; BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.). Sob tal perspectiva, a rua emerge como espaço fundamental de observação da dinâmica pautada por um regime de acumulação cada vez mais flexível (HARVEY, 1989HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1989.). É nela - e menos nas organizações convencionais - que muito possivelmente se pode captar, observar e analisar a diversidade e pluralidade da vida nas sociedades atuais, representando em locus em que o conjunto de seus agentes compartilha suas singularidades (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.).

De acordo com Cordeiro (2008, p. 9), a rua se apresenta como um "[...] recorte empírico que permite encontrar uma multiplicidade de pontos de vista e de objetos, um recorte etnográfico possível para a exploração e o conhecimento da vida contemporânea". A tal afirmativa, DaMatta (1997)DAMATTA, Roberto1997.l. Rio de Janeiro: Rocco.. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. acrescenta que a análise dos processos socioespaciais assume fortemente perspectivas relacionais, capazes de diferentes leituras e construções da realidade.

De qualquer forma, a rua tem sido submetida a distintas lentes de interpretação, incluindo seu estudo como "dispositivo cultural" (AGIER, 2011AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Terceiro Tempo, 2011.), como "espaço de diversidade e vitalidade" (JACOBS, 2009), como "arena política" (MINTZBERG, 2006MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. São Paulo: Atlas, 2006.), como "campo de disputas" (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.), evidenciando-se, ademais, como "heterotopia" a observação e análise de fenômenos relacionais que são um destaque da contemporaneidade.

As contribuições de Pierre Bourdieu à sociologia são, nesse sentido, paradigmáticas, em particular ao permitirem elementos concretos à leitura de tais espacialidades como jogos de lutas e interações, possibilitando evidenciar de que forma relações entre diferentes agentes contribuem para a produção de contextos de diversidade, inovação e mudança. Isso, na medida em que a produção da cidade e seus diversos lugares e dinâmicas encontra-se intrinsecamente relacionada à (re-)produção de discursos, relações e práticas sociais. Sob tal ótica, o arcabouço teórico de Bourdieu (2009BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis: Vozes, 2009.; 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.) oferece dispositivos significativos para a compreensão das arenas de lutas em que se inserem tais agentes e como cada um mobiliza diferentes capitais com vistas a assegurar lugar distintivo em um dado campo social.

Além disso, vale considerar a perspectiva antecipatória de Jane Jacobs, sugerindo, na década de 1960, que é através da rua que se pode investigar melhor a vida e a pluralidade de uma sociedade. Por se constituir lugar de passagem, circulação, mas também de esquinas, trocas, conversas, violência, entendimento, erotismo, diversidade e, portanto, de sociabilidade e de construção da civilização; é no espaço da rua que as relações sociais contemporâneas efetivamente acontecem (JACOBS, 1969JACOBS, Jane. The Economy of Cities. New York: Vintage, 1969.).

Tomando, a posteriori, como referência as abordagens desses dois autores - Bourdieu (2010)BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. e Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. - este artigo tem como foco apresentar resultados de pesquisa destinada a investigar relações entre os construtos Espaço e Dinâmica Social. Neste sentido, busca verificar de que forma relações entre diferentes agentes sociais- no caso específico, com ênfase em empreendedores locais - que, ao mobilizar diferentes capitais - econômicos, sociais, culturais e simbólicos (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.) - condicionam e são condicionados por configurações espaciais específicas, criadores de dinâmica socioespacial que são facilitadores da diversidade em maior ou menor grau (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.). Em outras palavras, os autores afirmam que diferentes agentes, ao articularem diferentes capitais (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010., 2008BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008., 1996BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.), criam diferentes dinâmicas socioeconômicas e espaciais, facilitadores da diversidade e vitalidade em maior ou menor grau (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.).

Cabe aos autores ressaltar que, para os propósitos deste estudo, o espaço surge como uma categoria dinâmica e relacional (SANTOS, 2012SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.), composto de um conjunto indissolúvel de sistemas de objetos e ações, cada um composto de microespaços (SANTOS, 2014SANTOS, Milton. O espaço dividido: Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, São Paulo: Edusp, 2014.; 2014aSANTOS, Milton. Economia Espacial: Críticas e alternativas. São Paulo: Edusp, 2014b.; 1988) ou "espaços-entre" (AGIER, 2011AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Terceiro Tempo, 2011.). Desse modo, para a análise dos "objetos" fez-se uso do arcabouço teórico de diversidade e vitalidade, conforme proposto por Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.. Já para a investigação das "ações", utilizou-se a "Teoria da Ação Prática", de Bourdieu (2008)BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008..

Isto posto, a questão central que subsidiou a realização deste estudo pode ser assim sintetizada: de que maneira diferentes agentes sociais se articulam entre si e mobilizam diferentes capitais - econômicos, sociais, culturais, simbólicos e espaciais - com vistas à produção de dinâmicas socioespaciais de diversidade e vitalidade?

Uma vez estabelecidos os temas e perguntas de pesquisa, é possível identificar como objetivos específicos da investigação que foram os pilares deste estudo: 1. Descrever o espaço público objeto da investigação, considerando as condições de diversidade, conforme propostas por Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.; 2. Analisar formas cotidianas de mobilização de capitais - econômicos, culturais, simbólicos - envolvidos nas relações entre os principais agentes sociais envolvidos (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.); 3. Investigar relações entre capitais mobilizados e condições espaciais de diversidade.

Em termos metodológicos, a pesquisa pode ser caracterizada como de natureza qualitativa, tendo como inspiração o método da Grounded Theory (GLASER; STRAUSS, 1967GLASER, Barney; STRAUSS, Aanselm. The discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Aldine de Gruyter: New York, 1967.). Quanto à estratégia de coleta de dados, ela se baseou no uso de instrumentos múltiplos, combinando análise documental, observação direta e entrevistas semiestruturadas e em profundidade. A Rua Santa Juliana, localizada no município de Sete Lagoas/MG, foi selecionada como objeto da investigação; essa rua representa um eixo importante para o desenvolvimento econômico local. A sua escolha como unidade de pesquisa deveu-se, além de fatores como sua importância e representatividade na estrutura geoeconômica local, a traços que sinalizam para sua diversidade de usos e funções, bem como potencial de geração de vitalidade socioeconômica e cultural.

