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O GOVERNO DOS CORPOS E A REGULAÇÃO DAS LIBERDADES INFANTIS

GOVERNING BODIES AND REGULATING CHILDREN’S LIBERTIES

EL GOBIERNO DE LOS CUERPOS Y LA REGULACIÓN DE LAS LIBERTADES INFANTILES

Resumo

Esta reflexão é resultante de pesquisa teórico-filosófica na qual objetivamos traçar um panorama argumentativo das práticas sociais que envolvem o governo da criança e da infância, considerando alguns pressupostos modernos potencialmente ativos na contemporaneidade. Nesta direção, buscamos ampliar as concepções de crianças e infâncias que emergem da visibilidade atribuída a elas no cenário da modernidade, no interior da polarização das ciências humanas e exatas. Procuramos também reafirmar a importância do protagonismo da criança no processo educativo como autora e atora das aprendizagens, da agência, da condição de corpo-sujeito capaz de sentir, pensar e agir, e não sendo tratada como corpo-objeto-refém da autoridade e do adultocentrismo que a despotencializa.

Palavras chave:
Criança; Educação infantil; Governo; Corpo humano

Abstract

This reflection is the result of theoretical-philosophical research to draw an argumentative overview of social practices that involve governing children and childhood, considering some modern assumptions potentially active in today’s world. Therefore, we seek to broaden views on children and childhood that emerge from the visibility ascribed to them in modernity, within the polarization between humanities and hard sciences. We also seek to reaffirm the importance of children’s role in the educational process as authors and actors of learning, of agency, of the status of a subject-body capable of feeling, thinking and acting, and not being treated as a body-object-hostage of authority and of the adultcentrism that de-motivates it.

Keywords:
Children; Childhood education; Government; Human body

Resumen

Esta reflexión es el resultado de una investigación teórico-filosófica en la que pretendemos trazar un panorama argumentativo de las prácticas sociales que involucran al gobierno del niño y de la infancia, considerando algunos presupuestos modernos potencialmente activos en la contemporaneidad. En esta dirección, buscamos ampliar las concepciones de niños e infancias que emergen de la visibilidad atribuida a los mismos en el escenario de la modernidad, al interior de la polarización de las ciencias humanas y exactas. También buscamos reafirmar la importancia del protagonismo del niño en el proceso educativo como autor y actor de los aprendizajes, de la agencia, de la condición de cuerpo-sujeto capaz de sentir, pensar y actuar, y no tratado como cuerpo-objeto-rehén de la autoridad y del adultocentrismo que lo despotencializa.

Palabras clave:
Niño; Educación infantil; Gobierno; Cuerpo humano

1 INTRODUÇÃO

A modernidade engendrou o conceito de sujeito moderno através da constituição de uma rede conceitual e narrativa que estabeleceu o que é ser e como nos tornamos sujeitos (FOUCAULT, 2000FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: Uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.). De forma semelhante, as crianças e a infância modernas constituíram-se alvos de discursos e práticas que norteiam, até hoje, formas de pensar e agir interligadas a elas.

Mas, para isso, talvez seja preciso compreender que a infância na modernidade, segundo Sarmento (2004SARMENTO, Manuel Jacinto. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. In: SARMENTO, Manuel Jacinto; CERISARA, Ana Beatriz (orgs.). Crianças e miúdos: Perspectivas sociopedagógicas sobre a infância e educação. Vila Nova de Gaia: Edições ASA, 2004. p. 9-34.), pode ser entendida como a “norma” da infância, ou seja, como um conjunto prescritivo de saberes sobre a criança que é parte integrante do “processo de institucionalização” da infância na modernidade e a partir do qual se convencionam os padrões de “normalidade/anormalidade”. Neste cenário, destacam-se a pediatria, e a psicologia do desenvolvimento. Com isso, um “[…] novo espaço epistemológico é deflagrado, possibilitando a emergência da biologia, da filologia e da economia. Será também nesse espaço que as filosofias do homem e as ciências humanas emergirão” (RESENDE, 2015RESENDE, Haroldo de. A infância sob o olhar da Pedagogia: traços da escolarização na Modernidade. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância, Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 127-140., p. 128).

É nessa vacância que a racionalidade iluminista tece uma posição em que o homem emerge como hóspede de um lugar ambíguo: como sujeito e objeto, sujeito que conhece o objeto para um saber. Essa ambiguidade é instaurada pela bipartição das ciências humanas e sociais de um lado, e as ciências naturais e exatas de outro. Estas últimas requerem o discurso da cientificidade como verdade a ser perseguida, tanto pelo sujeito que conhece como por aquele que é objetificado.

Para tanto, forja-se um saber-poder na pedagogia moderna como ciência da educação situada no campo das ciências humanas. A infância é um dos objetos dessa ciência e ocupa o espaço do soberano submisso ou o espectador olhado, o que indica que na sua gênese a representação moderna de criança é sinônimo de incapacidade de participação. Este saber-poder ocupa um espaço vazio e, de modo fundacional, adultera ontologicamente a criança para a forma de corpo-objeto.

Ao investigar a educação do corpo em Parques e Recantos Infantis na cidade de Campinas/SP entre os anos de 1940 e 1959, Pizani, Góis Júnior e Amaral (2016PIZANI, Rafael Stein; GÓIS JÚNIOR, Edivaldo; AMARAL, Silvia Cristina F. A educação do corpo nos parques e recantos infantis de Campinas-SP (1940-1959). Movimento, v. 22, n. 3, p. 707-722, jul./set. 2016.) constatam que tais espaços foram pensados e orientados por um projeto político e pedagógico destinado ao controle da infância, ainda que contribuíssem para a constituição das identidades local e nacional. O discurso higienista foi potente em tais orientações.

