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Mercantilização & contramovimento: agricultura sustentada pela comunidade (CSA): estudo de caso em Minas Gerais, Brasil

Commodification & countermovement: community-supported agriculture (CSA): a case study in Minas Gerais, Brazil

Resumo

A forma que se tornou convencional de produzir e distribuir alimentos baseia-se no uso de agroquímicos, adubos, fertilizantes industriais e de outras técnicas provenientes da Revolução Verde, com crescente dependência do capital financeiro-industrial. Isto significa a intensificação da mercantilização da agricultura. O problema que norteou esta pesquisa é a emergência de modos de organização resistentes a essa tendência. Com base no referencial teórico de Karl Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .), construiu-se um estudo de caso cujo objeto é a agricultura sustentada pela comunidade, cujo acrônimo em inglês é CSA (community supported agriculture). Trata-se de um movimento que ressitua a produção agrícola pelos princípios do comércio justo e da agroecologia e uso de cadeias curtas que aproximam produção e consumo. O resultado é um alimento de qualidade nutritiva superior a preço acessível e justo. A análise do caso CSA Alfa aponta a coexistência de diferentes princípios de regulação numa combinação de troca mercantil e reciprocidade. Na esteira de Karl Polanyi, observa-se a atividade econômica imbricada ao social, daí que amizade, tolerância, fidelidade e comprometimento estabelecem um ethos comunitário em torno do alimento. A CSA parece manifestar um contramovimento à mercantilização ao potencializar a autonomia relativa dos indivíduos, o que eleva a coesão social dos grupos participantes.

Palavras-chave:
Agricultura Sustentada pela Comunidade; Mercantilização; Reciprocidade; Coesão Social; Karl Polanyi

Abstract

The conventional way of producing and distributing food is based on the use of agrochemicals, fertilizers, industrial fertilizers and other techniques from the Green Revolution, with increasing dependence on financial-industrial capital, which implies the intensification of the agriculture commodification. The object of this study was the emergence of modes of organization resisting this trend. Based on the theoretical reference of Karl Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .), a case study was developed in a Community-Supported Agriculture (CSA) initiative. It is a movement that resituates agricultural production through the principles of fair trade, agroecology and the use of short supply chains, which bring production and consumption closer together. The result is a better nutritious quality food at affordable and fair price. The analysis of the CSA Alfa case points to the coexistence of different principles of regulation, in a combination of mercantile exchange and reciprocity. According to the proposition by Karl Polanyi, the economic activity is shown to imbricate with the social aspect, of which friendship, tolerance, fidelity and commitment establish a community ethos around food. The CSA seems to manifest a countermovement to the commodification by enhancing the relative autonomy of individuals that elevates the social cohesion of the participating groups.

Keywords:
Community-Supported Agriculture; Commodification; Reciprocity; Social Cohesion; Karl Polanyi

Introdução

Revolução Verde é o nome dado à prática de adoção de tecnologias no ambiente agrícola, como o uso de máquinas, sementes modificadas, adubos e fertilizantes industriais, agroquímicos, sementes transgênicas e biotecnologias. Há, sobretudo a partir dos anos 1960, um processo de incorporação institucional dessas mudanças engendradas nos países desenvolvidos e difundidas nos países subdesenvolvidos (Escher, 2011Escher, F. (2011). Os assaltos do moinho satânico nos campos e os contramovimentos da Agricultura Familiar: Atores sociais, instituições e desenvolvimento rural no Sudoeste do Paraná (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.; Schneider & Escher, 2011Schneider, S., & Escher, F. (2011). A contribuição de Karl Polanyi para a sociologia do desenvolvimento rural. Sociologias, 13(27), 180-219. doi:10.1590/S1517-45222011000200008
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).

A crescente dependência do mercado ocorre por uma série de mecanismos de transferência do controle dos processos produtivos para atores externos, tais como empresas, bancos, Estado e agências de desenvolvimento. Cria-se uma dependência, fazendo com que os processos dificilmente se reproduzam fora do alcance do capital (Escher, 2011Escher, F. (2011). Os assaltos do moinho satânico nos campos e os contramovimentos da Agricultura Familiar: Atores sociais, instituições e desenvolvimento rural no Sudoeste do Paraná (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.). O agricultor passa a necessitar de fatores além de sua propriedade, como máquinas, insumos químicos, sementes melhoradas, assistência técnica, dentre outros (Gazolla, 2004Gazolla, M. (2004). Agricultura familiar, segurança alimentar e políticas públicas: Uma análise a partir da produção de autoconsumo no território do Alto Uruguai/RS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.). Assim, ampliam-se as relações entre produtores e os circuitos mercantis nos quais estes se inserem (Schneider & Escher, 2011Schneider, S., & Escher, F. (2011). A contribuição de Karl Polanyi para a sociologia do desenvolvimento rural. Sociologias, 13(27), 180-219. doi:10.1590/S1517-45222011000200008
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).

A presença de intermediários numa cadeia de distribuição cada vez mais globalizada reduz a renda de produtores e eleva o preço para consumidores. A sociedade sofre com incremento da pobreza, crescente insegurança alimentar, êxodo rural, danos à saúde e ao meio ambiente, e com a perda identitária do senso de comunidade, culturalmente associado à alimentação. Além de degradar o ambiente natural, o processo leva à perda de controle gradual dos indivíduos sobre as suas reproduções materiais.