Em termos de suas contribuições teóricas, o estudo justifica-se ao ampliar pesquisas acerca da multiplicidade de inter-relações que acabam por forjar dinâmicas socioespaciais contemporâneas, ampliando possibilidades quanto a novos olhares e contribuições conceituais-metodológicas que venham a favorecer a construção de contextos urbanos e organizacionais mais aderentes à diversidade e à vitalidade, elementos centrais de "competitividade" em tal contemporâneo, marcado por experiências pós-fabris (HARVEY, 1989HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1989.).

Evidencia, igualmente, potencialidades quanto à aplicação de arcabouços teóricos ainda pouco explorados em Estudos Organizacionais e Urbanos, notadamente no Brasil, como a perspectiva de Bourdieu. Adicionalmente, vale salientar, a partir dos resultados empíricos deste estudo, a importância do "capital espacial", aparentemente pouco destacada nos estudos desse autor.

Ademais, na medida em que o desenvolvimento territorial é forjado por uma rede de agentes, com interesses plurais, que operam nos territórios local e global como forma de buscar a inovação e a competitividade, identificar características de empreendedores locais e mecanismos utilizados para sua manifestação em processos de mobilização e interação com diferentes agentes envolvidos em tais processos revela-se significativo a uma compreensão mais sistêmica das bases para o desenvolvimento de políticas e intervenções em prol de um desenvolvimento local efetivamente sustentável (SANT'ANNA; NELSON, 2013SANT'ANNA, Anderson S.; NELSON, Reed E. Reconversão de funções econômicas de cidades: contribuições aos estudos sobre empreendedorismo. Pretexto, v. 14, p. 81-97, 2013.; NELSON; SANT'ANNA, 2012NELSON, Reed E.; SANT'ANNA, Anderson S. (2012) Entrepreneurial types and community dynamics in Tiradentes, Brazil. In: Academy of Management Annual Meeting. Proceedings... Boston: AoM.).

Em termos metodológicos, a principal contribuição deste estudo diz respeito à adoção do método de pesquisa inspirado na Grounded Theory, a qual visa, em essência, "deixar o campo falar". Sob a condução de certa "atenção flutuante", revelou-se significativo lidar com as "agonísticas de campo" (LATOUR, 1994LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.) para somente, a posteriori, formatar um quadro teórico (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.; BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.) de modo a permitir a análise dos dados recolhidos.

Já em termos práticos, a pesquisa contribui com subsídios para o desenvolvimento de políticas e práticas direcionadas à construção de ambiências organizacionais e urbanas mais favoráveis à diversidade e vitalidade. Ademais, propicia elementos para elaboração de políticas e ações orientadas a um desenvolvimento urbano e organizacional mais participativos e democráticos, respeitando as diversidades e riquezas subjacentes às diferenças.

2. QUADRO TEÓRICO

2.1. ESPAÇOS DE DIVERSIDADE E VITALIDADE: PERSPECTIVA DE JANE JACOBS

Tendo em vista os objetivos da pesquisa, torna-se importante compreender como as cidades geram uma diversidade suficiente de usos e funções para preservar a própria civilização. De acordo com Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., existem quatro condições espaciais indispensáveis para se gerar uma diversidade "exuberante" nos distritos e ruas de uma cidade. A primeira condição indica que a rua deve atender a mais de uma função principal. Ela deve dispor de um leque de atividades que assegurem a presença de pessoas em horários diferentes e por razões diferentes, utilizando boa parte da infraestrutura disponível.

Além de criar segurança nas ruas, tal variedade de usos e funções bem como a movimentação contínua, contribui para dar vida aos empreendimentos locais. Os estabelecimentos comerciais, assim como as ruas, precisam de frequentadores para a sua sobrevivência. Essas distintas combinações de usos diversos da cidade não são, portanto, um caos a ser ordenado. Ao contrário, representam uma forma de organização complexa e altamente desenvolvida, que possibilita à cidade criar diversidade e manter-se viva (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.).

A segunda condição, por sua vez, está relacionada ao tamanho dos quarteirões da rua. A autora propõe que a maioria de suas quadras deve ser curta e, portanto, propiciarem oportunidades de se transpor esquinas. Vizinhanças isoladas e separadas correm o risco de serem abandonadas. Quando predominam quadras longas, mesmo as pessoas da mesma vizinhança tendem a se manter afastadas, dificultando a formação de combinações complexas de usos urbanos compartilhados.

O terceiro requisito de diversidade urbana diz respeito ao perfil dos edifícios que compõem a rua. Para Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., um logradouro deve conter uma combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados, bem como incluir boa porcentagem de prédios antigos, de modo a gerar rendimento econômico variado. Assim, as ruas precisam de mesclas de prédios novos e antigos para cultivarem as misturas de diversidade. Se uma área da cidade tiver apenas prédios novos, seus empreendimentos estarão limitados àqueles que podem arcar com os custos elevados desses novos edifícios. Portanto, trata-se de fator que limita a diversidade, uma vez que bares de bairro e restaurantes típicos, por exemplo, podem não ter condições de se instalar em empreendimentos recém-construídos (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.).

Finalmente, a quarta condição associa-se ao fluxo de indivíduos. Para Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., a rua deve contemplar densidade suficientemente alta de pessoas, sejam quais forem seus propósitos, incluindo ampla concentração de moradores. Além deles, a autora reforça a importância da presença de agentes desconhecidos que trabalham ou transitam na região, por contribuir para a diversidade local. Elevado fluxo de pessoas é considerado, portanto, aspecto positivo, na medida em que representa fonte de vitalidade e riqueza de diferenças e opções.

Em suma, para que uma rua ou um bairro possua diversidade "exuberante", isto é, capacidade de unir os mais diferentes gostos, habilidades, necessidades, em uma mesma região, é necessário que possuam elevada densidade alta de pessoas circulando, tanto de dia quanto de noite, uma mistura de prédios novos e antigos, que comportem os mais diversos serviços, assim como quadras curtas que facilitem a circulação das pessoas.

2.2. ARTICULANDO MÚLTIPLOS AGENTES E DISTINTOS CAPITAIS: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DE BOURDIEU

A "Teoria da Ação Prática" de Bourdieu foi escolhida a posteriori como marco teórico para a análise das relações entre os agentes sociais envolvidos na dinâmica de rua investigada, notadamente suas noções de Habitus, Campo, Capital e Distinção.

De modo geral, um dos principais conceitos propostos por Bourdieu (2004)BOURDIEU, Pierre. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas.bold>São Paulo: Brasiliense, 2004. é a noção de Habitus, compreendido como sistema de disposições adquiridos pela experiência e nos processos de socialização, que variam segundo o lugar e o momento. Trata-se, desse modo, de formas de agir, fazer, perceber, sentir e pensar, interiorizados como resultado das condições de sua existência:

Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem Habitus, sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor intenção consciente de fins e o domínio expresso das operações necessárias para alcançá-los (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis: Vozes, 2009., p. 87).