Neste bojo, Foucault alerta que a infância foi o foco precípuo de todas estratégias de governo1 1 Governo é aqui entendido numa acepção ampla, como a “maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos”, e governar, neste sentido, traduz-se em “estruturar o eventual campo de ação dos outros” (FOUCAULT, 1995, p.244). “associada a um projeto de uma ‘tecnologia de população’ em que, no centro, a infância soa como o prenúncio de uma possível renovação, espécie de dobradiça entre o velho e o novo, ou como o autor denominou de armadilha de pegar adultos” (CARVALHO, 2015CARVALHO, Alexandre Filordi. Por uma Ontologia política da (d)eficiência no governo da infância. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância, Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 25-48., p. 27).

Diante disso, surge a questão: como e por que governar a criança e a infância? Governando o corpo, através de uma nosopolítica enquanto modus operandi, forjam-se tipos distintos e identificáveis, por diferenciação, para efeitos classificatórios:

Para haver governo da infância, foi necessário criá-la como objeto de análise, de classificação e de diferenciação. A nosopolítica que contorna a infância e a governa é a mesma que vai lhe autorizar uma nosoinfância: infância classificada em etapas, em processos, em condições determinadas, proposições de limites para o seu início e término, reunião de medidas igualitárias e, por consequência, hierárquicas - crianças sadias, doentes, delinquentes, exemplares, bons e maus futuros cidadãos, crianças normais e anormais, infância coligida nas estratégias de governo, pois é preciso defender a infância, conceder a ela o que lhe é de direito - mas não tudo - educar a infância, tratar a infância, socializá-la, medicalizá-la, lançá-la nas estatísticas de governos, enfim, fazer a infância existir (CARVALHO, 2015CARVALHO, Alexandre Filordi. Por uma Ontologia política da (d)eficiência no governo da infância. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância, Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 25-48., p. 26-27).

Para tal, destinaram-se e continuam a destinar-se os saberes das psicologias e das pedagogias que se estendem em regras, preceitos e recomendações forjadas a partir de prescrições modernas das noções históricas e psicológicas da infância. Algumas destas prescrições ainda permanecem ativas na contemporaneidade, sejam elas apresentadas com uma nova roupagem ou apropriadas por uma outra lógica discursiva.

Perante este quadro, esta reflexão é resultante de pesquisa teórico-filosófica na qual objetivamos traçar um panorama argumentativo das práticas sociais que envolvem o governo da criança e da infância, considerando alguns pressupostos modernos potencialmente ativos na contemporaneidade.

Cabe sinalizar que a reflexão aqui empreendida consiste na realização de uma história do presente, muito utilizada por Foucault, ao conceber a história como um recurso para criticar o presente. Por conta desta escolha, constantemente é feita menção a modernidade, sociedade moderna ou as práticas, espaços e tempos inventados nesta época.

A compreensão de modernidade aqui cultivada ultrapassa o tempo e espaço da história tradicional, que teve seu término em 1779 com a Revolução Francesa e outros acontecimentos. Após esse período entraríamos na idade contemporânea ou era pós-moderna, ainda que para alguns sociólogos vive-se ainda na era moderna. De qualquer forma, o interesse importante nesse trabalho vai ao encontro das ideias de Giddens (2003GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003., p. 9), quando diz que: “A questão da modernidade, seu desenvolvimento passado e formas institucionais presentes reaparece como um problema sociológico fundamental na chegada ao século XXI”, e “um repensar da natureza da modernidade deve caminhar junto com a reformulação de premissas básicas da análise sociológica”.

Nesta direção, buscamos ampliar as concepções de crianças e infâncias que emergem da visibilidade atribuída a elas no cenário da modernidade, no interior da polarização das ciências humanas e exatas. Procuramos, também, reafirmar a importância do protagonismo da criança no processo educativo como autora e atora das aprendizagens, da agência, da condição de corpo-sujeito capaz de sentir, pensar e agir, e não sendo tratada como corpo-objeto-refém da autoridade e do adultocentrismo que a despotencializa.

2 ESTATUTO HISTÓRICO-ONTOLÓGICO DA NORMALIZAÇÃO DO CORPO

Foucault (1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.)2 2 Foucault (1987) discute nesta obra (Vigiar e Punir) as práticas de poder interligadas a outras práticas sociais, identificando-as como tecnologias de poder. A sua abordagem impulsiona compreensões multidimensionais em torno da punição e suas transformações na sociedade moderna. Ele considera a prisão a instituição que melhor incorpora a tecnologia de poder, isto é, a disciplina do corpo e da alma. Essas práticas disciplinares ultrapassam o espaço prisional, espalham-se por diferentes instituições sociais, como fábricas, escolas e hospitais. atribui o aparecimento do homem moderno a um processo multiforme de encerramento corporal, no qual se inscrevem a disciplina militar e a pedagogia escolar.

O humanismo moderno correspondeu ao reforço dos mecanismos de controle e sanção, graças à junção do privado e do público numa engrenagem de manutenção da ordem em modalidades aperfeiçoadas, desde a família [privado] à escola [público]. O sentimento de obrigação do Estado moderno de olhar para a criança foi forçoso, pois exigiu proceder à necessidade da correção da rebeldia do corpo na direção da normalização, um dever da função parental que foi estendido ao aparelhamento escolar.

