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COMPENSAÇÃO AMBIENTAL DE MEGAEMPREENDIMENTOS NO ESTADO DO AMAZONAS: RELAÇÃO ENTRE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO

Environmental Compensation of Large-scale Ventures in the State of Amazonas: relation between Biodiversity Conservation and Development

RESUMO

No Brasil os impactos sociais e ambientais negativos de megaempreendimentos são ressarcidos por meio de sete compensações ambientais, entre elas destaca-se a Compensação Ambiental-CA do art. 36 da Lei Federal nº. 9.985/2000-SNUC, destinada às unidades de conservação-UC. Esse artigo apresenta uma análise sobre a CA de megaempreendimentos no Estado do Amazonas, a partir da metodologia da Pesquisa Exploratória. Detectou-se que a primeira CA no Amazonas se baseia na extinta Resolução CONAMA nº. 10/1987 aplicada à Usina Hidrelétrica - UHE de Balbina. Após 10 anos de instituição do SNUC, foram arrecadados pelo Estado do Amazonas o montante de R$ 23.341.294,65, e uma execução direta pelo empreendedor no valor de R$ 216.466,63. Essas CA são oriundas de empreendimentos do setor de energia, contemplando 19 UC. Cerca de 24,36% da CA foi aplicada na construção de infraestrutura e a aquisição de equipamentos e material de consumo, existindo ainda 15 empreendimentos com CA a serem cobradas. Diante das reflexões arroladas neste artigo, conclui-se que fatores políticos, jurídicos e técnicos limitam nacionalmente o fortalecimento da legislação do licenciamento ambiental, afetando a CA, que necessita efetivamente de regulamentação e maior controle social e transparência.

Palavra-chave:
Compensação Ambiental; Empreendimentos; Unidades de Conservação

ABSTRACT

The negative social and environmental impacts of the super large-scale building ventures in Brazil are retributed through seven kinds of environmental compensation. A highlight of these is Environmental Compensation - set forth in Federal Statute nº. 9.985/2000 (SNUC), Article 36, intended for conservation units. An analysis about environmental compensation of large-scale enterprises in the state of Amazonas is presented in this particular article of the statute, done with exploratory surveying. It was discovered that the first Environmental Compensation in Amazonas is based on the former CONAMA Resolution nº. 10/1987, applied to the Balbina electric power plant. After ten years of SNUC, R$ 23.341.294,65 was raised and direct enforcement was done by the venture in the sum of R$ 216.466,63. The Environmental Compensations originated from the Energy sector, including 19 conservation units. Around 24,36% of the Environmental Compensations has been applied in building infrastructure and aquiring equipment and consumer goods. There are 15 enterprises using Environmental Compensation yet to be carried out. The conclusion is that technical, legal, and political factors limit environmental licensing affecting the Environmental Compensation which effectively need regulations and a more vigorous social control and transparency.

Keywords:
Environmental Compensation; Ventures; Conservation Units

INTRODUÇÃO

O Brasil aplica investimentos de capital financeiro para a implantação de megaempreendimentos, entendidos governamentalmente como políticas de intervenção desenvolvimentista, com intuito de suprir a demanda por energia, minerais e transporte. Esse processo tem em sua concepção a noção de que há a necessidade de implementar a infraestrutura necessária para o crescimento econômico e o desenvolvimento do país. Entretanto, como consequência, há a geração de conflitos ocasionados por impactos socioambientais negativos.

Neste artigo, os megaempreendimentos, também chamados de megaprojetos, grandes obras/ projetos de engenharia, de intervenção ou de desenvolvimento, são conceituados como os empreendimentos e/ou atividades econômicas de grande porte, de infraestrutura ou extrativismo, possuindo amplo planejamento estatal intervencionista, capazes de provocar uma maior incidência geográfica de impactos socioambientais negativos sobre um determinado território, independente da sua dimensão total instalada ou da abrangência física de sua operação, ampliação ou desativação.

Historicamente, o Estado tem optado pela solução mais tradicional de desenvolvimento - o que se tem revelado ineficaz social e ambientalmente, que é a construção de grandes obras de infraestrutura, usando argumentos que supervalorizam os benefícios do desenvolvimento (CASTRO, 2012CASTRO, Edna. Expansão da fronteira, megaprojetos de infraestrutura e integração sul-americana. Caderno CRH [online] - Revista quadrimestral de Ciências Sociais editada pelo Centro de Recursos Humanos da Universidade Federal da Bahia. vol.25, n.64, pp.45-62. Salvador-BA, 2012. Disponível em: <www.cadernocrh.ufba.br/include/getdoc.php?id=26 47&article=1008&mode=pdf>. Acesso: 04 out. 2015.
www.cadernocrh.ufba.br/include/getdoc.ph...
, p. 59). Conforme Carvalho (2011CARVALHO, Guilherme. Grandes obras de infraestrutura na região amazônica: histórico, tendências e desafios. Belém: Fase, 2011. Disponível em: <http:// www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/textos-para-discussao/Guilherme%20Carvalho%20-%20Projetos%20de%20Infraestrutura.pdf>. Acesso: 04 fev. 2015.
http:// www.inesc.org.br/biblioteca/publ...
, p. 3), a alocação de infraestrutura foi considerada a melhor maneira para desenvolver as regiões mais “atrasadas” e “conectá-las” ao restante do país, rompendo, assim, seu isolamento.

Dessa forma, a década de 1970 foi marcada pelo significativo crescimento da atividade econômica e pela expansão das fronteiras econômicas internas, com a progressiva incorporação à economia de mercado de vastas áreas do domínio dos cerrados e Amazônia (SÁNCHEZ, 2013SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. 2ª Ed. São Paulo-SP: Oficina de Textos, 2013., p. 65). A partir do início do século XXI, com um boom de commodities na economia global, a Amazônia, com sua vasta reserva de recursos minerais, energéticos, agrícolas, pesqueiros e madeireiros, tornou-se alvo da procura de recursos naturais para extração e exportação, criando assim uma nova “onda” de fronteiras de expansão (LITTLE, 2014LITTLE, Paul Elliot. O novo espaço público Pan-Amazônico: construindo caminhos para a governança socioambiental. In.: LITTLE, Paul E.. Os novos desafios da política ambiental brasileira. Brasília-DF: IEB, 2014. p. 404-433., p. 404).

Em virtude disso, a implantação e operação de megaempreendimentos são conflituosas, especialmente na Amazônia, requerendo a adoção de políticas públicas efetivas dialogadas com as medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias. De início, é possível especificar que o “desenvolvimento concentrador” irradiado pelos megaempreendimentos ocasiona a “inclusão pela exclusão” afetando drasticamente os modos de vida, as tradições e os lugares das populações locais. Portanto, não se constitui como alternativa concreta para solucionar ou mesmo minimizar as desigualdades sociais e regionais do país, favorecendo em contraponto a ampliação da degradação ambiental e marginalização social.

Destaca-se politicamente a construção de megaempreendimentos como mecanismo de integração e fortalecimento do Estado Nação, catalizador de empregos e, por conseguinte, de desenvolvimento para determinado território, sendo esta a gênese das propostas intervencionistas pensadas estrategicamente desde o regime militar e adotadas pelos governos da nova república, com execução de programas de larga escala. Em 70 anos os principais programas de construção de infraestrutura no Brasil foram: Programa de Integração Nacional - PIN/Programa Nacional de Desenvolvimento (1970-1979); Programa Avança Brasil (2000-2007); Programa de Aceleração do Crescimento - PAC I e II (2008...); e o recentemente lançado Programa de Parceria em Investimento - PPI/ Projeto Crescer (2016...).