A mercantilização é, portanto, o processo que leva o agricultor a ter a sua reprodução social e econômica dependente dos mercados, alienando-o das decisões que envolvem a sua própria vida econômica (Gazolla, 2004Gazolla, M. (2004). Agricultura familiar, segurança alimentar e políticas públicas: Uma análise a partir da produção de autoconsumo no território do Alto Uruguai/RS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.). Profundas alterações nas estruturas sociais rurais de países como o Brasil ocorreram em consequência disso (Schneider & Escher, 2011Schneider, S., & Escher, F. (2011). A contribuição de Karl Polanyi para a sociologia do desenvolvimento rural. Sociologias, 13(27), 180-219. doi:10.1590/S1517-45222011000200008
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). Dentre elas, a separação do trabalho mental e manual dos produtores, com rotinas modificadas por controle externo. Transformam-se assim as condições objetivas (materiais) e subjetivas (simbólicas) de reprodução social, com efeitos acentuados na agricultura familiar (Escher, 2011Escher, F. (2011). Os assaltos do moinho satânico nos campos e os contramovimentos da Agricultura Familiar: Atores sociais, instituições e desenvolvimento rural no Sudoeste do Paraná (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.).

Mas isso não significa que a dinâmica do mercado determine todos os aspectos da vida social. Para Cangiani (2012Cangiani, M. (2012). A teoria institucional de Karl Polanyi: A sociedade de mercado e sua economia “desenraizada”. In K. Polanyi (Org.), A subsistência do homem e outros ensaios correlatos (pp. 11-46). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.), ocorre uma restrição, uma liberdade apenas relativa. Ao ser fundamentado na instituição do mercado e na produção capitalista, o sistema organizado economicamente tende a se auto alimentar. O termo “desenraizamento”, utilizado por Polanyi, é aqui entendido, alinhado com Eckert (2016Eckert, D. (2016). A mercantilização em contramovimento: Relações de reciprocidade e coesão social na agricultura sustentada pela comunidade em Minas Gerais (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS., p. 83), como mudança de valores ditada por interesses privados, expressa na retórica das grandes empresas, nas políticas de Estado, nos acordos e tratados internacionais que impactam profundamente a sociedade.

De acordo com Cangiani (2012Cangiani, M. (2012). A teoria institucional de Karl Polanyi: A sociedade de mercado e sua economia “desenraizada”. In K. Polanyi (Org.), A subsistência do homem e outros ensaios correlatos (pp. 11-46). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.), a concepção de “enraizamento” da sociologia difere da polanyiana. Nesse sentido, convém reproduzir um trecho em que a autora desenvolve seu argumento:

Para evitar confusões, uma premissa óbvia é que o conceito de “economia desenraizada” não coincide com a “economia pura” dos modelos neoclássicos abstratos. Ser “desenraizada” constitui um aspecto geral e permanente da economia de mercado. Isso não se choca com o fato de que um mercado perfeitamente autorregulador e perfeitamente competitivo nunca existiu, nem poderia existir. Polanyi explica que a tendência para influir propositalmente no funcionamento do mercado pode ser identificada desde o começo, principalmente graças a (1) à necessidade de “proteção” e ao “contramovimento” que ela originou; e (2) à dinâmica do capitalismo, que envolve mudanças na estrutura de mercado e condiciona a evolução das instituições sociais. É precisamente a característica geral de a economia ser desenraizada que, por um lado, torna inevitáveis a regulação e a intervenção social do Estado, e, por outro lado, dá ao sistema social seu dinamismo e sua complexidade típicos. De qualquer modo, apesar do controle limitado que a sociedade é capaz de exercer, o trabalho, a terra e o dinheiro continuam a ser tratados como mercadorias. (p. 36)

O debate sobre a mercantilização dos sistemas alimentares recupera a agenda de questões trazidas por Karl Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .), que alertava sobre os problemas decorrentes de uma economia que tentava centrar-se no mercado como principal condutor das relações na sociedade. Daí a metáfora de um “moinho satânico”, referência à desagregação que acompanha este domínio. Entretanto, no contrapé deste processo encontra-se uma resistência pela sociedade na forma de um contramovimento. Este conceito propõe que nenhuma sociedade tem relações mercantis em sua forma pura sem reagir em alguma medida aos seus efeitos negativos.

Nesse sentido, Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.; 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) propõe que a vida econômica pode se efetivar de uma forma mais justa socialmente combinando diferentes padrões de intercâmbio, orientados por mercado, reciprocidade, redistribuição e domesticidade. Esta pluralidade de princípios de regulação, que será abordada ao longo do estudo de forma mais detalhada, possibilita pensar em alternativas à mercantilização dos sistemas alimentares. É possível que contramovimentos ocorram mediante o fortalecimento destes outros princípios.

A partir de Munck (2006Munck, R. (2006). Globalization and Contestation: A Polanyian problematic. Globalizations, 3(2), 175-186.) e Dale (2013Dale, G. (2013). Polanyi: The limits of the Market. Cambridge: Polity Books.), Abdalla (2014Abdalla, M. M. (2014). Repensando o duplo movimento polanyiano a partir do desenvolvimento de estratégias sociais: Um olhar sobre o setor de energia nucleoelétrica à luz da opção decolonial (Tese de doutorado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.) afirma que “há falta de mediação e de clareza sobre o contramovimento, já que [Polanyi] não define quem exatamente iria agir espontaneamente contra o sistema de mercado não regulamentado e desenraizado e por quê”. O problema de compreender o contramovimento, envolve “não apenas ‘quem’ iria agir contra o mercado livre e ‘por quê’, mas também ‘como’ se daria uma contra movimentação” (p. 23).