Juntamente com o Habitus, o conceito de campo ocupa lugar de destaque em sua "Teoria da Ação Prática". Como um espaço multidimensional, o campo não deve ser tratado unicamente pela dimensão econômica, devendo considerar, também, as lutas simbólicas que ocorrem em seu interior (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.) devem ser consideradas. Nesse sentido, para Bourdieu, a sociedade deve ser entendida como um conjunto de campos sociais atravessados por lutas entre grupamentos. Cada campo é, desse modo, marcado por agentes sociais providos de mesmos Habitus, sendo a relação entre Habitus e campo uma relação de condicionamento: o campo estrutura o Habitus. Bourdieu (2010)BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. busca sintetizar a noção de campo como:

[...] um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição atual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: os agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimensão, segundo a composição do seu capital - quer dizer, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto das duas posses (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010., p. 135).

Ou seja, cada elemento do campo é um agente que comunga de interesses e capitais similares. Logo, os campos organizam-se, hierarquicamente, a partir de capitais, símbolos de poder e de dominação. Em outros termos, as diferentes formas de capital permitem estruturar o espaço social. Desse modo, para compreender como se organiza tal espaço, torna-se relevante uma análise dos diferentes tipos de capitais mobilizados.

Diferentemente de Karl Marx, Bourdieu (2010)BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. não limita o conceito de capital à dimensão econômica, distinguindo-o em quatro tipos: econômico, cultural, social e simbólico. O capital econômico é constituído pelos diferentes fatores de produção e pelo conjunto dos bens econômicos, como bens materiais, renda, patrimônio. O capital cultural, por sua vez, corresponde ao conjunto de conhecimentos e qualificações intelectuais transmitidas pela família e pelas instituições escolares durante a vida do indivíduo. Já o capital social envolve a manutenção da rede de relações sociais que englobam tanto os indivíduos quanto o coletivo, acumulando-se pelo processo de socialização (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis: Vozes, 2009.).

Por último, o capital simbólico, que faz referência aos outros capitais e a eles se associa, na medida em que não existe sozinho, nem é independente dos demais, agregando valor. Relaciona-se com a acumulação de prestígio e reconhecimento social pelo indivíduo ou grupo que preservam sob seus domínios os recursos considerados essenciais num determinado campo.

Na medida em que a luta no interior de um dado campo é motivada pelo desejo de acúmulo de capital simbólico, o campo, além de ser um espaço social de conflitos e negociações, incorpora uma dimensão simbólica (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.). Portanto, ele é organizado segundo a lógica da diferença, isto é, de um traço distintivo ou certa qualidade que só existe em relação a outras propriedades. Os indivíduos de um dado campo buscam se distinguir e preservar uma identidade social própria, através do nome da família, da profissão, da posse de bens, do cargo que ocupam, das instituições a que se vinculam, dentre outros meios.

3. METODOLOGIA

Considerando a carência, no Brasil, de pesquisas similares a esta e a premissa de que a adoção de metodologias mais positivistas traria o risco de impor, indevidamente, lógicas ou categorias de um campo ou contexto social a outro, ocultando observações que poderiam escapar aos quadros teóricos consolidados (DEY, 2007DEY, Ian. Grounding Categories: In: Bryant. Antony Z.; & Charmaz. Kathy T. A. (Eds.). The Sage Handbook of Grounded Theory. Sage Publications: Los Angeles, 2007.; LINCOLN; GUBA, 1985LINCOLN, Yvonna; GUBA, Egon G. Naturalistic inquiry. London: Sage Publications, 1985.), optou-se pela realização de estudo qualitativo com inspiração na Grounded Theory (GLASER, 1992GLASER, Barney. Basics of grounded theory analysis: Emergence vs. forcing. Sociology Press: Mill Valley, CA, 1992., 1978GLASER, Barney. Sensitivity: Advances in the methodology of grounded theory. Sociology Press: Mill Valley, CA, 1978.; GLASER; STRAUSS, 1967GLASER, Barney; STRAUSS, Aanselm. The discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Aldine de Gruyter: New York, 1967.).

Concebido, originalmente, por Glaser e Strauss (1967)GLASER, Barney; STRAUSS, Aanselm. The discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Aldine de Gruyter: New York, 1967., o método da Grounded Theory passou a ser utilizado mais amplamente em pesquisas qualitativas referindo-se ao desenvolvimento teórico induzido pela análise de dados empíricos, por meio de uma perspectiva de casos em vez da abordagem centrada em modelos teóricos e categorias previamente estabelecidas (STRAUSS, 1987; STRAUSS; CORBIN, 1990; GLASER, 1992GLASER, Barney. Basics of grounded theory analysis: Emergence vs. forcing. Sociology Press: Mill Valley, CA, 1992.; BRYMAN, 2001).

Diferentemente de métodos mais convencionais em que se visa à descrição de uma dada situação vis-à-vis a um modelo teórico definido a priori, na Grounded Theory o objetivo reside em sua contribuição para a formulação de novas categorias. Ao longo da coleta, da codificação e da análise dos dados obtidos, o próprio desenvolver do levantamento empírico sugere quais serão os sujeitos de pesquisa, onde encontrá-los e quais os aspectos a serem analisados. A definição dos sujeitos de pesquisa é, portanto, um processo contínuo, que se encerra quando as categorias geradas são estabelecidas e validadas (saturação teórica).

Tendo por base tais características, a pesquisa se baseou no uso de instrumentos múltiplos: análise documental, observação direta - envolvendo 15 visitas in loco à rua - e 41 entrevistas semiestruturadas. Primeiramente, na etapa de análise documental, procurou-se descrever a rua, sua história, moradores, empreendimentos, articulação com outras ruas, bairros adjacentes e com a cidade como um todo, lideranças locais, assim como sua situação atual e desafios para o futuro.

Em relação às entrevistas realizadas, o público-alvo constou de transeuntes, empreendedores, trabalhadores e moradores da Rua Santa Juliana e bairros circunvizinhos. As entrevistas foram realizadas no período de agosto de 2014 a dezembro de 2015 e geraram cerca de 2.500 minutos de gravação, registradas em mais de 350 laudas de transcrição.

