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O vivido do planejamento reprodutivo de mulheres bombeiras militares

RESUMO

Objetivo:

Compreender o vivido do planejamento reprodutivo de bombeiras militares profissionais da saúde.

Método:

Investigação fenomenológica sob o referencial teórico-filosófico e metodológico de Martin Heidegger. Desenvolvida em unidades de Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2016 com 21 mulheres militares profissionais da saúde.

Resultados:

As mulheres expressaram que é necessário trabalhar e conciliar os papéis. Por isso, têm que se programar para ter filho devido à dificuldade de administrar todos os afazeres e conciliar a maternidade com o trabalho. Elas pensam numa situação mais confortável para se dedicar aos filhos, sendo elas as principais responsáveis por eles.

Conclusões:

Ações de saúde integral das mulheres militares necessitam ser incluídas nas políticas públicas, pois é um grupo que vem participando cada vez mais em um ambiente anteriormente restrito aos homens e com características relacionadas a eles.

Palavras-chave:
Mulheres; Mulheres trabalhadoras; Reprodução; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objective:

To understand the experience of reproductive planning of female military firefighter health professionals.

Method:

Phenomenological research under the theoretical-philosophical and methodological framework of Martin Heidegger. Developed in Fire Department units in Rio de Janeiro in the first half of 2016, with 21 female military health professionals.

Results:

Women expressed that it is necessary to work and manage roles. Therefore, they have to plan to have a child, due to the difficulty of managing all the tasks and reconciling motherhood with work. They think of a more comfortable situation to dedicate themselves to their children, since they are the main responsiblefor them.

Conclusions:

Comprehensive health actions for military women need to be included in public policies, as it is a group that has been increasingly participating in an environment previously restricted to men and with their characteristics.

Keywords:
Women; Women working; Reproduction; Qualitative research

RESUMEN

Objetivo:

Comprender la experiencia de planificación reproductiva de las bomberas militares profesionales de la salud.

Método:

Investigación fenomenológica bajo el marco teórico-filosófico y metodológico de Martin Heidegger. Desarrollado en unidades del Cuerpo de Bomberos de Río de Janeiro en el primer semestre de 2016 con 21 mujeres profesionales de la salud militar.

Resultados:

Las mujeres expresaron que es necesario trabajar y conciliar los roles. Por lo tanto, tienen que planificar tener un hijo debido a la dificultad de gestionar todas las tareas y conciliar la maternidad con el trabajo. Piensan en una situación más cómoda para dedicarse a sus hijos, ya que son los principales responsables de ellos.

Conclusiones:

Es necesario incluir en las políticas públicas acciones integrales de salud para las mujeres militares, ya que es un grupo que ha venido participando cada vez más en un entorno antes restringido a los hombres y con características afines a ellos.

Palabras clave:
Mujeres; Mujeres trabajadoras; Reproducción; Investigación cualitativa

INTRODUÇÃO

As mulheres vêm conquistando cada vez mais espaço no mercado de trabalho, inclusive, em profissões e em posições consideradas masculinas, pautadas em concepções de gênero. No Brasil, elas são, em sua maioria, estudantes do ensino superior e, principalmente, vinculadas às áreas da saúde. A atribuição histórica e cultural à figura da mulher como cuidadora reforça o impacto exercido pelas questões de gênero em que sua maior atuação se dá no âmbito doméstico e de cuidado com a família11. Barros SCV, Mourão L. Panorama da participação feminina na educação superior, no mercado de trabalho e na sociedade. Psicol Soc. 2018;30:e174090. doi: http://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30174090
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.

