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“Além do que se Vê...”: Análise do Conceito Weberiano de Vocação à Luz da Dinâmica do Empreendedorismo Religioso1 1 Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Nós agradecemos aos dois pareceristas anônimos deste artigo por suas valiosas contribuições.

Analysis regarding the Weberian Concept of Worldly Calling from the Perspective of Religious Entrepreneurship

Resumos

Este trabalho tem como objetivo analisar como a dimensão religiosa da vida influencia a ação de empreendedores do ramo de artigos religiosos, dando-se destaque ao quanto este agir é tratado como uma vocação (orientação/sugestão divina). Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas com trinta empreendedores de artigos religiosos de cinco denominações (catolicismo, protestantismo, espiritismo, umbanda e candomblé) das principais cidades do Triângulo Mineiro (Uberlândia, Uberaba, Araguari e Ituiutaba). Os resultados obtidos a partir da técnica de análise de discurso mostram a existência de elementos não-racionais no processo de tomada de decisão para a abertura e na gestão destes empreendimentos: (1) concepção do empreendimento como desígnio divino; (2) orientação divina para a gestão do empreendimento; (3) comércio como meio de realização espiritual; (4) interferência de conflitos mundanos e espirituais no negócio, dentre eles a sobrevivência e lucro legítimo.

Empreendedorismo; Religião; Vocação; Vocação Empreendedora; Empreendedor


The purpose of this study is to analyze how the religious dimension of life influences the actions of entrepreneurs in the religious articles industry. It particularly focuses on the question of how much these actions are treated as a worldly calling (orientation/divine suggestion). Thirty interviews were conducted with entrepreneurs from five different religious denominations (catolicismo, protestantismo,espiritismo, umbanda, andcandomblé) located in the main cities of theTriângulo Mineiro region of Brazil (Uberlândia, Uberaba, Araguari, and Ituiutaba). The authors used discourse analysis to verify the existence of non-rational elements in the process of opening and managing this type of entrepreneurship. The samples were analyzed according to the following four themes: (1) design development (divine design or rational study); (2) God’s guidance for the management of the enterprise; (3) trade as a means of spiritual realization; and (4) interference of worldly and spiritual conflicts in business such as survival and legitimate profit.

Entrepreneurship; Religion; Calling; Entrepreneurial Calling; Entrepreneur


Introdução

Éfato comumente aceito nos estudos de antropologia, história e sociologia que as categorias vinculadas ao universo religioso constituem elementos centrais para a compreensão da existência humana em sociedade (DURKHEIM, 1996DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.; WEBER, 2000WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília, DF: UNB, 2000.,2001WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001., 2006WEBER, M. Sociologia das religiões. Lisboa: Antropos, 2006.; BOURDIEU, 2005BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005., 2007BOURDIEU, P. O poder simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2007., 2008BOURDIEU, P. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. 3. ed. Porto Alegre: Zouk, 2008., 2010BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 10. ed. Campinas: Papirus, 2010.; TEIXEIRA, 2010TEIXEIRA, F. (Org.). Sociologia da religião: enfoques teóricos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.; BERGER, 2004BERGER, P. L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2004.; ELIADE, 2002ELIADE, M. Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes, 2002., 2008ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.).Tal realidade fica ainda mais evidente na medida em que autores como Weber (2000WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília, DF: UNB, 2000., 2001WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001., 2006WEBER, M. Sociologia das religiões. Lisboa: Antropos, 2006.), por exemplo, partem da compreensão do sentido da ação humana para dar cabo de sua sociologia compreensiva e inserem a moral como um elemento central de análise na modernidade.

Por outro lado, a temática da religião, bem como suas intersecções com o universo empresarial, são parcamente trabalhadas pelos autores da área de Estudos Organizacionais (DODD; GOTSIS, 2007DODD, S. D.; GOTSIS, G. The interrelationships between entrepreneurship and religion. The International Journal of Entrepreneurship and Innovation, v. 8, n. 2, p. 93-104, 2007.; TRACEY, 2012TRACEY, P. Religion and organization: a critical review of current trends and future directions. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 87-134, 2012.). Além disto, parece haver, ainda, por parte de outros certo ‘incômodo’ gerado pelas tentativas de apropriação de temáticas do universo religioso em um espaço ‘pretensamente’ laico como é o caso das empresas.

Há que se destacar, no entanto, que a pretensa laicidade empresarial configura-se, em nosso entender, enquanto um mito. Mito este que, obscureceria outras possibilidades alternativas de compreender o universo empresarial. Tal mito, disseminado e propagado através de um discurso que privilegia uma racionalidade de natureza instrumental/técnica, pode ser inicialmente desconstruído, na medida em que observemos qualquer indivíduo que trabalhe em uma organização moderna. Suas angústias, alegrias, desilusões, indecisões, entre outros tantos exemplos, são permeados por pequenos gestos e rituais que demonstram, claramente, que a faceta dohomo religiosus está intrinsecamente relacionada aohomo organizacional e vice-versa. Na realidade, tais facetas do homem moderno não podem ser simplesmente separadas no plano social, a não ser por uma compreensão limitada da existência humana em sociedade. Como será exposto a seguir, esta pretensa laicidade presente no plano social e organizacional, parece ser credora, na verdade, de uma compreensão limitada, por parte de alguns estudiosos, acerca do conceito de secularização, presente na obra weberiana.

Uma vez que as possibilidades de estudos que busquem relacionar as temáticas de cunho religioso e o universo organizacional são enormes, optamos, neste trabalho, por observar um pequeno fragmento desta realidade. Assim, este trabalho tem, como objetivo principal, efetuar uma análise de como a dimensão religiosa da vida influencia a ação empreendedora, dando-se especial destaque ao quanto este agir é tratado enquanto uma ‘vocação’, entendida, em seu sentido weberiano, enquanto uma tarefa ordenada, ou pelo menos, sugerida por Deus. É evidente que, pela amplitude do tema e pela limitação de nossa capacidade, seremos obrigados a trabalhar alguns pontos específicos e deixar outros de lado. Esperamos que tais limitações, puramente humanas, não possam diminuir o trabalho realizado e que possam lançar luzes sobre novas possibilidades de análise na área de Estudos Organizacionais.

Este artigo está estruturado nas seguintes seções, além desta introdução: Weber: Secularização e o Pluralismo Religioso Brasileiro; O Conceito de Vocação em Weber; Vocação Empreendedora; Procedimentos Metodológicos; Análise dos Dados; Considerações Finais e Referências.

Weber: secularização e o pluralismo religioso brasileiro

Conforme destacam Lounsbury e Carberry (2005)LOUNSBURY, M.; CARBERRY, E. J. From king to court jester ? Weber’s fall from grace in organizational theory. Organization Studies, v. 26, n. 4, p. 501-525, 2005., em seu interessante estudo acerca da utilização da obra de Max Weber por parte dos pesquisadores da administração, é comprovável que o sociólogo alemão esteja sendo cada vez menos trabalhado em nossa área. Partindo dos artigos publicados na revistaAdministrative Science Quartely, no período compreendido entre 1956 e 2002, os autores apontam um declínio considerável no número de citações ao autor, relegando-o, atualmente, a uma posição apenas marginal ou até mesmo cerimonial em nosso campo de estudos.

Há que se destacar, no entanto, que a grandiosidade e a complexidade da obra deste autor não se resume, somente, às suas contribuições para a compreensão da organização burocrática, dos mecanismos de dominação presentes na moderna empresa capitalista ou à própria sociologia econômica. Weber (2000WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília, DF: UNB, 2000., 2001WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001., 2006WEBER, M. Sociologia das religiões. Lisboa: Antropos, 2006.), em sua visão multifacetada da realidade social, tratou dos aspectos mais diversos da experiência humana em sociedade. Dentre os conceitos trabalhados no âmbito deste artigo e que possuem uma importância fundamental para a compreensão da realidade pesquisada, deu-se especial ênfase àqueles relacionados a sociologia weberiana da religião, especialmente os conceitos de secularização e vocação.