Dito isso, esta pesquisa busca compreender as interações ligadas à dinâmica do contramovimento através da pluralidade de princípios de regulação (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.). Optou-se pelo estudo do fenômeno da agricultura sustentada pela comunidade, usualmente referida pelo acrônimo em inglês CSA (community supported agriculture). O pressuposto é que a proximidade entre produtores e consumidores induz relações econômicas não mercantis condizentes com uma maior coesão social, levando à suposição de que a CSA é um fenômeno que manifesta o contramovimento ao sistema de mercantilização da agricultura. Supõe-se que uma CSA não seja antagônica ao sistema, mas mantenha distância crítica do mercado convencional por acionar os princípios do comércio justo1 1 Os princípios do comércio justo são definidos pela World Fair Trade Organization (WFTO): (1) criar oportunidades para produtores economicamente em desvantagem; (2) transparência e prestação de contas; (3) pagamento de um preço justo; (4) manter boas condições de trabalho e oferecer capacitação profissional; (5) manter relações comerciais de longo prazo; (6) promover a igualdade de gênero e o empoderamento econômico feminino; (7) incentivar a liberdade de associação. (Ver https://wfto.com/. Acesso em 28/03/2019). .

O recorte da pesquisa se fez a partir da observação de uma experiência real situada na região Sudeste do Brasil, com os objetivos de (1) compreender o contexto e as motivações que originaram a CSA na região; (2) descrever e caracterizar o modo de operação da CSA observada; (3) identificar de que forma se concretizam as trocas e quais as implicações das relações de reciprocidade no circuito da CSA; e (4) analisar como a CSA possibilita ou fortalece as condições necessárias para a reprodução material e social dos indivíduos, especialmente dos pequenos agricultores, no sentido de favorecer ou restringir sua autonomia.

Além desta introdução o artigo é composto por outras seis seções. A primeira dedica-se à exposição do conceito da mercantilização e seus efeitos. A seguir discute-se as formas de integração econômica e possibilidades para um contramovimento. Na sequência faz-se um panorama da agricultura sustentada pela comunidade. A quarta seção é dedicada à exposição da metodologia. Em seguida apresenta-se o estudo de caso da CSA Alfa, seus resultados e discussão para, finalmente, elaborar as considerações finais.

Mercantilização e seus efeitos

Os sistemas alimentares enfrentam um movimento de mercantilização em um processo de transformação da agricultura com uma reestruturação impulsionada especialmente pela Revolução Verde e pelo neoliberalismo. Muitas atividades rurais familiares, que antes dispunham de produtos diversificados como fonte de ingresso econômico, não conseguiram incorporar estas transformações. Abramovay (2007Abramovay, R. (2007). Paradigmas do capitalismo agrário em questão (3a ed.). São Paulo, SP: Edusp.), Ploeg (2010Ploeg, J. D. (2010). The food crisis, industrialized farming and the imperial regime. Journal of Agrarian Change, 10(1), 98-106. doi:10.1111/j.1471-0366.2009.00251.x
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) e Schneider (2004Schneider, S. (2004). Agricultura familiar e industrialização: Pluratividade e descentralização industrial no Rio Grande do Sul (2a ed). Porto Alegre, RS: UFRGS .) relatam o grande abandono do campo pelos pequenos agricultores (êxodo rural). Escher (2011Escher, F. (2011). Os assaltos do moinho satânico nos campos e os contramovimentos da Agricultura Familiar: Atores sociais, instituições e desenvolvimento rural no Sudoeste do Paraná (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.) menciona a desarticulação regional dos processos de desenvolvimento econômico e o surgimento de problemas de saúde decorrentes do uso de agroquímicos. As unidades de agricultura familiar que sobreviveram foram levadas pelo mercado à especialização ou à monocultura (Sacco dos Anjos, Caldas, & Hirai, 2010Sacco dos Anjos, F., Caldas, N. V., & Hirai, W. G. (2010). Mudanças nas práticas de autoconsumo dos produtores familiares: Estudo de caso no sul do Brasil. Agroalimentaria, 16(30), 115-125. Recuperado de http://bit.ly/2VVhjXw
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; Schneider, 2004Schneider, S. (2004). Agricultura familiar e industrialização: Pluratividade e descentralização industrial no Rio Grande do Sul (2a ed). Porto Alegre, RS: UFRGS .).

O avanço do mercado beneficiou muitos grupos (Ploeg, 2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.), em especial as indústrias estrangeiras e os agricultores de produção em larga escala. Entretanto, o mesmo não ocorreu com a agricultura familiar (Schneider & Escher, 2011Schneider, S., & Escher, F. (2011). A contribuição de Karl Polanyi para a sociologia do desenvolvimento rural. Sociologias, 13(27), 180-219. doi:10.1590/S1517-45222011000200008
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). De uma forma geral, os benefícios gerados se encaixam na proposição de Piketty (2014Piketty, T. (2014). Capital in the twenty-first century. Cambridge: Harvard University Press.) de serem mais focados na taxa de retorno sobre o capital de grandes empresas privadas do que a taxa de crescimento econômico para a sociedade em geral.