Ao observar as questões reprodutivas no cenário brasileiro, considerando as mudanças no âmbito sociocultural e econômico, constata-se um declínio nas taxas de fecundidade e isso tem relação com a maior participação feminina no mercado de trabalho22. Dus Poiatti N. Escolaridade feminina e a sua importância na escolha voluntária da fecundidade. Rev Ibero Am Estud Educ. 2020;15(4):1786-98. doi: https://doi.org/10.21723/riaee.v15i4.13182
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. Nessa perspectiva, destaca-se a ocupação de espaços e cargos por mulheres em instituições que, historicamente, eram cargos ocupados por homens como ocorria nas instituições militares. No âmbito internacional, a inserção feminina em tempos de paz, no espaço militar, se deu por volta de 1980 e, principalmente, na área da saúde, mediante cargos ocupados por médicas e enfermeiras. Ainda assim, eram minoria e excluídas da possibilidade de assumir postos de destaque nas operações táticas, nas ações de liderança, na solução de conflitos e na promoção da pacificidade na sociedade33. Schwether ND, Pagliari GC. As novas tendências militares: uma oportunidade para as mulheres? Estud Intern. 2017;4(3):45-58. doi: http://doi.org/10.5752/P.2317-773X.2016v4n3p45
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Embora a mulher tenha conquistado espaços no cenário militar, as relações de poder e de gênero, ainda se sobressaem como barreira para o exercício de sua atividade laboral, as quais podem ser observadas quando tendenciosamente são instigadas a pensar que é preciso escolher entre a família e o serviço militar para fazer parte dessas instituições44. Ribeiro L . Polícia Militar é lugar de mulher? Rev Estud Fem. 2018;26(1):e43413. doi: http://doi.org/10.1590/1806-9584.2018v26n143413
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. Ainda assim, a mulher permanece como referência para as responsabilidades da casa e da família, e isso implica as suas escolhas reprodutivas55. Fanelli E, Profeta P. Fathers' involvement in the family, fertility, and maternal employment: evidence from Central and Eastern Europe. Demography. 2021;58(5):1931-54. doi: https://doi.org/10.1215/00703370-9411306
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. Neste contexto, tem-se observado que as mulheres seguem alguns caminhos na contemporaneidade, como associar a vida profissional/pública à vida no lar/privada, sobrepondo-as às tarefas, decidir não ter filhos e se dedicar aos projetos pessoais e profissionais, ou, ainda abandonar a carreira para se dedicar integralmente ao cuidado dos filhos66. Emidio TS,Castro MF. Entre voltas e (re)voltas: um estudo sobre mães que abandonam a carreira profissional. Psicol Ciênc Prof. 2021;41:e221744. doi: http://doi.org/10.1590/1982-3703003221744
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Em face desse contexto de multiplicidade dos papéis sociais femininos associados às questões de poder e gênero que permeiam o trabalho nas instituições militares, compreende-se como importante direcionar o olhar para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres militares e, nesse estudo, com foco no planejamento reprodutivo de bombeiras militares profissionais da saúde. Nessa perspectiva, considerando uma abordagem centrada na mulher e no seu contexto de vida e de desenvolvimento pessoal, familiar e laboral, uma vez que a forma como a mulher na contemporaneidade se reconhece no seu mundo da vida pode influenciar o que ela deseja vivenciar em sua vida reprodutiva77. Paiva CCN, Caetano R. Theoretical model of sexual and reproductive health care: subsidies for evaluative research. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20200425. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20200425.en
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Entende-se como planejamento reprodutivo ações que contemplem o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, promovendo a autonomia de homens e mulheres na regulação da fecundidade por meio da promoção, prevenção e educação em saúde. Esse planejamento se apresenta como ferramenta imprescindível ao oferecer orientações quanto aos contraceptivos e promover um cuidado extensivo e continuado a todas as pessoas que desejam programar a vida reprodutiva88. Amorim TV, Souza IEO, Salimena AMO, Queiroz ABA, Elias EA. Women with cardiopathy in the context of reproductive planning: contributions of phenomenological hermeneutics. Esc Anna Nery. 2020;24(1):e20190164. doi: http://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0164
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. De modo que, investigar e compreender como se dá o planejamento reprodutivo de mulheres, considerando os pressupostos dos direitos sexuais e reprodutivos, é uma forma de fortalecer práticas em saúde para as escolhas adequadas, livres e informadas para o empoderamento feminino e a autonomia sobre a fecundidade de forma singular99. Canario MASS, Gonçalves MF, Teixeira EMB, Silva AFAQ, Ferrari RAP, Pelloso SM, et al. Reproductive planning and vulnerability after childbirth: a cohort from southern Brazil. Rev Enferm UFSM. 2020;10:e87. doi: http://doi.org/10.5902/2179769240659
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Assim, tem-se a questão norteadora do estudo: como as mulheres, profissionais da saúde, bombeiras militares, significam o planejamento reprodutivo? E como objetivo, compreender o vivido do planejamento reprodutivo de bombeiras militares profissionais da saúde.

MÉTODO

Estudo de natureza qualitativa com abordagem fenomenológica guiada pelo referencial teórico-metodológico de Martin Heidegger. Esse filósofo inaugura a episteme que estabelece a distinção da dimensão factual para a fenomenal do humano no mundo da vida. Mediante um movimento analítico compreensivo permite, com base nos significados expressos, acessar as experiências humanas compreendendo a singularidade dos fenômenos vividos e desvelando o sentido do movimento existencial que expressa a ligação entre o ser do homem e suas vivências1010. Souza MA, Cabeça LPF, Melo LL. Pesquisa em enfermagem sustentada no referencial fenomenológico de Martin Heidegger: subsídios para o cuidado. Av Enferm. 2018;36(2):230-7. doi: http://doi.org/10.15446/av.enferm.v36n2.67179
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-1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012..

Participaram da pesquisa 21 mulheres militares da equipe multiprofissional de saúde do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ), na cidade de Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro (RJ), incluindo: dentistas; auxiliares de saúde bucal; enfermeiras; técnicas em enfermagem; assistentes sociais; médicas e psicóloga. Como critério de inclusão, estabeleceu-se a participação de: mulheres militares da equipe multiprofissional de saúde do CBMERJ, e de exclusão, as profissionais que estivessem em licença ou em período de férias.