A média consistia no padrão almejado, a norma na qual todos deveriam se enquadrar3 3 O conceito de tipos humanos, elaborado por Hacking (2006), também é profícuo para pensar a criança e a infância, na medida em que o autor discute a classificação de pessoas, o efeito disso sobre elas, bem como as possibilidades de reagirem a tais classificações. Para cada tipo humano inventa-se uma conduta a ser alcançada, um modo de ser e agir, compondo um conjunto de características adequadas e comuns a este grupo social. e que, a partir do final do século XVIII, começou a ser pretendida intensamente fomentando incontornavelmente as artes de governo dos corpos-sujeitos de modo a serem reunidos, ordenados, classificados, distribuídos, utilizados e produzidos por forças associativas e excludentes, conforme cada papel e finalidades a eles prescritas. Assim, a existência humana moderna passa a ser governada de maneira individual e coletiva, transformando os sujeitos em passivos objetos de comando, ordenação e controle (CARVALHO, 2015CARVALHO, Alexandre Filordi. Por uma Ontologia política da (d)eficiência no governo da infância. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância, Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 25-48.).

É estratégia de constituição da infância e do seu governo a necessidade de garantir minimamente as condições essenciais da condição humana moderna. Ontologicamente, constituem-se convicções acerca do adulto eficiente, isto é, “daquele que realiza a infância no que se tornou” (CARVALHO, 2015CARVALHO, Alexandre Filordi. Por uma Ontologia política da (d)eficiência no governo da infância. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância, Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 25-48., p. 27).

A escola assume parte veemente dessa função. A escolarização concentrou as crianças num longo processo de encerramento, o que Foucault, em concordância com Ariès (1981ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.), designa como o lugar moderno onde se operou, não sem razão, o afastamento das crianças do universo dos adultos numa ampla iniciativa de moralização destas. A preocupação moralista em distinguir as coisas apropriadas às crianças fez com que se iniciasse a dissociação das suas atividades: entre estas, está a reserva de determinados jogos e brinquedos puramente lúdicos para as crianças pequenas e, para as crianças maiores, jogos que educam, a exemplo das práticas militares para os rapazes. Quanto a esta questão, Ariès (1981) não pode ser ignorado, pois a própria iconografia clássica da Idade Média [objeto bastante usado nas suas investigações] não registra uma separação tão rigorosa, seja dos jogos indistintamente partilhados entre crianças e adultos, seja na indistinção das vestimentas.

A infância moderna é marcada pela diferença irredutível entre os seres humanos tal como são e o que poderiam ser se não tivessem se afastado de sua condição original, demarcada pela diferença entre o homem e a humanidade. Desde o nascimento, em que todos nascem crianças, os homens vêm dotados de liberdade, vestígio de sua humanidade. Mas essa mesma liberdade tende para a autoridade e à dominação - de onde vem, desde Adão e Eva, uma liberdade que nasce atravessadas pela imperfeição expressa na infância: daí a necessidade dupla de educação e de governo (RENAUT, 2002RENAUT, Alain. A libertação das crianças - A era da criança cidadã: contribuição filosófica para uma história da infância. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.). Mesmo que o momento histórico entre os séculos XVIII e XIX tenha postulado a busca e a valorização da liberdade, entre os muros escolares “não se abre mão do governo dos corpos e das mentes para dar a justa medida da liberdade desse homem a ser formado e formatado” (AUGUSTO, 2015AUGUSTO, Acácio. Governando crianças e jovens: escola, drogas e violência. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 11-24., p. 11).

A privação da liberdade da criança é manipulada sem sutilezas: em nome da não degeneração da espécie imputa-se aos corpos-sujeitos-crianças as mais impiedosas práticas de contenção e castração, sobretudo dos movimentos corporais livres. Os primeiros tratados de puericultura, que datam de 1565, prescrevem desde como alimentar e governar as crianças a datar do nascimento, até a exaltação dos exercícios físicos contínuos considerados mais edificadores do que aqueles realizados espontaneamente. A literatura pedagógica tem um berço científico bastante duro de contrapor, pois foi preceituada quase unanimemente por médicos, cientistas supostamente autorizados para tal. É somente em Emílio (ROUSSEAU, 2004ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou Da educação. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.) que em 1762 se encontram reações contra essa perspectiva. Nas convicções de Rousseau a criança ganha uma natureza infantil específica e original, predisposta à virtude e dotada de atividade intelectual particular.

A ótica do endireitamento físico e moral corresponde ao projeto intelectual de normalização da diferença e aniquilação da alteridade, atingindo os sujeitos naquilo que os distingue dos outros, apagando as suas distâncias e uniformizando as atitudes sob a égide das classes dirigentes. A razão era dominar e endireitar a natureza perversa e errante que a criança naturalmente trazia consigo. A imagem que representa essa criança é a da suscetibilidade da argila maleável, uma noção de corrigibilidade não tributária da pedagogia ou da medicina higienista modernas que estrearam: “[…] oriunda de Hipócrates, a criança foi concebida como uma mistura de elementos húmidos e quentes, ideia que remonta, por intermédio de Aristóteles, à mais antiga Filosofia grega, em particular a Empédocles” (RENAUT, 2002RENAUT, Alain. A libertação das crianças - A era da criança cidadã: contribuição filosófica para uma história da infância. Lisboa: Instituto Piaget, 2002., p. 61).

Complementares ao adestramento e à realocação do corpo endireitado, a definição rigorosa dos espaços e a divisão e o emprego minucioso e preciso do tempo constituem categorias fundamentais desse projeto. O espaço é arranjado de modo geométrico na forma de salas de aulas, onde cada qual ocupa fixamente seu lugar em total imobilidade. O espaço também regula e fixa as distâncias entre as mobílias e os corpos, a distância entre assento e mesa, a inclinação da carteira e todo um conjunto de posturas e disposições, além de dispositivos de intimidação que, através da imposição de uma postura física, inculca uma conduta de submissão das consciências. Impondo-se uma única perspectiva da visão e do olhar da criança, esta deve dirigir-se para a frente rumo ao comando da autoridade do professor e, de modo semelhante, baixar-se diante da contestação à desobediência, inaugurando-se uma nova sensibilidade, já que os olhares das crianças não devem se entrecruzar para não desviarem a atenção do que é importante, e os corpos não podem interagir livremente, sequer observar-se, muito menos tocar-se.