Isso provocou mudanças na política e na economia mundial. Formaram-se verdadeiros impérios agrícolas e alimentares. Grandes empresas comerciais, agronegócios e redes de supermercados controlam segmentos cada vez mais amplos da cadeia mundial. A oligopolização tem levado, de um lado, à queda dos valores recebidos por produtores primários, com efeitos diretos no êxodo rural, e de outro lado, a uma pressão ascendente sobre os preços ao consumidor. O avanço das cadeias mais longas torna-se então uma característica central do sistema agroalimentar, levando ao controle quase absoluto da oferta. Como resultado, dietas menos variadas e saudáveis combinam-se com a intensificação da degradação ecológica, da pobreza e do êxodo rural (Ploeg, 2010Ploeg, J. D. (2010). The food crisis, industrialized farming and the imperial regime. Journal of Agrarian Change, 10(1), 98-106. doi:10.1111/j.1471-0366.2009.00251.x
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).

De acordo com Fraser (2017Fraser, N. (2017). A triple movement? Parsing the politics of crisis after Polanyi. In M. Burchardt, & G. Kirn (Eds.), Beyond neoliberalism (pp. 29-42). London: Palgrave Macmillan.), trata-se de uma crise relacionada ao terreno mais amplo da reprodução social, com impacto em questões de saúde, habitação, meio ambiente, alimentação e vida comunitária. Nesse sentido, Porto-Gonçalves (2012Porto-Gonçalves, C. W. (2012). A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.) entende que o desenvolvimento é um importante aspecto de melhoria de vida dos povos, entretanto é necessário criticar a ideia do desenvolvimento como sinônimo de dominação da natureza e da vida, bem como da sociedade como engrenagem de acumulação capitalista.

A ideia de mercantilização fictícia da terra, do trabalho e do dinheiro (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) oferece uma base promissora para uma análise estrutural integrada da crise do moderno sistema alimentar convencional (Fraser, 2014Fraser, N. (2014). Can society be commodities all the way down? Post-Polanyian reflections on capitalist crisis. Economy and Society, 43(4), 541-558. doi: 10.1080/03085147.2014.898822
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). O relato de Polanyi remonta às raízes da crise capitalista no século XIX aos esforços para o estabelecimento de mercados autorregulados, incluindo terra, trabalho e dinheiro. A visão de que os mercados estão inseridos em instituições sociais e sujeitos a normas éticas e morais é substituída pela ideia de um mercado autorregulado. Toda a sociedade foi remodelada para se adequar a essa nova maneira de organizar a economia e a vida social (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). Essa visão é altamente pertinente hoje. O resultado em ambos os casos é a desestabilização do sistema econômico, por um lado, e da natureza e da sociedade, por outro. Por isso, as atuais construções sociais de trabalho, terra e dinheiro codificam tipicamente formas de dominação (Fraser, 2014Fraser, N. (2014). Can society be commodities all the way down? Post-Polanyian reflections on capitalist crisis. Economy and Society, 43(4), 541-558. doi: 10.1080/03085147.2014.898822
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, 2017Fraser, N. (2017). A triple movement? Parsing the politics of crisis after Polanyi. In M. Burchardt, & G. Kirn (Eds.), Beyond neoliberalism (pp. 29-42). London: Palgrave Macmillan.).

Ao mesmo tempo, a economia constitui parte vital das comunidades humanas, sem a qual sociedade alguma pode existir. Para superar os efeitos negativos da busca por um mercado autorregulado, que reflete na mercantilização dos sistemas alimentares, o próprio Polanyi (1977Polanyi, K. (1977). The two meanings of economic. In K. Polanyi, The livelihood of man (pp. 19-34). New York, NY: Academic Press., 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) sublinha a necessidade de resgatar o sentido substantivo das motivações econômicas que define a orientação à reprodução material da vida, numa peculiar interação do homem com seu ambiente. Isso pode ser alcançado resgatando a ideia da pluralidade das formas de integração econômica.

As formas de integração econômica e possibilidades para um contramovimento

Há uma diversidade de formas instituídas na ordem econômica atual, em que princípios básicos de comportamento ou formas de integração norteiam as ações dos indivíduos. São eles a reciprocidade, a redistribuição e a troca de mercado. Eles coexistem subordinando-se ou dominando uns aos outros. São, portanto, não-excludentes e não-hierarquizados. Além disso, não representam etapas evolutivas de desenvolvimento (Polanyi, 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .).

A troca de mercado é dominante na economia capitalista, com produção e distribuição de bens na sociedade controlada, regulada e dirigida, em última instância, pela autorregulação dos preços. A economia repousa na expectativa de comportamento maximizador, pressupõe o equilíbrio de mercado e a presença do dinheiro funcionando como poder de compra. O comportamento econômico orienta-se pela permuta, barganha e troca visando lucro. Este padrão cria uma instituição específica: o mercado como espaço destinado a compra e venda, em que escassez e excesso funcionam como mecanismos centrais de barganha (Polanyi, 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). Este princípio, quando sobreposto aos demais, leva à mercantilização da sociedade. Convém diferenciar mercados isolados de uma economia de mercado, bem como mercados reguláveis de mercados autorreguláveis. Os mercados sempre existiram em todas as sociedades, mas os isolados nunca se interligaram para formar uma economia. “O sistema econômico estava submerso em relações sociais gerais; os mercados eram apenas um aspecto acessório de uma estrutura institucional” (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., p. 88).