De acordo com Castro (2012CASTRO, Edna. Expansão da fronteira, megaprojetos de infraestrutura e integração sul-americana. Caderno CRH [online] - Revista quadrimestral de Ciências Sociais editada pelo Centro de Recursos Humanos da Universidade Federal da Bahia. vol.25, n.64, pp.45-62. Salvador-BA, 2012. Disponível em: <www.cadernocrh.ufba.br/include/getdoc.php?id=26 47&article=1008&mode=pdf>. Acesso: 04 out. 2015.
www.cadernocrh.ufba.br/include/getdoc.ph...
, p. 45), os Planos de Aceleração do Crescimento (PAC I e II) e a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da América do Sul (IIRSA) assumem a mesma orientação de integração competitiva, adotando um modelo de modernização com base em megaprojetos de investimentos. Em contraponto aos projetos desenvolvimentistas, Leff (2011LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 8ª. Ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2011., p. 60) enfatiza que a gestão ambiental não se limita a regular o processo econômico mediante normas de ordenamento ecológico, métodos de avaliação de impacto ambiental e instrumentos econômicos para a valorização dos recursos naturais.

Por conta disso, diversos sujeitos (povos indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos, dentre outros) e instituições são envolvidos no licenciamento ambiental de megaempreendimentos em razão da geografia, capilaridade, abrangência e magnitude dos impactos ambientais e sociais provocados ou eminentes, com certo grau ou não de mobilização social e representatividade, mas que sua atuação não é focada na decisão quanto à análise locacional para implantação dos megaprojetos, mesmo que sejam realizadas consultas públicas, mas sim no campo político, restrito, manipulável e negociável das “Compensações Ambientais”, nas quais não há imparcialidade e nem neutralidade.

Nesse artigo, as Compensações Ambientais são compreendidas como um termo genérico adotado a nível técnico, político e gerencial para comportar toda e qualquer medida planejada no estudo ambiental ou reivindicada por órgãos públicos representativos ou pela sociedade civil organizada, para prevenir, mitigar ou compensar os impactos socioambientais ocasionados pelo planejamento, implantação, operação, ampliação ou desativação de megaempreendimentos, sendo também denominadas de “Programas Socioambientais”, possuindo fundamento técnico-científico e jurídico para ressarcir, por meio da monetarização, o capital natural e social degradado, relacionando-se à dimensão e abrangência dos impactos negativos diretos e indiretos sobre o território afetado.

A complexidade das compensações ambientais relaciona-se à sua natureza, abrangência, temporalidade e orçamentação, vinculada às deficiências da legislação do licenciamento ambiental (HOFMANN, 2015HOFMANN, Rose Mirian. Gargalos do Licenciamento Ambiental Federal no Brasil. Brasília-DF: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, julho de 2015. Disponível em: <http://www2.camara. leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/ areas-da-conle/tema14/2015_1868_licenciamentoambiental_rose-hofmann>. Acesso: 04 nov. 2015.
http://www2.camara. leg.br/documentos-e-...
; HOFMANN e ARAUJO, 2015; FONSECA et.

al., 2017). Por este motivo, o licenciamento ambiental atualmente está sendo alvo de análises críticas quanto aos distintos estudos, programas e planos executados para diagnosticar, prevenir, mitigar ou compensar os impactos negativos sociais e ambientais de caráter reversível ou irreversível, decorrentes instalação, operação, ampliação ou desativação de megaempreendimentos (BASTOS e ALMEIDA, 1999BASTOS, Anna Christina Saramago e ALMEIDA, Josimar Ribeiro de. Licenciamento ambiental brasileiro no contexto da avaliação de impactos ambientais - Capítulo 2. In.: CUNHA, Sandra Baptista da; e GUERRA, Antonio José Teixeira. Avaliação e perícia ambiental. Rio de Janeiro-RJ: Bertrand Brasil, 1999. p. 77-113.; AB’SÁBER, 2006AB’SÁBER, Aziz Nacib. Bases conceptuais e papel do conhecimento na previsão de impactos. In.: AB’SÁBER, Aziz Nacib e Muller-Plantenberg, Clarita (Org.). Previsão de Impactos: O Estudo de Impacto Ambiental no Leste, Oeste e Sul - Experiências no Brasil, na Rússia e na Alemanha. 2ª. ed. 2ª. reimpressão. São Paulo-SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. p. 27-49.; BARBIERI, 2016BARBIERI, José Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.; IFC, 2012; EP, 2013; ROHDE, 2013ROHDE, Geraldo Mario. Geoquímica ambiental e estudos de impacto. 4ª. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2013.; SÁNCHEZ, 2013SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. 2ª Ed. São Paulo-SP: Oficina de Textos, 2013.; MORAN, 2016MORAN, Emilio Federico. Roads and Dams: infrastructure-driven transformations in the Brazilian Amazon. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 19, nº. 2, p. 207-220, June 2016. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2016000200207>. Acesso: 20 set. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422ASOC256V1922016
http://www. scielo.br/scielo.php?script=...
), e na determinação de condicionantes (SOUZA e POMPERMAYER, 2016SOUZA, Rennaly Patricio e POMPERMAYER, Fabiano Mezadre. Condicionantes institucionais ao investimento em infraestrutura: elaboração, avaliação e seleção de projetos. Texto para Discussão nº. 2239. Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA. Brasília: IPEA, outubro de 2016. Disponível em: <https://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/ TDs/18102016td_2239.pdf>. Acesso: 18 out. 2016.
https://ipea.gov.br/agencia/images/stori...
; CARDOSO JR. e NAVARRO, 2016CARDOSO JR., José Celso e NAVARRO, Cláudio Alexandre. O planejamento governamental no Brasil e a experiência recente (2007 a 2014) do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Texto para Discussão nº. 2174. Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA. Brasília: IPEA, fevereiro de 2016. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov. br/bitstream/11058/6590/1/td_2174.pdf.>. Acesso: 08 set. 2016.
http://repositorio.ipea.gov. br/bitstrea...
), por meio da Avaliação de Impacto Ambiental - AIA pelas partes interessadas, ou seja, o órgão licenciador, com participação de instituições intervenientes, sujeitos afetados e sociedade civil.

Ressalta-se que as Compensações Ambientais adquirem reconhecimento e notoriedade no âmbito da AIA no processo de licenciamento ambiental e no processo técnico-jurídico de controle social vinculado a partir da anuência, com a admissão de condicionantes e obrigações, advindos de órgãos intervenientes e sociedade civil. Portanto, o processo de licenciamento ambiental é crucial para a definição das condicionantes de cobrança e quitação das compensações ambientais aos empreendedores, sendo de suma importância a atuação dos analistas dos órgãos licenciadores e sociedade civil.

Para Carmo e Silva (2013CARMO, Aline Borges do e SILVA, Alessandro Soares da. Licenciamento ambiental federal no Brasil: perspectiva histórica, poder e tomada de decisão em um campo em tensão. Revista Franco-Brasileira de Geografia - Confins [Online], nº. 19, 2013. Disponível em: < https://confins.revues.org/8555?lang=pt>. Acesso: 04 fev. 2015.
https://confins.revues.org/8555?lang=pt...
, p. 6), este processo tem sido objeto de intensa controvérsia no Brasil envolvendo tanto aqueles para quem os requerimentos excessivos e a demora no processo de licenciamento são responsáveis pela demora de execução de importantes obras de infraestrutura, como os que defendem que as licenças são concedidas por pressões econômicas e políticas em detrimento de relevantes questões ambientais.