Para o tratamento dos dados obtidos por meio de entrevistas, foi utilizado o método de análise de conteúdo, por categoria (BARDIN, 2014; RICHARDSON, 1985RICHARDSON, Roberto J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1985.). Tal procedimento consiste no uso de técnicas de sistematização, interpretação e descrição do conteúdo das informações coletadas, a fim de compreender o discurso, aprofundar suas características e extrair os detalhes mais importantes. Dessa forma, foi possível examinar várias dimensões dos relatos dos entrevistados e construir inferências a partir deles. Para facilitar essa etapa, foram geradas categorias de análise com base na literatura e revisadas à luz das evidências da pesquisa.

Além de cuidadosa análise manual dos dados obtidos em cada entrevista empreendeu-se, complementarmente, exame por meio do software de tratamento qualitativo de dados N-vivo 8.0, seguindo o processo de codificação e categorização, conforme indicado por Flick (2009)FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Editora Artmed, 2009..

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

4.1. CONDIÇÕES QUE GERAM VITALIDADE

Neste tópico objetiva-se analisar o espaço urbano da Rua Santa Juliana visando identificar as quatro condições de diversidade, conforme estudos conduzidos por Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.: 1. diversidade de funções; 2. tamanho das quadras; 3. mistura entre edifícios novos e antigos; 4. densidade de pessoas.

Como resultados evidencia-se ampla diversidade de usos e funções. Em relação à diversidade comercial, vale ressaltar que a Rua Santa Juliana abrange empreendimentos ligados a múltiplos ramos de atividade. Bares e restaurantes, redes de supermercados locais e nacionais, franquias, concessionárias, lojas de automóveis e autopeças, agência bancária, casa lotérica, farmácias e lojas de construção são algumas das atividades existentes na região. Acrescentam-se diversos empreendimentos não formais - ambulantes, feirantes, prestadores de serviços residenciais - que têm na rua suas operações. Dados de entrevistas salientam que tal diversidade tem-se incrementado após a implantação de grandes empresas na região, tais como a Iveco-Fiat e a Ambev.

Além do crescente número de estabelecimentos comerciais e sua diversificação, relatos apontam para sensível melhoria na qualidade dos produtos e serviços ofertados. Para número significativo de respondentes, tais alterações encontram-se diretamente associadas às mudanças nos perfis dos consumidores, sobretudo pela incorporação de gostos e Habitus de profissionais de grandes corporações instaladas na região, comumente descritos como mais sofisticados e exigentes.

Em decorrência, apontam para o fato de grande número de estabelecimentos comerciais tradicionais terem sido compelidos a se adequar às mudanças do mercado, incorporando iniciativas para maior profissionalização de seus empreendimentos, incluindo melhor seleção e capacitação de seus profissionais.

Para diversos entrevistados, se há 10 ou 15 anos a Santa Juliana não passava de uma rua de passagem, de acesso da zona rural à zona urbana de Sete Lagoas, hoje constitui um de seus principais eixos comerciais, competindo, inclusive, com o tradicional comércio da região central da cidade:

Não está compensando muito ir lá para o centro. Nas cidades vizinhas, o povo está vindo para essa região aqui comprar. Eu tenho cliente que me compra nessa loja, que não vai mais na loja do centro (RELATO, ENTREVISTA 1).

A expansão comercial, entretanto, tem provocado crescente movimento em seu setor imobiliário, com a derrubada e ou transformação de antigas moradias em pontos comerciais. Além de gerar certo "estranhamento" por parte dos moradores antigos da rua, tal tendência é apontada como prejudicial à diversidade local. Como aponta Jacobs (2009), é fundamental que haja alta concentração de pessoas cujo propósito seja morar lá. Portanto, para que a Rua Santa Juliana não vire uma "via" - espaço meramente de passagem - relatos apontam como imperativo que o comércio seja combinado de forma mais harmoniosa com a função residencial:

Eu acho que vai só crescendo o comércio [...] Cada vez mais e mais. [...] A via passa a ser cada dia mais um corredor, já estão construindo loteamentos próximo da Iveco. Você quase não vê, na Santa Juliana, residencial mais, e eu acho que a tendência é essa: continuar crescendo e pessoal buscar cada vez mais vir pra cá (RELATO, ENTREVISTA 4).

A diversidade de usos e funções encontra-se, também, segundo Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. diretamente relacionada com a pluralidade de seus usuários. Nesse quesito, a Rua Santa Juliana, uma vez mais, apresenta-se exemplar. Não obstante o maior contingente de usuários da via ser dos bairros de seu entorno - majoritariamente famílias das classes econômicas "C" e "D" - a relação de frequentadores de seu comércio tem-se diversificado, incluindo tanto representantes da zona rural próxima à via, das pequenas cidades vizinhas, de bairros populares e conjuntos habitacionais de baixa renda, quanto de profissionais de grandes companhias do entorno residentes em condomínios de classes média e alta.

Outro indicador de diversidade de ruas, segundo Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., é o tamanho das quadras. Para ela, a maioria dos quarteirões da rua deve ser curto, com oportunidades frequentes de se dobrar esquinas. Em geral, os dados coletados na Rua Santa Juliana atendem a esse requisito, notadamente, em seu trecho de maior vitalidade comercial. Não obstante as facilidades decorrentes do reduzido tamanho das quadras, relatos obtidos relevam que a circulação de pessoas pela via acaba por ser impactada por outros fatores, tais como: a ausência de pavimentação nos passeios, o estreitamento das calçadas, a competição desleal por "espaço" - inclusive nas calçadas - com veículos, bicicletas, motos, ônibus e caminhões. Somam-se a isso queixas quanto a um rápido e desordenado crescimento do fluxo de veículos e ônibus, sem correspondentes melhorias na mobilidade da região:

Quanto a estes dois aspectos, não há lugares de estacionamento na Rua Santa Juliana, o tráfego é bastante difícil, muito pesado, e calçadas em muitos trechos são muito estreitas. [...] Caótico. (ENTREVISTA 27).

Já quanto à combinação de edifícios novos e antigos, Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. observa que a rua deve ter uma mistura de edifícios com idades e estados de conservação variados. Tal condição, também, pode ser observada na Rua Santa Juliana. Nessa direção, aspecto a ser destacado é que a disposição e estrutura da rua, assim como de seus imóveis - residenciais ou comerciais - não possuem padrões arquitetônicos e construtivos únicos. Tais combinações singulares trazem vida ao local. Assim, a rua tem capacidade de oferecer algo para diferentes públicos, confirmando a premissa de Jacobs (2011)JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.. Ela é um "mix" de casas e prédios antigos e construções mais novas, construídas, especialmente, após a instalação das grandes empresas.

