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Covid-19: Por que a proteção de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é prioritária no combate à pandemia?

COVID-19: why the protection of health workers is a priority in the fight against the pandemic?

COVID-19: ¿por qué la protección de los trabajadores de la salud es prioridad en la lucha contra la pandemia?

Resumo

A pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) configura quadro de emergência de saúde pública mundial. Algumas categorias ocupacionais têm risco elevado de exposição à infecção, como os(as) trabalhadores(as) da saúde. Neste artigo, objetiva-se sumarizar e sistematizar aspectos relativos às condições de trabalho e de saúde dos(as) trabalhadores(as) da saúde nessa pandemia, enfatizando a situação no Brasil, experiências exitosas na proteção do trabalho em saúde em outros países e recomendações para o contexto brasileiro. Iniciativas imediatas de proteção e combate à pandemia em outros países incluíram como pontos estratégicos: adequação das condições de trabalho; testagem sistemática e ações específicas de assistência aos(às) trabalhadores(as). Para o enfrentamento da Covid-19 no Brasil, destacam-se como recomendações: revisão de fluxos de atendimento e definição de características e condições para cada etapa de atendimento; estabelecimento da Covid-19 como doença relacionada ao trabalho para os grupos expostos; registro efetivo da ‘ocupação’ nos sistemas de informação; estabelecimento de condições especiais para execução do trabalho na situação de epidemia; atenção às jornadas laborais e ações para redução de estressores ocupacionais. A atuação desses(as) trabalhadores(as) é elemento central no enfrentamento da pandemia, portanto, o plano de combate ao Covid-19 deve incluir proteção e preservação de sua saúde física e mental.

Covid-19; trabalhadores da saúde; saúde do trabalhador

Abstract

The pandemic caused by the new coronavirus (SARS-CoV-2) is a worldwide public health emergency. Some occupational categories, such as health workers, are at high risk of exposure to the infection. This article aims to summarize and systematize aspects related to the health and working conditions of health workers in this pandemic, especially in Brazil, successful experiences in the protection of healthcare work in other countries and recommendations for the Brazilian context. Immediate initiatives to protect and combat the pandemic in other countries included as strategic points: adequacy of working conditions; systematic testing and specific assistance actions for healthcare workers. In order to face COVID-19 in Brazil, the following recommendations stand out: review of service flows and definition of characteristics and conditions for each stage of service; establishment of COVID-19 as a work-related disease for exposed groups; effective registration of ‘occupation’ in information systems; establishment of special conditions for carrying out work in the event of an epidemic; attention to working hours and actions to reduce occupational stressors. The performance of these workers is a central element in facing the pandemic, therefore, the plan to combat COVID-19 must include protection and preservation of their physical and mental health.

COVID-19; health workers; worker’s health

Resumen

La pandemia causada por el nuevo coronavirus (SARS-CoV-2) constituye una emergencia mundial de la salud pública. Algunas categorías profesionales corren un alto riesgo de exposición a la infección, como lo son los trabajadores de la salud. Este artículo tiene como objetivo resumir y sistematizar aspectos relacionados a las condiciones laborales y de salud de los trabajadores de salud en esta pandemia, enfatizando la situación en Brasil, experiencias que dieron resultado para la protección del trabajo de salud en otros países y recomendaciones para el contexto brasileño. Iniciativas inmediatas de protección y combate de la pandemia en otros países incluyen como puntos estratégicos: adecuación de las condiciones de trabajo; pruebas sistemáticas y acciones puntuales de asistencia para los trabajadores. Para enfrentar el COVID-19 en Brasil, se destacan las siguientes recomendaciones: revisión de los flujos de atendimiento y definición de características y condiciones para cada etapa del atendimiento; establecimiento de COVID-19 como enfermedad relacionada al trabajo para grupos expuestos; registro efectivo de “ocupación” en los sistemas de información; establecimiento de condiciones especiales para realizar trabajos en caso de epidemia; control de las horas de trabajo y acciones para reducir los motivadores de estrés laboral. El desempeño de estos trabajadores es un elemento central para enfrentar la pandemia, por lo tanto, el plan para combatir COVID-19 debe incluir protección y preservación de su salud física y mental.

COVID-19; trabajadores de la salud; salud del trabajador

Introdução

A pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), cuja doença recebeu o nome de Covid-19, representa um dos problemas de saúde mais agudos e graves das últimas décadas, configurando quadro de emergência de saúde pública mundial (Lipsitch, Swerdlow e Finelli, 2020). Trata-se de vírus de elevada transmissibilidade ( Rothan e Byrareddy, 2020ROTHAN, Hussin A.; BYRAREDDY, Siddappa N. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (Covid-19) outbreak. Journal of Autoimmunity , United State, v. 109, n.102433, p. 1-4, 2020. DOI: 10.1016/j.jaut.2020.102433. ; Wilder-Smith, Chiew e Lee, 2020; Khachfe et al., 2020KHACHFE, Hussein H. et al. An epidemiological study on Covid-19: a rapidly spreading disease. Cureus , San Francisco, v. 12, n. 3, p. e7313, 2020. ) e letalidade para indivíduos idosos e portadores de doenças crônicas, sobretudo doenças respiratórias (como asma e bronquite) ( Shi et al., 2020SHI, Heshui et al. Radiological findings from 81 patients with Covid-19 pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. The Lancet Infectious Diseases , London, v. 20, p. 425-434, 2020. DOI: 10.1016/S1473-3099(20)30086-4. ).