No Ensaio sobre a dádiva, Marcel Mauss (2012Mauss, M. (2012). Ensaio sobre a dádiva: Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. São Paulo, SP: CosacNaify.) observa que algumas sociedades realizam trocas sob formas e por razões diferentes da troca mercantil ao associar questões morais e valores éticos às transações. Aparece aí a reciprocidade como manifestação de certa coesão social, expressa na homogeneidade de valores e crenças. O mercado é um contrato mais geral e permanente, que vai além da simples troca de bens úteis. A reciprocidade, portanto, está associada a normas de comportamento social impostas por sistemas não econômicos. Entram aqui parentesco, amizade, associação ou cooperação (Polanyi 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). Os agentes não são estranhos entre si, a situação não corresponde à impessoalidade típica do mercado: “a reciprocidade assenta num padrão simétrico de organização” (Servet, 2009Servet, J. (2009) Toward an alternative economy: Reconsidering the market, money and value. In C. Hann, & K. Hart (Eds.), Market and society: The great transformation today (pp. 72-90). Cambridge: Cambridge University Press., p. 81).

A redistribuição opera regras vinculadas a um ordenamento político que centraliza a distribuição econômica, trazendo bens a um ponto central e os levando posteriormente às extremidades. O caráter territorial hierárquico é importante, daí o padrão institucional ser a centralidade. “A simetria e a centralidade vão de encontro, na metade do caminho, às necessidades da reciprocidade e da redistribuição; os padrões institucionais e os princípios de comportamento se ajustam mutuamente” (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., p. 69). Um terceiro princípio - a domesticidade - integra-se aos demais como um subprincípio, dando conta da produção para uso próprio ou para satisfação das necessidades do grupo.

Convém ressaltar que a conceituação que Polanyi faz sobre os princípios de regulação são ferramentas teóricas e analíticas, mas não necessariamente ocorrem nesta forma pura. O que se verifica nas sociedades atuais, e Polanyi deixa claro, é um constante movimento em direção ao estabelecimento da autorregulação através da troca de mercado como princípio dominante. Mas esse movimento nunca atinge a sua plenitude.

A principal tese de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) é que a economia baseada na troca de mercado é uma utopia: ela não poderia existir sem destruir a sociedade. Nenhuma sociedade suportaria esses efeitos sem reagir, porque um mercado plenamente autorregulável aniquilaria a vida humana. Por isso, Polanyi compreende que a dinâmica social da sociedade moderna foi governada por um duplo movimento. O primeiro é o movimento do liberalismo econômico, que busca estabelecer um mercado autorregulável e necessita da transformação da terra, do trabalho e do dinheiro em mercadorias. O outro é chamado de contramovimento, ditado pelo comportamento de defesa da sociedade diante dos efeitos negativos da autorregulação, cuja finalidade é preservar o homem e a natureza. Por meio do contramovimento emerge uma sociedade mais intimamente entrelaçada.

Cabe ressaltar, entretanto, que Abdalla (2014Abdalla, M. M. (2014). Repensando o duplo movimento polanyiano a partir do desenvolvimento de estratégias sociais: Um olhar sobre o setor de energia nucleoelétrica à luz da opção decolonial (Tese de doutorado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.) identificou que o processo de proteção social em determinadas situações ocorre de forma difusa e não necessariamente estruturada, com estratégias e ações que emanam de múltiplos atores, inclusive ambivalentes e hegemônicos. Estes atores exercem papéis de proteção social de forma análoga ao contramovimento polanyiano, apesar de sutilmente distinta. Ele percebe que há um destaque para a prática ambivalente exercida pela hegemonia, uma vez que esta opera em favor do mercado e do neoliberalismo, ao mesmo tempo em que busca favorecer a sociedade.

Desta forma, outro aspecto relevante diz respeito ao contramovimento poder ser funcional à manutenção da ordem capitalista, como aponta Cangiani (2012Cangiani, M. (2012). A teoria institucional de Karl Polanyi: A sociedade de mercado e sua economia “desenraizada”. In K. Polanyi (Org.), A subsistência do homem e outros ensaios correlatos (pp. 11-46). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.) ao afirmar que “a função real das intervenções pode também, ou principalmente, ser a de regular os processos econômicos e sociais para evitar grandes colapsos e reforçar a hegemonia da classe (econômica) dominante” (p. 37). E complementa que Polanyi interpreta dessa maneira a crise do capitalismo liberal do início do século XX, pois não se trata de reduzir a dinâmica histórica do capitalismo à “oscilação mecânica de uma economia mais enraizada e outra menos enraizada e vice-versa” (p. 38).

Nesse sentido, Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) acredita que é possível em alguma medida transcender o mercado autorregulável, subordinando-o de forma consciente a uma sociedade democrática. O principal passo é romper com as crenças de que a vida social deve ser submetida aos mecanismos de mercado. É preciso recuperar o significado substantivo da economia. Isso não significa a ausência de mercados, pois eles continuarão a existir de várias maneiras, mas sem constituir uma instituição autônoma das relações sociais através do mecanismo de autorregulação. Uma das alternativas possíveis é que, mesmo em uma economia centrada no mercado, busque-se o desenvolvimento de outros mecanismos regulatórios mais capazes de proteger o tecido social e o meio ambiente das pressões exercidas pelo movimento da mercantilização.

No caso dos sistemas alimentares, operando numa economia centrada no mercado, é preciso verificar de que modo emergem estes mecanismos não mercantis. É neste contexto que a visão substantiva da economia (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) permite situar o contramovimento no contexto brasileiro. Propõe-se, portanto, pensar a especificidade da resistência da sociedade em confronto com a mercantilização desmedida da agricultura.