Não foi estabelecido previamente o número de participantes, pois na abordagem qualitativa e, em especial, nos estudos de natureza fenomenológica, o que determina o encerramento da etapa de campo é a meta de alcançar o desvelamento do objeto do estudo. A realização das entrevistas foi suspensa e considerada suficiente quando os depoimentos das mulheres responderam à questão norteadora, expressaram significados que revelaram facetas do fenômeno pesquisado e, em decorrência, possibilitaram o alcance do objetivo da pesquisa ao responderem à questão norteadora. O que foi possível porque a etapa de campo e a análise são desenvolvidas concomitantemente, mostrando a suficiência de significados expressos nos discursos dos participantes, e, também, porque a ação de quantificar se distancia do método dos estudos qualitativos1212. Moreira H. Critérios e estratégias para garantir o rigor na pesquisa qualitativa. Rev Bras Ensino Ciênc Tecnol. 2018;11(1):405-24. doi: http://doi.org/10.3895/rbect.v11n1.6977
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-1414. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual. 2017 [cited 2022 Jun 1];5(7):1-12. Available from: http://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82
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A entrevista fenomenológica tem características próprias tanto para o entrevistado quanto para o entrevistador. O entrevistado tem seu discurso sustentado pela experiência vivida em algum momento de sua vida. Já o pesquisador tem a necessidade de se aprofundar nos fatos presentes no discurso, descrevê-lo e captar o significado essencial das experiências vividas, que são o fenômeno em si mesmo. Essa atitude deve ser livre de julgamentos prévios para o desvelamento do ser1515. Guerrero-Castañeda RF, Menezes TMO, Ojeda-Vargas MG. Characteristics of the phenomenological interview in nursing research. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(2):e67458. doi: http://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.02.67458
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. O que implica que, na abordagem teórica heideggeriana, a categorização é sempre a posteriori1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012..

A seleção das participantes e a constituição amostral se deram de forma aleatória, voluntária e intencional por meio da técnica Bola de Neve, quando uma pessoa indica outra1616. Costa BRL. Bola de Neve Virtual: o uso das redes sociais virtuais no processo de coleta de dados de uma pesquisa científica. Rev Interdisc Gest Soc. 2018 [cited 2022 Jun 1];7(1):15-37. Available from: https://periodicos.ufba.br/index.php/rigs/article/view/24649/16131
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. O cenário do estudo foram unidades do CBMERJ: um quartel, onde atuam as equipes de saúde que realizam o atendimento pré-hospitalar; a ala de coordenação dessas equipes; uma policlínica e uma odontoclínica - que prestam assistência aos militares e aos seus dependentes. As participantes foram identificadas por códigos e números de acordo com a ordem de ocorrência dos encontros (E1, E2, e assim por diante).

A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2016 por meio de entrevista na modalidade fenomenológica utilizando as seguintes questões orientadoras da pesquisa: “Como você vivencia ou vivenciou o planejamento reprodutivo? O que isto significa para você? Como é para você, mulher, militar, da equipe de saúde, o planejamento reprodutivo?”. As entrevistas foram realizadas em locais de escolha das depoentes, sendo seu domicílio ou um local reservado no ambiente de trabalho e sem ônus para as suas atividades laborais. As entrevistas foram audiogravadas, escutadas e transcritas atentiva e fidedignamente, o que pode ser considerado como o início da etapa de análise.

A etapa analítica, com base na orientação proposta por Martin Heidegger, foi desenvolvida em dois momentos metódicos: primeiramente, foi construída a análise compreensiva, também chamada de compreensão vaga e mediana, que se apresenta mediante a constituição das unidades de significação (US) quando as experiências dos sujeitos são apresentadas por eles mesmos como um conjunto de significados denominados essenciais. No segundo momento metódico, desenvolveu-se a análise interpretativa, também chamada de hermenêutica, que permite desvelar a partir da interpretação do fenômeno vivenciado, de forma reflexiva e continuada, os sentidos ocultos1010. Souza MA, Cabeça LPF, Melo LL. Pesquisa em enfermagem sustentada no referencial fenomenológico de Martin Heidegger: subsídios para o cuidado. Av Enferm. 2018;36(2):230-7. doi: http://doi.org/10.15446/av.enferm.v36n2.67179
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-1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012.. As US têm em seu enunciado a descrição do caput, composto pelas expressões dos depoimentos reveladas no discurso fenomenológico.

A fim de garantir a qualidade e transparência na apresentação da pesquisa em tela, adotou-se como guia o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis/Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEP-EEAN/HESFA/UFRJ) sob o parecer n.º 1.310.355 e CAEE n.º 48359715.9.0000.5238, respeitando-se os aspectos éticos e legais da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 466/2012.