No que tange ao primeiro conceito, há um relativo consenso, por parte de estudiosos da obra weberiana (PIERUCCI, 1998PIERUCCI, A. F. Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 37, p. 43-67, 1998.; BERGER, 2000BERGER, P. A dessecularização do mundo: uma visão global.Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 67-86, 2000.; MARIZ, 2000MARIZ, C. L. Secularização e dessecularização: comentários a um texto de Peter Berger. Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 67-86, 2000.), de que ele constitui-se elemento central na análise do fenômeno religioso na contemporaneidade. No entanto, compreendido inicialmente e, por que não dizer, erroneamente, enquanto um ‘simples’ movimento de retração e privatização do universo religioso na sociedade contemporânea, o conceito de secularização sofreu abusos que obscureceram, em grande parte, sua utilização por parte dos cientistas sociais.

Conforme mostra Montero (2006)MONTERO, P. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil.Novos Estudos, n. 74, p. 47-65, 2006., tal erro, transformado em mito, conduziu uma série de pesquisadores a uma busca despropositada pela ‘medição’ do quão secularizado seria uma determinada sociedade (e por que não dizer o próprio espaço organizacional), bem como a ideia de que o mundo contemporâneo caminharia, fundamentalmente, para uma existência mais secular. Tal erro, apontado por Pierucci (1998)PIERUCCI, A. F. Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 37, p. 43-67, 1998., deveu-se, a uma análise equivocada da obra weberiana, bem como a uma superficial interpretação do próprio conceito de secularização. Inicialmente, o autor aponta uma escassez de citações da palavra secularização na própria obra de Weber, advogando que as mesmas encontram-se em trechos relacionados à sociologia jurídica e não à discussão da religião em si. Tal realidade tem implicações na forma como o conceito é verdadeiramente trabalhado pelo sociólogo alemão. De acordo com Pierucci (1998)PIERUCCI, A. F. Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 37, p. 43-67, 1998., o conceito weberiano de secularização está relacionado ao abandono, à redução, à subtração dostatus religioso. Neste sentido, para o autor, o conceito nos remeteria, necessariamente,

[...] à luta da modernidade cultural contra a religião, tendo como manifestação empírica no mundo moderno o declínio da religião como potência (vale dizer, sua separação do Estado), a depressão do seu valor cultural e sua demissão/liberação da função de integração social (PIERUCCI, 1998PIERUCCI, A. F. Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 37, p. 43-67, 1998., p. 10).

Há que se diferenciar, ainda, neste ponto, os conceitos weberianos de secularização e desencantamento do mundo. Enquanto o primeiro foi apontado e explicitado no parágrafo anterior, o segundo diz respeito, basicamente, a um processo essencialmente religioso que implica na eliminação da magia enquanto meio de salvação.

Note que tais apontamentos são substancialmente diversos daqueles autores que advogam a ideia de que o processo de secularização weberiano reduziria-se a uma simples retração do universo religioso na modernidade e de que o mesmo caminharia numa linha unívoca em um curso objetivamente progressivo no interior da história (COHN, 1979COHN, G. Crítica e resignação: fundamentos da sociologia de Max Weber. São Paulo: Queiroz Editor, 1979.), gerando realidades sociais uniformes. Da mesma forma, seriam errôneas as abordagens que interpretariam as ressurgências contemporâneas do fenômeno religioso (fundamentalistas islâmicos ou neopentecostais) como sendo de natureza pós-secular.

Dito isto, há uma clara preocupação por parte dos autores (SELL, 2007SELL, C.E. Leituras de Weber e do Brasil: da política à religião, do atraso à modernidade. Revista de Ciências Sociais Unisinos, v. 43, n. 3, p. 241-248, 2007.; CAMURÇA, 2000CAMURÇA, M. Da ‘boa’ e da ‘má vontade’ para com a religião nos cientistas sociais da religião brasileiros. Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 67-86, 2000.; MONTERO, 2006MONTERO, P. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil.Novos Estudos, n. 74, p. 47-65, 2006.; 2009MONTERO, P. Secularização e espaço público: a reinvenção do pluralismo religioso no Brasil. Etnográfica, v. 3, n. 1, p. 7-16, 2009.) para compreender como as formas religiosas assumem características específicas em cada espaço social, em função dos modos particulares e históricos de como as diversas esferas (Estado/Igreja/Sociedade Civil) são articuladas.

Uma discussão acerca das particularidades da configuração do universo religioso brasileiro é pertinente, especialmente no que tange ao seu pluralismo, a partir da constituição da república. De acordo com Montero (2006MONTERO, P. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil.Novos Estudos, n. 74, p. 47-65, 2006., p. 49),

[...] no processo de constituição do nosso Estado moderno como esfera política própria, ao passo que houve um retraimento do catolicismo para o espaço social, produziu-se um intenso conflito em torno da autonomia de certas manifestações culturais de matriz não-cristã, ou da sua legitimidade para expressar-se publicamente. Assim, no processo mesmo de constituição do Estado brasileiro como esfera separada da Igreja Católica, manifestações variadas de feitiçaria, curandeirismo e batuques só puderam ser descriminalizadas quando, em nome do direito à liberdade de culto, passaram a se constituir institucionalmente como religiões.

Uma primeira constatação apresentada pela autora diz respeito ao fato de que a nascente república brasileira buscou cumprir um franco objetivo de laicizar o Estado e excluir critérios religiosos tendo como opositor inicial a Igreja Católica. Assim, conforme destaca Montero (2006MONTERO, P. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil.Novos Estudos, n. 74, p. 47-65, 2006., p. 51), “[...] todas as deliberações legais sobre a religião visavam separar os atos civis e os atos religiosos católicos (matrimônio, batismo, sepultamento, educação, saúde, etc.) e fiscalizar o patrimônio da Igreja e das ordens religiosas católicas”. Não há, por assim dizer, neste ponto, uma retração do religioso, para o caso brasileiro, em direção inequívoca ao universo privado como contemplado nas abordagens teóricas equivocadas acerca do conceito de secularização. O que pareceu existir é, na verdade, um deslocamento do religioso, especialmente da Igreja Católica, para o plano social. Para Montero (2009MONTERO, P. Secularização e espaço público: a reinvenção do pluralismo religioso no Brasil. Etnográfica, v. 3, n. 1, p. 7-16, 2009., p. 9),

[...] longe de privatizar-se, as religiões, desde sempre, imiscuíram-se das mais variadas formas na construção e na gestão do espaço público. A presença histórica das igrejas cristãs nas áreas de educação, saúde, assistência social, etc. correspondeu a uma delegação consentida e pactuada pelo próprio Estado. A concessão pública de canais televisivos e de radiofusão a confissões religiosas tampouco é um fenômeno recente.

No que tange a outras denominações religiosas brasileiras, a busca pelo processo de legitimação de sua ação social no espaço público passou, necessariamente, pelo universo do conflito:

[...] O pluralismo religioso no Brasil, isto é, o reconhecimento legal da diversidade de cultos e a garantia de liberdade religiosa, foi o resultado de um longo debate político-científico em torno daquilo que o Estado (e a sociedade) podiam legitimamente reconhecer e aceitar como prática religiosa (MONTERO, 2009MONTERO, P. Secularização e espaço público: a reinvenção do pluralismo religioso no Brasil. Etnográfica, v. 3, n. 1, p. 7-16, 2009., p. 10).