Dentre as Compensações Ambientais, destaca-se a Compensação Ambiental-CA, prevista no art. 36 da Lei Federal nº. 9985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação-SNUC, obrigatória a quitação pelos empreendimentos com Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório-EIA/RIMA, cujo valor é calculado pelo órgão ambiental licenciador com base na gradação/valoração do impacto ambiental entre 0 a 0,5% sobre os custos de implantação dos megaempreendimentos. A CA do SNUC é destinada exclusivamente para criação e implementação de Unidades de Conservação-UC do Grupo de Proteção Integral, contemplando as unidades de uso sustentável somente quando diretamente impactadas.

A CA do SNUC é entendida pelos órgãos gestores como uma das fontes de recursos prioritárias para a sustentabilidade financeira das UC. No entanto, esse fato deve ser analisado criticamente para não se conceber uma visão restrita e limitada de incremento financeiro ao orçamento público, que representa um dano ambiental negativo e irreversível efetivo, com a perda de biodiversidade e serviços ambientais e a propagação de impactos sociais severos.

Por mais que diversos autores tenham atuado no entendimento da gênese da CA explícita no SNUC (BECHARA, 2009BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - Snuc. São Paulo: Atlas, 2009.; FARIA, 2012FARIA, Ivan Dutra. Compensação ambiental: fundamentos, normas e conflitos. In.: Anais/Encarte Técnico-Científico do Workshop sobre Compensações Ambientais no Brasil. vol. 1. Manaus: Aufiero, 2012. p. 15-27.; FAIAD,

2015), da forma que está sendo implementada a nível federal e pelos governos estaduais (OLIVEIRA et. al., 2015OLIVEIRA, Karen P.; PINHEIRO, Gustavo T.; BARROS, Ana Cristina. Compensação Ambiental: Um retrato sobre o cenário brasileiro. Brasília-DF: The Nature Conservancy - TNC, Brasil, 2015. Disponível em: <http://www.nature.org/media/brasil/ compensacao-ambiental-retrato-cenario-brasileiro. pdf>. Acesso: 04 nov. 2015.
http://www.nature.org/media/brasil/ comp...
), ainda há necessidade de se ter um claro entendimento sobre sua natureza jurídica, sua forma de cumprimento, destinação e aplicação para de fato compensar efetivamente a biodiversidade eliminada pela implantação de megaempreendimentos.

Evidencia-se que o mecanismo da CA tem uma origem histórica associada principalmente aos grandes projetos do setor elétrico brasileiro, em especial àqueles situados na Amazônia (FARIA, 2012FARIA, Ivan Dutra. Compensação ambiental: fundamentos, normas e conflitos. In.: Anais/Encarte Técnico-Científico do Workshop sobre Compensações Ambientais no Brasil. vol. 1. Manaus: Aufiero, 2012. p. 15-27., p. 18). Neste contexto, a UC é a única tipologia de área protegida brasileira que pode ter a sua criação e implantação contemplada como medida preventiva, mitigatória e compensatória, e especificamente como CA do SNUC no decorrer das fases do processo de licenciamento ambiental de megaempreendimentos.

Dessa maneira, esse artigo apresenta análise sobre a CA de megaempreendimentos realizada no Estado do Amazonas, com o intuito de discriminar a aplicação do instrumento para a sustentabilidade financeira do Sistema Estadual de Unidades de Conservação-SEUC.

MATERIAL E MÉTODO

Área de Estudo

O Estado do Amazonas é o maior Estado da Federação Brasileira com 1.559.159,148 Km2 de extensão, equivalente a 18,3% do território nacional, localizado entre as coordenadas geográficas 02º19’8,2” a 09°50’42,2” de latitude sul e 73º50’25,9” a 56°3’32,3” de longitude oeste de Greenwich. Possui 62 municípios com dimensões geográficas e características geográficas, ambientais, sociais, étnicas e biofísicas específicas que devem ser consideradas no planejamento do desenvolvimento e crescimento econômico. Possui 3.483.985 habitantes com 2.755.490 residentes em área urbana e 728.495 na área rural (IBGE, 2015). O índice de densidade demográfica está entre os menores do Brasil com 2,23 hab/km. Faz parte da região norte e da região geopolítica da Amazônia brasileira e internacionalmente da Pan-Amazônia.

O Estado do Amazonas é formado por floresta ombrófila densa ou floresta tropical úmida (IBGE, 1978). Geralmente apresentam árvores com alturas uniformes formando camadas que podem atingir até 50 metros de altura. O clima no Amazonas é o equatorial (quente e úmido), com umidade relativa do ar variando de 76 a 89% e temperaturas médias de 22,0 a 31,7ºC, possuindo duas estações bem definidas - o inverno (período das chuvas) e o verão (seca ou período menos chuvoso), com mais de 2300 mm de chuvas anuais.

No estado do Amazonas, destacam-se as seguintes paisagens geomorfológicas: planícies de inundação e terraços fluviais das várzeas amazônicas, tabuleiros de terra-firme, superfícies de aplainamento das áreas cratônicas e planaltos e serras modelados em coberturas plataformais ou litologias mais resistentes à erosão (DANTAS e MAIA, 2010DANTAS, Marcelo Eduardo e MAIA, Maria Adelaide Mansini. Compartimentação Geomorfológica. In.: MAIA, Maria Adelaide Mansin e MARMOS, José Luiz. Geodiversidade do estado do Amazonas. Manaus: CPRM, 2010., p. 32).

O Estado do Amazonas é detentor da maior cobertura vegetal tropical preservada do planeta e das maiores reservas de água doce existente, com aproximadamente 98% da cobertura florestal original ainda conservada (AMAZONAS, 2013). As áreas protegidas abrangem cerca de 55,47% do território amazonense, sendo 27,06% Terras Indígenas e 28,41% Unidades de Conservação Federais (15,16%), Estaduais (12,05%) e Municipais (1,19%). Além disso, os Assentamentos Rurais ocupam 5,33% do território.

O acesso ao Amazonas é feito principalmente por via fluvial ou aérea. Há a presença de rodovias federais como a BR 174, que liga Manaus à Venezuela, atravessando a cidade de Boa Vista, em Roraima. Outra rodovia federal é a BR 319, que liga Manaus a Porto Velho em Rondônia, sendo a única conexão terrestre ao resto do Brasil. A BR 319 se encontra em fase de reconstrução, marcada por conflitos institucionais e judiciais, devido ao alto grau de conservação da região central da rodovia no território amazonense.

De acordo com a MACROPLAN (2016), o Estado do Amazonas (Figura 01) está no 26º ranking de alocação de infraestrutura em relação ao Brasil, possuindo limitações na logística de transporte terrestre, telecomunicações (internet e telefonia) e fornecimento estável de energia elétrica, não evoluindo de colocação após 10 anos de aplicação da pesquisa.