RESULTADOS

A idade das entrevistadas variou entre 31 (trinta e um) e 50 (cinquenta) anos. O momento da menarca ocorreu na idade entre 9 (nove) e 15 (quinze anos). As entrevistadas tiveram a coitarca entre 17 (dezessete) e 29 (vinte e nove) anos. Em relação à saúde sexual e reprodutiva, 16 das 21 já eram mães, seis viviam com um companheiro, 14 delas responderam no questionário que realizavam o planejamento reprodutivo, e todas já utilizaram algum método contraceptivo.

Das cinco participantes que não possuíam filhos, uma estava gestante. Com relação aos métodos contraceptivos, o anticoncepcional oral foi o mais citado. Em relação ao planejamento reprodutivo, sete participantes relataram que o faziam por conta própria sem orientação de um profissional específico da área.

Já na carreira profissional, o tempo das mulheres na corporação variou de sete a 20 (vinte) anos. Em relação à categoria profissional, são: cinco técnicas em enfermagem, três enfermeiras, quatro auxiliares de saúde bucal, duas dentistas, duas assistentes sociais, quatro médicas e uma psicóloga.

Unidades de Significação (US)

A partir do primeiro momento metódico proposto por Martin Heidegger, foi possível compreender os significados que as mulheres bombeiras militares na área da saúde atribuíram ao seu vivido do planejamento reprodutivo. Assim, os significados foram agrupados constituindo as seguintes unidades de significação:

US1 - As mulheres expressaram que têm que trabalhar e que não podem mais ficar em casa cuidando de criança e, com isso, assumem várias funções: de mulher, mãe, bombeira, esposa, o que exige conciliar todos esses papéis.

[...] A mulher tem que trabalhar [...] não pode mais ficar em casa cuidando de criança [...] e não tem aquele tempo disponível [...] 24 horas para o filho [...] hoje eu não teria [filho], se tivesse que voltar a trabalhar 48, 24 horas [...]. (E1)

[...] A gente tem várias funções [...] além daqui, eu tenho meus filhos, eu tenho a minha casa [...] a gente conciliar tudo. Exige muito da gente [...] você tem que estar preocupada com a criação do seu filho [...]. (E5)

[...] O trabalho é intenso, a bombeira tem realmente uma demanda de trabalho puxada [...] com filho é complicado. Eu acho que a mulher, ela é profissional, tudo, mas a gente sofre mais, porque a gente assume mais a criação do que o pai [...]. (E18)

[...] Complicado, você fazer as duas coisas bem, ser mãe e trabalhar. Acaba que você não faz nada bem, nem você é boa mãe [...] no caso da gente ser militar [...] tem que ter uma postura mais dura para conseguir o mesmo respeito que o homem [....] (E21)

US2 - As mulheres significaram que têm que se programar para ter filho, porque se não têm tempo para o filho, ele fica à mercê de outras pessoas. Relatam que ter que voltar da licença maternidade é complicado.

[...] eu não dormia fora de casa, parei de trabalhar nos outros lugares [...] eu tinha mais tempo para ele [...] como que ia deixar um neném 24 horas? [...] (E1)

[...] Passei um pouco de luta quando eu voltei a trabalhar, com quem eu deixaria [...] não tinha ninguém para ficar com ela [...] ela não se adaptou à creche [...]. (E2)

[...] tem que realmente se programar muito [...] se você não tem tempo para o filho, ele fica a mercê [...] se você não planejar isso, você não dá uma educação e a sua presença adequada [...]. (E5)

[...] Morava longe da minha família eu tive que realmente me virar sozinha [...]. (E8)

[...] a gente acaba tendo que deixar os nossos filhos [...] a maioria aqui, deixa com parentes [...] você ter que deixar seu filho com alguém [...] que vá cuidar como se você estivesse cuidando [...] a dificuldade [...] se seu filho estiver doente [...] se precisar de você ir para poder ver, para poder estar com a criança é um pouco complicado para você, para sair daqui [...]. (E9)

[...] quando eu tive que voltar a trabalhar depois [...] da licença [...] foi bem complicado, porque eu não tinha com quem deixar [...] a gente teve problema na creche [...] abri mão um pouco [...] para me dedicar à família [...]. (E11)

[...] não foi fácil porque eram dois bebês [...] não tinha ninguém para me ajudar, mas foi no embalo [...]. (E13)

US3 - As mulheres reconhecem as dificuldades para conciliar a maternidade com o trabalho. Pensam em estudar e trabalhar para depois pensarem em ter filho quando estiverem numa situação mais confortável para viver uma gravidez da forma como gostariam e se dedicarem aos filhos.