Nesse momento, um evento crítico de saúde pública reorganiza a vida em sociedade. Abruptamente, o mundo caminhou na mesma direção no que diz respeito a mudanças comportamentais, individuais e coletivas, na ocupação dos espaços públicos, na mobilidade, nos hábitos de vida e de saúde, nos padrões de consumo e nas relações pessoais e familiares. A pandemia causada pela Covid-19, para além dos aspectos clínicos e biológicos e de assistência à saúde envolvidos, apresenta um rol de problemas a serem enfrentados que questionam radicalmente os modelos de desenvolvimento das sociedades modernas. Esses modelos se esgotam quando a pandemia descortina o ciclo de reprodução da pobreza, das iniquidades sociais e de saúde como ameaça concreta à existência das sociedades e de seus diferentes grupos sociais.

No Brasil, a pandemia desvela situações históricas de negligência de políticas públicas, incluindo o subfinanciamento do sistema público de saúde, da ciência, da tecnologia e das universidades públicas, além da desvalorização do trabalho e dos trabalhadores ( Cueto, 2020CUETO, Marcos. O Covid-19 e as epidemias da globalização. História, Ciências, Saúde – Manguinhos , Rio de Janeiro, 29 mar. 2020. Disponível em: <http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/o-covid-19-e-as-epidemias-da-globalizaco/>. Acesso em: 16 abr. 2020.
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). Nos últimos anos, o país tem vivenciado o aprofundamento da desvalorização dos trabalhadores da saúde, especialmente nos serviços públicos ( Souza, 2011SOUZA, Moema A. S. L. Trabalho em saúde: as (re)configurações do processo de desregulamentação do trabalho. In: DAVI, Jordeana; MARTINIANO, Claudia; PATRIOTA, Lucia M. (Orgs.). Seguridade social e saúde: tendências e desafios. Campina Grande: EDUEPB, 2011. p. 147-174. ). Contudo, a situação atual de crise sanitária evidencia o papel crucial desses(as) trabalhadores(as) para a garantia da vida das populações afetadas. Pandemias exigem prontamente que serviços de saúde respondam às demandas para as quais nem sempre estão preparados. Com o crescimento de casos de Covid-19 em larga escala, a demanda sobre esses profissionais cresce exponencialmente. Durante uma epidemia, a organização do trabalho de diversos grupos ocupacionais sofre profundas alterações quanto à jornada de trabalho, realização de horas extras e ritmo de trabalho ( Schwartz, King e Yen, 2020SCHWARTZ, Jonathan; KING, Chwan-Chuen; YEN, Muh-Yong. Protecting healthcare workers during the coronavirus disease 2019 (COVID19) outbreak: lessons from Taiwan’s Severe Acute Respiratory Syndrome Response. Clinical Infectious Di seases, New York, ciaa255, p. 1-3, 2020. DOI: 10.1093/cid/ciaa255. ).

Trabalhadores(as) da saúde, como médicos(as), enfermeiros(as), fisioterapeutas, técnicos(as) de enfermagem, agentes comunitários(as) de saúde, pessoal de limpeza, porteiros(as) e atendentes de serviços de saúde estão na linha de frente de combate ao coronavírus e em contato direto com pessoas face a face; consequentemente, estão mais expostos(as) a contrair a Covid-19. No caso específico de profissionais de saúde, com base nos dados disponíveis estima-se que na China mais de três mil profissionais tenham se infectado com o coronavírus, dos quais 23 morreram ( Xiang et al., 2020XIANG, Yu-Tao et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. The Lancet Psychiatry , London, v. 7, n. 3, p. 228-229, 2020. DOI: 10.1016/S2215-0366(20)30046-8. ). Na Itália, 4.884 casos de Covid-19 ocorreram entre profissionais de saúde com 24 óbitos de médicos(as) (Anelli et al., 2020). As infecções estão associadas à inadequação ou a falhas nas medidas de precaução e de proteção contra a doença, escassez de equipamentos de proteção individual (máscaras cirúrgicas e do tipo PFF2 e vestuário), presença de aglomerações, indivíduos infectados e assintomáticos que mantiveram contato com médicos(as), enfermeiros(as) e demais trabalhadores(as) da saúde, dentre outros fatores ( Xiang et al., 2020XIANG, Yu-Tao et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. The Lancet Psychiatry , London, v. 7, n. 3, p. 228-229, 2020. DOI: 10.1016/S2215-0366(20)30046-8. ).