Desse modo, o espiritismo brasileiro, por exemplo, fez-se, enquanto religião, na medida em que propagou suas atividades de assistência aos necessitados. Para Montero (2006)MONTERO, P. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil.Novos Estudos, n. 74, p. 47-65, 2006., esta lógica desafiou um dos pilares da ordem pública urbana, qual seja, o controle da saúde pública mediante o cerceamento do exercício ilegal da medicina. Para a autora, a descriminalização da mediunidade e das práticas curativas a ela associadas resultou da transformação do espiritismo em um culto religioso, uma vez que o mesmo conseguiu distanciar-se do estigma da exploração da credulidade pública.

Em relação à umbanda, “[...] os terreiros foram pouco a pouco assumindo estatuto de religiões, mas para tanto abrigaram-se sob a rubrica do espiritismo, cujas práticas eram mais facilmente aceitas como religiosas do que aquelas de origem africana, marcadas pela ideia de magia” (MONTERO, 2006MONTERO, P. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil.Novos Estudos, n. 74, p. 47-65, 2006., p. 53). Há, no entanto, por parte do aparato estatal do início do século XX, uma tendência de avaliar as organizações tradicionalmente associadas aos negros, como fomentadoras de ilícitos (por implicar benefícios materiais e muitas vezes incidir em crime ou dolo) e, portanto, passíveis de serem hostilizadas e repreendidas. No caso específico da umbanda, seu reconhecimento como religião ocorreu somente entre os anos 1950 e 1960.

Um processo de destradicionalização do campo religioso brasileiro está em andamento, conforme Pierucci (2004)PIERUCCI, A. F. “Bye bye, Brasil” - O declínio das religiões tradicionais no Censo 2000. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, p. 17-28, 2004.. Analisando dados do Censo Populacional Brasileiro de 2000, o autor identifica três movimentos. O primeiro diz respeito ao enfraquecimento do catolicismo enquanto campo religioso predominante em nosso país (no caso brasileiro, aproximadamente 73,8% da população se autodeclara católica). Um segundo aspecto está relacionado ao enfraquecimento do luteranismo enquanto denominação protestante principal. De acordo com o autor, o que pode ser observado é um aumento do número de denominações neopentecostais para a realidade brasileira, tornando relevante a participação dos evangélicos como segundo maior grupamento religioso no ano de 2000 (15,4%). Por fim, observa-se um crescimento daqueles indivíduos que declaram-se como sem religião (7,3% da população brasileira).

Tendo exposto o quadro acima, a próxima seção deste artigo tratará do conceito weberiano de vocação, especialmente aquele tratado na obra A ética protestante e o espírito do capitalismo.

O Conceito de vocação em Weber

Em seus escritos acerca da influência dos fatores culturais (principalmente doethos religioso) sobre a dinâmica da atividade econômica, Weber (1981WEBER, M. Classe, status e partido. In: VELHO, O. et al. (Org.).Estrutura de classes e estratificação social. 9. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 61-83., 1982WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LCT, 1982., 2001WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001.) percorre os caminhos teóricos e metodológicos que definem o conceito de vocação. Inicialmente, para o autor alemão, tal palavra (Beruf em alemão;Calling em inglês) carrega consigo uma forte conotação religiosa, que pode ser potencializada ou enfatizada no caso concreto, relacionada a uma tarefa ordenada ou, ao menos, sugerida por Deus. Há que se destacar, no entanto, que o percurso histórico-semântico da palavra demonstra que, para os povos predominantemente católicos, tal conotação não possuía este caráter de projeto de vida para um determinado tipo de trabalho. Weber (2001)WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001. demonstra, claramente, que tal conotação apareceu, pela primeira vez, em Lutero, adquirindo, a partir daí, seu sentido cotidiano moderno.

Não somente o sentido do termo modernizou-se, mas a própria valorização do trabalho enquanto um cumprimento estrito do dever dentro das profissões seculares também sofreu modificações. Antes visto como algo ‘comum’ (‘eticamente neutro’), e, em alguns aspectos até negativo, o trabalho passa a ser visto como tendo um significado religioso. Para Weber (2001WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001., p. 54), o protestantismo funda, em sua origem, a ideia de que “[...] o cumprimento das tarefas [...] é o único caminho para satisfazer a Deus, e que, por isso, qualquer vocação lícita tem o mesmo valor perante os olhos de Deus”. Deriva-se, ainda, de tal afirmativa, a ideia de que, tanto o trabalho religioso-contemplativo quanto o secular-profissional, seriam bem-vistos aos olhos de Deus.

Um outro ponto importante a ser destacado é que tal realidade poderia elucidar a dualidade conceitual existente na contemporaneidade da vocação enquanto um chamado divino (vocação espiritual) em contraposição a uma dimensão mais objetiva, qual seja, da vocação enquanto uma aptidão/habilidade para o desempenho do trabalho (vocação secular). Ambas concepções encontram-se presentes no vocabulário moderno, uma vez que, ao tratarmos de categorias ocupacionais como padres e freiras, a ênfase a ser dada está relacionada a dimensão de natureza espiritual. Ao tratarmos de categorias ocupacionais mais ‘mundanas’ (arquitetos, engenheiros, etc.), a ênfase estaria relacionada à dimensão da aptidão/habilidade.Para Wuthnow (1994)WUTHNOW, R. Religion and economic life. In: SMELSER, N. J.; SWEDBERG, R. The handbook of economic sociology. Princeton: Princeton University Press, 1994., este ‘chamado’ (‘vocação’) consistiria em um importante ponto a ser considerado na fronteira entre a religião e a vida econômica. Influenciado pela abordagem weberiana, o autor afirma que estudos recentes realizados junto ao exército americano constataram que cerca de 30% dos entrevistados disseram que Deus os havia chamado para um tipo particular de trabalho. Outros 23% disseram que valores religiosos haviam influenciado suas escolhas na carreira. O estudo também demonstrou que uma significante minoria da força de trabalho reflete muito acerca da relação entre fé e trabalho e gostaria que organizações religiosas reforçassem tal relação.

Ainda para Weber (2001)WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001., o efeito da reforma protestante consistiu em potencializar a ênfase moral e o prêmio religioso para o trabalho secular e profissional. Tal valorização, ainda percebida nos dias de hoje em várias denominações religiosas de origem protestante, manifestou-se de maneira especial. Conforme Weber (2001)WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001., a profissão concreta do indivíduo passa a ser vista como um dom especial de Deus, ‘sacralizando’ o trabalho, e a posição ocupada em determinada sociedade como sendo uma realização da vontade divina.

Para Bourdieu (2000)BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2000., esta ‘alquimia ideológica’, que transmuta o produto humano em algo essencialmente sagrado, possui um caráter fundamentalmente político. Profundamente inspirado na abordagem weberiana, que vincula os conteúdos de natureza religiosa aos interesses daqueles que os produzem, difundem e consomem, o autor aponta que toda religião teria a função política de cristalizar, bem como legitimar, um dado ordenamento hierárquico entre grupos, gêneros, classes ou etnias. Nesta perspectiva, as teodiceias, de natureza puramente filosófica, seriam transmutadas em verdadeiras ‘sociodiceias’ que teriam como função responder as indagações acerca das causas e consequências das desigualdades e injustiças sociais.

Ainda neste ponto, a vocação, entendida enquanto algo posto e imposto pela ordem divina, consistiria em algo não passível de discussão ou argumentação, mas, sim, como um elemento de pura e franca adaptação do indivíduo. Para Bourdieu (2000)BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 2000., a religião seria uma força estruturante da sociedade que transmuta o ‘ser’ em um ‘devir’ ou ‘não devir’. Dito em outras palavras, a religião teria uma função de transformar aquilo que é essencialmente humano e, portanto, uma criação arbitrária e temporal, em um produto divino de caráter sagrado e de natureza inquestionável e atemporal. Nota-se, neste sentido, um claro viés ideológico, na medida em que a valorização do trabalho secular vocacionado enquanto algo divino, potencializada, como diria Weber (2000)WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília, DF: UNB, 2000., por um certo ‘desencantamento do mundo’, passa a ser um elemento legitimador de um ordenamento social de caráter essencialmente capitalista.