[...] como que eu vou criar um filho, se eu não tenho paradeiro? [...] você consegue administrar a maternidade? [...] se torna muito complicado [...] eu não quis reproduzir aquilo que a minha mãe foi, dona de casa [...] até administrar um casamento [...] às vezes você programa a semana certinha [...] a mulher nunca, nunca dá conta só do trabalho [...]. (E3)

[...] alegando que eu tinha uma filha, que eu amamentava [...] aí eu consegui transferência e as coisas ficaram mais tranquilas [...] então a gente conciliar isso é uma, uma questão assim, eu bato palma para as mulheres em relação a isso [...]. (E5)

[...] a gente tem nove meses de licença maternidade com a amamentação [...] complicado, no início você tem que deixar com alguém (o filho) [...] voltar a trabalhar [...] colocar uma criança numa creche [...] a vida financeira da casa muda [...] tudo muda [...] me apavora um pouquinho [...] fazer tudo sozinha [...]. (E6)

[...] aí você começa a trabalhar, para depois pensar em ter filho [...] uns dizem que para a gente que é mulher e militar é até melhor [...] pela licença-maternidade ser uma coisa extensa [...]. (E7)

[...] a minha carga de trabalho foi muito grande e difícil [...] para que eu possa engravidar da forma que eu gostaria: com saúde física e psicológica, tenho que diminuir ritmo para vivenciar gravidez [...]. (E8)

[...] esteja numa situação mais confortável para que possa também me dedicar mais aos filhos [...] se eu tiver filho hoje, provavelmente vai ser criado na creche [...] babá ou com alguém assim [...] a gente tem que estar firme ali não é, no que você planeja para sua carreira também dentro da corporação [...]. (E15)

A análise compreensiva do vivido do planejamento reprodutivo de mulheres bombeiras militares profissionais da saúde desvelou que as mulheres se mantêm ocupadas desempenhando suas diferentes atribuições no cotidiano do trabalho, da vida familiar e doméstica para dar conta do cuidado com os filhos. Também fazem projeções para o futuro com relação a planejar a vida e, também, em relação à reprodução. A questão reprodutiva acompanha a história da mulher que é ser-aí-com o companheiro, com o filho e com outras pessoas para ajudá-las no cuidado com os filhos.

DISCUSSÃO

Compreendeu-se que as mulheres bombeiras militares profissionais da área da saúde significam o vivido do planejamento reprodutivo com base em sua vida profissional e, com isso, tentam conciliar os diferentes papéis que assumem no seu mundo-da-vida. Esses lhes impõem uma elevada carga de trabalho profissional, de dedicação familiar e de atividades domésticas, associada, ainda, ao sentimento de principais responsáveis pelas demandas da vida pessoal, revelando que se sentem sozinhas para dar conta de tudo e, em especial, dos filhos.

As dificuldades desveladas em conciliar o cuidado do filho com o trabalho podem ocorrer quando há ou não há o planejamento da gestação, porém, quando esta não foi planejada, a situação pode ser mais difícil. Dados apontam que o desejo da mulher sobre ter ou não ter filhos, ou, ainda, quando tê-los, deve ser levado em conta para evitar uma gravidez indesejada. Em 2011 nos Estados Unidos, cerca de 45% das gravidezes foi indesejada, mesmo considerando a disseminação de informações e a disponibilidade de acesso aos métodos contraceptivos1717. Manze MG, Watnick D, Romero D. A qualitative assessment of perspectives on getting pregnant: the social position and family formation study. Reprod Health. 2019;16(1):135. doi: http://doi.org/10.1186/s12978-019-0793-7
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O vivido do planejamento reprodutivo de mulheres bombeiras militares profissionais da área da saúde, analisado mediante/através da hermenêutica heideggeriana, permitiu desvelar que o movimento existencial delas revela sentidos inerentes aos modos de ser do cotidiano.

Desvelou-se o sentido da ocupação1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012. ao ser relatado pelas mulheres que no seu dia a dia estão envolvidas e sobrecarregadas, assumindo as atribuições inerentes aos seus papéis sociais de cuidado com a família e da esfera profissional. Nessa vivência, descreveram suas ocupações cotidianas como o cuidado de si, os afazeres de casa, o cuidado com o filho e família e as atribuições fora do lar, no trabalho, no ambiente militar, além do cuidado do outro. Essas são singularidades do seu cotidiano em ser-mulher-bombeira militar-profissional de saúde.

O mundo das ocupações está sempre se movimentando na cotidianidade, que é um modo de ser da presença, quando se move numa cultura desenvolvida e diferenciada. É como se mostra, na maioria das vezes, como se vive o dia a dia com os comportamentos da convivência, sendo inevitável o contentar-se com os hábitos diários da vida pública, sem possibilidade, portanto, de excluí-los do seu modo de ser. O modo de ser da ocupação revela como o ser realiza, produz e cumpre alguma coisa ou sobre algo que tem para tratar ou cuidar1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012..

