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Violência autoinfligida por intoxicação exógena em um serviço de urgência e emergência

Violencia autoinfligida por intoxicación exógena en un servicio de urgencia y emergencia

RESUMO

Objetivo

Analisar as violências autoinfligidas por intoxicação exógena notificadas em um serviço de saúde.

Métodos

Estudo epidemiológico, retrospectivo e analítico realizado em um serviço de urgência e emergência do município de Teresina, Piauí. Procedeu-se nos meses de janeiro e fevereiro de 2015, mediante análise de todos os casos de violência autoinfligida por intoxicação exógena notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, no período de 2009 a 2014. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado na análise.

Resultados

Foram notificadas 277 vítimas de violência autoinfligida por intoxicação exógena, sendo que 10,5% morreram por suicídio. Houve associação entre o óbito e as variáveis idade, escolaridade, zona de ocorrência e tipo de exposição, assim como entre o tipo de exposição e a quantidade de agentes utilizados.

Conclusão

Os resultados fornecem subsídios para a definição de estratégias de prevenção considerando os grupos vulneráveis e a complexidade dos fatores associados à violência autoinfligida.

Violência; Suicídio; Tentativa de suicídio; Envenenamento; Vigilância epidemiológica

RESUMEN

Objetivo

Analizar las violencias autoinfligidas por intoxicación exógena notificadas en un servicio de salud.

Métodos

Estudio epidemiológico retrospectivo y analítico realizado en un servicio de urgencia y emergencia de la ciudad de Teresina, Piauí. Se procedió en los meses de enero y febrero de 2015, a través del análisis de todos los casos de violencia autoinfligida por intoxicación exógena notificados en el Sistema de Información de Agravios de Notificación, correspondiente a los años de 2009 a 2014. Se utilizó el test chi-cuadrado de Pearson para el análisis.

Resultados

Se notificaron 277 víctimas de violencia autoinfligida por intoxicación exógena y 10,5% murió por suicidio. Hubo asociación entre la muerte y las variables edad, educación, área de acontecimiento y exposición, así como entre la clase de exposición y la cantidad de agentes utilizados.

Conclusión

Los resultados proporcionan subvenciones para estrategias de prevención teniendo en cuenta los grupos vulnerables y la complejidad de los factores asociados a la violencia autoinfligida.

Violencia; Suicidio; Intento de suicidio; Envenenamiento; Vigilancia epidemiológica

ABSTRACT

Objective

To analyze the self-inflicted violence by exogenous poisoning reported in a health service.

Methods

Epidemiological, retrospective and analytical study in an emergency care in the city of Teresina, Piauí. The study took place in January and February of 2015, upon review of all cases of self-inflicted violence by exogenous poisoning reported to the Information System on Diseases of Compulsory Declaration, from 2009 to 2014. The Pearson chi-square test was used for analysis.

Results

277 victims of self-inflicted violence by exogenous poisoning were reported, with 10.5% having died by suicide. There was an association between death and the age, education, area of occurrence and type of exposure, as well as between the type of exposure and the amount of agents used.

Conclusion

The results help to define prevention strategies considering vulnerable groups and the complexity of the factors associated with self-inflicted violence.

Violence; Suicide; Suicide attempted; Poisoning; Epidemiological surveillance

INTRODUÇÃO

A violência autoinfligida é aquela que ocorre quando uma pessoa pratica uma ação consciente de autodestruição e pode ser subdividida em comportamento suicida e em autoagressão. O primeiro inclui pensamentos suicidas, tentativas de suicídio e suicídios propriamente ditos, enquanto que a autoagressão engloba atos como a automutilação(11. Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11(Suppl.):1163-78.).

O suicídio caracteriza-se como o ato voluntário por meio do qual o indivíduo possui a intenção e provoca a própria morte. Já na tentativa de suicídio ocorre um comportamento potencialmente prejudicial autoinfligido que resulta em um desfecho não fatal(22. Crosby AE, Ortega L, Melanson C. Self-directed violence surveillance: uniform definitions and recommended data elements. Version 1.0. Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Injury Prevention and Control; 2011.). Ambos são fenômenos complexos e multifatoriais que representam um grande problema de saúde pública em todo o mundo(33. Monteiro RA, Bahia CA, Paiva EA, Sá NNB, Minayo MCS. Hospitalizações relacionadas a lesões autoprovocadas intencionalmente: Brasil, 2002 a 2013. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(3):689-700.-44. World Health Organization (CH). Preventing suicide: a global imperative. Geneva: WHO; 2014.).