Figura 01
Megaempreendimentos no Estado do Amazonas

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

O método utilizado foi exploratório (MARCONI e LAKATOS, 2006MARCONI, Mariana de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed.; São Paulo: Atlas, 2006.) com a adoção de pesquisa bibliográfica e documental (SANTOS, 2005SANTOS, Izequias Estevam dos Santos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 5. Ed. Ver., atual. E ampl. - Niteroi, RJ: Impetus, 2005.). A pesquisa partiu da análise da gênese do arcabouço teórico e legal da CA do SNUC, evidenciando suas mudanças e particularidades.

Para análise da implementação da CA do SNUC, no Estado do Amazonas, foram obtidos documentos e informações com acesso aos Processos de Compensação Ambiental-PCA instruídos no âmbito dos órgãos ambientais licenciadores (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas-IPAAM e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA) e órgão gestor de UC (Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazona-SEMA/ AM), além da análise de acervos bibliográficos on-line e impressos. Foi realizada pesquisa na plataforma on-line do Sistema Informatizado de Licenciamento Ambiental Federal (http://www.ibama.gov.br/licenciamento/) para os empreendimentos licenciados pelo IBAMA. Foi realizada visita ao IPAAM e SEMA/AM para averiguação in loco dos processos nos setores competentes das referidas instituições.

Os PCA foram divididos de acordo com situação de tramitação técnica administrativa que se encontram, sendo assim classificados: 1 - PCA com compensação ambiental arrecadada pela SEMA-AM; 2 - PCA com compensação ambiental executada diretamente pelo empreendedor; e, 3- PCA com compensação ambiental a ser definida. Foram priorizados na análise os Termos de Compromissos de Compensação Ambiental-TCCA expedidos pela SEMA/AM entre os anos de 2009 a 2015, e seus respectivos planos de trabalho.

Ressalta-se que os acessos aos PCA se deram mediante o atendimento da Lei Federal nº. 10.650, de 16 de abril de 2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente-SISNAMA, e a Lei Federal n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso à informação e transparência pública.

COMPENSAÇÃO AMBIENTAL: CONSTRUÇÃO GEOGRÁFICA DO CONCEITO

A formulação de políticas ambientais e execução dos Serviços Públicos de Gestão e Controle Ambiental no Brasil possuem amparo legal na Política Nacional de Meio Ambiente-PNMA, instituída pela Lei Federal nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, alterada pela Lei Federal nº. 7.804, de 18 de julho de 1989, e regulamentada pelo Decreto Federal nº. 99.274, de 06 de junho de 1990, que criou também o SISNAMA. Somam-se ao expediente, as Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente-CONAMA, especialmente as Resoluções Conama nº. 001/1986, 009/1987 e 237/1997, que de forma complementar disciplinam o licenciamento de empreendimentos, a elaboração de estudos e emissão de licenças ambientais, a realização de audiências públicas, e também discriminam a incorporação no EIA/RIMA das medidas mitigadoras dos impactos ambientais negativos e programas de monitoramento.

Com o advento da Lei Complementar Federal - LC nº. 140, de 08 de dezembro de 2011, houve a parametrização da divisão de competências administrativas entre os Entes da Federação (a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município) para a gestão e licenciamento ambiental, estabelecendo-se normas para os órgãos repassarem e assumirem as referidas competências, assim como, as tipologias de empreendimentos a serem licenciados por cada esfera. Salienta-se que o Decreto Federal nº. 8.437, de 22 de abril de 2015, regulamentou a LC 140/2011, discriminando as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental compete à União.

Encontra-se em vigor a Portaria Interministerial nº. 060, de 24 de março de 2015, que regulamenta a atuação dos órgãos e entidades da administratação pública federal envolvidos no licenciamento ambiental, como a Fundação Nacional do Índio-FUNAI para terras indígenas, a Fundação Cultural Palmares para quilombos, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN para áreas arqueológicas, e Ministério da Saúde para obtenção do laudo de avaliação do potencial malarígeno e do atestado de condição sanitária.

No âmbito do licenciamento ambiental é adotada a hierarquia da mitigação (LITTLE, 2013LITTLE, Paul Elliot. Megaprojetos na Amazônia: uma análise geopolítica e socioambiental com propostas de melhor governo para a Amazônia. Lima: Red Jurídica Amazónica - RAMA, Articulación Regional Amazónica - ARA, Derecho, Ambiente y Recursos Naturales - DAR, dezembro de 2013. Disponível em: <http:// coalicionregional.net/wp-content/uploads/2014/06/ Megaproyectos_amazonia_portugues.pdf>. Acesso: 04 fev. 2016.
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; OLIVEIRA et. al., 2015OLIVEIRA, Karen P.; PINHEIRO, Gustavo T.; BARROS, Ana Cristina. Compensação Ambiental: Um retrato sobre o cenário brasileiro. Brasília-DF: The Nature Conservancy - TNC, Brasil, 2015. Disponível em: <http://www.nature.org/media/brasil/ compensacao-ambiental-retrato-cenario-brasileiro. pdf>. Acesso: 04 nov. 2015.
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), que pode ser simplificada em três etapas: a) Evitar: medidas para evitar a geração de impactos; b) Minimizar: medidas para a redução da duração, intensidade ou extensão dos impactos que não puderam ser completamente evitados; e, c) Compensar: compensação de quaisquer impactos residuais e significativos.

Neste contexto, de acordo com Little (2013LITTLE, Paul Elliot. Megaprojetos na Amazônia: uma análise geopolítica e socioambiental com propostas de melhor governo para a Amazônia. Lima: Red Jurídica Amazónica - RAMA, Articulación Regional Amazónica - ARA, Derecho, Ambiente y Recursos Naturales - DAR, dezembro de 2013. Disponível em: <http:// coalicionregional.net/wp-content/uploads/2014/06/ Megaproyectos_amazonia_portugues.pdf>. Acesso: 04 fev. 2016.
http:// coalicionregional.net/wp-content...
), são duas tipologias de megaprojetos existentes na Amazônia: os de infraestrutura e os de extrativismo (Tabela 01).

Tabela 01
Tipos de Megaprojetos na Amazônia

Em geral, aos megaempreendimentos são aplicadas cerca de 07 (sete) tipos de compensações ambientais existentes no arcabouço legal brasileiro (Tabela 02). As compensações ambientais atualmente estão sendo alvo de uma ampla discussão sobre sua natureza e temporalidade.

Tabela 02
Compensações Ambientais aplicadas a Megaempreendimentos

O conceito da CA do SNUC, em sua origem, guarda estreita relação entre a extensão e abrangência territorial de implantação de megaempreendimentos e a magnitude do impacto ambiental ocasionado por esta, o que condiciona sua destinação às UC, como forma de compensar o capital natural destruído. Desta forma, relaciona-se ao ressarcimento ou reparação de partes do território afetadas por danos ambientais não mitigáveis e de caráter irreversível para o qual se calcula valor monetário “proporcional” à degradação. A origem da CA, Stricto Sensu, não guarda estreita relação com o disposto no art. 36 do SNUC (FARIA, 2012FARIA, Ivan Dutra. Compensação ambiental: fundamentos, normas e conflitos. In.: Anais/Encarte Técnico-Científico do Workshop sobre Compensações Ambientais no Brasil. vol. 1. Manaus: Aufiero, 2012. p. 15-27., p. 24). Essa afirmativa se comprova devido a considerável evolução do conceito de CA no período de 13 anos, saindo da pontual criação e manutenção pelos empreendedores de áreas-testemunho sob a forma de Estação Ecológica atrelada preferencialmente ao território afetado pelos empreendimentos, estabelecido originalmente na Resolução CONAMA nº. 10, de 03 de dezembro de 1987, a um complexo instrumento de arrecadação financeira prioritária à implementação do SNUC.