Ainda que, com a revolução industrial, as mulheres tenham conquistado mais espaços, independência e autonomia, modificando de certa forma os papéis sociais, as atribuições femininas ainda trazem marcas tradicionais embasadas nos padrões morais, éticos e de comportamentos. E, é com base nestes modelos que foram e continuam sendo encarregadas de viver em família e cuidar do lar e dos filhos1818. Oliveira EL, Rezende JM, Gonçalves JP. História da sexualidade feminina no Brasil: entre tabus, mitos e verdades. Rev Ártemis. 2018 [cited 2022 Jun 1];26(1):303-14. Available from: https://periodicos.ufpb.br/index.php/artemis/article/view/37320/21729
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. As ocupações cotidianas do espaço domiciliar continuam, mesmo quando assumem responsabilidades e atividades profissionais de trabalho fora do lar.

No mundo público e circundante1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012. das mulheres militares bombeiras profissionais da saúde, que no vivido do planejamento reprodutivo decidiram ter filho, há a busca por apoio para enfrentar seus desafios cotidianos decorrentes dessa ação. Em relação àquilo que é manuseado, neste estudo, a busca por apoio para cuidar do filho não ocorre somente no mundo doméstico, mas também no mundo público de todos. Manusear no mundo público determina e expõe a natureza do mundo circundante de forma que aquilo se torne acessível a qualquer um1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012.. E, é assim, nessa direção e nessa dimensão que essas mulheres se movimentam.

Em busca de apoio, algumas mulheres têm a necessidade de contar com a ajuda de familiares, de outras pessoas, ou, ainda, de instituições como escolas e creches para deixar o filho e ir trabalhar, pois têm que dar conta de tudo. O empenho das mulheres em dar conta de tudo revela sua circunvisão1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012., afirmada histórica e culturalmente pela necessidade da mulher em assumir as responsabilidades da vida familiar e do trabalho, além de se esforçar para atender suas outras necessidades. Ainda assim, buscam compartilhar responsabilidades, por exemplo, com o esposo ou pai do filho, revelando, neste movimento, o aspecto de pertencimento dos modos de ser da ocupação à cotidianidade, na qual é permitido o encontro com o ente de que se ocupa1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012..

No empenho para conciliar as demandas da maternidade com a vida profissional, as mulheres enfretam dificuldades, tais como as relacionadas com a amamentação. As mães trabalhadoras enfrentam barreiras para a amamentação, e a tendência é que a taxa de aleitamento exclusivo seja baixa. Por isso, é importante manter um tempo maior de licença-maternidade e fornecer instalações que promovam a amamentação no local de trabalho. Estender a licença favorece, também, o prolongamento do aleitamento, dessa forma, as políticas de saúde pública devem garantir que todas as mulheres, especialmente, as mais vulneráveis tenham acesso a isso. Vários países já promoveram essa ampliação, mas isso é mais visualizado na esfera de trabalho do setor público. Um desses países foi o Chile, que estendeu a licença-maternidade de 12 para 21 semanas, o que também aumentou a adesão ao aleitamento materno exclusivo1919. Abou-ElWafa HS, El-Gilany AH. Maternal work and exclusive breastfeeding in Mansoura, Egypt. Fam Pract. 2019;36(5):568-72. doi: http://doi.org/10.1093/fampra/cmy120
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-2121. Madrid Muñoz R, Cano CC, Cortés Rojas R. Impacto de la extensión del postnatal em la adherencia a la lactancia materna.Rev Chil Pediatr. 2018;89(4):484-90. doi: http://doi.org/10.4067/S0370-41062018005000701
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.

Tal apoio também é reconhecido pela instituição a que estão vinculadas, uma vez que há direitos instituídos por lei que favorecem a servidora pública estadual e que não são contemplados em esferas empregatícias do setor privado. Dentre eles, o benefício da licença-maternidade remunerada, direito de todas mulheres empregadas de órgãos públicos e privados como consta na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que é recomendado pelo OIT e que atualmente varia de 120 a 180 dias. Essa melhoria se dá pela observância do aumento da participação feminina na força de trabalho e pelas comprovadas vantagens da amamentação, que impactam positivamente na saúde da criança, da mulher e do planeta2222. Monteiro FR, Buccini GS, Venâncio SI, Costa THM. Influence of maternity leave on exclusive breastfeeding. J Pediatr. 2017;93(5):475-81. doi: http://doi.org/10.1016/j.jped.2016.11.016
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. Não se pode negar que essa iniciativa favorece a mulher e seu bebê para que obtenham qualidade de vida saudável no que diz respeito ao período do pós-parto e da amamentação, garantindo benefícios para ambos.