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o suicídio é uma das três principais causas de óbitos na população jovem entre 15 e 44 anos presente em países desenvolvidos e em desenvolvimento. A taxa mundial de suicídio situa-se em torno de 11,5 óbitos por 100 mil habitantes e estima-se que cerca de 804 mil pessoas cometeram suicídio no ano 2012, o que representa uma morte a cada 40 segundos. Além disso, presume-se que até 2020 poderá ocorrer um incremento de 50% na incidência anual de mortes por suicídio em todo o mundo(44. World Health Organization (CH). Preventing suicide: a global imperative. Geneva: WHO; 2014.).

No Brasil, o coeficiente de mortalidade por suicídio é relativamente baixo (5,3 mortes por 100 mil habitantes). Entretanto, entre os anos 2002 e 2012, houve um aumento de 33,6% na sua ocorrência, passando de 7726 para 10321 mortes. Neste panorama, o Nordeste apresenta-se como a segunda região brasileira com o maior acréscimo no número de suicídios, bem acima da média nacional (51,7%). Nessa região, Teresina destaca-se por ser a capital com a taxa mais elevada de suicídio (8,9 mortes por 100 mil habitantes), sendo a segunda no cenário nacional(55. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2014: os jovens do Brasil. Versão prelim. Rio de Janeiro: CEBELA/FLACSO Brasil; 2014.).

Com relação às tentativas de suicídio, embora não exista um registro de abrangência nacional, estima-se que essas superem o número de suicídios em pelo menos dez vezes(66. Botega NJ. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicol USP. 2014;25(3):231-6.). Ademais, a literatura aponta que a história de tentativa de suicídio apresenta-se como um comportamento de risco e um forte preditor de recorrências e, consequentemente, de suicídio(77. Liotta M, Mento C, Settineri S. Seriousness and lethality at attempted suicide: a systematic review. Aggress Violent Behav. 2015;21:97-109.).

A escolha do meio utilizado nas violências autoinfligidas abrange aspectos psicossociais, de gênero, aceitabilidade sociocultural, além da disponibilidade ao acesso(88. Bergen H, Hawton K, Waters K, Ness J, Cooper J, Steeg S, et al. How do methods of non-fatal self-harm relate to eventual suicide? J Affect Disord. 2012;136(3):526-33.). Pesquisas nacionais e internacionais apontam que a intoxicação exógena é o principal meio utilizado nas tentativas de suicídio e que se encontra entre os três principais métodos de escolha nos casos de suicídio(33. Monteiro RA, Bahia CA, Paiva EA, Sá NNB, Minayo MCS. Hospitalizações relacionadas a lesões autoprovocadas intencionalmente: Brasil, 2002 a 2013. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(3):689-700.,99. Santos AS, Legay LF, Lovisi GM. Substâncias tóxicas e tentativas e suicídios: considerações sobre acesso e medidas restritivas. Cad Saúde Colet. 2013;21(1):53-61.-1010. Kim B, Ahn JH, Cha B, Chung YC, Ha TH, Hong Jeong S, et al. Characteristics of methods of suicide attempts in Korea: Korea National Suicide Survey (KNSS). J Affect Disord. 2015;188:218-25.).

Neste sentido, os medicamentos e os pesticidas estão implicados em aproximadamente 70% das autointoxicações exógenas(99. Santos AS, Legay LF, Lovisi GM. Substâncias tóxicas e tentativas e suicídios: considerações sobre acesso e medidas restritivas. Cad Saúde Colet. 2013;21(1):53-61.). Estudo realizado acerca das internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS) decorrentes de violências autoinfligidas por intoxicação exógena constatou que, no período de 2002 a 2013, 35.685 pacientes foram internados devido autointoxicação por medicamentos e 23.093 por pesticidas e/ou produtos químicos(33. Monteiro RA, Bahia CA, Paiva EA, Sá NNB, Minayo MCS. Hospitalizações relacionadas a lesões autoprovocadas intencionalmente: Brasil, 2002 a 2013. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(3):689-700.).