Os entrevistados consideram unanimemente que a Rua Santa Juliana contempla a condição relativa à diversidade de pessoas: uma alta densidade de indivíduos em momentos diferentes perseguindo miríade de propósitos (moradores, estranhos, pessoas que trabalham ou transitam no local). Essa circulação intensa contribui para a diversidade local e a segurança (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.):

Essa rua é um corredor de trânsito para muitos bairros dessa região. Passa muitas pessoas que vão pro serviço de bicicleta, de moto, de ônibus. Então tem um trânsito intenso com pico de manhã, à tarde tem muito ônibus. O dia todo. Até a noite. Dá um bom movimento na rua até umas 22 horas. Bares, tem lanchonete. (ENTREVISTA3).

Não obstante problemas e limitações, o conjunto dos dados revela-se significativo não apenas ao corroborar, empiricamente, as condições de vitalidade da Santa Juliana (JACOBS, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.), mas, sobretudo, ao evidenciar o papel proeminente do "espaço" como elemento protagonista de vitalidade econômica, cultural e social. Tal relevo é evidenciado, por exemplo, na negativa dos respondentes quanto a visões que ainda insistem em caracterizar o espaço como "morto" ou apenas como uma "moldura" sobre a qual se operam as relações sociais (SANTOS, 2012SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.). Ao contrário, os dados apontam para sua relevância e papel destacado como "capital" mobilizado pelos agentes sociais investigados, nas diferentes estratégias direcionadas ao domínio do campo em que se inserem.

4.2. INTERAÇÕES ENTRE AGENTES SOCIAIS: EMPREENDEDORES COMO PROTAGONISTAS

Análise de relações entre diferentes agentes sociais na dinâmica espacial da rua Santa Juliana revelou tensões e contradições associadas a três temas centrais: 1. Entre áreas geográficas da cidade: centro versus periferia; 2. Nas relações entre empreendedores locais e demais agentes sociais envolvidos na dinâmica da rua; 3. Nos modelos de negócios e distribuição espacial dos empreendimentos locais: novos e antigos (Quadro 1).

Quadro 1
Empreendedores locais: atributos principais

Neste sentido apresentou-se evidente o caráter protagonista assumido pelos empreendedores locais no domínio da dinâmica socioeconômica e espacial local. Dessa forma, buscar-se-á, enfatizar, para fins deste estudo, o papel desses agentes nas análises delineadas.

De toda forma, a despeito de tal protagonismo, não se pode descrever os empreendedores da Santa Juliana como um grupamento monolítico. Ao contrário, considerando os diferentes capitais por eles mobilizados - econômico, social, cultural e simbólico (BOURDIEU, 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.) -, foi possível diferenciá-los em três grupamentos: Empreendedores Tradicionais, Empreendedores Modernos e Empreendedores Bricoleurs (Quadro 2).

Quadro 2
Rua Santa Juliana: grupamentos de empreendedores, segundo Habitus

Quanto aos capitais distintivos de cada um desses grupamentos - Tradicionais, Modernos e Bricoleurs - cabe salientar que enquanto Empreendedores Tradicionais denotam forte apego ao "nome de família" e com forte ligação afetiva ao local, Empreendedores Modernos podem ser distinguidos pela busca por resultados e pela adoção de lógicas de negócios centradas em técnicas mais modernas de gestão. São descritos como focados no curto prazo e no lucro.

Acrescenta-se que Empreendedores Tradicionais buscam vantagens e formas de diferenciação mobilizando capitais de base mais tradicional, incluindo o conhecimento do local e seu mercado de consumo, relações interpessoais e de confiança e fortes laços afetivos com a comunidade (BOURDIEU, 2008BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008.). Já Empreendedores Modernos procuram mobilizar capitais culturais e intelectuais, distinguindo-se pela adoção de novas tecnologias e modelos de gestão e pela ênfase em discursos que preconizam a "abertura pessoal a constantes mudanças e adaptações", a "flexibilização nos processos, padrões e normas originalmente desenhados" e a "adequação à [...] cultura do mercado local.

Finalmente, observa-se, forte presença de Empreendedores Bricoleurs, os quais priorizam atributos de improvisação, senso de oportunidade e adaptabilidade. São eles representados por pequenas "bancas de verduras", "botequins improvisados", "ambulantes e camelôs", "barracas de vendas de produtos de ocasião", "comércios tipicamente informais", "comércios que copiam outros empreendimentos mais consolidados", dentre outros de tal natureza. Para Lévi-Strauss (1970)LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Editora Nacional, 1970. o bricoleur não opera segundo um plano previamente definido, mas sim, elaborando estruturas conforme os elementos que se lhe apresentam à mão:

Tais elementos são, pois, em parte particularizados: o bastante para que o bricoleur não tenha necessidade do equipamento e do conhecimento de todos os corpos de administração; mas não o suficiente para que cada elemento seja sujeito a um emprego preciso e determinado. Cada elemento representa um conjunto de relações, ao mesmo tempo concretas e virtuais; são operadores, porém utilizáveis em função de qualquer operação dentro de um tipo (LÉVI-STRAUSS, 1970LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Editora Nacional, 1970., p. 39).

Análise da distribuição dos empreendedores locais na tipologia utilizada revela a predominância de Empreendedores Tradicionais (56%), seguidos pelos Bricoleurs (38%) e Modernos (6%) (Tabela 1).

Tabela 1
Rua Santa Juliana: percentual de empreendedores por grupamentos

Outro achado significativo diz respeito à possibilidade de se considerar os empreendedores atuantes na Santa Juliana a partir de sua posição no espaço geográfico da rua. Sob tal perspectiva, pode-se identificar quatro trechos principais, que a definem: Residencial, Serviços, Comércio e Grandes Empreendimentos (Figura 1).

Figura 1
Empreendedores segundo a localização espacial

No primeiro trecho, tem-se predomínio de imóveis residenciais, com presença de poucos estabelecimentos comerciais. No segundo trecho, constata-se o predomínio de estabelecimentos de serviços, recreação e lazer. É maciça a presença de botequins, bares e restaurantes, grande parte pertencentes a Empreendedores Tradicionais e Bricoleurs. Os modelos de gestão desses empreendimentos são pouco sistemáticos, com fortes traços de informalidade e amplamente fundamentados em laços de confiança.