Há que se destacar, ainda, um outro elemento de análise, qual seja a ideia de predestinação, implícita no conceito de vocação. Embora tal ideia não seja tão aparente, convém destacar que o indivíduo vocacionado e, portanto, ‘iluminado’ por algum tipo de sugestão divina, acredita ser parte presente de um plano superior maior. Ele acredita ser, por assim dizer, uma ‘peça no xadrez divino’ e que, portanto, as atribulações vividas no dia a dia seriam parte de um plano maior com um ‘final feliz’. Tal concepção de um fim positivado poderia estar relacionado a uma forte tradição cristã de terra/paraíso, no qual passaríamos por dificuldades no mundo tendo em vista recompensas no céu.

Além disto, convém destacar a forma como este ‘chamado vocacional’ é ‘ouvido’. No que tange ao ‘chamado vocacional espiritual’, o mesmo seria ouvido através da oração, enquanto que, para o ‘chamado vocacional secular (profissional)’, há uma forte interjeição de profissionais que buscariam diagnosticar/mapear as aptidões/habilidades dos indivíduos.

A seção a seguir tem, como objetivo principal, a tentativa de aproximar as ideias de vocação (apresentados acima) e de empreendedorismo, tendo em vista a construção de um conceito mais amplo (vocação empreendedora) que nos auxilie na análise nos contornos da ação empreendedora de indivíduos que comercializam produtos de cunho sagrado nas cidades mineiras de Uberlândia, Uberaba, Araguari e Ituiutaba. Destaca-se que tal elaboração, embora esteja direcionada diretamente para este trabalho em especial, poderia ser utilizada na análise de outras realidades.

Vocação empreendedora

Inicialmente, convém destacar que há uma significativa ‘diferença’ conceitual no que tange à ideia de empreendedorismo, fato amplamente relatado por diversos autores contemporâneos (TRIPATHI, 1985TRIPATHI, D. An integrated view of entrepreneurship.Economic and Political Weekly, v. 20, n. 48, p. 163-168, 1985.; FILION, 1999FILION, L. J. Empreendedorismo: empreendedores e proprietários-gerentes de pequenos negócios. Revista de Administração de Empresas, v. 39, n. 4, p. 6-20, 1999.; SHANE, 2000SHANE, S. Prior knowledge and the discovery of entrepreneurial opportunities. Organization Science, v. 11, n. 4, p. 448-469, 2000.; SHANE; VENKATARAMAN, 2000SHANE, S.; VENKATARAMAN, S. The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review, v. 25, n. 1, p. 217-226, 2000.; MARTES, 2006MARTES, A. C. B. De volta aos clássicos: empreendedorismo e conflito institucional. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 30., Salvador. Anais... Salvador: ANPAD, 2006. 1 CD-ROM.; WELTER, 2011WELTER, F. Contextualizing entrepreneurship: conceptual challenges and ways forward. Entrepreneurship: Theory and Practice, v. 35, n. 1, p. 165-184, 2011.). Tal diferença levou, ao longo do tempo, diversos pesquisadores a buscar, a partir de suas próprias disciplinas, amplas possibilidades de definição.

De acordo com autores como Lima (2010)LIMA, J. B. Ações empreendedoras e práticas de pesquisa em empreendedorismo. In: GIMENEZ, F.; FERREIRA, J. M.; RAMOS, S. C. (Org.).Empreendedorismo e estratégia de empresas de pequeno porte. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 2010. p. 25-40. e Gomes, Lima e Cappelle (2013)GOMES, A. F.; LIMA, J. B., CAPPELLE, M. C. A. Do empreendedorismo à noção de ações empreendedoras: reflexões teóricas. Revista Alcance, v. 20, n. 2, p. 203-220, 2013., esta busca culminou em dois grandes grupos de concepções. O primeiro, de linha comportamentalista, enfatiza o empreendedor enquanto um indivíduo com características especiais e busca, assim, traçar os perfis e características cognitivas especiais dos mesmos. O segundo grupo, de caráter mais amplo, busca deslocar o eixo da pesquisa sobre empreendedorismo para outras vertentes como, por exemplo, a economia e a inovação, a sociologia, e, por fim, para a vertente para a influência de elementos culturais na conformação da ação empreendedora (THORNTON, 1999THORNTON, P. H. The sociology of entrepreneurship. Annual Review of Sociology, v. 25, n. 3, p. 19-46, 1999.; BAKER; GEDAJLOVIC; LUBATKIN, 2005BAKER, T.; GEDAJLOVIC, E.; LUBATKIN, M. A framework for comparing entrepreneurship processes across nations. Journal of International Business Studies, v. 36, n. 5, p. 490-504, 2005.; BEGLEY; TAN, 2001BEGLEY, T. M.; TAN, W. L. The Socio-Cultural Environment for Entrepreneurship: A Comparison between East Asian and Anglo-Saxon Countries.Journal of International Business Studies, v. 32, n. 3, p. 537-553, 2001.; SILVA; GOMES; CORREIA, 2009SILVA, M. A. O. M.; GOMES, L. F. A. M.; CORREIA, M. F. Cultura e orientação empreendedora: uma pesquisa comparativa entre empreendedores em incubadoras no Brasil e em Portugal. Revista de Administração Contemporânea, v. 13, n. 1, p. 57-71, 2009.; WELTER, 2011WELTER, F. Contextualizing entrepreneurship: conceptual challenges and ways forward. Entrepreneurship: Theory and Practice, v. 35, n. 1, p. 165-184, 2011.).

Dentre os elementos culturais trabalhados pelos autores que estudam o fenômeno do empreendedorismo, especial destaque pode ser dado ao papel da religião. Pesquisadores de diferentes nacionalidades desenvolvem estudos que tentam vincular a afiliação religiosa ao empreendedorismo. Carswell e Rolland (2007)CARSWELL, P.; ROLLAND, D. Religion and entrepreneurship in New Zealand. Journal of Enterprising Communities: People and Places in Global Economy, v. 1, n. 2, p. 162-174, 2007. analisaram como o sistema de valores religiosos e a diversidade de crenças religiosas influenciam a atividade empreendedora na Nova Zelândia. Jenssen e Kristiansen (2004)JENSSEN, J. I.; KRISTIANSEN, S. Sub-cultures and entrepreneurship: the value of social capital in Tanzanian Business. The Journal of Entrepreneurship, v. 13, n. 1, p. 1-27, 2004.analisaram a influência dos valores, incluindo a religião, no desenvolvimento de pequenos negócios na Tanzânia/África. Holmstrom (1999)HOLMSTRÖM, M. Racehorses or rabbits: are entrepreneurs a scarce resource? The Journal of Entrepreneursip, v. 8, n. 2, p. 135-145, 1999., Meher e Sahoo (2008)MEHER, R.; SAHOO, R. Socio-economic background of the entrepreneurs and the industrial of the small scale sector industries in Orissa. The Journal of Entrepreneurship, v. 17, n. 2, p. 169-188, 2008.,Nair e Pandley (2006)NAIR, K. R. G.; PANDLEY, A. Characteristics of entrepreneurs: an empirical analysis. The Journal of Entrepreneurship, v. 15, n. 1, p. 47-61, 2006. pesquisaram a influência dos valores morais e da religião, dentre outras variáveis, em empreendimentos da Índia. Roomi e Parrott (2008)ROOMI, M. A.; PARROTT, G. Barriers to development and progression of women entrepreneurs in Paquistan. The Journal of Entrepreneurship, v. 17, n. 1, p. 59-72, 2008. analisaram o empreendedorismo entre mulheres do Paquistão e como o aumento desses empreendimentos são influenciados por valores de uma sociedade patriarcal, além de outros fatores. Martes e Rodriguez (2004)MARTES, A. C. B.; RODRIGUEZ, C. L. Afiliação religiosa e empreendedorismo étnico: o caso dos brasileiros nos Estados Unidos.Revista de Administração Contemporânea, v. 8, n. 3, p. 117-142, 2004. analisaram as relações entre empreendedorismo étnico e religião em comunidades de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos.