Ressalta-se que a violência autoinfligida com desfecho não fatal configura-se, geralmente, como uma urgência/emergência médica, o que exige intervenções precisas, eficazes e dotadas de efetividade a curto e médio prazo(1111. Magalhães APN, Alves VM, Comassetto I, Lima PC, Faro ACM, Nardi AE. Atendimento a tentativas de suicídio por serviço de atenção pré-hospitalar. J Bras Psiquiatr. 2014;63(1):16-22.). Dessa forma, frente à inexistência de registros sistemáticos acerca desse fenômeno, os serviços de urgência e emergência apresentam-se como uma importante fonte de informação, essencial para o planejamento de serviços e ações preventivas.

Diante do exposto, formulou-se a seguinte questão de pesquisa: quais as características e fatores relacionados às violências autoinfligidas por intoxicação exógena notificadas em um serviço de referência estadual em urgência e emergência? Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar as violências autoinfligidas por intoxicação exógena notificadas em um serviço de saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo epidemiológico, retrospectivo e analítico realizado no Núcleo Hospital de Epidemiologia (NHE) de um serviço de referência em urgência e emergência para o estado do Piauí, localizado na cidade de Teresina. A população do estudo foi composta por todas as vítimas de violência autoinfligida por intoxicação exógena notificadas no serviço de saúde no período de julho de 2009 a dezembro de 2014, totalizando 277 vítimas.

A coleta de dados foi realizada nos meses de janeiro e fevereiro de 2015, mediante análise das fichas individuais de investigação de intoxicação exógena do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foram incluídos neste estudo todos os casos notificados como violência autoinfligida por intoxicação exógena. As fichas de notificação referentes às intoxicações exógenas por outras circunstâncias de exposição e àquelas indevidamente preenchidas foram excluídas.

O instrumento utilizado na coleta de dados constituiu-se de um roteiro estruturado tipo checklist, elaborado pelos pesquisadores com base na ficha de investigação de intoxicação exógena do SINAN, composto pelas seguintes variáveis de interesse: sexo, idade, escolaridade, ocupação, zona de residência, zona de ocorrência, local de exposição, quantidade de agentes tóxicos envolvidos, agente tóxico utilizado, via e tipo de exposição e evolução do caso.

Os dados foram organizados em planilhas através do software Microsoft Office Excel e analisados estatisticamente no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0. As variáveis categóricas e as categorizadas são apresentadas em frequências absolutas e relativas. Ademais, realizou-se teste de associação (qui-quadrado de Pearson) entre a variável dependente (evolução - alta ou óbito) e as variáveis independentes (sociodemográficas e relacionadas às circunstâncias de ocorrência), adotando-se intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5% (p≤0,05).

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Piauí, sob parecer de número 887.220. Com o propósito de atender aos aspectos éticos contidos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde(1212. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentares de pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62.), os pesquisadores garantiram o sigilo e o anonimato das vítimas notificadas no serviço de saúde, bem como responsabilizaram-se pela fidedignidade na transcrição dos dados presentes nas fichas de notificação, mediante assinatura do Termo de Compromisso para Utilização de Dados.

RESULTADOS

Entre julho de 2009 e dezembro de 2014, foram notificadas 277 vítimas de violência autoinfligida por intoxicação exógena. A maioria (58,8%) foi por tentativa de suicídio e evoluiu para a alta, 10,5% foram a óbito (suicídio), 7,9% foram transferidas para outros serviços de saúde e em 6,9% dos casos houve perda de segmento. Ressalta-se que em 15,9% das fichas de notificação não havia registro quanto à evolução do caso.

Quanto às características sociodemográficas, observou-se a predominância de vítimas do sexo feminino (57,0%), na faixa etária entre 20 e 29 anos (34,7%), com ensino fundamental (52,4%), em atividade laboral (41,9%) e residentes na zona urbana (80,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
– Características sociodemográficas das vítimas de violência autoinfligida por intoxicação exógena notificadas em um serviço de urgência e emergência, no período de julho de 2009 a dezembro de 2014. Teresina – Piauí – Brasil

Em relação à caracterização das ocorrências de violência autoinfligida por intoxicação exógena, a maioria das exposições ocorreu na zona urbana (77,6%), na residência (89,9%) e mediante a utilização de apenas um agente tóxico (68,6%), com destaque para os medicamentos (59,5%) e os raticidas (18,4%). As exposições agudas (78,0%) e a utilização da via digestiva (98,5%) foram predominantes (Tabela 2).