Ao longo desse período fatores determinantes permeiam o marco conceitual:

  • a) vinculado ao licenciamento de obras de grande porte (empreendimentos de relevante/significativo impacto ambiental);

  • b) reparação e ressarcimento de danos ambientais causados pela destruição de florestas e outros ecossistemas;

  • c) fundamento na mais complexa e robusta modalidade de estudo ambiental requerida no licenciamento, o EIA/RIMA;

  • d) a valoração e monetarização ao dano ambiental proporcional a alteração, a partir do que se convencionou a chamar de grau de impacto ambiental;

  • e) foco nas UC de proteção integral, demonstrando seu caráter “preservacionista”;

  • f) exclusão dos aspectos sociais na mensuração do grau de impacto ambiental;

  • g) indefinição quanto à natureza jurídica da CA, se recurso público ou privado;

  • h) ausência de alinhamento técnico entre os entes da federação quanto aos procedimentos técnicos e jurídicos que evitem a fragilização e judicialização da CA;

  • i) falta de uma visão sistêmica na destinação da CA;

  • j) conflitos originados da divisão da CA de acordo com a esfera administrativa (federal, estadual, municipal e distrital) do órgão ambiental licenciador, dificultando que as UC de fato impactadas ou que necessitem do recurso para suprir suas necessidades de gestão sejam efetivamente beneficiárias. Em geral, as câmaras de CA não possuem uma visão sistêmica quanto à distribuição do recurso, contemplando as UC da esfera administrativa do órgão licenciador ou repassando recursos mínimos as UC de outros entes da federação.

Pondera-se que as mudanças e permanências trazidas pelo SNUC ao conceito de CA foram as seguintes:

  • a) A CA entendida como um dever de cumprir (obrigação de fazer) do empreendedor com a implantação (criação) de UC, a partir de 2000 com a edição do SNUC passou a ser do órgão público gestor de UC, quando “necessária” à respectiva criação;

  • b) Com a edição do SNUC, o empreendedor passa a escolher como deseja executar o recurso de CA: i) se diretamente (constituindo sua própria equipe de especialistas); ii) se indiretamente (contratando empresas ou instituições de consultoria técnica); ou, iii) repassando o montante ao órgão gestor de UC, ficando a cargo deste a execução financeira e técnica. Anteriormente ao SNUC, a manutenção da UC caberia diretamente ao empreendedor, possuindo a alternativa do mesmo conveniar com o órgão gestor da unidade;

  • c) A CA passou a ser entendida como um instrumento de arrecadação financeira pelo órgão público;

  • d) Desvinculação da criação de UC de proteção integral como área-testemunho junto ao território afetado pelo empreendimento, expondo possibilidade de destinação do recurso de CA às diversas UC de grupo de proteção integral, públicas e privadas, pertencentes ao Sistema nacional, estaduais, municipais e distrital, independente de estarem ou não impactadas pelo empreendimento, cabendo à aplicação de critérios técnicos do órgão licenciador, da Resolução CONAMA nº. 371, de 05 de abril de 2006, e das necessidades de gestão das UC;

  • e) A monetarização da CA que no início deveria ser proporcional à alteração e ao dano ambiental e não inferior a 0,5% dos custos totais previsto para a implantação do empreendimento, com o SNUC fica vinculada ao percentual fixado pelo órgão licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento, que continuou com o teto mínimo de 0,5% dos custos totais previstos para a construção do mesmo. Salienta-se que a Confederação Nacional da Indústria-CNI ajuizou no Superior Tribunal Federal-STF, em 16 de dezembro de 2004, a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº. 3.378-6, com o objetivo de impugnar o artigo 36 da Lei 9.985/00 e seus §§ 1º, 2º e 3º. Como resultado do julgamento parcial da ADI realizado em 09 de abril de 2008, o STF julgou, por maioria, parcialmente procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade apenas da expressão “não pode ser inferior a 0,5% dos custos totais para implantação do empreendimento”. O STF chegou à conclusão que “o valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo que se assegurem o contraditório e a ampla defesa”.

O Governo Federal, levando em consideração a decisão parcial do STF, expediu o Decreto Federal nº 6.848/2009, que alterou a Lei Federal nº. 9.985/2000, passando o 0,5% de mínimo para máximo, dispondo sobre a metodologia federal para gradação de impacto e dos critérios para cálculo do valor da CA pelo órgão licenciador, porém manteve a inconstitucionalidade fixando como teto o percentual de 0,5% sobre o custo da implantação do empreendimento, diminuído dos custos aplicados para mitigação.

Salienta Bechara (2009BECHARA, Erika. Licenciamento e compensação ambiental na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - Snuc. São Paulo: Atlas, 2009., p. 166), que a compensação é o instrumento que impõe aos empreendimentos causadores de impactos ambientais significativos e não mitigáveis/não elimináveis pela melhor tecnologia conhecida no momento, o dever de apoiar com recursos financeiros a criação e implantação de UC de proteção integral como forma de contrabalançar os danos ambientais resultantes de tais atividades econômicas e industriais.

De acordo com Faiad (2015FAIAD, Paulo Jardel Braz. Contribuição para a melhoria dos Critérios de Destinação da Compensação Ambiental Federal. Manaus: INPA, 2015. Disponível em: <http://bdtd.inpa.gov.br/bitstream/tede/1866/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o_%20Paulo%20Jardel%20Braz%20Faiad.pdf>. Acesso: 02 abr. 2016.
http://bdtd.inpa.gov.br/bitstream/tede/1...
, p. 15), pode-se dividir o processo de efetivação da condicionante de Compensação Ambiental, no âmbito federal, em três etapas: a) valoração; b) destinação; e, c) execução. Portanto, a divisão do processo de cálculo, cobrança, quitação, aplicação e operacionalização da condicionante de CA revela a importância desse instrumento para o efetivo empoderamento das populações afetadas.

Destaca-se que a CA do SNUC foi regulamentada pelos artigos 31 ao 34 do Decreto Federal nº. 4.340/2002, sendo os artigos 31 e 32 alterados pelo Decreto Federal nº. 6.848/2009. No Decreto Federal nº. 4.340/2002 são discriminadas as atividades prioritárias a serem eleitas para aplicação da CA.

De forma geral é possível apontar os seguintes aspectos como falhas técnicas para definição das compensações ambientais pela autoridade licenciadora, de acordo com Hofmann (2015HOFMANN, Rose Mirian. Gargalos do Licenciamento Ambiental Federal no Brasil. Brasília-DF: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, julho de 2015. Disponível em: <http://www2.camara. leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/ areas-da-conle/tema14/2015_1868_licenciamentoambiental_rose-hofmann>. Acesso: 04 nov. 2015.
http://www2.camara. leg.br/documentos-e-...
): a) extrapolação do escopo para compensar a falta de políticas públicas; b) desproporcionalidade entre os impactos e as medidas mitigadoras e compensatórias exigidas; e, c) falta de conexão lógica e proporcionalidade entre medidas protetivas, mitigadoras, compensatórias e compensação ambiental.