Assim, a modernidade dá visibilidade à infância, no intuito de proteger, cuidar, assistir e educar as crianças. No entanto, o seu projeto educativo, exacerbadamente centrado na racionalidade científica dos adultos, legou uma espécie de sufocamento às crianças na medida em que os adultos deixaram de permitir que elas se autogerissem e se autoalimentassem, tratando-as como dependentes absolutas, frágeis e incapazes de fazer escolhas e tomar decisões responsáveis.

Na infância moderna as crianças têm etapas e metas a serem vencidas e findadas. As passagens concluídas com êxito são festejadas como o fecho de um ciclo que, a partir de então, abre portas para a aquisição de novas e complexas habilidades. As crianças que não se ajustam às demandas previstas em cada fase são consideradas problemáticas. Esse aspeto incorre numa aspiração de uniformidade em que todas devam desabrochar ao mesmo tempo, desrespeitando os ritmos, particularidades e singularidades corporais. Ignora-se que as crianças não esperam por resultados futuros daquilo que realizam pois elas vivem intensamente o momento presente (SARMENTO, 2004SARMENTO, Manuel Jacinto. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. In: SARMENTO, Manuel Jacinto; CERISARA, Ana Beatriz (orgs.). Crianças e miúdos: Perspectivas sociopedagógicas sobre a infância e educação. Vila Nova de Gaia: Edições ASA, 2004. p. 9-34.).

A adoção do tempo cronológico como colaborador coercitivo desse projeto, com efeito, serviu à escravização das subjetividades agindo em favor da servidão corporal e consciencial das crianças. Dividido minuciosamente e reconstruído artificialmente, através de uma divisão de períodos predeterminados de acordo com o desenrolar das aprendizagens, a modernidade forjou o que se convencionou chamar de emprego racional do tempo, o que se inscreve na mais poderosa armadilha que encarcera as subjetividades postas numa contínua racionalização da produtividade verificada [tempo é dinheiro], bem como na exploração calculada da força da criança mais recentemente experimentada como aceleração da infância e que a põe “sob pressão” de apresentar resultados a partir do que faz (HONORÉ, 2005HONORÉ, Carl. Devagar. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.; 2009).

Portanto, na modernidade a criança deixa de ocupar o lugar residual que figurava na vida comunitária do medievo, mas nem por isso passa a ser significativamente soberana. O processo de escolarização da criança teve um papel importante na sua visibilidade forjada pela era moderna. No entanto, essa visibilidade constitui um campo de ação em que o dever é muito mais performativo do que o próprio direito à existência legítima de ser criança. Esta pseudovisibilidade irá constituir significativamente o ser-criança nas ontologias psicológicas e socializantes da era moderna.

3 O GOVERNO DOS CORPOS E A COLONIZAÇÃO DAS ALMAS NA SOCIEDADE DISCIPLINAR

A questão do controle social, abordado por Foucault como uma tecnologia de poder efetuada pelo disciplinamento, permitiu a caracterização da sociedade moderna ocidental como disciplinar (COSTA, 2004COSTA, Rogério da. Sociedade de controle. São Paulo em Perspectiva, v. 18, n.1, p.161-167, 2004.).

À frente do governo da infância, dentre os poderes institucionalizados que operam e refreiam os corpos doentes (hospitais e hospícios), os corpos marginalizados e criminosos (cárcere), os corpos a serem disciplinados (exército), estão a escola e a família modernas.

A escola moderna configura-se em torno de formas violentas, sejam físicas ou simbólicas, sustentadas por uma racionalidade intrínseca à própria violência: o poder que nela se exerce precisa de um saber cuja racionalidade participe necessariamente da ação sendo poderosa e, ao mesmo tempo, autorizando-a para o uso abusivo da força física ou das estratégias de coerção subjetiva. Varela e Alvarez-Urina (1992VARELA, Julia; ALVAREZ-URIA, Fernando. A maquinaria escolar. Teoria & Educação, n.6, p. 69-97, 1992., p. 90) “atribuem à escola a caracterização de uma maquinaria de governo que uniu e organizou vários dispositivos desde o século XVI, quando eles surgem e se estruturam”. A própria classe escolar é um dispositivo para conter a indisciplina e garantir a submissão dos alunos, disciplinar seus corpos. A maquinaria escolar opera com tecnologias capazes de disciplinar e produzir verdades sobre os sujeitos.

A educação, entendida originalmente como aquela que conduz os outros, as instituições formativas e corretivas (ou formas de governo) ocupam um lugar de honra: ocupam-se daqueles “recém-chegados” ao processo civilizacional e de modo econômico os conduz de forma mais eficaz, duradoura e mais suavemente ou menos explicitamente violenta, pois prescinde do uso da força na tal condução, materializando-se num eficiente dispositivo de poder sobre os indivíduos. Conforme alerta Veiga-Neto (2015, p. 54) que “enquanto a violência se dá antagonicamente, o poder se dá agonisticamente”.

Governar a infância significa educar as crianças moldando-lhes o corpo e a alma que, ao mesmo tempo, é efeito e instrumento de uma anátomo-biopolítica do e sobre seus corpos a fim de que sejam integradas na cultura moderna, seja para o bem ou para o mal, de modo a conduzi-las para determinados lugares da sociedade e determinadas formas de vida (VEIGA-NETO, 2015VEIGA-NETO, Alfredo. Por que governar a infância? In: RESENDE, H. de (org.) Michel Foucault: o governo da infância. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. p. 49-56.).