Apesar de serem fundamentais para a garantia da vida de populações inteiras, ações de atenção à saúde e segurança desses(as) trabalhadores(as) nem sempre são incorporadas às medidas de enfrentamento do problema. Essa dimensão precisa ser problematizada, ao mesmo tempo que medidas específicas e urgentes devem ser priorizadas, especialmente nesse contexto de reorganização da vida social, dos serviços, dos ambientes e processos de trabalho em saúde como resposta à pandemia da Covid-19. O objetivo deste artigo é sumarizar e sistematizar aspectos relativos às condições de trabalho e sua relação com a saúde, enfatizando a situação atual da pandemia entre os(as) trabalhadores(as) da saúde, as experiências exitosas na proteção do trabalho em saúde adotadas em outros países e recomendações para o contexto brasileiro.

Situação da pandemia no Brasil

No Brasil, o primeiro caso da Covid-19 foi identificado pelos sistemas de vigilância em saúde de São Paulo, em 26 de fevereiro de 2020. Atualmente, a doença atinge todas as regiões e unidades federativas do país. Em 16 de junho de 2020, o coeficiente de incidência foi estimado em 439,3 casos para cada 1.000.000 habitantes, sendo mais elevado no Amapá (2.131,2/1.000.000), Amazonas (1.399,8/1.000.000), Roraima (1.144,8/1.000.000), Acre (1.134,2/1.000.000), Ceará (890,1/1.000.000) e Maranhão (886,4/1.000.000) (Brasil, 2020a).

A produção sistemática de informações sobre a magnitude da pandemia enfrenta vários desafios para a análise entre trabalhadores(as), dificultando o dimensionamento do problema em grupos mais vulneráveis, como trabalhadores(as) da saúde. Nos sistemas de informações da Covid-19, observam-se problemas relativos à qualidade da informação, a campos mal-estruturados e à ausência de campos de interesse à saúde do trabalhador, que dificultam a consolidação dos dados. A dificuldade de acesso aos testes diagnósticos, até mesmo em grupos em alta exposição de infecção, constitui barreira significativa a essa análise. Não existem estimativas oficiais, disponíveis até o momento, sobre a proporção de trabalhadores(as) de saúde infectados e de óbitos, o que contribui para a invisibilidade do problema, impedindo a elaboração de políticas públicas específicas para essa população. Apesar das falhas no registro, de acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde até 06 de julho de 2020, foram notificados 786.417 casos suspeitos da Covid-19 entre trabalhadores(as) de saúde. Destes, 173.440 foram confirmados. Os mais afetados são técnicos (as) e auxiliares de enfermagem (34,4%), enfermeiros (as) (14,8%), médicos(as) (10,8%), agentes comunitários(as) de saúde (4,6%) e recepcionistas (4,6%) (Brasil, 2020b).

Em geral, há consenso de que esses(as) trabalhadores(as) são os(as) mais afetados(as); contudo, a ausência de dados e análises mais específicas impedem que se ultrapasse a mera constatação do problema. Levantamentos preliminares realizados por conselhos profissionais e investigações científicas apresentam cenário preocupante. Pesquisa conduzida em hospitais públicos da cidade do Rio de Janeiro identificou elevada taxa de infecção pelo novo coronavírus entre profissionais de saúde (25%), muito acima daquelas verificadas na China (4%) e na Itália (15%), em estágios mais avançados da pandemia ( Azevedo, 2020AZEVEDO, Ana L. Coronavírus atinge até 25% de profissionais de saúde no Rio. O Globo , seção Sociedade, Rio de Janeiro, 8 abr. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/coronavirus=atinge-ate-25-dos-profissionais-de-saude-no-rio-1-24357939>. Acesso em: 18 abr. 2020.
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; Koh, 2020KOH, David. Occupational risks for COVID-19 infection. Occupational Medicine , Oxford, v. 70, n. 1, p. 3-5, 2020. ; Filippo et al., 2020FILIPPO, Anelli et al. Italian doctors call for protecting healthcare workers and boosting community surveillance during covid-19 outbreak. Medical Journal , London, v. 368, n. 1254, p. 1-2, 2020. ). No estado de São Paulo, até 8 de maio, sete mil profissionais foram afastados do trabalho por suspeita da Covid-19 e 1.086 profissionais da rede municipal de saúde foram confirmados com a infecção ( Gomes, 2020GOMES, Rodrigo. Covid já afastou quase 7 mil trabalhadores da saúde pública em São Paulo. Rede Brasil Atual , seção Trabalho, São Paulo, 8 maio 2020. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2020/05/trabalhadores-saude-covid-19-sp/>. Acesso em: 9 jun. 2020.
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). Na Bahia, até 16 de junho foram registrados 39.206 casos confirmados da doença, 5.493 destes entre profissionais de saúde, o que corresponde a 14% do total (Bahia, 2020). Importante ressaltar que esses dados são relativos aos internamentos por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), portanto, expressam os casos graves da doença.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), após a pandemia H1N1, já sinalizava que os sistemas de saúde enfrentariam sérias dificuldades em situações de emergências e desastres, sendo evidente a necessidade de melhorias nos serviços para respostas a pandemias por meio de um plano de ação para hospitais seguros que reduzissem tanto infecções nosocomiais como entre trabalhadores(as) da saúde com o surgimento de um vírus com elevada transmissibilidade (OPAS, 2014). Apesar desse alerta, poucos hospitais têm planos de emergência para enfrentar situações críticas como a atual ( Miranda et al., 2017MIRANDA, Elaina S. et al. Expected hazards and hospital beds in host cities of the 2014 FIFA World Cup in Brazil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 33, n. 5, e:00010616, 2017. DOI: 10.1590/0102-311x00010616. ). Essa negligência tem impacto direto na doença e na morte de profissionais da saúde. Falhas na proteção de trabalhadores(as) foram reportadas em diferentes países, bem como a escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs) na pandemia para Covid-19 ( Zhang et al., 2020ZHANG, Zhiruo et al. Protecting healthcare personnel from 2019-nCoV infection risks: lessons and suggestion. Frontiers of Medicine , Lausanne, v. 14, p. 229-231, mar. 2020. DOI: 10.1007/s11684-020-0765-x ; Wang et al., 2020; Filippo et al., 2020FILIPPO, Anelli et al. Italian doctors call for protecting healthcare workers and boosting community surveillance during covid-19 outbreak. Medical Journal , London, v. 368, n. 1254, p. 1-2, 2020. ). Segundo a Associação Brasileira de Hospitais Privados, seus hospitais possuem apenas 20% do estoque necessário de EPIs. Dados apurados pela Associação Brasileira de Medicina por meio do registro de denúncias dos profissionais revelam o dimensionamento da falta de EPIs: luva (28%), máscara (87%), gorro (46%), óculos ou face shield (72%), capote impermeável (66%), outros (19%) ( ABM, 2020ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA (ABM). Faltam EPIs em todo o país. 2020. Disponível em: <http://amb.org.br/epi/>. Acesso em: 14 abr. 2020.
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).