No período de 2011 a 2014, foi arrecado de CA estadual na região Norte, com base no levantamento de Oliveira et. al. (2015OLIVEIRA, Karen P.; PINHEIRO, Gustavo T.; BARROS, Ana Cristina. Compensação Ambiental: Um retrato sobre o cenário brasileiro. Brasília-DF: The Nature Conservancy - TNC, Brasil, 2015. Disponível em: <http://www.nature.org/media/brasil/ compensacao-ambiental-retrato-cenario-brasileiro. pdf>. Acesso: 04 nov. 2015.
http://www.nature.org/media/brasil/ comp...
, p. 31), o valor de R$ 126.389.845,89 (cento e vinte e seis milhões, trezentos e oitenta e nove mil, oitocentos e quarente e cinco reais, e oitenta e nove centavos), sendo os Estados do Pará (62,89%) e do Amazonas (18,47%) os que mais arrecadaram (Figura 02).

Figura 02
Compensação Ambiental Estadual na região Norte.

Cada Estado brasileiro também pode desenvolver legislações próprias ou aplicar a legislação federal para arrecadação de CA dos empreendimentos licenciados na sua esfera de atuação. Nota-se que os Estados brasileiros ficam com uma carteira de megaempreendimentos limitada para licenciar, impedindo o desenvolvimento de competências técnicas, o aprimoramento de procedimentos e condiciona a baixa arrecadação com CA estadual. O Governo Federal é o que mais arrecada com CA, devido historicamente deter a competência legal de licenciar empreendimentos de maior complexidade e extensão.

ASPECTOS DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL NO AMAZONAS

Concomitante ao SNUC, no Estado do Amazonas, a CA foi prevista nos arts. 53 e 54 da Lei Complementar Estadual nº. 53, de 05 de junho de 2007, que instituiu o SEUC. Diferentemente do SNUC, no inciso II do art. 53 do SEUC está determinado que compete ao “órgão gestor de UC” definir as UC a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo ser contemplada, a criação de novas UC.

Para definir a destinação e aprovar a aplicação da CA, foi criada por meio da Portaria/SEMA/GS nº 014/2010, de 28 de janeiro de 2010, a Câmara Estadual de Compensação Ambiental-CECA. A CECA foi regulamentada por meio da Instrução Normativa - IN nº. 005 - SEMA de 28 de junho de 2010, que estabeleceu os procedimentos administrativos e técnicos para sua gestão. Possui Regimento Interno, aprovado por meio da Portaria/SEMA/GS n. 204, de 10 de setembro de 2010.

Após tentativas de regulamentar os dois artigos da Lei Complementar Estadual nº. 53/2007, a Procuradoria Geral do Estado do Amazonas-PGE/ AM foi contrária, sendo favorável apenas à criação da CECA por meio de Lei Estadual, e que o IPAAM adotasse somente a legislação e metodologia federal para gradação do impacto ambiental e cálculo da compensação ambiental, levando em consideração que a ADI nº. 3.378-6/DF ainda não obtivesse julgamento definitivo pelo Superior Tribunal Federal- STF.

Dessa maneira, em virtude do IPAAM não possuir metodologia específica fundamentada nas especificidades ambientais e biofísicas do Estado do Amazonas, o referido órgão fixou o grau de impacto ambiental máximo de 0,5% para cálculo da CA nas condicionantes das licenças ambientais, com base no art. 15 da Resolução CONAMA nº. 371, de 05 de abril de 2006, que determina que “o valor da CA fica fixado em meio por cento dos custos previstos para a implantação do empreendimento até que o órgão ambiental estabeleça e publique metodologia para definição do grau de impacto ambiental”.

No Estado do Amazonas, caso o Empreendedor opte pelo repasse da CA ao órgão gestor de UC, os recursos provenientes de CA são integralizados ao orçamento público com abertura de contas bancárias governamentais no Banco do Brasil em nome da UC.

A elaboração do TCCA segue os quesitos aprovados pela PGE/AM. É aplicada a legislação para contratações de serviços técnicos, consultorias, implantação de infraestrutura ou aquisição de bens e material de consumo vigente no país (Lei Federal nº. 8.666/1993 e suas regulamentações) previstas no Plano de Trabalho (Plano de Execução da CA-PECA) elaborado pelo órgão gestor das UC de acordo com as prioridades elencadas no artigo 33 e parágrafo único do Decreto Federal nº. 4.340/2002. A CECA avalia e aprova a Prestação de Contas Técnica e Físico-Financeira da execução do PECA do Empreendimento, averiguando se foram atendidas as atividades discriminadas para cada UC.

Para a eleição das UC, a serem destinatárias de CA, são aplicados os critérios da Resolução CONAMA Nº 371/2006, sendo realizada caracterização geográfica e análise das necessidades de gestão de cada UC detectada nos PCA, EIA/RIMA e nos documentos expedidos pelo órgão licenciador do empreendimento e gestor de UC. Também é averiguado se as UC eleitas estão devidamente inscritas e certificadas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação-CNUC, atendendo o § 1º do art. 11 da Resolução CONAMA Nº 371/2006.

Analisa-se a existência ou não de categorias de UC de Uso Sustentável ou zonas de amortecimento na Área Diretamente Afetada (ADA) e nas Áreas de Influência Direta (AID) e Indireta (AII) do Empreendimento, ou mesmo, a criação de novas unidades na região afetada. Para as UC de proteção integral constatadas observa-se se há outros recursos ou destinações de CA para suprir suas necessidades de gestão e avalia-se sua proximidade ao empreendimento.

A primeira CA aplicada no Estado do Amazonas adotou os critérios da extinta Resolução CONAMA nº. 10, de 03 de dezembro de 1987, e se refere à criação e manutenção da Reserva Biológica - REBIO Uatumã para compensar os impactos da Usina Hidrelétrica - UHE de Balbina. Salienta Faiad (2015FAIAD, Paulo Jardel Braz. Contribuição para a melhoria dos Critérios de Destinação da Compensação Ambiental Federal. Manaus: INPA, 2015. Disponível em: <http://bdtd.inpa.gov.br/bitstream/tede/1866/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o_%20Paulo%20Jardel%20Braz%20Faiad.pdf>. Acesso: 02 abr. 2016.
http://bdtd.inpa.gov.br/bitstream/tede/1...
, p. 28) que em 1990 foi criada a REBIO Uatumã, às margens do lago de Balbina, com 562.696 ha, destinada a compensar os impactos da Usina. Além de criar a unidade, o empreendedor - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - Eletronorte, foi incumbido de prestar apoio financeiro e logístico à UC, conforme o artigo 5º do Decreto Federal nº 99.277/1990.

Destaca-se que a Carteira de Empreendimentos licenciados no Amazonas, tanto na esfera estadual (IPAAM) quanto na federal (IBAMA), tem cerca de 18 projetos em andamento nas distintas fases do licenciamento e de CA. Detectou-se que existem cerca de 19 projetos de aproveitamentos hidrelétricos em implantação. Estão em operação 02 gasodutos, 04 Usinas Termoelétricas a Gás Natural, 01 Pequena Central Hidrelétrica-PCH, UHE Pitinga e a polêmica UHE Balbina, 03 Linhas de Transmissão de Energia, e os empreendimentos rodoviários como a BR 319AM, BR 174-AM e BR 317-AM, além de rodovias estaduais.