Ao discutir o governo da alma, Rose (1998ROSE, Nikolas. Governando a alma: a formação do eu privado. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.) Liberdades reguladas. Petrópolis: Vozes, 1998. p.30-45.) afirma que as questões privadas do eu (sentimentos, emoções, personalidade) não constituem a pura subjetividade. Pelo contrário, o eu privado também é constituído por um complexo conjunto de interferências externas que atuam “suavemente” sobre os pensamentos e ações. Portanto, a subjetividade é objeto de poder. Somos governados no mais íntimo sentido da alma humana, de forma sutil somos analisados e avaliados intensamente no que acreditamos ser nossa privacidade.

O fim objetivado pelo governo da alma é que nós mesmos sejamos nossos próprios reguladores, avaliando-nos de acordo com os critérios estabelecidos por outros. Estes critérios permeiam “os valores políticos de consumo, rentabilidade, eficiência e ordem social” camuflados pela falsa simetria deles com “as tentativas dos indivíduos para que a vida valha a pena” (ROSE, 1998ROSE, Nikolas. Governando a alma: a formação do eu privado. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.) Liberdades reguladas. Petrópolis: Vozes, 1998. p.30-45., p.43). A busca por este objetivo não se dá de forma direta e agressiva, mas “através da persuasão inerente às suas verdades, das ansiedades estimuladas por suas normas e das atrações exercidas pelas imagens da vida e do eu que ela nos oferece” (ROSE, 1998, p.42). De modo que esse processo se torna possível devido ao fato de sermos livres, porém, dispormos de uma liberdade bem-regulada (DONALD, 2000DONALD, James. Liberdade bem-regulada. In: COHEN, Jeffrey. J. Pedagogia dos monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p.61-88.). Tendo em vista que o poder só pode agir quando há liberdade, somente os sujeitos livres são alvo de poder (FOUCALT, 1995).

A autoridade do professor garante o bom funcionamento escolar e a disciplina, zelando pelos educandos, uniformizados e obedientes às regras estabelecidas. Em nome da indisciplina, da insurgência e da rebeldia, na era moderna:

Fabricava-se o problema que justificava e reiterava a necessidade da aplicação e reprodução do castigo, em favor da disciplina para aqueles que não tinham sido capazes de introjetar a conduta correspondente às regras de bom comportamento, que serviam para prepará-los para uma vida adulta de trabalhador e cidadão corretos e respeitosos das leis e das normas da sociedade (AUGUSTO, 2015AUGUSTO, Acácio. Governando crianças e jovens: escola, drogas e violência. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 11-24., p. 14).

A punição tem o objetivo de corrigir a anormalidade, o desvio e o combate ao aluno indisciplinado, instituindo-se dispositivos disciplinares que governam a vida e a conduta das crianças, tivessem infringido ou não a norma. Adotadas as medidas de castigos, castração da liberdade, proibição e impedimento de gozar a melhor parte (frequentemente, as crianças são impedidas de fazer algo agradável como brincar livremente no pátio como forma de puni-las por terem se comportado mal), advertências, suspensões e comunicações à autoridade familiar, ainda se aplica, depois de tudo isso, o isolamento. Com frequência, a criança que se comporta mal é expelida do local de convivência com as demais, colocada num canto ou numa sala específica, para pensar no que fez, para refletir sobre sua conduta ou puramente para evitar mais constrangimentos aos adultos que se sentem perturbados. As próprias crianças, muitas vezes, funcionam como vigilantes e bedéis, delatando os colegas ou repreendendo outra criança, julgando seus comportamentos indevidos, numa clara repetição do que seria feito se fosse um adulto. A própria violência acaba por exercer um fascínio entre as crianças que imputam ao oposto, o medo, a censura e a acusação, atribuindo-se a si mesmas o título de denunciador coerente: estar do outro lado efetua uma sensação de prazer promovida pelo exercício da autoridade arbitrária.

As táticas de governo infantis figuram naquilo que se entende por infância a ser educada: “um período da vida em que o ser humano é passivo de todo tipo de condução e cuja capacidade de resistência a tal condução é muito pequena face a todo conjunto de manobra de governabilidade a qual a infância se sujeita” (CARVALHO, 2015CARVALHO, Alexandre Filordi. Por uma Ontologia política da (d)eficiência no governo da infância. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância, Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 25-48., p. 27). Por outras palavras, a infância é assistida sem ser cegada, pois o mínimo da sua condição humana essencial tem de ser mantida para que não se perca a sua total dignidade, sendo, afinal, essa, também, uma estratégia atenuante das perversidades da modernidade, correspondente ao que Costa (2011COSTA, Andrize Ramires. CRIANÇAS, o que elas querem e precisam do mundo, do adulto e delas mesmas? 2011. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.) denominou de “captura da infância” pelo saber pedagógico com estatuto de cientificidade. É uma das vacâncias a ser preenchida pela elaboração de uma analítica que conforma os corpos-sujeitos de maneira dócil e utilitária por obra das Ciências Sociais e Humanas, a quem os corpos-objetos passam a pertencer pela legitimidade do estatuto científico. Como refere Augusto (2015AUGUSTO, Acácio. Governando crianças e jovens: escola, drogas e violência. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 11-24., p. 11):

Depois da família, com seus castigos e zelos, a escola é o lugar privilegiado do governo das crianças. A cultura do castigo, que se exerce desde a mais tenra idade de uma criança, tem seu complemento e reforço decisivo na experiência escolar voltada para transformar crianças arteiras em adultos ordeiros.

As regras que as agrilhoam, as reprimem e ditam as formas de convivência tornam-se solução exemplar para todos, revelando a eficiência da punição aos que desconstroem e burlam as regras, tornando-os exemplos a não serem seguidos.