Quanto ao terceiro trecho, tem-se a prevalência de quadras mais curtas e a elevada densidade populacional dos bairros que compõem seu entorno são alguns dos fatores que favorecem uma maior concentração de empreendimentos comerciais. O "inchaço" dos bairros vizinhos por trabalhadores das grandes empresas instaladas na região possibilitou, igualmente, sua rápida valorização para fins comerciais ou conjugados - comércio e residência. Nesse trecho tem-se a maior mistura de empreendedores - Empreendedores Tradicionais, Modernos e Bricoleurs - assim como a presença de sobrados, em que comércios atuam no térreo e o andar superior é direcionado a moradias.

Já o último trecho, onde finda a rua, caracteriza-se pela predominância de empreendimentos maiores, de maior porte, os quais demandam maior espaço físico, como supermercados, concessionárias de veículos, grandes lojas de varejo de materiais de construção, lojas de materiais elétricos e locadores de equipamentos de construção. Neste trecho predominam os Empreendimentos Modernos. A Figura 2 apresenta uma visão geral dos diferentes grupamentos de empreendedores presentes nos trechos que caracterizam a Santa Juliana.

Figura 2
Rua Santa Juliana: percentual de grupamentos de empreendedores por trecho Tradicional Bricoleur Moderno

Depoimentos obtidos, incluindo-se de empreendedores, apontam a complementariedade de capitais entre comerciantes antigos e novos - e, dentre esses, de empreendedores tradicionais, modernos e bricoleurs - como fator preponderante às melhorias públicas incorporadas à rua, ao longo das últimas duas décadas. Segundo os relatos, a bem articulada conjugação entre capitais "simbólicos" e "sociais", aportados pelos comerciantes mais antigos, e capitais "econômicos" e "culturais", incorporados pelos novos entrantes, têm-se revelado significativos para o desenvolvimento da rua.

Eles apontam, também, que apesar da elevada atratividade da Santa Juliana a novos empreendedores, os existentes não relatam acirramento da concorrência entre si. O discurso da "concorrência saudável", da "ajuda mútua", da "complementaridade" e da "competição com a região central da cidade, e não entre eles", é recorrente.

Em suma, os achados obtidos apresentam-se relevantes, sobretudo, na medida em que apontam para a relevância de considerações mais sistemáticas, que extrapolem os capitais econômicos, sociais, culturais e simbólicos (BOURDIEU, 2008BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008., 2010BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.), atribuindo maior importância ao capital "espacial", comumente relegado a segundo plano por estudos clássicos em Economia e Geografia (SANTOS, 2012SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual relevância atribuída à dimensão espacial pode ser evidenciada pelo crescente interesse que lhe dedicam não somente geógrafos, urbanistas, planejadores, como também sociólogos, historiadores, etnólogos e demógrafos. Tal interesse encontra-se associado aos processos contemporâneos de mundialização da economia e dos mercados, os quais implicam demandas por redefinições de conceitos como os de "local" e "acontecimento", como também por enfoques epistêmico-metodológicos capazes de apreender sua complexidade.

Demanda-se, desse modo, dispositivos de apreensão dos objetos e ações que dinamizam essas "novas" relações tempero-espaciais bem como de captura de suas lógicas de estruturação e formas de funcionamento. Uma promissora possibilidade é a busca pela compreensão de tais conceitos como "realidades relacionais", isto é, como articulações indissociáveis entre objetos e relações humanas.

Bourdieu (2008, p. 38)BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008., porém, adverte que: "o espaço físico não passa de suporte vazio das propriedades sociais dos agentes e instituições que, estando distribuídos por essa superfície, transformam-na em um espaço social, socialmente hierarquizado". Tal advertência não quer dizer que para Bourdieu (2008)BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008. o espaço se resume ao "morto" (SANTOS, 2012SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.), como em abordagens clássicas da economia e da geografia. Igualmente, não significa que esse autor lhe atribuía o mesmo status destinado às instâncias econômica, social, cultural e simbólica. Para ele, o espaço somente pode ser apreendido nas relações que envolvem o conjunto de tais instâncias. Apreendê-lo significa investigar suas intercessões com os diferentes capitais mobilizados em um dado campo social. Somente nessa articulação ele pode ser capturado em sua complexidade.

Muito embora a precaução de Bourdieu quanto a leituras calcadas em "determinismos ambientais", um importante achado deste estudo refere-se à riqueza do "capital espacial" na compreensão da dinâmica investigada. A prevalência de trechos com características espaciais específicas; a maior valorização econômica e simbólica de um dos lados da via; o maior fluxo de pessoas, de variedade de funções, de combinação de prédios novos e antigos e de disposição de quadras influenciando uma maior ou menor vitalidade de diferentes trechos da Santa Juliana, sugerem o caráter ativo do espaço, assim como sua relevância como categoria de análise nos moldes dos capitais econômicos, sociais, culturais e simbólicos. Longe de desconsiderar a dimensão relacional do espaço, parece indiscutível o papel da representação cartográfica da distribuição do espaço de grupamentos de agentes e instituições investigados.

Os achados da Santa Juliana apresentam-se sugestivos ao apontar para o espaço não apenas como elemento que "transversaliza" a dinâmica pesquisada. Ao contrário, foi possível apreendê-lo também como componente "estruturante" da relação. Estruturante, na medida em que alterações em sua composição impactam o "equilíbrio dinâmico" da arquitetura socioespacial em análise, manifesta na articulação entre o conjunto dos capitais envolvidos.

A maior presença de residências de um único pavimento, no início da Santa Juliana, e não por coincidência em sua área mais próxima à região central da cidade; a maior vitalidade do comércio no trecho de quadras mais curtas e de maior contato com os bairros mais densamente povoados do entorno, o maior fluxo de moradores, de mistura mais intensa de prédios novos e usados, de maior diversidade de usos e funções; bem como a prevalência de terrenos maiores, de prédios mais novos e de empreendimentos de maior porte no final da via, apresentaram-se sintomáticos da relevância de um certo "capital espacial" nas estratégias de diferenciação adotadas pelos diferentes agentes sociais envolvidos na dinâmica da rua.

Nessa direção, o método e as potencialidades da "Teoria da Ação Prática", de Bourdieu, com destaque para seu caráter relacional, multidimensional e dinâmica, expuseram sua robustez, inclusive, na própria extrapolação de campos e capitais originalmente estabelecidos pelo autor, revelando-se central à análise dos dados obtidos a partir da "Grounded Theory" na Rua Santa Juliana. De fato, por meio dela foi possível identificar semelhanças e diferenças quanto a distintos capitais mobilizados por seus principais agentes sociais.