Os megaempreendimentos licenciados no Amazonas em grande parte possuem como empreendedor os órgãos do Governo Federal e Estadual, possuindo como fontes recursos o próprio erário, bem como, oriundos de repasses financeiros, parcerias público-privadas e empréstimos junto a agências multilaterais. Merece destaque os megaempreendimentos do setor de energia, vinculados à produção e transmissão eletricidade e de hidrocarbonetos.

A nível estadual, a cobrança e quitação de CA baseada no SNUC foi tardia. Somente após 10 anos de instituição do SNUC foi celebrado o primeiro TCCA para viabilizar a quitação da CA do empreendimento Gasoduto Coari Manaus. Dessa maneira, no período de 2009 a 2015, foram celebrados 04 (quatro) TCCA com a arrecadação pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas-SEMA/AM de R$ 23.341.294,65 (vinte e três milhões, trezentos e quarenta e um mil, duzentos e noventa e quatro reais, e sessenta e cinco centavos), e uma execução direta pelo empreendedor no valor de R$ 216.466,63 (duzentos e dezesseis mil, quatrocentos e sessenta e seis reais, e sessenta e três centavos). A CA contemplou ao total 19 UC (Tabela 03), sendo 17 estaduais e 02 municipais. Todos os empreendimentos cuja CA foi quitada são do setor de energia.

Tabela 03
TCCA celebrados (2009-2015)

Licenciado pelo IPAAM, o Gasoduto Coari-Manaus possui 397 km de extensão, atingindo 08 municípios amazonenses (Coari, Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru, Iranduba e Manaus), cujo valor total da obra de engenharia foi de R$ 4.320.672.819,65 (quatro bilhões, trezentos e vinte milhões, seiscentos e setenta e dois mil, oitocentos e dezenove reais, e sessenta e cinco centavos).

A cobrança da quitação do valor da CA do Gasoduto Coari-Manaus foi efetuada por meio da Condicionante nº. 17 da Licença de Operação - LO nº. 491/09, de 02 de outubro de 2009. Para cumprimento foi celebrado o TCCA nº. 001/2009, de 21 de dezembro de 2009, definindo o valor de R$ 21.603.364,10 (vinte e um milhões, seiscentos e três mil, trezentos e sessenta e quatro reais, e dez centavos), correspondente a 0.5% do valor total da obra. A destinação e repartição contemplou 17 UC, com área total de 6.242.891,20 ha, e aproximadamente 330 comunidades.

Em 2015 foram arrecadados também pela SEMA/AM recursos de CA definidos pelo Comitê de Compensação Ambiental Federal - CCAF/IBAMA de dois empreendimentos, com o total de R$ 1.737.930,55 (um milhão, setecentos e trinta e sete mil, novecentos e trinta reais, e cinquenta e cinco centavos). Os recursos foram aprovados para aplicação em atividades de regularização fundiária; elaboração do plano de manejo/ gestão; implantação do plano de manejo/gestão: programa de uso público e manejo dos recursos, e, ações para proteção e monitoramento ambiental.

Ressalta-se que a Linha de Transmissão Oriximiná - Silves - Eng. Lechuma - Manaus (Linhão de Tucuruí Lote “C”), licenciada pelo IBAMA, com 586 km de extensão abrange 03 Municípios do Estado do Pará (Oriximiná, Terra Santa e Faro) e 08 municípios do Estado do Amazonas (Nhamundá, Itapiranga, Rio Preto da Eva, Manaus, Urucará, São Sebastião do Uatumã, Itacoatiara e Silves).

A CA do Linhão de Tucuruí Lote “C” foi definida condicionante nº. 2.7. da Licença de Instalação nº. 739/2010, sendo calculado o valor de R$ 6.233.662,45 (seis milhões, duzentos e trinta e três mil, seiscentos e sessenta e dois reais e quarenta e cinco centavos), correspondente a 0,5% do valor total da obra. Desse valor apenas 12,03% contemplou 02 UC de uso sustentável de fato impactadas no Estado do Amazonas.

O CCAF/IBAMA também destinou 3,1% da CA da UHE Teles Pires ao Parque Estadual Sucundurí localizado em Apuí-AM. A UHE Teles Pires está inserida na divisa dos estados do Mato Grosso e Pará, e sua CA foi definida na condicionante nº. 2.22. da Licença de Instalação nº. 818/2011, no montante de R$ 15.971.258,00 (quinze milhões, novecentos e setenta e um mil, duzentos e cinquenta e oito reais), equivalente a 0,5% da obra.

Dos empreendimentos licenciados a nível estadual pelo IPAAM, 04 processos de CA das UTEs a gás natural estão com PECA sendo executado diretamente pelo Empreendedor. Especialmente para esse caso, foi realizada inicialmente uma antecipação voluntária e parcial de CA. No entanto, a ação foi proibida PGE-AM por não possuir amparo legal.

Existem ainda 08 empreendimentos com CA estadual a ser destinada e operacionalizada: Gasoduto Juruá-Urucu; Ponte sobre o Rio Negro; PROSAMIM III - Igarapé São Raimundo; Rodovia BR 317-AM; UTE de Tefé; Porto das Lages; Cidade Universitária da Universidade do Estado do Amazonas-UEA; e Projeto Potássio Amazonas - Autazes. Salienta-se que o empreendimento Projeto Potássio Amazonas no município de Autazes da Potássio do Brasil possui potencial de repasse de 32 milhões de reais em CA.

No IPAAM há em tramitação 05 empreendimentos para cobrança da CA, sendo eles: UTE Azulão; Porto Industrial de Manaus-PIM; Porto Manaus Moderna; Aterro Sanitário e Porto Novo Remanso. Está também em andamento o licenciamento ambiental pelo IBAMA da BR 319-AM e Linhão Manaus-Boa Vista, tendo perspectiva de destinação de CA federal as UC estaduais.

Detectou-se, a partir da análise dos PECA dos 04 TCCA expedidos pela SEMA-AM, a atividade de “construção de infraestrutura e a aquisição de equipamentos e material de consumo” como sendo a de maior relevância para aplicação de CA com 24,36% do recurso total fixado (Figura 03). Seguida pelas ações de operacionalização de campo que remetem a Gestão e Implementação de UC (17,65%) e fiscalização ambiental (13,76%).

Figura 03
Atividades priorizadas para aplicação da CA estadual no Amazonas.

A regularização fundiária, a primeira atividade prioritária para aplicação de recursos de CA pelo art. 33 do Decreto Federal nº. 4.340/2002, fica na 5ª colocação do ranking de rateio de recursos de CA a nível estadual, com 9,51% do que é aplicado. Salienta-se que na legislação federal de CA a atividade de regularização fundiária é priorização absoluta, sendo elencada até como um dos objetivos de criação de Câmaras de CA.

Ressalta-se que no Amazonas a competência da execução de fiscalização nas UC estaduais é exclusiva ao IPAAM. À SEMA/AM, como órgão gestor de UC, cabe a realização de atividades de proteção e monitoramento ambiental das UC, atividade esta com 8,77% do recurso. A SEMA/AM designa o chefe de UC para acompanhar, demandar e, quando couber, apoiar o planejamento de atividades fiscalizatórias, e o desenvolvimento de ações de monitoramento de campo e remoto da abrangência e entorno da UC.

Observou-se também que a elaboração e implementação de Planos de Gestão de UC representa 13,74% dos recursos destinados, enquanto que a criação e operacionalização de Conselhos Gestores com 2,98% ainda necessita de maior priorização no rateio orçamentário dos recursos de CA, principalmente devido aos elevados custos logísticos necessários a constituição de um conselho efetivamente operante.