Formas de integração econômica e sistemas alimentares

Autores subsequentes a Polanyi, dentre estes Eric Sabourin, trazem pistas essenciais para entender como as formas de integração econômica ocorrem na prática nos sistemas alimentares. Compreender melhor estas relações e estruturas permite que a atividade em campo seja capaz de visualizar e teoricamente categorizar as ocorrências de contramovimento através de outros princípios além da troca de mercado.

Neste sentido, Sabourin (2009Sabourin, E. P. (2009). Camponeses do Brasil: Entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS ., 2014Sabourin, E. P. (2014). Acesso aos mercados para a agricultura familiar: Uma leitura pela reciprocidade e a economia solidaria. Revista Econômica do Nordeste, 45(supl. esp.), 18-30. Recuperado de http://bit.ly/3cOvgNh
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) é central para entender a estrutura dos laços de reciprocidade. Ele alerta que a maioria das sociedades rurais apresenta sistemas mistos, nos quais as práticas socioeconômicas de troca e reciprocidade coexistem. Vale ressaltar que o problema de discernir lógicas relacionais num sistema misto não é trivial. A separação é produzida analiticamente pelo exame das práticas, do projeto em realização, dos valores dos indivíduos que participam e das estruturas relacionais implementadas. Trata-se de entender a orientação predominante das ações a partir de lógicas de movimento em direção (1) à concorrência, visando o acúmulo do lucro para fins privados; ou (2) à reciprocidade, visando a satisfação das necessidades do grupo.

A reciprocidade assume forma simétrica quando orbita um sentimento de justiça e preocupação com a harmonia social do grupo. No ambiente rural, a simetria se manifesta em situações de ajuda mútua, solidariedade, cooperação e partilha (Sabourin, 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .). Essas relações se expressam em termos de qualidade das relações sociais, de satisfação, de reconhecimento, de respeito, de festas e de espírito de grupo. São valores que operam ciclos de reciprocidade propostos por Polanyi de modo recursivo. No compartilhamento do trabalho os valores afetivos e éticos correspondem a um sentimento de pertencimento e de confiança (Sabourin, 2009Sabourin, E. P. (2009). Camponeses do Brasil: Entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro, RJ: Garamond.).

O princípio de redistribuição dos alimentos engloba a produção para autoconsumo (Polanyi, 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .; Sacco dos Anjos et al., 2010Sacco dos Anjos, F., Caldas, N. V., & Hirai, W. G. (2010). Mudanças nas práticas de autoconsumo dos produtores familiares: Estudo de caso no sul do Brasil. Agroalimentaria, 16(30), 115-125. Recuperado de http://bit.ly/2VVhjXw
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). A lógica da reciprocidade predomina sobre a lógica de troca, produzindo autossuficiência quando a preocupação em suprir as necessidades do grupo faz parte da produção a ser destinada ao autoconsumo (Sabourin, 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .). Esta redistribuição impacta na renda (Ploeg, 2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.). As famílias que vivem no ambiente rural e fortalecem a produção para o autoconsumo auferem maiores rendas agrícolas, daí a importância da autossuficiência para sua reprodução material e social. Um bom indicador é identificar a recorrência da aquisição, no mercado, de alimento regularmente consumido pelo grupo (Gazolla, 2004Gazolla, M. (2004). Agricultura familiar, segurança alimentar e políticas públicas: Uma análise a partir da produção de autoconsumo no território do Alto Uruguai/RS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.).

A mobilização de recursos pode se converter numa categoria ampliada da redistribuição direta. Conforme Ploeg (2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.), recursos materiais e sociais relevantes, como gado, rações e forragens, fertilizantes, sementes, mão de obra, conhecimento, capital de giro, dentre outros, podem ser mobilizados por transações de mercado e, consequentemente, entrar no processo de produção como mercadorias, ou ser mobilizados por trocas reguladas mediante as relações de reciprocidade, ou ser produzidos na unidade agrícola. Quanto mais eles forem produzidos, reproduzidos e reutilizados na própria unidade agrícola, maior será a autonomia do agricultor em relação ao mercado.