Tabela 2
– Caracterização das ocorrências de violência autoinfligida por intoxicação exógena notificadas em um serviço de urgência e emergência, no período de julho de 2009 a dezembro de 2014. Teresina – Piauí – Brasil

Na tabela 3 são descritas as associações entre a evolução dos casos e as características pertinentes às vítimas e às circunstâncias de ocorrências. Para tanto, considerou-se apenas as altas e os óbitos (tentativas de suicídio e suicídios), uma vez que os casos de transferência e perda de segmento não permitiram uma conclusão quanto a um desfecho fatal ou não fatal.

Tabela 3
– Associação entre a evolução das violências autoinfligidas por intoxicação exógena notificadas em um serviço de urgência e emergência e as características das vítimas e das exposições. Teresina – Piauí – Brasil

Constatou-se que, embora as vítimas do sexo feminino sejam mais prevalentes nas tentativas de suicídio (59,5%), o sexo masculino foi mais frequente nas mortes por suicídio (58,6%). A evolução para o óbito mostrou-se significativamente associada às vítimas analfabetas (χ2 = 16,091; p = 0,001) e com idade igual ou superior a 50 anos (χ2 = 10,533; p = 0,032).

Ao considerar as circunstâncias de ocorrência, detectou-se que nos casos de suicídio foi observado o predomínio de medicamentos (43,5%) e agrotóxicos (26,1%). Ressalta-se que a exposição repetida (χ2 = 4,778; p = 0,029) e a realização da tentativa na zona rural (χ2 = 6,870; p = 0,009) apresentaram-se estatisticamente associadas ao óbito.

Ademais, embora não sendo estabelecida associação significativa com a evolução dos casos, ser do sexo masculino (p = 0,069) e utilizar agrotóxico como o agente tóxico (p = 0,069) mostraram uma tendência para a efetivação de um desfecho fatal (suicídio).

O Gráfico 1 demonstra que há associação estatisticamente significativa entre o tipo de exposição e o número de agentes tóxicos utilizados na violência autoinfligida, sendo que a exposição aguda associou-se com apenas um agente e a exposição repetida com mais de um agente (χ2 = 7,023; p = 0,008).

Gráfico 1
– Associação entre o tipo de exposição e o número de agentes utilizados nas violências autoinfligidas por intoxicação exógena notificadas em um serviço de urgência e emergência. Teresina – Piauí – Brasil

DISCUSSÃO

A violência autoinfligida é considerada um importante problema de saúde pública, pois constitui um sinalizador de mal estar e sofrimento de indivíduos cuja ação geralmente está relacionada a um sentimento de impossibilidade na identificação de alternativas viáveis para a solução de seus conflitos. Neste cenário, a intoxicação exógena destaca-se por ser o principal método utilizado nas tentativas de suicídio e por figurar entre as três principais causas de suicídio na população mundial(11. Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11(Suppl.):1163-78.,33. Monteiro RA, Bahia CA, Paiva EA, Sá NNB, Minayo MCS. Hospitalizações relacionadas a lesões autoprovocadas intencionalmente: Brasil, 2002 a 2013. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(3):689-700.,1010. Kim B, Ahn JH, Cha B, Chung YC, Ha TH, Hong Jeong S, et al. Characteristics of methods of suicide attempts in Korea: Korea National Suicide Survey (KNSS). J Affect Disord. 2015;188:218-25.).

Dos 277 pacientes notificados no serviço em decorrência de autointoxicação exógena, 29 foram a óbito, caracterizando o suicídio. Dessa forma, observou-se um coeficiente de letalidade de 10,5%, número elevado quando comparado à estatística nacional. Investigação realizada no contexto de serviços hospitalares brasileiros apontou que, entre 1998 e 2009, a letalidade das lesões autoinfligidas por intoxicação exógena foi de 3,0%(99. Santos AS, Legay LF, Lovisi GM. Substâncias tóxicas e tentativas e suicídios: considerações sobre acesso e medidas restritivas. Cad Saúde Colet. 2013;21(1):53-61.).