Embora a religião já tenha sido utilizada como elemento preditor importante da ação empreendedora, o conceito de vocação ainda é pouco utilizado pelos autores. Na verdade, constitui objeto deste trabalho destacar a importância dos conceitos de vocação (em um sentido amplo) e de vocação empreendedora (em um sentido mais restrito) como elementos de análise importante na ação empreendedora (principalmente no que tange ao escopo do fenômeno do empreendedorismo religioso).

Convém destacar, em um primeiro momento, que o conceito de vocação possui dois significados distintos. Originalmente, da forma como foi tratado por Weber (2001)WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2001., em A ética protestante e o espírito do capitalismo, ele possuía um caráter de chamado divino. Seria, por assim dizer, uma sugestão ou ordenamento divino para que o indivíduo executasse determinada atividade ou tarefa, ou seja, seria um ‘chamado’ para a ‘ação’. É importante destacar, ainda, o fato de que, para a abordagem weberiana, toda ação social (seja ela qual for: afetiva, tradicional, racional com relação a fins ou racional com relação a meios) é dotada de um sentido (é na compreensão desse sentido, aliás, que se baseia toda a sociologia compreensiva de Weber).

Neste caso, o que deveria ser buscado, quando estudamos o fenômeno do empreendedorismo religioso (aquele fenômeno empreendedor motivado pelos aspectos de natureza religiosa, no sentido mais amplo para o termo), seria o sentido que o indivíduo (empreendedor) atribui a sua ação (no caso, ação empreendedora que é, sim, uma ação social dotada de sentido), qual seja, o porquê ele age de determinada forma. No caso específico de empreendedores que atuam com a mercantilização de produtos de caráter sagrado (livros sagrados, CDs, DVDs, imagens, etc.), em especial, a ação empreendedora transita entre o tradicional e o racional com relação a valores.

Do ponto de vista do tradicional, o sentido da ação seria guiado por questões de natureza religiosa, uma vez que grande parte dos empreendedores, normalmente, ‘nasce e é criado’ na religião a qual está ligado diretamente o comércio (católicos de origem comercializam produtos católicos, membros da umbanda ou do candomblé comercializam produtos destas denominações, etc.). Alia-se a isto o fato de que, em grande parte dos casos, a família compartilha a crença religiosa do indivíduo empreendedor. Nota-se, a partir daí, a impossibilidade de tratar a ordem social como um elemento passível de ser separado em pequenos fragmentos, ou seja, a ideia de que existe um espaço social, um espaço cultural, um espaço religioso e uma série de outros, separados entre si. Na verdade, o ordenamento social apresenta-se muito mais complexo do que isto, uma vez que atuam de maneira sistêmica em completa interdependência.

No que tange à racionalidade com relação a valores, a relação da mesma com o empreendedorismo religioso também apresenta-se de forma evidente. Há, normalmente, por parte dos empreendedores de artigos religiosos, a franca ideia de que eles não abriram negócios para simplesmente ganhar dinheiro (em um sentido puramente capitalista e racional com relação a fins). Nota-se, ao contrário, um objetivo maior de ‘auxiliar’, ‘ajudar’, ‘evangelizar’, ‘catequizar’, ‘ensinar’, etc., que guia, em grande parte, a ação empreendedora destes indivíduos. Além disto, as próprias práticas organizacionais do dia a dia refletem este ‘objetivo maior’. Neste sentido, a empresa deveria atuar sob um paradigma ético-religioso restrito (‘são negócios de Deus’), no qual, por exemplo, práticas como burlar impostos e destratar funcionários ou clientes não podem ser aceitas.

É neste escopo que insere-se a questão da vocação enquanto um chamado divino. Como será visto mais adiante, o empreendedor de artigos religiosos poderia ser visto como um ser vocacionado (chamado por Deus) para abrir aquele negócio. Ele pediria (ou receberia) auxílio divino através da oração ou de seus guias: nos processos de tomada de decisão para a abertura da empresa, durante os períodos de dificuldade, na administração de seus negócios, na contratação de funcionários, dentre tantos outros. Sua atividade não seria, simplesmente, vender produtos, mas, sim, ‘auxiliar espiritualmente’ seus clientes (independentemente da denominação religiosa).

Não se pode, no entanto, descartar o sentido moderno do termo vocação, qual seja, vocação enquanto uma aptidão ou habilidade. Conforme já abordado acima, a valorização da atividade profissional laica pela reforma protestante trouxe, consigo, uma positividade do trabalho e, em última instância, na contemporaneidade, uma elevação do ator empreendedor a um posto de alto status em nossa sociedade. Tal realidade, como nos mostram Silveira Leite e Maximo e Melo (2008)SILVEIRA LEITE, E.; MAXIMO E MELO, N. Uma nova noção de empresário: a naturalização do “empreendedor”. Revista de Sociologia e Política, v. 16, n. 31, p. 35-47, 2008., teria, como função ideológica principal, ressignificar e, portanto, naturalizar a posição do empreendedor enquanto um ‘vencedor na disputa social’.

Procedimentos metodológicos

Este estudo, de natureza essencialmente qualitativa, foi realizado junto a empreendedores que comercializam artigos religiosos de cinco denominações religiosas brasileiras (catolicismo, protestantismo, espiritismo, umbanda e candomblé) nas quatro principais cidades do Triângulo Mineiro (Uberlândia, Uberaba, Araguari e Ituiutaba). Foram realizadas 30 (trinta) entrevistas semiestruturadas no período de junho a dezembro de 2012, cujo roteiro abarcava os seguintes eixos a seguir: informações básicas sobre o entrevistado e a empresa, caracterização da empresa, caracterização do indivíduo enquanto empreendedor, representações do fenômeno religioso, bem como a relação entre religião e práticas organizacionais. A justificativa para a utilização de entrevistas semiestruturadas neste trabalho residiu no fato de que o entendimento da realidade pesquisada deveria ser buscado no próprio discurso fornecido pelos entrevistados. Na medida em que falam de sua própria realidade, os entrevistados deixam transparecer, além dos fatos objetivos, elementos subjetivos que podem ajudar a esclarecer o fenômeno estudado.

As transcrições das entrevistas deram origem a um arquivo com 697 páginas. O tempo total do áudio de gravação foi de 2.011 minutos, o que significa um tempo médio de 64 minutos para cada entrevista. A distribuição dos estabelecimentos por religião, considerando a religião predominante dos artigos religiosos comercializados foi a seguinte: nove da religião católica, oito da umbanda/candomblé, sete de religiões evangélicas, seis da religião espírita. Em relação ao perfil dos entrevistados, foram entrevistados 14 homens e 16 mulheres. Ressalta-se que, por limitações de espaço, serão apresentadas neste artigo apenas aquelas falas que consideramos como sendo as mais representativas das categorias de análise exploradas.

Em uma primeira leitura das transcrições das entrevistas, algumas categorias de análise foram identificadas: (1) a relação entre a concepção do empreendimento com a ideia de desígnio divino; (2) a crença na orientação divina para a gestão do empreendimento; (3) a relação entre a atividade comercial e a realização espiritual; e (4) a interferência de conflitos mundanos e espirituais no negócio. Em outra etapa de análise das entrevistas, uma pesquisa mais detalhada dessas categorias foi realizada.