Na interpretação hermenêutica, quando as mulheres precisam deixar o filho com alguém para trabalhar, elas mostram-se sendo-aí-com1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012. as pessoas que lhes garantem suporte na criação do filho, sendo elas familiares ou não. O sentido do ser-aí-com também se desvela quando a mulher cuida ao criar o seu filho. Isso revela um ser no mundo com os outros que também estão nesse mundo, pois, para Heidegger, o sujeito nunca é dado sem o mundo, isolado, e sim, o ser-aí-com, que está no mundo vivido, compartilhado com os outros, sendo copresença. O ser-com possui um sentido ontológico-existencial e constitui o ser-no-mundo, sendo copresente e liberando a possibilidade para um ser-com1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012..

No cotidiano de ser mulher bombeira militar profissional da saúde e enquanto ser-no-mundo, a presença já descobriu um mundo de possibilidades determinadas por sua circunvisão e pela espacialidade, seja no modo de ser do distanciamento seja no modo de direcionamento1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012.. Assim, o planejamento reprodutivo fica atrelado ao momento profissional em que ela se encontra, ou seja, às diversas atividades do dia a dia e à dependência de outras pessoas para ajudá-la a cuidar do filho.

Na perspectiva do trabalho feminino, o sentido do ser-aí-com também se desvela quando a corporação é significada como uma instituição de apoio a essa mulher e mãe, representados pelos direitos à licença-maternidade, licença-interesse e à possibilidade de associar o período de férias ao período que advém logo após a licença-maternidade, para ter um período maior dedicado ao momento após o nascimento do filho. Estudos apontam que esses benefícios assegurados por lei permitem que as mulheres se sintam seguras com relação ao acesso e à permanência delas no trabalho. A evolução tem sido observada para além da licença-maternidade remunerada até as pausas para o aleitamento e alguns auxílios para filhos em creches e escolas, mesmo que as trabalhadoras ainda sejam vistas como cuidadoras do lar, esposas e mães2323. Garcia CF, Viecili J. Implicações do retorno ao trabalho após licença-maternidade na rotina e no trabalho da mulher. Fractal Rev Psicol. 2018;30(2):271-80. doi: http://doi.org/10.22409/1984-0292/v30i2/5541
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.

No vivido do planejamento reprodutivo das mulheres bombeiras militares profissionais da saúde, em face dos desafios vivenciados por aquelas que decidem ter filhos, algumas pensam primeiro em se estabilizar e estar numa situação financeira e profissional mais favorável para que possam, então, ter filho.

Entendeu-se que planejar a vida reprodutiva vai além da decisão em ser ou não ser mãe, significa posicionar o indivíduo/casal na concepção/contracepção e na vida cotidiana, no futuro, no relacionamento, nas ocupações diárias e na vida financeira, porém, nem sempre a prática assistencial do planejamento reprodutivo considera esses aspectos. Ter autonomia nesse planejamento, ainda está mais relacionado à responsabilidade da mulher do que à do homem, mesmo que isso devesse partir de ambos. Por isso, muitas mulheres têm a jornada reprodutiva solitária quanto à contracepção99. Canario MASS, Gonçalves MF, Teixeira EMB, Silva AFAQ, Ferrari RAP, Pelloso SM, et al. Reproductive planning and vulnerability after childbirth: a cohort from southern Brazil. Rev Enferm UFSM. 2020;10:e87. doi: http://doi.org/10.5902/2179769240659
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. É necessário que essa mulher seja apoiada e realize o planejamento reprodutivo por meio de uma assistência qualificada.

Os serviços de saúde têm a responsabilidade de prestar uma assistência de qualidade ao planejamento reprodutivo e, no Brasil, o Ministério da Saúde revalida que isso seja feito através de: ações educativas individuais, por meio do casal ou de grupos; acesso a informações adequadas; disponibilidade de métodos contraceptivos; promoção da regulação da fecundidade de maneira livre e informada; garantia dos direitos reprodutivos a homens e mulheres; prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, dentre outros. A Atenção Básica é responsável por essa assistência, captando as usuárias e promovendo a saúde não só para a concepção/contracepção, mas também no enfoque da saúde integral das mulheres2424. Franze AMAK, Benedet DCF, Wall ML, Trigueiro TH, Souza SRRK. Reproductive planning in health guidelines: an integrative review. Rev Fam Ciclos Vida Saúde Contexto Soc. 2019;7(3):366-77. doi: http://doi.org/10.18554/refacs.v7i3.3759
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As mulheres do estudo em tela desvelaram facetas do seu mundo circundante1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012. no trabalho, especificamente, acerca do militarismo. Significaram que há a necessidade de a mulher ter que se impor na corporação, dedicar mais atenção em tudo o que faz, porque se sente mais observada em relação a ter uma postura mais dura para conseguir o respeito do contingente masculino da corporação. Nessa perspectiva, revela seu empenho e determinação para se consolidar na carreira militar, o que acarreta a atribuição de significados de planejamento reprodutivo tanto na perspectiva de ter quanto de não ter filhos no momento.