As crianças passam a ser escolarizadas desde pequeninas absorvendo a lógica do cumprimento das obrigações: “A escola é lugar da disciplina. Ela serve para ensinar a obedecer às regras e seguir conhecimentos determinados por padrões curriculares nacionais” (AUGUSTO, 2015AUGUSTO, Acácio. Governando crianças e jovens: escola, drogas e violência. In: RESENDE, Haroldo de (org.). Michel Foucault: o governo da infância. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. p. 11-24., p. 13). Deste modo, a escola revela-se uma maquinaria incumbida na produção de determinados tipos de sujeitos e de sociedade, considerando os dispositivos que lhes dão suporte e potência para suas operações de poder. Nessa perspectiva, a pedagogia traduz-se por um saber-poder que atua na formação de sujeitos obedientes.

Em correspondência, configura-se o perfil profissional do educador capaz de dar conta desses conhecimentos: as crianças malcriadas, encrenqueiras, mal-educadas, deficientes, atrasadas são consideradas as mais suscetíveis para desencaminhar as normais. Além disso, para solucionar eventuais problemas que esses diferentes e incluídos possam causar, passam a existir profissionais especializados para tratar dos desvios e dificuldades, através das formas de formação e intervenção que apostam na normalização da criança. Surgem metodologias direcionadas para a criança e para a infância através da pedagogia que se antecipa à experiência no acontecimento, no sentido benjaminiano, como obra do pensamento e da intervenção fincados em expedientes disciplinares e conhecimentos engessados previamente de modo a antecipar o produto final. Ou seja, as ações pedagógicas prescritas, predeterminadas e puramente técnicas, “em que se trata de conseguir um produto real mediante a intervenção calculada”, preconizam que a ação dos educandos deve convergir em resultados.

A partir da compreensão do currículo e da escola como um mecanismo que atua na fabricação de corpos e certos tipos de pessoas, a pedagogia pode ser concebida como um saber que atua na formação de sujeitos obedientes, dóceis, e as práticas pedagógicas na Educação Física, ao estabelecerem relações com o corpo, acentuaria e propiciaria uma ação mais incisiva com o disciplinamento dos sujeitos, ou pedagogização dos corpos.

Nesta linha de pensamento, Veiga-Neto (2014)4 4 VEIGA-NETO, Alfredo. Educação Física: Pensando as controvérsias. Mesa redonda. In: EXTREMUS DO SUL: Educação Física: digressões, controvérsias e perspectivas, 6., 2014, RS. , ao tratar do controle dos corpos no currículo e na Educação Física, afirma que o corpo sempre foi a superfície a ser atingida pelo currículo, sempre esteve implicado nas práticas curriculares, visivelmente observadas na Educação Física. Intitula de “curricularização do corpo” as relações entre as práticas curriculares e a constituição dos sujeitos modernos, tomando o corpo como matéria a ser moldada. Para ele, na modernidade, o currículo estaria mais ligado ao controle dos corpos do que dos saberes, e “a introdução da Educação Física/ginástica na instituição escolar pode ser analisada como um elemento no processo de disciplinarização de corpos, a construção de um tipo de corpo exigido na época” (BRACHT, 2005BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2005., p. 46). Com esta lógica, o higienismo, o militarismo e o eugenismo cumpriram funções disciplinadoras de corpos no âmbito da Educação Física. Tais perspectivas foram inspiradas no referencial biológico/mecanicista e desenvolveram-se imbricadas ao contexto histórico e social da época em que emergiram, movidas por necessidades e interesses políticos.

O governo dos corpos é, portanto, um exercício complexo de poder cuja ação incide sobre os outros na forma de governo sapiente e legal operado por procedimentos, técnicas, práticas, instituições, regras, disciplinas, prescrições, cálculos, estatísticas, legislações, normas, etc., e que, articulado com o conjunto de forças, objetiva a obediência da criança e o exercício inquestionável da autoridade do adulto.

4 LIBERDADES REGULADAS NA SOCIEDADE DE CONTROLE

Na perspectiva de Deleuze, a sociedade disciplinar teria surgido no século XVIII e permanecido até a segunda metade do século XX, quando ocorre o seu declínio e abre-se espaço para o desenvolvimento da sociedade de controle. As diferenças entre elas podem ser sintetizadas da seguinte forma: na sociedade disciplinar, de acordo com Foucault, existia a moldagem - em que um mesmo molde poderia ser utilizado com diferentes formas sociais. Na sociedade de controle, segundo Deleuze, há a modulação caracterizada pela interpenetração dos espaços; pela suposta ausência de limites definidos (a rede) e pela instauração de um tempo contínuo (COSTA, 2004COSTA, Rogério da. Sociedade de controle. São Paulo em Perspectiva, v. 18, n.1, p.161-167, 2004.).

Ainda assim, não se pode dizer que práticas disciplinares estejam totalmente abolidas na sociedade contemporânea. Como afirma Veiga-Neto (2008, p.146), “O que está acontecendo é uma mudança de ênfase, em que a lógica disciplinar está sendo recoberta pelas técnicas de controle, tudo isso de modo a manter os riscos sociais em níveis minimamente seguros”.

Nesse discurso de liberdades medidas, produz-se algo diverso e paradoxal: no âmbito das desmedidas, o que se expande é o seu contrário - o aprisionamento das crianças em virtude de uma paranoica busca por segurança pautada na ideia de que as ruas, o correr livremente, a interação com os diferentes tidos como marginais representam perigos a serem evitados. Assim, forja-se uma sociedade de controle com políticas voltadas para criar dispositivos capazes de manter as crianças próximas e sob o monitoramento dos adultos, o que, na atualidade, funciona através de câmeras de vigilância que operam a favor do indispensável papel da escola como preceptor do espaço de convivência da comunidade.