O princípio da troca pode caracterizar o mecanismo não apenas de contrato, mas também de proximidade entre produtor e consumidor quando permeado por relações de reciprocidade (Polanyi, 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). Na literatura, há algumas possibilidades. Um desses fenômenos recebe a designação de “cadeias curtas”. Cadeias curtas constituem sistemas mistos de troca mercantil e reciprocidade. Existe a relação de troca, mas o contato direto entre produtor e comprador desdobra-se numa relação de reciprocidade, quando há comunicação em torno do produto, do trabalho, das receitas. A aproximação tende a reforçar laços afetivos, de amizade, reconhecimento mútuo e valores de fidelidade e respeito (Sabourin, 2009Sabourin, E. P. (2009). Camponeses do Brasil: Entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS ., 2014Sabourin, E. P. (2014). Acesso aos mercados para a agricultura familiar: Uma leitura pela reciprocidade e a economia solidaria. Revista Econômica do Nordeste, 45(supl. esp.), 18-30. Recuperado de http://bit.ly/3cOvgNh
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). A participação de consumidores e produtores nas decisões de produção, troca e consumo alavanca sua autonomia relativa (Darolt, Lamine, & Brandemburg, 2013Darolt, M. R., Lamine, C., & Brandemburg, A. (2013). A diversidade dos circuitos curtos de alimentos ecológicos: Ensinamentos do caso brasileiro e francês. Revista Agriculturas, 10(2), 8-13. Recuperado de http://bit.ly/2PUmumX
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), e pode catalisar movimentos de resistência voltados à relocalização do controle dos sistemas alimentares (Petersen, 2013Petersen, P. (2013). Editorial. Construção social dos mercados. Agriculturas, 10(2).). São alternativas à exploração capitalista porque revalorizam territórios e fatores identitários das relações de reciprocidade (Sabourin, 2014Sabourin, E. P. (2014). Acesso aos mercados para a agricultura familiar: Uma leitura pela reciprocidade e a economia solidaria. Revista Econômica do Nordeste, 45(supl. esp.), 18-30. Recuperado de http://bit.ly/3cOvgNh
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). Por isso, o consumo de alimentos produzidos regionalmente através de cadeias mais curtas pode se tornar um meio de fortalecer a solidariedade em defesa da soberania alimentar ao estabelecer uma oposição às corporações agroalimentares (Sage, 2014Sage, C. (2014). The transition movement and food sovereignty: From local resilience to global engagement in food system transformation. Journal of Consumer Culture, 14(2), 254-275.).

Há outro aspecto relevante das ideias de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) que ajuda a situar o contramovimento na atividade de uma CSA. Ele diz respeito à atividade econômica em torno do alimento, que parece ser vocacionada para o impulso contrário ao movimento de mercantilização.

A ambiguidade do termo “ganho” tende a encobrir essa diferença. A troca com base em preços fixos não envolve nada além do ganho implicado para cada parceiro na decisão de trocar; a troca com preços flutuantes visa a um ganho que só pode ser obtido mediante uma atitude que envolve uma clara relação de antagonismo entre os parceiros. O elemento de antagonismo que acompanha essa variante da troca, por mais que seja diluído, é inerradicável. Nenhuma comunidade firmemente decidida a proteger a fonte de solidariedade entre seus membros pode permitir que se desenvolva uma hostilidade latente em torno de uma questão tão vital para a existência física - e, por conseguinte, capaz de despertar angústias tão desgastantes - quanto é o alimento. A proibição do regateio em torno de alimentos, largamente difundida, retira automaticamente os mercados formadores de preço do campo das instituições primitivas. (p. 309)

Desta forma resgata-se a proposta do contramovimento de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .), que sugere que a sociedade se encarrega em algum grau de enfrentar os desafios e problemas propiciados pela mercantilização, buscando proteger o tecido social. De fato, as ideias do autor permanecem atuais diante dos desafios que enfrentamos no século XXI (Bienefeld, 2007Bienefeld, M. (2007). Suppressing the double movement to secure the dictatorship of finance. In A. Bugra, & K. Agartan (Eds.), Reading Karl Polanyi for the twenty-first century (pp. 13-31). New York, NY: Palgrave Macmillan.). A tese da pluralidade das formas de regulação econômica é de suma importância para se pensar formas alternativas de regulação que coexistam com o mercado capitalista. Talvez algumas dessas formas atuem nas iniciativas de CSA como contramovimentos à mercantilização.

Agricultura sustentada pela comunidade (CSA): um panorama

Mais conhecida pelo acrônimo em inglês CSA, a agricultura sustentada pela comunidade tem origem no movimento Teikei, surgido nos anos 1970 no Japão. No Brasil as iniciativas são mais recentes, o primeiro grupo começou em julho de 2011, no estado de São Paulo (CSA Brasil, 2018CSA BRASIL | Comunidade que sustenta a agricultura (2018). Recuperado de http://csabrasil.org
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; Henderson & Van En, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.; McFadden, 2004McFadden, S. (2004). Community farms in the 21st century: Poised for another wave of growth (The history of community supported agriculture, part I). Recuperado de http://bit.ly/2IJDGYt
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). Seu preceito básico é reconectar a produção ao consumo, ao ligar um agricultor a grupos de famílias em uma região geográfica próxima, geralmente uma área urbana.

Em uma CSA, diferentemente do modelo de agricultura tradicional, os produtores e os consumidores deixam de utilizar intermediários na cadeia alimentar e fazem uma parceria, dividindo os custos e os riscos inerentes ao processo produtivo. Os consumidores financiam a produção desses agricultores e semanalmente recebem uma cesta com os alimentos que colhidos no período. A regra básica é que os produtos sejam frescos, da estação, sem agrotóxicos e cultivados localmente. A cota é composta por vegetais, ervas, frutas e legumes (Brown & Miller, 2008Brown, C., & Miller, S. (2008). The impacts of local markets: A review of research on farmers markets and community supported agriculture (CSA). American Journal of Agricultural Economics, 90(5), 1298-1302. doi:10.1111/j.1467-8276.2008.01220.x
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; Henderson & Van En, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.).

Um princípio fundamental é a promoção de um modelo de produção que não seja nocivo ao ser humano e ao entorno. Os outros princípios da CSA no Brasil são ajuda mútua, diversificação da produção, aceitação de produtos da época, comercialização com preços justos, criação de relações de amizade, distribuição independente, gestão democrática, aprendizagem mútua, produção e consumo local e estabilidade (CSA Brasil, 2018CSA BRASIL | Comunidade que sustenta a agricultura (2018). Recuperado de http://csabrasil.org
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).