O déficit de EPIs é mundial. Atualmente, os mercados de vários países disputam equipamentos de proteção individual e respiradores. Nesse sentido, era previsível que, em momentos de desastres globais, o país atravessaria períodos de escassez e desabastecimento de materiais e equipamentos fundamentais ao trabalho seguro das equipes de saúde; porém, a situação torna-se mais dramática e aguda quando se observa que o déficit no país antecede a situação de crise. Esta é uma questão central, uma vez que dificuldades no acesso e no uso de EPIs adequados contribuem para aumentar a exposição ao coronavírus entre os(as) trabalhadores(as) que podem contaminar pacientes, outros(as) trabalhadores(as), familiares e comunidades. A garantia de condições seguras para o exercício profissional, com as barreiras físicas adequadas proporcionadas pelos EPIs, é o ponto inicial, a condição sine qua non para a atividade de trabalho. Essa garantia não pode ser flexibilizada ou improvisada em nenhuma circunstância.

Mesmo sendo condição inicial indispensável, condições seguras de trabalho não se limitam, nem são plenamente garantidas apenas pelo uso de EPIs. Os profissionais de saúde convivem, cotidianamente, com condições de trabalho precárias, decorrentes da escassez de recursos e materiais ou de características da organização do trabalho em saúde que envolvem carga de trabalho elevada, prolongamento de jornadas laborais, trabalho em turnos e dificuldade para pausas e repouso. Embora essas dificuldades exacerbem-se em situação de crise, elas são frequentemente identificadas no trabalho em saúde. Estudos verificaram que condições de trabalho ambiental e organizacional afetam a capacidade para o trabalho entre profissionais de saúde ( Cordeiro e Araújo, 2016CORDEIRO, Técia M. S.; ARAÚJO, Tânia M. Capacidade para o trabalho e fatores associados em profissionais de saúde no Brasil . Revista Brasileira Medicina do Trabalho, São Paulo, v.14, n. 3, p. 262-274, 2016. DOI: 10.5327/Z1679-44352016v14n3ED. ; Godinho et al., 2017GODINHO, Marluce R. et al. Capacidade para o trabalho e fatores associados em profissionais no Brasil. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho , São Paulo, v. 15, n. 1, p. 88-100, 2017. ). Há evidências robustas na literatura ( Borges e Fischer, 2003BORGES, Flavio N. S.; FISCHER, Frida M. Twelve-hour night shifts of healthcare workers: a RISK to the patients? Chronobiology International , New York, v. 20, n. 2, p. 351-360, 2003. ; Vasconcelos et al., 2011; Godinho et al., 2017GODINHO, Marluce R. et al. Capacidade para o trabalho e fatores associados em profissionais no Brasil. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho , São Paulo, v. 15, n. 1, p. 88-100, 2017. ) de associação entre as características e condições de trabalho e o desempenho profissional. Portanto, as condições nas quais se executam as atividades podem impactar a resolutividade dos serviços de saúde, sua capacidade de adequadamente atender às demandas existentes. A pandemia da Covid-19, com a intensificação dos esforços e exigências e as necessidades críticas de continuidade, pode modular as demandas, incrementando a deterioração dessa capacidade.