O presente estudo constatou que a maioria das vítimas de tentativa de suicídio notificadas pelo serviço eram adultos jovens e adolescentes, corroborando com a literatura(44. World Health Organization (CH). Preventing suicide: a global imperative. Geneva: WHO; 2014.,1313. Moreira DL, Martins MC, Gubert FA, Sousa FSP. Perfil de los pacientes tratados por intento de suicidio en un centro de atención toxicológica. Cienc Enferm. 2015;21(2):63-75.). Os comportamentos suicidas entre jovens e adolescentes envolvem motivações complexas, incluindo humor depressivo, abuso de substâncias, problemas emocionais, familiares e sociais, história familiar de transtorno psiquiátrico, rejeição familiar, negligência, além de abuso físico e sexual na infância(1414. Vijayakumar L. Suicide in women. Indian J Psychiatry. 2015;57(Suppl 2):233-8.-1515. Roscoät E, Legleye S, Guignard R, Husky M, Beck F. Risk factors for suicide attempts and hospitalizations in a sample of 39,542 French adolescents. J Affect Disord. 2016;190:517-21.).

Observou-se associação estatisticamente significativa entre a idade e a evolução fatal. As vítimas com idade igual ou superior a 50 anos foram mais efetivas, corroborando com estudo realizado em Minas Gerais que detectou associação significativa entre suicídio e adultos longevos e idosos(1616. Vidal CEL, Gontijo ECDM, Lima LA. Tentativas de suicídio: fatores prognósticos e estimativa do excesso de mortalidade. Cad Saúde Pública. 2013;29(1):175-87.).

Um dos achados mais consistentes na literatura é que as mulheres realizam mais tentativas de suicídio do que os homens, tendência constatada no presente estudo. Entre os fatores que tornam as mulheres mais suscetíveis ao comportamento suicida estão a violência doméstica, maior exposição ao abuso sexual na infância, vulnerabilidade frente a estressores psicossociais e ao desenvolvimento de psicopatologias, além de aspectos culturais relacionados à igualdade de gênero(1414. Vijayakumar L. Suicide in women. Indian J Psychiatry. 2015;57(Suppl 2):233-8.).

No entanto, embora o sexo feminino tenha sido mais frequente nas tentativas, 58,6% das mortes por autointoxicação exógena corresponderam ao sexo masculino, corroborando com estudo realizado no cenário nacional. Dessa forma, a agressividade, a impulsividade, o maior acesso a tecnologias letais, a maior sensibilidade a instabilidades econômicas e a demora em buscar ajuda são apontados como comportamentos que predispõem os homens a um desfecho fatal(99. Santos AS, Legay LF, Lovisi GM. Substâncias tóxicas e tentativas e suicídios: considerações sobre acesso e medidas restritivas. Cad Saúde Colet. 2013;21(1):53-61.).

Outros dados encontrados e também consonantes com outras pesquisas foram o predomínio de vítimas residentes na zona urbana e de baixa escolaridade, além do elevado número de estudantes e desempregados(1313. Moreira DL, Martins MC, Gubert FA, Sousa FSP. Perfil de los pacientes tratados por intento de suicidio en un centro de atención toxicológica. Cienc Enferm. 2015;21(2):63-75.,1616. Vidal CEL, Gontijo ECDM, Lima LA. Tentativas de suicídio: fatores prognósticos e estimativa do excesso de mortalidade. Cad Saúde Pública. 2013;29(1):175-87.-1717. Han B, Kott PS, Hughes A, Mckeon R, Blanco C, Compton WM. Estimating the rates of deaths by suicide among adults who attempt suicide in the United States. J Psychiatr Res. 2016;77:125-33.). Entretanto, realizar a tentativa na zona rural mostrou-se significativamente associado ao suicídio, o que pode estar relacionado à maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, maior facilidade de obter agentes tóxicos e menor nível de escolaridade.

O baixo nível escolar, especialmente o analfabetismo, apresenta-se como um fator de risco para a realização de violência autoprovocada por intoxicação exógena. A falta de escolarização está, geralmente, relacionada a dificuldades socioeconômicas, podendo resultar em grandes prejuízos à qualidade de vida individual e familiar e, consequentemente, aumentar o risco de comportamentos suicidas(1818. Vieira LP, Santana VTP, Suchara EA. Caracterização de tentativas de suicídio por substâncias exógenas. Cad Saúde Colet. 2015;23(2):118-23.).

Além disso, mesmo com o predomínio de vítimas em atividade laboral, identificou-se um elevado número de estudantes e desempregados. Tal resultado é semelhante ao encontrado em estudo realizado no estado do Ceará que permite afirmar que uma possível situação econômica precária, demonstrada através do elevado número de desempregados e de estudantes e da baixa escolaridade das vítimas, podem influenciar na ocorrência de violências autoinfligidas por intoxicação exógena(1313. Moreira DL, Martins MC, Gubert FA, Sousa FSP. Perfil de los pacientes tratados por intento de suicidio en un centro de atención toxicológica. Cienc Enferm. 2015;21(2):63-75.).