Com relação à perspectiva teórica de Jacobs (2009, 2011JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.), as evidências empíricas confirmam que a rua investigada contempla as quatro condições necessárias para a diversidade e vitalidade de uma dada espacialidade: diversidade de funções; tamanho das quadras; mistura entre edifícios novos e antigos; densidade de pessoas.

Em termos teóricos, a relevância desses achados faz-se notar, uma vez mais, ao indicarem que os empreendedores da Santa Juliana apresentam variações entre si - em termos de papéis desempenhados, atributos pessoais, estilos de gestão de seus empreendimentos - e convivem em constantes inter-relações, conflitos e alianças. Tais achados revelam-se proeminentes visto que a literatura clássica sobre o empreendedorismo ainda não se apresenta suficientemente atenta às dinâmicas de coexistência e tensão entre tipos de empreendedores distintos. E, nessa direção, ao mesmo tempo em que cada tipo de empreendedor identificado tem seu papel, seus objetivos, mobilizam diferentes capitais e produzem impactos, e eles coexistem em um estado de tensão dinâmica, ainda pouco explorada na literatura sobre o empreendedorismo.

Em outras palavras, seguindo trilhas abertas por investigações desenvolvidas por Sant'Anna e Nelson (2013)SANT'ANNA, Anderson S.; NELSON, Reed E. Reconversão de funções econômicas de cidades: contribuições aos estudos sobre empreendedorismo. Pretexto, v. 14, p. 81-97, 2013. e Nelson e Sant'Anna (2012)AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Terceiro Tempo, 2011., importante resultado deste estudo é que os sujeitos personificados nos diferentes tipos de empreendedores identificados não emergem nem atuam em um vácuo social nem são independentes uns dos outros. Ao contrário, fazem parte de uma ecologia social comunitária (HANNAN; FREEMAN, 1984HANNAN, Michael; FREEMAN, John. Structural inertia and organizational change. American Sociological Review, v. 49(2):149-164, 1984.), repleta de disputa, colaboração, assim como sinergias intencionais e inconscientes.

De fato, a dinâmica observada na Santa Juliana apresenta-se bastante diferente dos extremos que caracterizam o pensamento tradicional sobre o empreendedorismo: De um lado, a visão dos empreendedores como elementos quase míticos, que ao contrário dos demais indivíduos, por seu gênio e por suas competências singulares, estariam aptos a identificar e aproveitar oportunidades e criar novas riquezas que outros não conseguiriam vislumbrar (COLLINS; MOORE, 1964COLLINS, Orvis; MOORE, David. The enterprising man. Michigan State University Press: East Lansing, MI, 1964.; MILLER, 1983MILLER, Danny. The correlates of entrepreneurship in three types of firms. Management Science, Vol. 29(7): 770-791, 1983.; MINER, 2000MINER, Anne; BASSOFF, Paula; MOORMAN, Christine. Organizational improvisation and learning: A field study. Administrative Science Quarterly, v. 46: 304-337, 2001.; SCHUMPETER, 1950SCHUMPETER, Joseph. Capitalism, socialism and democracy. Harper: New York, 1950.). De outro lado, a ideia de que macro forças tecnológicas e econômicas criariam oportunidades para novos empreendimentos - os quais são idealizados ao acaso por pessoas, e não por virtudes particulares - acontecem de estar na hora certa, no lugar certo. Exemplo nessa linha seriam os estudos clássicos sobre a Ecologia Social Comunitária (HANNAN; FREEMAN, 1984HANNAN, Michael; FREEMAN, John. Structural inertia and organizational change. American Sociological Review, v. 49(2):149-164, 1984.; FREEMAN; AUDIA, 2006FREEMAN, John; AUDIA, Pino. Community ecology and the sociology of organizations. Annual Review of Sociology, 32: 145-169, 2006.). Sem dúvida, a dinâmica da Santa Juliana, em Sete Lagoas (MG), forjou configurações de recursos espaciais de certa forma singulares.

Ademais, os resultados sugerem que embora os tipos de empreendedores encontrados na literatura internacional (SMITH, 1967SMITH, Norman R. The entrepreneur and his firm: The relationship between type of man and type of company. Michigan State University: East Lansing, MI, 1967.; FILLEY; ALDAG, 1978FILLEY, Alan; ALDAG, Ramon. (1978) Characteristics and measurement of an organizational typology. Academy of Management Journal, Vol. 21(4): 578-591.; COOPER; RAMACHANDRAN; SCHOORMAN, 1997COOPER, Arnold C., RAMACHANDRAN, Mohan, & SCHOORMAN, David F. Time Allocation Patterns of Craftsmen and Administrative Entrepreneurs: Implications for Financial Performance. Entrepreneurship theory and practice, vol. 22 (2), 123-136, 1997.; SARASVATHY, 2004SARASVATHY, Sara. The questions we ask and the questions we care about: Reformulating some problems in entrepreneurship research. Journal of Business Venturing, v. 19, 2004.; STINCHFIELD; NELSON; WOOD, 2010STINCHFIELD, Bryan. T.; NELSON, Reed E.; WOOD, Matthew. Entrepreneurial opportunities: Bricolage, Art, Craft, engineering and Brokerage. Proceedings of the Babson Entrepreneurship Research Conference, Lausanne, Swiss, 2010.) possam ser reconhecidos na Santa Juliana, as trajetórias e origens sociais das pessoas que representam tais tipos podem ser bastante diferentes. Isso indica que, mesmo que os tipos de empreendedores acabem tendo um perfil universal típico, o caminho que ele percorre para ocupar determinado papel de empreendedor em seu campo pode variar de forma significativa em função do contexto.

Igualmente, em termos práticos, o estudo contribui com elementos que se espera vir a propiciar formas outras de educação e desenvolvimento de cidadãos, lideranças, empreendedores, urbanistas e planejadores públicos. Nessa direção, espera-se: 1. Propiciar subsídios para o desenvolvimento de metodologias de análise de dinâmicas de empreendedorismo social; 2. Apresentar contribuições para o desenho de metodologias de desenvolvimento de lideranças direcionadas a tais processos; 3. Aportar elementos para elaboração de políticas públicas e ações orientadas ao desenvolvimento local, incorporando perspectivas mais coletivas e assentadas no cotidiano de seus agentes.