Durante surtos e pandemias, é comum que profissionais de saúde trabalhem muitas horas, sem pausas e sob grande pressão, levando-os a fadiga e exaustão ( Schwartz, King e Yen, 2020SCHWARTZ, Jonathan; KING, Chwan-Chuen; YEN, Muh-Yong. Protecting healthcare workers during the coronavirus disease 2019 (COVID19) outbreak: lessons from Taiwan’s Severe Acute Respiratory Syndrome Response. Clinical Infectious Di seases, New York, ciaa255, p. 1-3, 2020. DOI: 10.1093/cid/ciaa255. ). Contudo, longas jornadas reduzem o nível de atenção e rebaixam a capacidade de resposta, interferindo na qualidade do cuidado em saúde (Silva, Rotemberg e Fischer, 2011). Parte dos acometidos pela Covid-19 é de pacientes críticos que exigem do(a) profissional de saúde tomada de decisões rápidas e acertadas. Desse modo, o uso da capacidade plena para o trabalho e de manutenção de alerta são condições essenciais. Os(as) profissionais precisam ter o tempo de repouso suficiente garantido para se recuperarem do desgaste físico e psíquico, sobretudo porque, em uma pandemia, jornadas de trabalho extensas aumentam a exposição ocupacional ao agente infeccioso, expondo o(a) trabalhador(a) a doenças e acidentes. Do ponto de vista da segurança, também pode levar a erros no cuidado em saúde. Esses erros estão relacionados a fatores organizacionais, ambientais e de complexidade do cuidado em saúde. Além disso, proporção considerável dessa categoria profissional é composta por mulheres com sobrecarga de atribuições e responsabilidades em função do contexto de isolamento social, pois acumulam o trabalho doméstico, por vezes, com mais de um vínculo de trabalho.

Com relação à jornada laboral, cabe destacar a necessidade da revisão imediata da medida provisória n. 927, editada pelo governo federal, que altera as relações de trabalho, permitindo a ampliação da jornada laboral de profissionais de saúde por até 24 horas, redução do tempo de descanso para 12 horas e restrições de direitos trabalhistas durante a pandemia da Covid-19. Essas medidas, em razão dos aspectos elencados, colocam em risco a saúde e a segurança tanto dos(as) trabalhadores(as), limitando a proteção no trabalho, quanto da população assistida. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autarquia vinculada ao Ministério da Saúde do Brasil, publicou uma série de orientações referentes a medidas de saúde e segurança no trabalho de profissionais da atenção primária à saúde, média e alta complexidades, considerando equipamentos de proteção individual e coletiva, medidas administrativas, de engenharia dos serviços de saúde e de organização do trabalho (Anvisa, 2020). Porém, implementar essas orientações não é tarefa fácil para quem, historicamente, negligenciou tais medidas. Vale ressaltar que o adoecimento no trabalho em razão de doenças infecciosas de transmissão respiratória já era elevado entre profissionais de saúde. Os coeficientes de incidência de tuberculose relacionada ao trabalho em saúde, os quais permaneceram estáveis no período de 2008 a 2018 (respectivamente 68,3 e 67,1/100.000 trabalhadores de saúde), demonstram esse cenário. Na população geral de trabalhadores, no mesmo período, o coeficiente de incidência de tuberculose foi de 47,1, passando para 49,2 (X 100.000 trabalhadores). O risco relativo para tuberculose foi em média 40% maior entre profissionais de saúde quando comparado à população geral de trabalhadores (Ferreira-de-Sousa e Sanchez, 2020). Como se observa, as questões relativas ao momento atual da pandemia iluminam problemas antigos, mas que não foram devidamente enfrentados no contexto brasileiro. Assim, o planejamento das ações específicas para controle da epidemia nesse momento deve considerar a necessidade de discussões permanentes e, principalmente, ações mais efetivas e contínuas.

Dentre as medidas direcionadas ao momento atual, uma das estratégias de contenção da infecção pelo novo coronavírus em profissionais de saúde recomendadas é a testagem de todos(as) os(as) trabalhadores(as), independentemente da presença de sintomas ( WHO, 2020WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Coronavirus disease (Covid-19) outbreak: rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health. 2020. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-rights-roles-respon-hw-covid-19.pdf?sfvrsn=bcab401_0/>. Acesso em: 11 abr. 2020.
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). No Brasil, isso deve ser prioritário, porém esbarra em limitações operacionais referentes a oferta de testes e lentidão no processamento das análises, o que dificulta a avaliação da evolução da infecção nessa população. Há vantagens importantes nessa estratégia. A testagem de profissionais de saúde permite maior celeridade na recomposição da força de trabalho, uma vez que aqueles(as) afastados(as) com síndrome gripal e com teste negativo para Covid retornariam mais rapidamente ao trabalho. Adicionalmente, o rastreamento em trabalhadores(as) com infecção assintomática interrompe a cadeia de transmissão no ambiente laboral, reduzindo a propagação do coronavírus entre os(as) trabalhadores(as) de saúde e, em consequência, o absenteísmo. Países como a China e a Coreia do Sul foram bem sucedidos ao implementarem essa estratégia ( Huh, 2020HUH, Sun. How to train health personnel to protect themselves from SARS-CoV-2 (novel coronavirus) infection when caring for a patient or suspected case. Journal of Educational Evaluation Health Professions , Chuncheon, South Korea, v. 17, n. 10, p. 1-6, 2020. ; Zhang et al., 2020ZHANG, Zhiruo et al. Protecting healthcare personnel from 2019-nCoV infection risks: lessons and suggestion. Frontiers of Medicine , Lausanne, v. 14, p. 229-231, mar. 2020. DOI: 10.1007/s11684-020-0765-x ).