Quando a mulher foi incorporada aos ambientes militares, ela já encontrou uma organização imposta por homens que ocupavam maciçamente estes espaços. No entanto, a presença feminina demonstra que as corporações militares foram organizadas e adequadas perante a igualdade de direitos entre homens e mulheres na sociedade. Mas, sendo militar, a mulher é levada a adotar uma postura considerada mais próxima da masculina, menos frágil, representada pela liderança, coragem e com aspecto de poder2525. Lara LF, Campos EAR, Stefano SR, Andrade SM. Relações de gênero na polícia militar: narrativas de mulheres policiais. HOLOS. 2017;33(4):56-77. doi: http://doi.org/10.15628/holos.2017.4078
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. A profissional bombeira, quando demonstra as suas características e as dos bombeiros, leva-nos a refletir acerca das questões de gênero também no militarismo.

Ao assumir uma postura esperada pelo universo masculino, a mulher bombeira militar profissional da saúde se mantém na impessoalidade1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012., esforçando-se para ser aquilo que esperam dela no cenário militar. O impessoal pertencente ao cotidiano se mostra como sendo dos outros, no qual o ser encobre sua essência, não aprofunda as coisas e tende a escapar e se desviar quando a presença exige uma decisão para tirar de si essa responsabilidade. Dessa forma, revela que sendo todos, todo mundo, é ninguém, ou seja, mantém sua essência encoberta. Na vivência cotidiana, a presença se encontra sob o domínio dos outros que tomam o seu ser, não sendo ela mesma1111. Heidegger M. Ser e tempo. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2012..

Na cotidianidade, as atitudes dessas mulheres militares, do ser-aí (Dasein) são marcadas pelo impessoal, encobrindo sua singularidade num modo de ser quase que já estabelecido, revelando a perda de si, uma vez que os indivíduos não estão isolados uns dos outros, fazendo com que escondam suas possibilidades mais próprias2626. Sartori VB. Heidegger, ontologia fundamental, o impessoal e a crítica à atomização da sociedade civil-burguesa. Poiesis. 2020 [cited 2022 Jun 15];16(1):267-89. Available from: http://www.periodicos.unimontes.br/index.php/poiesis/article/view/196/222
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.

As limitações da pesquisa se dão pelo fato de a abordagem ter sido feita com mulheres bombeiras da área da saúde, enquanto que na corporação há outras mulheres militares atuando em diversas áreas profissionais e que poderiam, também, significar o trabalho e o planejamento reprodutivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O vivido do planejamento reprodutivo da bombeira trabalhadora na área da saúde se desvelou a partir da cotidianidade, na qual a mulher está empenhada no mundo das ocupações, conciliando seus diferentes papéis sociais. E, dessa forma, para desempenhar suas funções laborais, compreende que precisa contar com pessoas ao seu redor, que fazem parte do seu mundo da vida para auxiliá-la no cuidado com os filhos, mostrando-se como ser-com outros.

O estudo permitiu desvelar facetas, especificamente, sobre planejamento reprodutivo, que integram o modo de ser de mulheres em ambientes militares. E, destas, destacam-se as questões de gênero, o que contribui para a sobrecarga da mulher em relação a desempenhar seus diferentes papeis sociais, revelando-se, ainda, o respeito ao exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

As contribuições do estudo impulsionam para que as ações de saúde contemplem as individualidades e subjetividades das mulheres militares. Vislumbra-se, ainda, a possibilidade de dar visibilidade a essa população e que possam ser empreendidos esforços para que pesquisadores deem voz e busquem ampliar e aprofundar aspectos relacionados à saúde das mulheres militares, sobretudo, às bombeiras em ampliados aspectos, além da saúde sexual e reprodutiva.

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    » http://www.periodicos.unimontes.br/index.php/poiesis/article/view/196/222
  • Editor associado:

    Cíntia Nasi
  • Editor-chefe:

    Maria da Graça Oliveira Crossetti

Errata ao artigo:

  • Elias EA, Vieira LB, Langendorf TF, Almansa Martínez P, Souza IEO. O vivido do planejamento reprodutivo de mulheres bombeiras militares. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20220205. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20220205.pt.
    Na lista de autores, página 1:
    onde se lê:
    Tassiane Ferreira Langerdorf
    leia-se:
    Tassiane Ferreira Langendorf
    Em “Como citar este artigo”, página 1:
    onde se lê:
    Langerdorf TF
    leia-se:
    Langendorf TF
    No cabeçalho:
    onde se lê:
    Langerdorf TF
    leia-se:
    Langendorf TF
    Em Contribuição de autoria, página 9:
    onde se lê:
    Tassiane Ferreira Langerdorf
    leia-se:
    Tassiane Ferreira Langendorf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2022
  • Aceito
    17 Out 2022
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