Quanto às suas limitações há de se destacar que as escolhas de recorte de uma pesquisa, ao mesmo tempo em que fundamentais para se delimitar um problema e permitir foco na investigação, impõem restrições, cuja superação representa oportunidades de desdobramentos da pesquisa. Nesse sentido, na abordagem adotada para este estudo, duas escolhas importantes correspondem, igualmente, a duas consideráveis limitações. A primeira relaciona-se ao próprio caráter "exploratório" do estudo e, nesse sentido, à opção por um método menos ortodoxo de pesquisa, a Grounded Theory. A segunda diz respeito à realização de sua parte empírica considerando um caso único, ainda que emblemático, do fenômeno em análise. Seria interessante descrever e comparar o estudo em outros casos, o que se propõe como recomendação para futuras investigações.

Não obstante as limitações, cabe destacar, pelo confronto entre teoria e dados empíricos, possibilidades de resposta à questão de pesquisa formulada. A partir do conjunto dos dados analisados, evidenciou-se que os diferentes atores sociais envolvidos na dinâmica da Santa Juliana se articulam por meio da mobilização de diferentes capitais culturais, econômicos, simbólicos, bem como "espaciais". Da mesma forma, diferentes características de diversidade e vitalidade se veem associadas a distintas formas de mobilização de tais capitais. Em outros termos, grupamentos de agentes sociais específicos, mobilizando distintos capitais, condicionam e são condicionados por configurações e capitais espaciais igualmente específicos, que resultam em dinâmicas mais ou menos favorecedoras de diversidade e vitalidade.

6. REFERENCES

  • AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Terceiro Tempo, 2011.
  • BAUM, Jac A. C. Ecologia organizacional. In: Clegg, Stewart . R.; Hardy, Cynthia; & Nord, Walter R. (Eds.) Handbook de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1998.
  • BOURDIEU, Pierre. Espaço físico, espaço social e espaço físico apropriado. Estudos Avançados, v. 27, n. 79, São Paulo, 2013.
  • BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
  • BOURDIEU, Pierre. O senso prático. Petrópolis: Vozes, 2009.
  • BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008.
  • BOURDIEU, Pierre. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas.bold>São Paulo: Brasiliense, 2004.
  • BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.
  • BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996a.
  • COLLINS, Orvis; MOORE, David. The enterprising man. Michigan State University Press: East Lansing, MI, 1964.
  • COOPER, Arnold C., RAMACHANDRAN, Mohan, & SCHOORMAN, David F. Time Allocation Patterns of Craftsmen and Administrative Entrepreneurs: Implications for Financial Performance. Entrepreneurship theory and practice, vol. 22 (2), 123-136, 1997.
  • DAMATTA, Roberto1997.l. Rio de Janeiro: Rocco.. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
  • DEY, Ian. Grounding Categories: In: Bryant. Antony Z.; & Charmaz. Kathy T. A. (Eds.). The Sage Handbook of Grounded Theory. Sage Publications: Los Angeles, 2007.
  • FILLEY, Alan; ALDAG, Ramon. (1978) Characteristics and measurement of an organizational typology. Academy of Management Journal, Vol. 21(4): 578-591.
  • FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Editora Artmed, 2009.
  • FOUCAULT, Michel. O Corpo Utópico: As Heterotopias. São Paulo, n-1 Edições. 2013.
  • FREEMAN, John; AUDIA, Pino. Community ecology and the sociology of organizations. Annual Review of Sociology, 32: 145-169, 2006.
  • GLASER, Barney. Sensitivity: Advances in the methodology of grounded theory. Sociology Press: Mill Valley, CA, 1978.
  • GLASER, Barney. Basics of grounded theory analysis: Emergence vs. forcing. Sociology Press: Mill Valley, CA, 1992.
  • GLASER, Barney; STRAUSS, Aanselm. The discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Aldine de Gruyter: New York, 1967.
  • HANNAN, Michael; FREEMAN, John. Structural inertia and organizational change. American Sociological Review, v. 49(2):149-164, 1984.
  • HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1989.
  • JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
  • JACOBS, Jane. The Economy of Cities. New York: Vintage, 1969.
  • LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Editora Nacional, 1970.
  • LINCOLN, Yvonna; GUBA, Egon G. Naturalistic inquiry. London: Sage Publications, 1985.
  • MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. São Paulo: Atlas, 2006.
  • MILLER, Danny. The correlates of entrepreneurship in three types of firms. Management Science, Vol. 29(7): 770-791, 1983.
  • MINER, Anne; BASSOFF, Paula; MOORMAN, Christine. Organizational improvisation and learning: A field study. Administrative Science Quarterly, v. 46: 304-337, 2001.
  • NELSON, Reed E.; SANT'ANNA, Anderson S. (2012) Entrepreneurial types and community dynamics in Tiradentes, Brazil. In: Academy of Management Annual Meeting. Proceedings... Boston: AoM.
  • RICHARDSON, Roberto J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1985.
  • SÁNCHEZ, Fernanda (2003) A reinvenção das cidades: para um mercado mundial. Chapecó: Editora Argos.
  • SANT'ANNA, Anderson S.; NELSON, Reed E. Reconversão de funções econômicas de cidades: contribuições aos estudos sobre empreendedorismo. Pretexto, v. 14, p. 81-97, 2013.
  • SANTOS, Milton. O espaço dividido: Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, São Paulo: Edusp, 2014.
  • SANTOS, Milton. Economia Espacial: Críticas e alternativas. São Paulo: Edusp, 2014b.
  • SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: Da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2012.
  • SARASVATHY, Sara. The questions we ask and the questions we care about: Reformulating some problems in entrepreneurship research. Journal of Business Venturing, v. 19, 2004.
  • SMITH, Norman R. The entrepreneur and his firm: The relationship between type of man and type of company. Michigan State University: East Lansing, MI, 1967.
  • STINCHFIELD, Bryan. T.; NELSON, Reed E.; WOOD, Matthew. Entrepreneurial opportunities: Bricolage, Art, Craft, engineering and Brokerage. Proceedings of the Babson Entrepreneurship Research Conference, Lausanne, Swiss, 2010.
  • SCHUMPETER, Joseph. Capitalism, socialism and democracy. Harper: New York, 1950.
  • ZALTMAN, Gerald; COULTER, Robin. Seeingthevoice of thecustomer: metaphor-basedadvertisingresearch. Journal of Advertising Research, 1995.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2016
  • Revisado
    24 Ago 2016
  • Aceito
    24 Ago 2016
Fucape Business School Av. Fernando Ferrari, 1358, Boa Vista, 29075-505, Vitória, Espírito Santo, Brasil, (27) 4009-4423 - Vitória - ES - Brazil
E-mail: bbronline@bbronline.com.br