Del Pino, Vieira e Hypolito (2009), ao discutirem o uso de novas estratégias de controle no espaço escolar, fundamentam as suas análises em três aspectos centrais da educação contemporânea, são eles: o fato de vivermos em uma sociedade de controle; a invasão do novo gerencialismo na escola e no processo de trabalho do professorado - entendido esse como uma tecnologia de governo; e a intensificação do trabalho docente - mecanismo inerente à sociedade de controle. Tendo por base tais constatações, os autores afirmam que o controle tornou-se uma prática de governo, a qual se utiliza de mecanismos gerencialistas disfarçados de democráticos, visando “por meio do conhecimento das atividades das pessoas, dirigir políticas e determinar os objetivos que devem ser alcançados (e desejados) por todos os indivíduos” (p.115). Estabelece-se, assim, além do controle e governo dos indivíduos, o autocontrole e autogoverno.

No contexto educacional brasileiro, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) merece destaque por se constituir na mais recente política curricular, muito embora atue em outras frentes, como a gestão e o trabalho docente.

No que tange às premissas para a Educação Física no início do processo de escolarização - a educação infantil na BNCC - destaca-se “a concepção de que o aluno é o centro do processo pedagógico, uma vez que ele constrói o seu conhecimento e, nessa organização e desenvolvimento do trabalho pedagógico” (MARTINELI et al., 2016MARTINELI, Telma Adriana P.; MAGALHÃES, Carlos Henrique; MILESKI, Keros Gustavo; ALMEIDA, Eliane Maria. A Educação Física na BNCC: concepções e fundamentos políticos e pedagógicos. Motrivivência, v.28, n. 48, p.76-95, set. 2016., p.85).

Já as indicações de aprendizado para esta etapa escolar, traduzidas pelos objetivos de aprendizagem, “ao mesmo tempo em que estabelecem a relação entre cuidar e aprender reforçam uma concepção histórica higienista na educação física” (MARTINELI et al., 2016MARTINELI, Telma Adriana P.; MAGALHÃES, Carlos Henrique; MILESKI, Keros Gustavo; ALMEIDA, Eliane Maria. A Educação Física na BNCC: concepções e fundamentos políticos e pedagógicos. Motrivivência, v.28, n. 48, p.76-95, set. 2016., p.84).

Além de considerar a atual política curricular e suas premissas de centralização da criança e descentralização do professor na condução do processo pedagógico, bem como de uma perspectiva higienista no contexto de educação do corpo, é preciso atentar - ainda que não seja o foco desta discussão - que a escola é um espaço de produção e reprodução sociocultural. Conforme alertam Souza e Altmann (1999, p.54), “Se os corpos assumem a organização social, a política e as normas religiosas e culturais, também é por seu intermédio que se expressam as estruturas sociais”. Portanto, no âmbito escolar as divisões da sociedade em classes sociais, gênero, etnia, entre outras, permeiam o processo educativo precisam ser consideradas como facilitadores ou impedidores na condução das condutas ou no governo dos corpos infantis.

O fato do governo da infância e da sociedade se interligarem para atribuir valor de devido lugar ao corpo da criança, ou seja, à pessoa possuidora de um determinado corpo, leva-nos a reconhecer que qualquer intervenção nas “técnicas corporais” por nós perpetuadas nunca prescinde de intervenções na ordem das governamentabilidades. Na educação, e em diferentes narrativas que se ocupam da criança, como a psicologia, a pediatria, os discursos jurídicos, as conduções coercitivas e corretivas, acabam por incorporar, por amálgama, as funções que conduzem o corpo na sociedade, pois governar o corpo é governar a sociedade: todos sabem e devem saber e aprender o que devem fazer em todas as condições (MAUSS, 2003MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. 3. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2003.).

A prática da Educação Física está permeada pela significação do corpo como objeto, a serviço de sujeição, das regras institucionais, do poder, da mídia e da indústria tecnológica (GONÇALVES; AZEVEDO, 2007GONÇALVES, Andreia Santos; AZEVEDO, Aldo Antonio de A. Re-Significação Do Corpo Pela Educação Física Escolar, Face Ao Estereótipo Construído Na Contemporaneidade. Pensar a Prática, v. 10, n. 2, p. 201-219, 2007.). Entretanto, como afirma Barbosa (2010BARBOSA, Cláudio Luís de A. Educação Física e Didática: um diálogo possível e necessário. Petrópolis: Vozes, 2010.), a forma de se conceber o corpo oscila entre uma abordagem biológica e uma que o situa como integrado ao meio físico e social, modifica-o e é por ele modificado. Nas palavras de Soares (2006SOARES, Carmen Lúcia. Pedagogias do corpo: higiene, ginástica e esporte. In: RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo. Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 75-86.), as pedagogias do corpo atualizam-se constantemente, uma vez que os modos de intervenção no corpo estão se intensificando, estendendo-se, prolongando-se para toda a sua expressão e suas funções. Dessa forma, discursos têm produzido saberes sobre e no corpo, promovendo diferentes modos de concebê-lo, como apontam Neira e Nunes (2009NEIRA, Marcos Garcia; NUNES, Mario Luiz. Educação Física, currículo e cultura. São Paulo: Phorte, 2009.).

Contudo, tudo o que foi montado pode ser desmontado para se reconstruir. Assim, como ressalta Foucault (1992FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992., p.84), “resta estudar de que corpo necessita a sociedade atual”.

5 A TÍTULO DE DESFECHO

Desde aproximadamente 1950, se reconhece que o endireitamento sempre idêntico se apaga e a perfeição formadora torna-se inútil porque demasiado abstrata e porque contrária às formas de cada um (RENAUT, 2002RENAUT, Alain. A libertação das crianças - A era da criança cidadã: contribuição filosófica para uma história da infância. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.). Mesmo assim, décadas se passaram e o esforço pela estandardização, por meio da disciplina ou do controle dos corpos, ainda é recorrente na escolarização, principalmente das crianças pequenas.