O procedimento de análise de dados inseriu-se no campo da análise de discurso de inspiração francesa (FIORIN, 2003FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2003.; MAINGUENEAU, 1998MAINGUENEAU, D. Termos-chave da análise de discurso. Belo Horizonte: UFMG, 1998.; IÑIGUEZ, 2005IÑIGUEZ, L. Manual de análise do discurso em Ciências Sociais. Belo Horizonte: Vozes, 2005.). Tendo como objetivo fundamental a transposição do limite formal do enunciado e uma aproximação do universo semântico, principalmente em seu aspecto ideológico, o campo da análise do discurso nasceu no horizonte do marxismo francês da década de 1960 e avançou, sobremaneira, sobre outras disciplinas como a sociologia e a antropologia. Uma vez que os aspectos vinculados à atividade empreendedora de natureza religiosa foram apreendidos no campo do discurso, entendeu-se que tal abordagem seria a mais adequada na compreensão das condições de produção e reprodução de tal atividade no contexto das cidades escolhidas.

Resultados da pesquisa e análise dos dados

Nesta seção, apresentamos e discutimos os resultados da investigação de campo, à luz dos objetivos da pesquisa e do referencial teórico aqui articulado. Como visto anteriormente, o fenômeno do empreendedorismo pode ser vinculado a elementos da religião (DANA, 2009DANA, L. P. Religion as an explanatory variable for entrepreneurship. The International Journal of Entrepreneurship and Innovation, v. 10, n. 2, p. 87-99, 2009., 2010DANA, L. P. Entrepreneurship and religion. Cheltenham: Edward Elgar, 2010.; DODD; GOTSIS, 2007DODD, S. D.; GOTSIS, G. The interrelationships between entrepreneurship and religion. The International Journal of Entrepreneurship and Innovation, v. 8, n. 2, p. 93-104, 2007.; DODD, SEAMAN, 1998DODD, S. D.; SEAMAN, P. T. Religion and enterprise: an introductory exploration. Entrepreneurship: Theory & Practice, v. 23, n. 1, p. 71-86, 1998.; KAUANUI et al., 2008KAUANUI, S. K. et al. Exploring entrepreneurship through the lens of spirituality. Journal of Management, Spirituality & Religion, v. 5, n. 2, p. 160-189, 2008.; TRACEY, 2012TRACEY, P. Religion and organization: a critical review of current trends and future directions. The Academy of Management Annals, v. 6, n. 1, p. 87-134, 2012.; ZELEKHA; AVNIMELECH; SHARABI, 2014ZELEKHA, Y.; AVNIMELECH, G.; SHARABI, E. Religious institutions and entrepreneurship. Small Business Economics, v. 42, n. 4, p. 747-767, 2014.). Paralelamente, o mesmo fenômeno também pode ser associado a perspectivas como as apontadas por Weber, a partir do conceito de vocação. Aqui, procuramos explorar a noção integrada de vocação empreendedora e religião, anteriormente apresentada, tendo em vista os seguintes eixos temáticos: (1) a concepção do empreendimento entre o desígnio divino ou estudo racional; (2) orientação divina para gestão do empreendimento; (3) comércio como meio de realização espiritual; e (4) interferência de conflitos mundanosversus espirituais no negócio e na concepção do lucro.

Inicialmente, a análise terá, como norteador principal, a ideia de que a tomada de decisão quanto a abertura de novos empreendimentos no ramo da comercialização de artigos religiosos na região estudada não está pautada, unicamente, em uma lógica racional-analítica. Como será exposto a seguir, elementos de natureza subjetiva/irracional parecem fazer parte deste processo. Nesta direção, fazem parte do fragmento discursivo (001) os personagens explícitos do sujeito-enunciador (entrevistado), dos cinco filhos, do caçula (filho) e Deus. Há, também, neste mesmo fragmento, a ocorrência de um personagem implícito (potencialmente o marido) evidenciado pela utilização do pronome ‘nós’ (‘nós tivemos cinco filhos’). Como pode ser visto abaixo, nota-se, ainda, uma franca associação entre o pronome ‘eu’ (enunciador) e os verbos no passado: ‘fiz’ (‘eu fiz incitação de águas com ele’), ‘tive’ (‘eu tive um sonho maravilhoso’), ‘vi’ (‘vi uma loja’), ‘peguei e falei’, ‘sonhei’ (‘sonhei com uma loja’), ‘registrei’ (‘três meses depois eu registrei a loja’). Ao fazer tal relação, o enunciador parece demonstrar certa ausência do marido no período compreendido entre a ‘concepção’ da loja (sonho) e o seu registro. Tal ‘vazio’ é preenchido, implicitamente, pela figura de Deus, uma vez que o enunciador utiliza a temática da fé como o elo de ligação entre a morte do filho e o registro da empresa.

(001) [...] nós tivemos cinco filhos. O caçula, ele apareceu com [...] uma e nfermidad e que ataca idoso... e ele já nasceu com ela. E nós andamos pra muitos lugares procurando a melhora dele, inclusive eu fiz incitação de águas com ele e tal. Aí, um belo dia... eu falo belo dia, uma bela noite eu tive um sonho maravilhoso e vi uma loja com os artigos evangélicos, as bíblias, tudo na vitrine [...] Aí eu peguei e falei pra ele assim ‘meu filho, essa noite eu tive um sonho maravilhoso, e sonhei com uma loja de artigos evangélicos e o nome era [...]’ [...] Um mês depois do sonho, Deus chamou ele... [...] E a loja hoje pra mim é consolo. [...] Aí então pela fé, três meses depois eu registrei a loja (ENTREVISTADO 11).

Cumpre destacar, ainda, a especificidade do sonho relatado pelo enunciador. A utilização do adjetivo ‘maravilhoso’ parece demonstrar não um sonho qualquer (rotineiro), mas um acontecimento potencialmente relacionado a uma dimensão espiritual. Tal hipótese pode ser comprovada pelas figuras de caráter religioso representadas no sonho (‘artigos evangélicos’, ‘bíblias’), bem como a proximidade das figuras ‘sonho’ e ‘Deus’.

Nota-se, a partir daí, que a concepção do empreendimento (bem como sua implementação) parte de um elemento subjetivo/irracional (espiritual) que não se encaixa perfeitamente na noção do empreendedor enquanto um tomador de decisões totalmente racional que ‘enxerga’ oportunidades de negócio em um nicho de mercado. A concepção do negócio, ao contrário, parece ter sido ‘sugerida em um sonho’ ao enunciador pelo próprio Deus e mantida pelo enunciador através do instituto da fé (‘Aí então pela fé, três meses depois eu registrei a loja’).

Convém destacar, aqui, a proximidade de tal realidade com o conceito weberiano de vocação. Conforme já visto, a vocação, em seu sentido espiritual, configura-se como um chamado ou sugestão de Deus para executar determinada atividade. Tal ponto pode ser observado, ainda, nos fragmentos discursivos (002), (003), (004), (013) e (014). Nestes fragmentos, há uma recorrência no aparecimento da figura de Deus enquanto um ser que, fundamentalmente, age (‘foi uma luz que Deus abriu no nosso caminho’), que cobra (‘Deus me cobra isso desde pequena’), que orienta (‘todas as vezes que eu fui fazer alguma coisa não estando debaixo da orientação de Deus, eu dancei’), que presenteia (‘É um presente de Deus’), que sonha (‘é o sonho de Deus’), que fala (‘a gente pede uma orientação, e ele fala’). Nota-se, a partir daí, que o Deus apresentado pelos enunciadores é um ser presente no cotidiano de seus empreendimentos, qual seja, um ser onipresente que interfere na confecção do negócio, na dinâmica de seu dia-a-dia e, até mesmo, no processo de tomada de decisão sobre o fechamento do negócio (fragmento discursivo 016). Cumpre destacar, ainda, que o sujeito empreendedor configura-se enquanto um indivíduo que age em um segundo momento, qual seja, após a orientação/sugestão ou mando divino em uma clara posição de aceitação ou, até mesmo de submissão/subserviência (conforme pode ser visualizado pela utilização da figura do enunciador enquanto um escravo e Deus como seu senhor, no fragmento discursivo 014).