No Estado do Amazonas, o gerenciamento da CA deve levar em consideração alguns aspectos para sua implementação efetiva, dentre eles:

  • a) elaboração de procedimentos técnicos que proporcionem segurança jurídica ao tomador de decisão, nesse caso aos analistas ambientais;

  • b) definição do momento exato para a cobrança da CA, se de fato na emissão da licença de instalação sobre o custo previsto da obra de engenharia, ou se na licença de operação com o valor final (original mais aditivos) do empreendimento;

  • c) determinação da atualização monetária/contábil do recurso de CA calculado com a padronização e definição da temporalidade e do índice financeiro de atualização;

  • d) formulação de um método consistente para a mensuração do grau de impacto ambiental de acordo com as especificidades ambientais, biofísicas e sociais do território amazonense;

  • e) reconhecimento das UCs de uso sustentável como beneficiárias diretas da CA;

  • f) incorporação dos aspectos sociais na mensuração do grau de impacto ambiental;

  • g) definição quanto à natureza jurídica da CA como recurso público;

  • h) implementar uma visão sistêmica na destinação da CA.

A ponderação dos determinantes paradoxos da CA do SNUC nos faz refletir sobre como é possível alinhar esse instrumento de arrecadação à noção de sustentabilidade ambiental, social e econômica para as UC e suas populações residentes ou do entorno.

Salienta-se que em 2016 ocorreu a primeira judicialização de destinação de CA federal, obtendo ganho de causa o Estado do Pará quanto à destinação da CA da Usina Hidrelétrica - UHE Belo Monte. A CA do SNUC da UHE Belo Monte foi prevista na condicionante nº. 2.34. da Licença de Operação (LO) n0. 1317/2015, de 24 de novembro de 2015, com o valor total de R$ 126.325.793,01 (cento e vinte e seis milhões, trezentos e vinte e cinco mil, setecentos e noventa e três reais, e um centavo) correspondente a 0.5% do custo da obra, sendo destinada pelo CCAF/ IBAMA.

A íntegra da decisão judicial (Justiça Federal em Altamira/PA) constante no Processo nº 46695.2016.401.3903 ordenou a suspensão do repasse de mais de 70% do recurso de CA da UHE ao Parque Nacional do Juruena, no Mato Grosso, e obrigou a elaboração de novo plano de trabalho incluindo, prioritariamente, as UC da região de fato impactada pelo empreendimento no médio curso do rio Xingu no Pará, adotando, na análise judicial, o conceito de impacto ambiental sistêmico. A judicialização e o ganho da causa pelo Pará na re-destinação da CA da UHE Belo Monte abriu precedente para que os Estados possam intervir diretamente junto a outras destinações de CA federais definidas pelo CCAF/IBAMA.

Frisa-se que de acordo com art. 83 do Decreto Federal nº. 6.514, de 22 de junho de 2008, o Empreendedor que “deixar de cumprir compensação ambiental determinada por lei, na forma e prazo exigidos pela autoridade ambiental” pode ser multado de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

CONCLUSÕES

No Brasil, o tema “licenciamento ambiental”, e consequentemente, as “compensações ambientais”, por seu histórico de conflitos institucionais, judiciais e socioterritoriais, deve ser sistematicamente incorporado à estrutura de governança e ao efetivo controle social, tendo por base: a) desenvolvimento de capacidades para sua evolução - científico, técnico, jurídico e institucional; e, b) atualização do arcabouço legal com caráter conciliatório e participante.

Ressalta-se que na década de 80 a avaliação dos custos ambientais de projetos foi inserida no debate nacional com foco no comando e controle, e menos na cobrança de seguros prévios à implantação de megaempreendimentos. Como consequência, as compensações ambientais são entendidas pelos políticos e empreendedores como “onerosas”, tendo estes uma visão limitada quanto à amplitude das medidas ambientais e sociais e da quantidade de serviços e políticas públicas geradas com a implantação de grandes obras.

Fatores políticos, jurídicos e técnicos limitam nacionalmente o fortalecimento da legislação do licenciamento ambiental, afetando a CA, que necessita efetivamente de regulamentação e maior controle social e transparência na sua destinação e operacionalização.

O período de início ao final do processo de licenciamento ambiental chega a cerca de 6 anos, evidenciando a longa escala temporal da elaboração dos estudos para a implantação, a construção da obra até a autorização da operação do empreendimento, um longo prazo que requer em seu trajeto um alto investimento nas medidas mitigadoras e compensatórias. Por conta disso, propostas políticas visam à flexibilização da legislação do licenciamento ambiental, por meio de projetos de lei do Senado Federal e da revisão das resoluções do CONAMA. Além disso, ainda aguarda-se o julgamento final pelo STF da ADI nº. 3.378-6 para se definir os procedimentos a serem aplicadas para a continuidade da aplicação da CA.

A questão geográfica para eleição das UC a serem destinatárias de CA está vinculada à localização do empreendimento. No entanto, grande parte do recurso está sendo direcionado para UC não impactadas e não localizadas na mesma bacia hidrográfica. Com o resultado da judicialização da destinação da CA da UHE Belo Monte, as análises deverão ganhar uma visão quanto ao impacto sistêmico ocasionado pelo empreendimento, contemplando de fato as UC mais próximas e mais propícias a sofrerem os impactos negativos.

Observa-se, nesse sentido, que houve uma brusca mudança, pois a CA passou de um conceito geográfico de cunho local para o simples repasse de recurso financeiro, visto como incremento ao orçamento público. Destaca-se, nesse aspecto, a ausência da incorporação do Zoneamento Econômico Ecológico- ZEE como orientador para os estudos locacionais necessários a implantação de obras públicas e privadas (Decreto Federal nº. 4.297/2002), com a discriminação e delimitação de áreas potenciais para implementação de empreendimentos, e que evitem ou minimizem impactos ambientais e sociais.

Atualmente está havendo uma limitada discussão quanto a real natureza jurídica da CA, se recurso público ou privado. Somente o Estado do Rio de Janeiro adota o recurso como fonte privada, operacionalizado por uma entidade do terceiro setor. No restante dos Estados e a nível federal, o recurso é encarado como público, pois se destina a UC criadas pelo poder público, nesse sentido o valor é arrecadado pelo órgão gestor. Cabe salientar que a legislação não pacifica a discussão, deixando abertas as intepretações sobre sua real natureza.

No caso específico do Amazonas ainda não foi implementada efetivamente a legislação de acesso à informação e transparência pública, dificultando dentre outros, a aquisição de informações sobre CA estadual. Neste sentido, observa-se que até o momento não houve avaliação e prestação de contas da CA estadual.

Por fim, discrimina-se que para evitar os conflitos decorrentes da implantação de megaempreendimentos na Amazônia, e especialmente no Amazonas, há necessidade de uma mudança cultural e institucional para tomada de decisão efetivamente participante, que leve em consideração: a) formulação de políticas públicas vinculadas à implantação dos megaempreendimentos para o desenvolvimento local e regional; b) execução de consulta/oitiva deliberativa com a população a ser atingida, acatando suas decisões; c) apresentação da real viabilidade dos projetos em longo prazo; e, d) mudança de visão da Amazônia unicamente como fonte de recursos naturais.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2016
  • Aceito
    28 Mar 2017
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