A normalização, uniformização e o endireitamento já não estão postos na contemporaneidade, nos termos de uma exterioridade que se impõe ao sujeito, mas apreendidos numa interioridade que compete à própria criança prospectar: cada uma deve encontrar a atitude mais desejável, aquela em que possa se sentir bem. Entendemos que a extensão disso significa que, no lugar da famosa máxima “comportas-te bem”, a criança agora diz a si mesma: “comportas-te de maneira a sentires-te bem”, numa deslocação de perspectiva que disfarça a imputação da autoridade somada à culpabilização da própria criança.

Os tempos atuais maquiaram aquilo que, na essência da criança, deveria ser forjado com autonomia, conferindo-lhe liberdade e alteridade, e resumiu-se numa suposta auto-organização do tempo e do espaço escolares em que cabe cada vez mais à criança, por ela mesma e ao ofício do aluno, estruturar-se dentro da sala de aula, do pátio da escola ou do seu quarto doméstico: a norma eternizou-se - comportar-se de modo igual às crianças bem comportadas - traduzida no permanente esforço dos adultos de homogeneizar as diferenças em par com a incontornável aliança entre obrigação e obediência.

Em contrapartida, ponderamos que para ser criativo é preciso ser livre, cultivar o olhar atento das crianças libertas da opressão e tensão provocadas pelo trabalho escolar e pelas obrigações e, como disse em fins do século XIX Paul Lafargue, em O direito à preguiça, reiterado recentemente pelo sociólogo Domenico de Masi, em O ócio criativo, é preciso que a libertação das amarras da produtividade fomentem a intuição que brota somente em estado liberdade plena, assim como, em outras palavras, afirmou Sartre (2005SARTRE, Jean-Paul. A náusea. 4. ed. Lisboa: Publicações Europa-América, 2005.) no romance A náusea: a própria criatividade do sujeito é um sintoma de liberdade.

Mas, pelo contrário e tendencialmente, a escola torna as coisas difíceis para as crianças porque é tediosa e sem aventura. As perguntas dos adultos são retóricas e exigem respostas predefinidas, e o conhecimento difundido é metódico e sistemático: um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração! Efetivamente, o trabalho é sobrevalorizado e o sentir, o pensar e o fazer diferentes, a ação de vanguarda, a ousadia, a espontaneidade e o erro são encaixotados em cápsulas com etiquetas que indicam um lugar a não ser tocado e, assim, se aprisionam as crianças num processo martirizante de escolarização precoce que as adultiza e mortifica o seu tempo e energia vitais (KUNZ; MÜLLER; COSTA, 2012KUNZ, Elenor; MÜLLER, Uwe; COSTA, Andrize Ramires. Crianças não são adultos em miniatura - uma incursão argumentativa. In: KUNZ, Elenor (org.). Didática da Educação Física 2. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2012. p. 161-181.).

Esse é o grande problema da conservação e reinvenção das formas adestradoras da aprendizagem moderna: a permanência de velhos modelos educativos torna as crianças fiéis aos cânones que matam o ato criador. Da mesma forma procedem os adultos quando suprimem a liberdade para brincar e se movimentar na Educação Infantil, onde se condena as crianças a rotinas estafantes frustrando-as em suas escolhas, sufocando suas ações, intuições e sua participação, silenciando, castrando e esgotando-as com atividades supostamente mais produtivas do que brincar.

É preciso deixar claro que não eximimos este ou qualquer outro modo de educar da função de condução de condutas. Nesta lógica de pensamento, cabe entender que é possível circular por diferentes formas de governo, e inventá-las, reconstruí-las, aproximando-se daquelas em que seus princípios nos capturam. A questão é saber que existe a possibilidade de ser diferente do que se é, e para que isso ocorra pergunta-se: “como não ser governado assim, em nome desses princípios, em vista de tais objetivos e por meio de tais procedimentos, não dessa forma, não para isso, não por eles” (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. O que são as Luzes. In: MOTTA, Manoel Barros da (org.). Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.335-351. (Coleção Ditos & Escritos, v.2)., p.3).

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  • Apoio:

    Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
  • 1
    Governo é aqui entendido numa acepção ampla, como a “maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos”, e governar, neste sentido, traduz-se em “estruturar o eventual campo de ação dos outros” (FOUCAULT, 1995FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault. Uma trajetória Filosófica: Para Além do Estruturalismo e da Hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p.231-249., p.244).
  • 2
    Foucault (1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.) discute nesta obra (Vigiar e Punir) as práticas de poder interligadas a outras práticas sociais, identificando-as como tecnologias de poder. A sua abordagem impulsiona compreensões multidimensionais em torno da punição e suas transformações na sociedade moderna. Ele considera a prisão a instituição que melhor incorpora a tecnologia de poder, isto é, a disciplina do corpo e da alma. Essas práticas disciplinares ultrapassam o espaço prisional, espalham-se por diferentes instituições sociais, como fábricas, escolas e hospitais.
  • 3
    O conceito de tipos humanos, elaborado por Hacking (2006HACKING, Ian. Kinds of People: Moving Targets. British Academy Lecture, p.1-18, 2006.), também é profícuo para pensar a criança e a infância, na medida em que o autor discute a classificação de pessoas, o efeito disso sobre elas, bem como as possibilidades de reagirem a tais classificações. Para cada tipo humano inventa-se uma conduta a ser alcançada, um modo de ser e agir, compondo um conjunto de características adequadas e comuns a este grupo social.
  • 4
    VEIGA-NETO, Alfredo. Educação Física: Pensando as controvérsias. Mesa redonda. In: EXTREMUS DO SUL: Educação Física: digressões, controvérsias e perspectivas, 6., 2014, RS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2019
  • Aceito
    23 Set 2019
  • Publicado
    10 Dez 2019
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