(002) [...] mas antes de ser o nosso sonho é o sonho de Deus [...] (ENTREVISTADO 02).

O fragmento discursivo (002) parece demonstrar tal realidade ao evidenciar a anterioridade de um ‘plano divino’ para o empreendimento em detrimento do sonho do próprio empreendedor. O empreendedor parece, neste sentido, ser um artífice, um cumpridor da vontade divina, uma vez que o sonho de abertura da empresa não pertence ao indivíduo, mas, sim, ao próprio Deus.

(003) Então foi uma luz que Deus abriu no nosso caminho, falou então, é uma porta, vamos... Vamos aproveitar a oportunidade. Então veio tudo junto, assim, nosso casamento chegando, a oportunidade de, de abrir a loja [...] (ENTREVISTADO 03).

(004) [...] mas a minha loja é um motivo de... de emoção. Isso aqui foi um presente de Deus [...] É um presente de Deus (ENTREVISTADO 09).

Este ‘plano divino’ é apresentado ao empreendedor, em alguns momentos, como tendo um caráter leve, positivado. Neste sentido, o caráter positivado do ‘chamado’ aparece no fragmento discursivo (004) através da figura do presente. A simbologia do presente dado por Deus nos remete a alguns elementos analíticos importantes. Em primeiro lugar, o presente nos é dado, normalmente, apenas em datas ou momentos especiais. Neste sentido, o presente e, por consequência, o empreendimento, é um acontecimento que foge da normalidade do dia a dia. Além disto, quando recebemos um presente, normalmente não sabemos seu conteúdo e necessitamos, neste sentido, abri-lo, conhecê-lo, experimentá-lo.

Outro exemplo de positividade do chamado pode ser visto no fragmento discursivo (003), onde a orientação divina (o chamado ou, melhor dizendo, a vocação) vem, na percepção do enunciador, na forma de ‘luz’ que abre um caminho ou uma porta. Cumpre destacar que, à luz da historiografia da religião, a delimitação do espaço sagrado em contraposição ao mundo profano é feita por meio da simbologia da porta (do limiar). Daí a grande importância das portas dos templos religiosos, uma vez que elas representariam, de alguma maneira, o veículo de passagem entre um espaço sacralizado e outro profano. É interessante notar que, muitas vezes, esta transição é acompanhada por ritos de passagem, reverências, toques devotados, etc.

Neste sentido, a ideia da transposição da porta através de uma ‘luz’ (chamado divino) poderia ser interpretada como uma passagem de uma realidade dessacralizada (de um trabalho mundano, rotineiro) para outra de caráter sagrado (o empreendimento enquanto um veículo de evangelização que torna o empreendedor um missionário/conselheiro).

Conforme pode ser visto nos fragmentos discursivos (005), (006), (007), (008) e (009), a orientação espiritual (seja qual for a denominação religiosa a qual o empreendedor pertença ou diga pertencer) aparece sempre em um plano superior a comercialização dos bens materiais para os diversos empreendedores de artigos religiosos. O comércio de bens materiais aparece, assim, enquanto um meio (um caminho) para o alcance de um objetivo de natureza espiritual.

(005) Isso aqui é um meio e aí eu comercializo, mas com o objetivo fim de levar a palavra, a palavra de Deus, por isso que, por trás disso, eu tenho todo um aspecto religioso para mostrar pra as pessoas que eu não sou uma pessoa que to sô totalmente comercial (ENTREVISTADO 01).

(006) [...] nós não pensamos em ganhar nada, é mesmo fazer caridade né, por exemplo, ter essa livraria pra, às vezes, chega uma pessoa, pra conversar também, porque nosso trabalho não é só, por exemplo, vende, é também ajudar o outro. Porque, às vezes, chega lá nem vai comprar, mas nós também que ajuda ele em palavras, né, com as coisas de Deus, de Nossa Senhora, pra elas, vendemos quase nada, doamos talvez, quem não pode pagar [...] (ENTREVISTADO 07).

(007) Aqui, eu acho que principalmente o que envolve é o... o que não é material, porque a gente, assim, eu costumo falar que eu vendo livros mas eu vendo é remédios (risos), porque a pessoa ela vem aqui em buscando alguma coisa a mais, e é sempre nessa parte assim, de algum problema que ela tá passando, que ela às vezes não sabe o que fazer... principalmente perda de ente querido, que eu acho que é o que mais faz a pessoa sofrer. Então isso aqui é o que mais acontece aqui, é o mais ajuda, é mais espiritual do que material (ENTREVISTADO 18).

(008) Chegam pessoas querendo suicidar, chegam pessoas com problemas gravíssimos de saúde, automaticamente, é... bem claro isso, que a livraria não se resume a um ponto comercial. Sendo livraria espírita, acima de tudo há o atendimento fraternal... (ENTREVISTADO 20).

(009) [...] o que eu mais gosto é quando eu consigo orientar as pessoas direitinho, porque se fosse só pelo comércio, eu não estaria aqui também não, eu já teria dado um outro jeito que me satisfizesse (ENTREVISTADO 22).

Cumpre destacar, no entanto, o conflito mundano/espiritual que alguns empreendedores parecem padecer ao terem de obter lucro através da comercialização de produtos religiosos. Conforme pode ser visto no fragmento discursivo (010), o empreendedor admite a existência de tal conflito, mas utiliza-se da própria sobrevivência enquanto uma justificativa relevante para a obtenção de lucro. No caso específico do enunciador do fragmento (010), a justificativa encontra amparo no próprio discurso religioso. Há, neste sentido, na utilização da frase ‘Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus’, um claro recurso de interdiscursividade que serve como elemento justificador para a dubiedade da vocação espiritual versusvocação profissional. Em outros termos, embora o enunciador admita que o negócio seja um meio para a evangelização das pessoas, ele utiliza-se de um discurso de natureza profissional/técnica para justificar o ganho econômico (‘pela minha formação, eu sei que o negócio tem que ser viável’).

(010) nas minhas orações eu ficava é, assim, em conflito... existe um conflito, né porque, primeiro pela minha formação, eu sei que o negócio tem que ser viável [...] e Deus colocava pra mim, que é aquela passagem que fala: ‘Daí a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus’ [...] neste mundo nós precisamos ter as coisas de Cesar, então precisa do dinheiro, precisa das coisas materiais para sobreviver, mas nada que fala o seguinte: não eu estou montando isso aqui para o objetivo de me tornar uma mega livraria e eu virar algumas denominações, que estoquem dinheiro.

Há que se destacar, no entanto, que a escolha do vocábulo sobrevivência parece encontrar mais amparo em empreendedores de artigos católicos em detrimento de outras denominações. Pode-se inferir, a partir disto, a sobrevivência de uma certa moral cristã que ainda vê o lucro (pelo menos o lucro exacerbado) como um elemento estranho. Conforme pode ser visto no fragmento discursivo (011), cujo enunciador é um empreendedor de artigos evangélicos, a prosperidade material seria seguida pela prosperidade espiritual. Neste sentido, a observância de regras morais-religiosas restritas seria uma forma de encontrar tanto a riqueza material quanto espiritual. Convém destacar, ainda, que outras denominações religiosas, como por exemplo os espíritas, também possuem uma visão mais objetivada em relação ao lucro, conforme pode ser visto no fragmento discursivo (012).