Em relação aos agentes tóxicos utilizados, os medicamentos prevaleceram tanto nos casos não fatais quanto nos fatais. Além disso, observou-se um número elevado de casos envolvendo raticidas e produtos químicos de uso industrial e domiciliar, resultado também encontrado em outros estudos nacionais(1313. Moreira DL, Martins MC, Gubert FA, Sousa FSP. Perfil de los pacientes tratados por intento de suicidio en un centro de atención toxicológica. Cienc Enferm. 2015;21(2):63-75.,1818. Vieira LP, Santana VTP, Suchara EA. Caracterização de tentativas de suicídio por substâncias exógenas. Cad Saúde Colet. 2015;23(2):118-23.).

Neste panorama, embora não tenha sido detectada significância estatística entre a evolução dos casos e os agentes utilizados, observou-se que a utilização de agrotóxicos apresenta maior tendência de evoluir para um desfecho fatal quando comparado ao uso de medicamentos. Corroborando com este achado, estudo de abrangência nacional acerca da violência autoinfligida por intoxicação exógena entre 1998 e 2009 detectou que os medicamentos sobressaíram-se nos casos de tentativas de suicídio, enquanto que os pesticidas foram prevalentes nos suicídios(99. Santos AS, Legay LF, Lovisi GM. Substâncias tóxicas e tentativas e suicídios: considerações sobre acesso e medidas restritivas. Cad Saúde Colet. 2013;21(1):53-61.).

A grande difusão da intoxicação exógena como meio utilizado no comportamento suicida pode estar relacionado com a grande disponibilidade de medicamentos e produtos tóxicos, como pesticidas e raticidas, a que se tem acesso atualmente. Análise comparativa realizada antes e depois de uma ação regulamentar que culminou na proibição de um importante pesticida (paraquat) em um país asiático evidenciou que após esta medida houve uma redução de 37% nas taxas de mortalidade por intoxicações exógenas autoinfligidas(1919. Cha ES, Chang SS, Gunnell D, Eddleston M, Khang YH, Lee WJ. Impact of paraquat regulation on suicide in South Korea. Int J Epidemiol. 2016;45(2):470-9.).

De acordo com a literatura, boa parte das intoxicações exógenas ocorre na própria residência, e os agentes utilizados encontram-se disponíveis no local, seja para uso racional da própria vítima ou de algum familiar(1010. Kim B, Ahn JH, Cha B, Chung YC, Ha TH, Hong Jeong S, et al. Characteristics of methods of suicide attempts in Korea: Korea National Suicide Survey (KNSS). J Affect Disord. 2015;188:218-25.,1313. Moreira DL, Martins MC, Gubert FA, Sousa FSP. Perfil de los pacientes tratados por intento de suicidio en un centro de atención toxicológica. Cienc Enferm. 2015;21(2):63-75.). No presente estudo, a residência foi o principal local de escolha das autointoxicações exógenas (89,9%), resultado similar ao encontrado em pesquisas semelhantes realizadas no Brasil e na Coreia do Sul, onde o percentual de exposições no domicílio correspondeu a 74,4% e 83,1%, respectivamente(1010. Kim B, Ahn JH, Cha B, Chung YC, Ha TH, Hong Jeong S, et al. Characteristics of methods of suicide attempts in Korea: Korea National Suicide Survey (KNSS). J Affect Disord. 2015;188:218-25.,1818. Vieira LP, Santana VTP, Suchara EA. Caracterização de tentativas de suicídio por substâncias exógenas. Cad Saúde Colet. 2015;23(2):118-23.).

Quanto à via de exposição, detectou-se que quase a totalidade dos indivíduos utilizou a via digestiva/oral para se autointoxicar (98,5%), o que corrobora com os resultados encontrados em outros estudos(1313. Moreira DL, Martins MC, Gubert FA, Sousa FSP. Perfil de los pacientes tratados por intento de suicidio en un centro de atención toxicológica. Cienc Enferm. 2015;21(2):63-75.,2020. Silva JCR, Coelho MJ, Pinto CMI. Fatores associados aos óbitos entre homens envenenados por carbamato (“chumbinho”). Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e54799.). Ademais, a exposição foi caracterizada como repetida em 10,8% dos casos, sendo que uma parcela importante das vítimas que já haviam tentado o suicídio anteriormente foi a óbito, resultando em uma associação significativa entre a exposição repetida e o suicídio.