Com relação aos óbitos, até 16 de junho de 2020, segundo dados do Observatório do Conselho Federal de Enfermagem, registraram-se 203 mortes de trabalhadores(as) de enfermagem relacionadas à infecção pelo novo coronavírus; 18,7% desses profissionais pertenciam ao grupo de risco (tinham 60 anos ou mais e/ou comorbidades) (Cofen, 2020). Destaca-se que essas mortes podem ser consideradas mortes evitáveis ou reduzíveis, pois são preveníveis por ações efetivas dos serviços de saúde ( Malta et al., 2007MALTA, Débora C. et al. Lista de causas evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiologia e Serviços de Saúde , Brasília, v.16, n. 4, p. 233-244, 2007. DOI: 10.5123/S1679-49742007000400002. ), como a priorização do afastamento desse grupo de risco das atividades com exposição ao coronavírus. No entanto, para assegurar esse direito, tem sido necessário que os sindicatos representativos dessa categoria profissional recorram à justiça, apesar das recomendações da OMS ( WHO, 2020WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Coronavirus disease (Covid-19) outbreak: rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health. 2020. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-rights-roles-respon-hw-covid-19.pdf?sfvrsn=bcab401_0/>. Acesso em: 11 abr. 2020.
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).

Outro aspecto relevante é a necessidade de reconhecimento da Covid-19 como doença relacionada ao trabalho para trabalhadores(as) de saúde. Apesar da vinculação clara do adoecimento em função da exposição ocupacional elevada ao Covid-19, a definição desse agravo como relacionado ao trabalho ainda não foi definida. Nota técnica recentemente publicada pela Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores, constituída por 23 movimentos sociais, entidades sindicais, instituições, grupos de trabalho e núcleos de estudo e pesquisa, defende o

estabelecimento da relação com o trabalho, ou o nexo-causal entre Covid-19 e trabalho, para todos os trabalhadores e trabalhadoras em efetiva atividade ocupacional nas tarefas de cuidado a pessoas ou nas demais tarefas dentro dos locais de trabalho nos quais o cuidado é prestado ( Abrasco, 2020ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA (ABRASCO). Nota técnica da Frente Ampla de Direito dos Trabalhadores. 2020. Disponível em: <https://www.abrasco.org.br/site/gtsaudedotrabalhador/wp-content/uploads/sites/22/2020/04/Nota-T%C3%A3%A9cnica-da-FRENTE-AMPLA-DIREITOS-TRABALHADORES-07-04-20.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2020.
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).

Trata-se, portanto, de assumir o trabalho como um determinante da infecção, reconhecendo a existência de grupos ocupacionais vulneráveis, com riscos à saúde que demandam intervenções específicas sobre os ambientes e processos de trabalho e que devem integrar o conjunto de medidas de contenção da doença.

Experiências exitosas para a proteção do(a) trabalhador(a) da saúde no enfrentamento da Covid-19: lições e aprendizados

A análise das experiências dos países que enfrentam a pandemia da Covid-19 é roteiro importante para a definição de ações, contribuindo para a adoção de intervenções estratégicas de preservação da saúde dos(as) trabalhadores(as) na linha de frente de combate à epidemia. Dentre as iniciativas imediatas de proteção para impedir a evolução da pandemia, os investimentos registrados elegeram como pontos estratégicos: ‘condições de trabalho’ (treinamentos diversos de temáticas da Covid-19, aquisição de EPIs bem como orientação do seu uso correto, diminuição das jornadas de trabalho, além da implantação de novos fluxos de atendimento nos serviços de saúde); ‘testagem dos profissionais de saúde’ (vigilância e monitoramento de sintomáticos ou assintomáticos); ‘atenção para a saúde do(a) trabalhador(a) da saúde’ (oferta de apoio psicológico, atendimento especializado e suporte social para demandas familiares). As medidas adotadas estão sumarizadas no Quadro 1 .

Quadro 1
– Medidas exitosas de enfrentamento da Covid-19 para a proteção da vida e saúde dos(as) trabalhadores(as) do setor saúde, 2020

Como as informações do Quadro 1 explicitam, há estratégias bem definidas de atuação para proteção e prevenção da saúde dos(as) trabalhadores(as) da saúde. Há também evidências de que suas implementações têm alcançado êxito. Na resposta à epidemia de SARS em Taiwan, os centros de controle de doenças implantaram diferentes fluxos de entrada de pacientes, o que reduziu drasticamente as infecções entre trabalhadores e pacientes. Nos 18 hospitais que implementaram o fluxo de entrada, apenas dois pacientes (nenhum profissional de saúde) desenvolveram infecção por SARS nosocomial. Entretanto, nos 33 hospitais controle, 115 profissionais de saúde e 203 pacientes desenvolveram SARS. Essa experiência foi adaptada e replicada na pandemia da Covid-19 em Taiwan ( Schwartz, King e Yen, 2020SCHWARTZ, Jonathan; KING, Chwan-Chuen; YEN, Muh-Yong. Protecting healthcare workers during the coronavirus disease 2019 (COVID19) outbreak: lessons from Taiwan’s Severe Acute Respiratory Syndrome Response. Clinical Infectious Di seases, New York, ciaa255, p. 1-3, 2020. DOI: 10.1093/cid/ciaa255. ). Como se pode observar, experiências exitosas estão disponíveis e podem ser úteis no planejamento e na gestão das ações no Brasil.