(011) [...] a prosperidade é a nossa relação com Deus, Jesus nos disse: as demais coisas primeiro segue as coisas do reino de deus, e as demais coisas serão acrescentadas (ENTREVISTADO 08).

(012) Não, não tem problema não! Deus não... não acha ruim uma pessoa ganhar dinheiro não (risos). Pelo contrário, assim a... é... Deus quer a qualidade de vida pra todo mundo, entendeu? [...] o lucro não é uma coisa errada não... entendeu? Faz parte da vida... de todo mundo (ENTREVISTADO 19).

O ‘chamado vocacional’ pode aparecer, também, conforme o relato dos empreendedores de artigos religiosos, com contornos mais imperativos. No fragmento discursivo (013), há a referência de um Deus que cobra o exercício de determinada vocação. Tal cobrança, como pode ser observado, perpassa toda a vida do indivíduo e impele o mesmo a ‘morrer fazendo isso’.

(013) [...] eu acho que Deus me cobra isso desde pequena e eu acho que eu vou morrer fazendo isso mesmo[...] (ENTREVISTADO 05).

(014) [...] o escravo não faz nada sem o seu senhor, né, e todas as vezes que eu fui fazer alguma coisa aqui não estando debaixo da orientação de Deus, eu dancei (ENTREVISTADO 07).

(015) [...] a gente crê que Deus quer dirigir a loja, quer levar as coisas, então a grande facilidade é assim a agente deixar nas mãos de deus né, porque se a gente tomar pra gente mesmo, deus não dirige um carro com dois volantes, ou você dá o volante pra ele ou você fica com ele (ENTREVISTADO 02).

(016) [...] então... eu louvo a Deus por isso. Agora eu não tenho assim ideia de... de empreender mais sabe. Se Deus me colocou aqui, não é que eu vou ficar aqui acomodada. Se Ele por acaso um dia quiser também tirar e vier alguém com muito carinho e levar, louvo a Deus por isso. Porque... dado que Ele já... já passou, já aconteceu e tá acontecendo, é só esperar o que Ele vai mandar de novo né (risos) (ENTREVISTADO 11).

Por fim, nos fragmentos (014) e (015), há um claro elemento de submissão aos desígnios e ordenamentos divinos por parte dos enunciadores. Tal submissão encontra seu ápice na associação que o enunciador do fragmento (014) faz com a figura do escravo e de Deus como seu senhor. A estrita observância da vontade divina é apresentada, também, no fragmento (015), onde o enunciador afirma, categoricamente, que ‘Deus quer dirigir a loja, quer levar as coisas’. Nota-se, a partir daí, que, na visão destes empreendedores de artigos religiosos, não somente a concepção do negócio, mas, também, a sua própria administração passa por uma orientação de natureza espiritual. Dito de outra forma, o ‘volante do carro’ (direção da empresa) deveria estar sob o comando de Deus e, não, do empreendedor.

Considerações finais

Procuramos, neste trabalho, efetuar uma análise de como a dimensão religiosa da vida influencia a ação empreendedora de indivíduos que comercializam artigos religiosos, dando-se especial destaque ao quanto este agir é tratado enquanto uma ‘vocação’, entendida, em seu sentido weberiano, enquanto uma tarefa ordenada, ou, pelo menos, sugerida por Deus. Partindo de trinta entrevistas realizadas junto a empreendedores de artigos religiosos de cinco denominações diferentes (catolicismo, protestantismo, espiritismo, umbanda e candomblé) das principais cidades da Região do Triângulo Mineiro (Uberlândia, Uberaba, Araguari e Ituiutaba), utilizou-se a técnica de análise de discurso para constatar a existência de elementos não-racionais (subjetivos) no processo de tomada de decisão para a abertura e na gestão de novos negócios no ramo de artigos religiosos.

Sendo assim, foram identificadas fortes evidências de que a questão vocacional constitui-se enquanto um importante elemento para a compreensão da ação empreendedora em empresas que comercializam artigos religiosos. Tal ‘chamado’ (vocação), em seu caráter positivo ou negativo, encontra-se presente em grande parte das entrevistas realizadas e insere-se no cerne da concepção e gestão deste tipo de empreendimento. Desta forma, o chamado vocacional para a criação de empreendimentos que comercializem artigos religiosos vem através de uma orientação divina ‘leve’, na medida em que os enunciadores utilizam-se de termos como ‘luz’, ‘presente’, ‘porta’, entre outros. Como pode ser visto, também, o chamado vocacional pode ter contornos mais imperativos na forma de cobrança de um Deus que demanda a própria direção do negócio. De qualquer forma, com ou sem conflito interno, a concepção e gestão do empreendimento de artigos religiosos não tem uma natureza puramente comercial, mas, sim, de orientação espiritual para os clientes. Nota-se, a partir daí, o caráter missionário de alguns destes empreendedores que, mesmo não sendo religiosos (em seu sentido formal, ou seja, que ocupam cargos na organização religiosa) atuam como disseminadores da doutrina religiosa da qual cultuam.

Convém apontar, ainda, que esta concepção da vocação enquanto um chamado divino apresenta-se mais claramente junto a empreendedores que comercializam artigos religiosos, mas não pode ser simplesmente subestimado na análise de empreendedores cujos negócios são de natureza laica. Além disto, a análise feita proporcionou a possibilidade de refletirmos acerca das possibilidades de confecção do conceito de ‘vocação empreendedora’, que, a nosso ver, poderia ser considerada como ‘[...] um chamado de origem espiritual, social (família, escola, empresa, igreja, partido político, entre outros) ou individual que dota de sentido, guia e motiva a ação empreendedora’.

Nota-se, finalmente, a partir da análise da realidade pesquisada, que o processo de secularização weberiano, visto em sua vertente de depressão do valor cultural da religião na sociedade contemporânea, deve ser relativizado. No caso específico dos empreendimentos estudados, embora o fenômeno religioso esteja revestido de uma lógica comercial capitalista, aquele não encontra-se ausente. Tal realidade pode ser observada, por exemplo, no caráter missionário da comercialização dos artigos religiosos realizada nestes espaços. A venda do artigo não resumiria-se, somente, a um ato mercantil dessacralizado mas, também, a um momento de aconselhamento e acolhimento espiritual ou religioso. Além disto, é patente a ideia, especialmente nos empreendimentos que comercializam artigos ligados às religiões de matriz africana (umbanda e candomblé), que os produtos vendidos possuem um caráter mágico que aproxima o consumidor do instituto da salvação. Por fim, destaca-se o fato de que o pluralismo religioso brasileiro, fruto de um processo conflituoso de conformação histórica e social que articula as esferas do Estado, da Igreja e da Sociedade Civil, reflete-se no universo dos empreendimentos pesquisados. Há, por assim dizer, uma lógica competitiva, presente nas empresas que comercializam artigos religiosos (em suas diversas denominações), que ultrapassa a dimensão capitalista e avança em termos de uma competição de cunho espiritual.

Uma vez que as análises empreendidas no escopo deste trabalho restringiram-se, apenas, ao universo de quatro importantes cidades mineiras (Uberlândia, Uberaba, Ituiutaba e Araguari), sugere-se, como novas possibilidades de pesquisa, que as interseções entre a dimensão religiosa e a ação empreendedora sejam buscadas em outras cidades brasileiras. Futuros trabalhos poderiam buscar tal aproximação, também, ao analisar a dinâmica empreendedora presente em festas populares de cunho religioso (festa do Círio de Nazaré no Pará ou de Nossa Senhora Aparecida em Aparecida do Norte/SP, por exemplo) ou em localidades com turismo religioso evidente (santuários ou a casa de Chico Xavier, por exemplo).

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    Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Nós agradecemos aos dois pareceristas anônimos deste artigo por suas valiosas contribuições.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2013
  • Aceito
    10 Dez 2014
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