Assim, a história de tentativa de suicídio apresenta-se como um importante fator associado ao futuro suicídio, de forma que o risco de suicídio aumenta de acordo com o número de tentativas prévias e também está relacionado a intervalos de tempo menores entre esses eventos. Estima-se que entre os pacientes atendidos em setores de emergência por tentativa de suicídio, 30% a 60% tiveram tentativas prévias e 10% a 25% tentarão novamente no prazo de um ano(77. Liotta M, Mento C, Settineri S. Seriousness and lethality at attempted suicide: a systematic review. Aggress Violent Behav. 2015;21:97-109.,1616. Vidal CEL, Gontijo ECDM, Lima LA. Tentativas de suicídio: fatores prognósticos e estimativa do excesso de mortalidade. Cad Saúde Pública. 2013;29(1):175-87.).

Outro dado deste estudo que está de acordo com a literatura é a utilização de apenas uma substância tóxica pela maioria das vítimas, além da constatação de que a quantidade de agentes envolvidos não se mostrou associada ao êxito ou não das violências autoinfligidas(1818. Vieira LP, Santana VTP, Suchara EA. Caracterização de tentativas de suicídio por substâncias exógenas. Cad Saúde Colet. 2015;23(2):118-23.). No entanto, constatou-se diferença estatisticamente significativa entre a quantidade de agentes utilizados e o tipo de exposição, evidenciando que a exposição repetida está associada ao uso de mais de um agente tóxico durante a execução da autointoxicação exógena.

CONCLUSÃO

Os achados desta pesquisa apontam que as vítimas de violência autoinfligida por intoxicação exógena que morreram por suicídio diferem daquelas com desfecho não fatal, principalmente quanto à idade. Observou-se que embora os adolescentes e adultos jovens estejam mais propensos a tentarem o suicídio por autointoxicação exógena, há uma tendência de que os adultos longevos e idosos consigam efetivar o suicídio.

Além disso, ser analfabeto foi outra característica sociodemográfica que se apresentou significativamente associadas ao desfecho fatal. Quanto às características pertinentes às circunstâncias de exposição aos agentes tóxicos, o tipo de exposição repetida e a realização da violência autoinfligida na zona rural também se mostraram estatisticamente associados ao óbito. Ressalta-se ainda que a exposição repetida está associada ao uso de mais de um agente tóxico durante a execução deste tipo de violência.

Embora o estudo tenha sido desenvolvido no principal hospital de urgência e emergência do estado do Piauí, referência na região Norte-Nordeste, uma limitação observada se refere a não inserção de serviços periféricos de pronto atendimento existentes no município de Teresina, o que, possivelmente, reduziu o número de autointoxicações exógenas analisadas no período.

Outro aspecto importante é o fato dos registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) serem apenas de violências autoinfligidas por intoxicação exógena que demandam assistência hospitalar, perdendo-se informações sobre os demais casos de menor gravidade que não chegam até o serviço de saúde. Esse fato, aliado a uma possível subnotificação e preenchimento inadequado das fichas nos serviços de saúde, dificulta a obtenção de informações que retratem a verdadeira realidade do município quanto a comportamentos suicidas referentes ao uso de agentes tóxicos.

No entanto, o presente estudo atingiu o seu objetivo e torna-se relevante ao apresentar as principais características e fatores relacionados aos casos de violência autoinfligida por intoxicação exógena. Assim, proporciona informações que podem subsidiar os enfermeiros e os demais profissionais da saúde acerca da prática preventiva e do manejo das autointoxicações exógenas, além de favorecer discussões sobre a necessidade de medidas restritivas aos agentes tóxicos utilizados pelas vítimas.

Diante do exposto, sugere-se o desenvolvimento de novos estudos epidemiológicos acerca das violências autoinfligidas por intoxicação exógena em outras realidades, a fim de consolidar informações que proporcione a criação e o fortalecimento de estratégias e políticas preventivas por parte dos gestores públicos. Além disso, recomenda-se a realização de investigações qualitativas visando compreender a problemática em questão quanto a outros fatores desencadeantes e às principais necessidades das vítimas frente aos serviços de saúde e à comunidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2016
  • Aceito
    28 Mar 2017
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