Recomendações para a proteção da saúde dos(as) trabalhadores(as) da saúde no enfrentamento da Covid-19 no Brasil

A proteção no trabalho em saúde, como reconhecido, envolve aspectos como ampliação de leitos, distribuição de EPIs, relação adequada entre o quantitativo de profissionais ajustado à demanda. Esses são aspectos mais visíveis e imediatos ao enfrentamento de problemas de assistência à saúde. Mas é preciso a adoção de medidas estratégicas a fim de garantir a segurança dos(as) trabalhadores(as) em todos os níveis de atenção, da atenção primária até a alta complexidade. A seguir, destacam-se recomendações para a proteção da saúde dos(as) trabalhadores(as) da saúde no enfrentamento da Covid-19 no Brasil.

Revisão de fluxos de atendimento e definição de características e condições para cada etapa de atendimento

A melhoria das condições de trabalho, redefinição de fluxos assistenciais e instituição de protocolos de rotina recomendados para controle da Covid-19 é imprescindível para a garantia de ambientes de trabalho seguros. Medidas de caráter coletivo e individual devem ser implementadas. Além da oferta de equipamentos de proteção individual, devem ser adotadas medidas de reorganização do processo de trabalho, visando minimizar o risco da infecção. A exemplo do que se identificou em outros países, devem ser criados fluxos de atendimento considerando-se as especificidades dos locais em que eles são executados, desde a identificação de casos na atenção primária até a atenção especializada, nas unidades intensivas. Medidas gerais também são necessárias: redistribuição do número de trabalhadores nos ambientes e nos horários de maior circulação; adequação dos processos e ambientes de trabalho às novas escalas e rodízios; treinamentos para racionalizar os modos operatórios e oferta de apoio psicológico aos profissionais.

O combate à pandemia exige ações e serviços de saúde com profissionais em quantidade e qualidade adequados à demanda. Pacientes com Covid-19, em casos graves, requerem tecnologias de cuidado e procedimentos de alta complexidade que demandam profissionais de saúde treinados e tecnicamente qualificados. Preservar a vida e a saúde desses(as) trabalhadores(as) garantirá a oferta de cuidados em saúde às populações.

Estabelecimento da Covid-19 como doença relacionada ao trabalho para os profissionais da saúde e grupos expostos

O reconhecimento da Covid-19 como doença relacionada ao trabalho, principalmente entre os grupos ocupacionais mais expostos, a exemplo dos(as) trabalhadores(as) da saúde, é ponto importante de pauta e merece destaque. Mesmo diante de uma epidemia, a natureza ocupacional da doença não deve ser descartada, uma vez que o exercício ocupacional incrementa substantivamente a infecção, em especial quando as condições de biossegurança não estão devidamente atendidas. Nesse sentido, para proteção dos(as) trabalhadores(as) adoecidos(as), são indispensáveis a emissão de comunicação de acidente do trabalho (CAT) (artigos 19 e 20 da lei n. 8.213/91) ( Brasil, 1991BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil , Poder Executivo, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Seção I, p. 14.809. ) e a garantia de direitos de afastamento acidentário.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza ainda que deve ser exercido e honrado o direito ao seguro de doença profissional ( worker’s compensation ) nos serviços curativos e serviços de reabilitação para pessoas com Covid-19 relacionada ao trabalho ( WHO, 2020WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Coronavirus disease (Covid-19) outbreak: rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health. 2020. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-rights-roles-respon-hw-covid-19.pdf?sfvrsn=bcab401_0/>. Acesso em: 11 abr. 2020.
https://www.who.int/docs/default-source/...
).

Registro de dados de ocupação nos sistemas de informação

Os dados das fichas de registro conformam as bases sobre as quais se geram as informações que deverão produzir ou orientar as ações de saúde. Portanto, os registros das fichas constituem roteiros para as ações. Desse modo, a inclusão de campos específicos (variáveis) na notificação dos casos oferece direcionamento às ações potenciais. Para a avaliação e o dimensionamento dos aspectos relativos aos impactos das exposições ocupacionais ao novo coronavírus, são essenciais a existência e o preenchimento do campo ‘ocupação’ nas fichas de registro. Este é elemento central para dar visibilidade ao problema aqui focalizado, possibilitando o seu dimensionamento mediante a análise de sua distribuição. Essa análise permitirá identificar ambientes de trabalho e funções laborais para ações urgentes. O adequado preenchimento e análise dessa informação é um precioso roteiro para intervenção. Assinala-se, contudo, que mesmo depois da padronização da variável ocupação como campo de preenchimento obrigatório nos sistemas de informação em saúde, nos registros da Covid-19 verifica-se que esse dado não está sendo incluído ou preenchido adequadamente. A ausência dessa informação é falha importante no registro atual dos casos, pois limita o conhecimento do número real de trabalhadores(as) contaminados(as) pela Covid-19. Como já descrito, a consequência disso será vivenciada no subdimensionamento do problema e, principalmente, na insuficiência ou ausência de ações para sua superação.

