A concepção sobre saúde incorpora múltiplos sentidos que se sobrepõem ao estado natural: como um constructo social e cultural em suas dimensões que compõem o viver humano, na perspectiva inter e transdisciplinar; como um produto de condições de vida em complexa teia de relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza através do trabalho; e como um direito social de cidadania.
Faz-se oportuno destacar que o reconhecimento social, em prol da busca e do alcance de direitos, não corresponde apenas a uma noção exclusivamente setorial de formulação de políticas de saúde, mas a um elo integrador capaz de permear todas as políticas sociais do Estado, de modo que o direito à saúde não seja considerado apenas enquanto o direito ao acesso a serviços de saúde, mas também o direito a uma condição digna de vida.
Nessa direção, a cidadania como a garantia de um conjunto de liberdades, direitos e deveres estabelecidos em uma sociedade, não deve ficar na dependência de outorga pelo Estado de acordo com seu interesse, mas abranger uma capilaridade ligada aos movimentos sociais e a luta pelos direitos, o que requer o protagonismo e a constituição de sujeitos ativos.
Portanto, torna-se necessário o fortalecimento dos espaços de democratização e de participação, seja em instancias colegiadas de gestão institucionais/legais, ou outras instâncias que viabilizem a participação da sociedade civil.
O cenário contemporâneo, no qual se observa avanços no plano legal quanto ao reconhecimento da saúde como direito de cidadania, impõe vários desafios a serem enfrentados em busca da superação da distância entre a formalidade das leis e a consciência e a prática dos sujeitos sociais. A cidadania enquanto um padrão de civilização em constante desenvolvimento na sociedade exige, para seu aprimoramento, uma postura direta (ativa) de participação, estimulada tanto pela luta para adquirir direitos, quanto pelo gozo dos mesmos quando adquiridos11 Costa MIS, Ianni AMZ. O conceito de cidadania. In: Individualização, cidadania e inclusão na sociedade contemporânea: uma análise teórica. São Bernardo do Campo, SP: Editora UFABC, 2018, p. 43-73. https://doi.org/10.7476/9788568576953.0003.
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Entre os desafios mencionados, consta a necessidade de abertura de espaços participativos cotidianos para reflexão sobre o contexto do velhismo, apontando alternativas que possam modificar pensamentos (estereótipos), sentimentos (preconceitos) e atitudes (discriminação) depreciativas relacionadas ao aumento da idade.
O velhismo, compreendido como uma forma preconceituosa de representar a longevidade, é um evento complexo e multidimensional que pode ocorrer de forma estrutural (institucional), interpessoal (relacional) e auto infligida (contra si mesmo)22 Officer A, Thiyagarajan JA, Schneiders ML, et al. Ageism, healthy life expectancy and population ageing: how are they related? Int. J. Environ. Res. Public Health. 2021; 17(9):3159. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32370093/.. É preciso desmistificar que o idoso faz parte de um estrato populacional homogêneo e vulnerável, ampliando a compreensão sobre a heterogeneidade e a singularidade do processo de envelhecimento.
Nesse escopo, um aspecto merece atenção, pela escassez de estudos: os efeitos da sobreposição de preconceitos sobre a saúde da pessoa idosa. Os estigmas, ainda persistentes na sociedade, amplificam estereotipias e depreciações. Precisamos ouvir o que as pessoas idosas – muitas delas: negras; ciganas; indígenas; LGBTQIAP+; obesas; Pessoas Com Deficiência (PCD), entre outros – têm a dizer, sobre suas estratégias de enfrentamento das dificuldades e desafios do dia a dia e sobre suas capacidades associativas enquanto coletivo de resistência em busca de confiança, respeito e estima33 Lima RRT, Costa MV, Vilar RLA, Castro JL, Lima KC. Identificando necessidades e possíveis soluções: com a palavra, pessoas idosas na Atenção Primária à Saúde. Saúde debate. 2018; 42(119):977-989. https://doi.org/10.1590/0103-1104201811915
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Apesar das lutas sociais terem trazido ao longo da história a ampliação dos direitos de cidadania, na vida cotidiana as pessoas poucas vezes os exercem, os exigem ou apropriam-se destes direitos. Ainda predomina uma visão naturalizada das situações onde a cidadania não é exercida na sua plenitude. Na verdade, a cidadania é algo conquistado, que implica na consolidação da democracia, nas transformações das instituições do Estado e em mudanças na cultura da sociedade. Um dos grandes desafios está na capacidade de articular as mudanças institucionais com a criação e expansão de práticas democráticas e de uma cultura de cidadania, principalmente entre (e com) as pessoas idosas.
REFERÊNCIAS
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1Costa MIS, Ianni AMZ. O conceito de cidadania. In: Individualização, cidadania e inclusão na sociedade contemporânea: uma análise teórica. São Bernardo do Campo, SP: Editora UFABC, 2018, p. 43-73. https://doi.org/10.7476/9788568576953.0003.
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2Officer A, Thiyagarajan JA, Schneiders ML, et al. Ageism, healthy life expectancy and population ageing: how are they related? Int. J. Environ. Res. Public Health. 2021; 17(9):3159. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32370093/.
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3Lima RRT, Costa MV, Vilar RLA, Castro JL, Lima KC. Identificando necessidades e possíveis soluções: com a palavra, pessoas idosas na Atenção Primária à Saúde. Saúde debate. 2018; 42(119):977-989. https://doi.org/10.1590/0103-1104201811915
» https://doi.org/10.1590/0103-1104201811915
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Ago 2021 -
Data do Fascículo
2022