A melhoria da qualidade da informação sobre a saúde dos(as) trabalhadores(as) da saúde poderá ser obtida com a obrigatoriedade de padronização do registro de dados estruturados e a disponibilidade de realização de testes para a Covid-19 nesse grupo. Isso favorecerá as estimativas de indicadores de saúde para nortear ações de inspeção e vigilância dos ambientes de trabalho, subsidiar a tomada de decisão para a gestão e segurança no trabalho em saúde, além do seu uso para a pesquisa em saúde.

Busca ativa de infecção por Covid-19 entre os(as) trabalhadores(as) da saúde

Ampliar a testagem para a Covid-19 em profissionais expostos ao risco de contaminação na assistência a pacientes contaminados, independentemente da presença de sintomas, é um primeiro passo importante. Esse passo deve ser seguido por protocolos de ação que estabeleçam, etapa a etapa, o que deve ser feito: que medidas devem ser tomadas em cada resultado específico da testagem. Procedimentos padronizados, previamente definidos, reduzirão a incerteza e a insegurança entre os(as) trabalhadores(as) e racionalizarão as medidas seguintes.

Condições especiais para a realização do trabalho na situação de uma epidemia

A proteção dos(as) trabalhadores(as) pertencentes aos grupos de risco, os(as) idoso(as) ou com comorbidades prévias (cardiopatia, diabetes, hipertensão, asma), é outra dimensão que precisa ser levada em consideração. O afastamento desses(as) profissionais para realização de atividades com menor risco de contaminação é necessário, visto o alto grau de exposição existente nos serviços de saúde. Dados dos óbitos por Covid-19 foram predominantes nesses grupos de profissionais e evidenciam que o risco é real.

O temor em contaminar familiares é um risco psicossocial muito relevante. Portanto, medidas de atenuação desse risco, como a oferta de alojamentos fora do local do trabalho, podem ser viabilizadas. A disponibilização de alojamento em hotéis para profissionais de saúde que desejem descansar em local fora da sua residência como medida de segurança para seus familiares foi estratégia implementada com sucesso em alguns países ( Quadro 1 ), bem como a adoção de transporte seguro para o deslocamento dos(as) trabalhadores(as) a seus locais de trabalho.

Redimensionamento das jornadas de trabalho

Como já mencionado, momentos críticos nos quais se elevam exponencialmente as demandas dos serviços de saúde exigem tomadas de decisão imediatas e elevam as responsabilidades sobre a vida das pessoas. Como a capacidade para o trabalho pode ser comprometida pela fadiga dos(as) trabalhadores(as), a atenção à jornada de trabalho e aos tempos de repouso e descanso é fundamental. Jornadas de trabalho compatíveis com as demandas e os períodos de repouso durante a jornada são medidas cruciais.

Redução de estressores ocupacionais e da fadiga no trabalho

A sensação de vulnerabilidade associada ao temor de que algo ruim possa ocorrer a si e aos outros, o aumento da demanda nos serviços de saúde e a perda de controle sobre os acontecimentos têm repercussões importantes no funcionamento psíquico e cognitivo dos(as) trabalhadores(as). Nessas condições, observa-se aumento muito expressivo da carga emocional no trabalho com impactos no desgaste físico e mental dos(as) trabalhadores(as). Assim, medidas para redução de estressores ocupacionais são cruciais para a proteção da saúde mental do(a) trabalhador(a) durante o enfrentamento da pandemia. Mudanças na organização do trabalho são necessárias. Além disso, outras medidas precisam ser estabelecidas, tais como: oferta de apoio psicológico, redução das jornadas de trabalho, valorização profissional, melhoria nas condições de trabalho, incremento de ações de apoio social no trabalho.

Conclusão

A atuação dos(as) trabalhadores(as) da saúde é elemento central no enfrentamento da pandemia. A realização desse tipo de trabalho não pode ser caminho para o adoecimento e a morte. O direito à vida e à execução do trabalho em condições seguras e protegidas é uma meta a ser incorporada nas ações de enfrentamento da epidemia. Sem esse elo da rede de atenção, não há como superar essa situação de desastre e crise. As contribuições aqui sistematizadas objetivam chamar a atenção para problemas consistentemente já sinalizados na literatura, com evidências robustas. Pretendem ainda contribuir para fortalecer alertas que não nascem nessa epidemia, mas cuja vivência permite visualizar com maior clareza: é preciso prover condições para que o trabalho possa ser realizado adequadamente e alcançar suas finalidades. Para isso ocorrer, é necessário garantir e proteger a vida dos(as) trabalhadores(as).

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  • Financiamento
    Parcialmente financiado com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio de recursos de pesquisa (processo n. 427045/2016-9) e de Bolsa de Produtividade de Tânia Maria de Araújo; e Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (FAPESB), com bolsa de doutorado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Aceito
    17 Jun 2020
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