Não é possível compreender a CSA sem considerar a série de princípios que organizam suas práticas, conforme indica o Quadro 1.

Quadro 1
Princípio de toda CSA

É mais usual que uma CSA opere em pequenas extensões, na base do trabalho intensivo e familiar (Henderson & Van En, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.). Cada início de atividade tem um contexto peculiar de motivações. O engajamento de produtores passa por fatores como busca por mercado mais estável e preços justos (Bîrhală & Möllers, 2014Bîrhală, B., & Möllers, J. (2014). Community supported agriculture in Romania: Is it driven by economy or solidarity? (Discussion Papers n. 144). Halle (Saale): Leibniz Institute of Agricultural Development in Transition Economies.) e preocupação com produção orgânica, relacionada ao meio ambiente e à saúde (Farnsworth, Thompson, & Drury, 1996Farnsworth, R. L., Thompson, S. R., Drury, K. A., & Warner, R. E. (1996). Community supported agriculture: Filling a niche market. Journal of Food Distribution Research, 27(1), 90-98. Recuperado de http://bit.ly/3cMN4s6
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; Oberholtzer, 2004Oberholtzer, L. (2004). Community supported agriculture in the Mid-Atlantic Region: Results of a shareholder survey and farmer interviews: Small Farm Success Project. Stevensville: Small Farm Success Project. Recuperado de http://bit.ly/2wLT4R1
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). As motivações dos consumidores combinam lógicas de decisão que vão desde melhorar a saúde pessoal até críticas ao modelo hegemônico de produção e distribuição (Ostrom, 2007Ostrom, M. R. (2007). Community supported agriculture as an agent of change. In C. Hinrichs, & T. Lyson (Eds.), Remaking the North American food system: Strategies for sustainability (pp. 99-120). Lincoln: University of Nebraska Press.). Motivos mais frequentes referem-se a condições de saúde e nutrição via consumo de produtos frescos orgânicos. Pesquisas apontam ainda preocupações ambientais; necessidade de conhecer quem e como se produz o que é consumido; preocupações políticas, como apoio a iniciativas de produção e distribuição alternativa sem a presença de intermediários e oposição aos grandes mercados; e solidariedade e apoio à agricultura local.

O ingresso do consumidor geralmente envolve o pagamento de uma cota ao produtor vinculado antes do plantio. O cálculo leva em conta custos totais de produção e um salário justo para o agricultor. Isto garante o escoamento da produção e uma renda antecipada para ele (Darolt et al., 2013Darolt, M. R., Lamine, C., & Brandemburg, A. (2013). A diversidade dos circuitos curtos de alimentos ecológicos: Ensinamentos do caso brasileiro e francês. Revista Agriculturas, 10(2), 8-13. Recuperado de http://bit.ly/2PUmumX
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). Os consumidores aceitam tacitamente a ideia de compartilhar o risco como um conceito-chave da CSA (Oberholtzer, 2004Oberholtzer, L. (2004). Community supported agriculture in the Mid-Atlantic Region: Results of a shareholder survey and farmer interviews: Small Farm Success Project. Stevensville: Small Farm Success Project. Recuperado de http://bit.ly/2wLT4R1
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). De fato, eles mostram um alto nível de confiança nos agricultores parceiros, sendo esta a base que mantém ativa a relação econômica (Bîrhală & Möllers, 2014Bîrhală, B., & Möllers, J. (2014). Community supported agriculture in Romania: Is it driven by economy or solidarity? (Discussion Papers n. 144). Halle (Saale): Leibniz Institute of Agricultural Development in Transition Economies.).

Ainda assim, a viabilidade econômica da operação não está garantida: há necessidade de gerenciamento. A tomada de decisão pode ficar por conta dos agricultores, mas ocorre também com a participação de consumidores. O chamado núcleo de gestão é formado por agricultores e consumidores (Lass, Stevenson, Hendrickson, & Ruhf, 2003Lass, D., Stevenson, G. W., Hendrickson, J., & Ruhf, K. (2003). CSA Across the Nation: Findings from the 1999 CSA survey. Madison: Center for Integrated Agricultural Systems, College of Agricultural and Life Sciences, University of Wisconsin-Madison .). O grau de envolvimento varia muito de um grupo para outro. No limite, há núcleos de gestão que comandam a organização. Isso ocorre com mais frequência quando consumidores procuram um agricultor para iniciar a parceria (Sanneh, Moffitt, & Lass, 2001Sanneh, N., Moffitt, L. J., & Lass, D. A. (2001). Stochastic efficiency analysis of Community-Supported Agriculture core management options. Journal of Agricultural and Resource Economics, 26(2), 417-430.). O núcleo de gestão numa CSA parece envolver mais ativamente os consumidores e ampliar o senso de comunidade (Henderson & Van En, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.; Lass et al., 2003Lass, D., Stevenson, G. W., Hendrickson, J., & Ruhf, K. (2003). CSA Across the Nation: Findings from the 1999 CSA survey. Madison: Center for Integrated Agricultural Systems, College of Agricultural and Life Sciences, University of Wisconsin-Madison .).

Andreatta, Rhyne e Dery (2008Andreatta, S., Rhyne, M., & Dery, N. (2008). Lessons learned from advocating CSAs for low-income and food insecure households. Southern Rural Sociology, 23(1), 116-148. Recuperado de http://bit.ly/2PWJoKb
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) apontam que, ao contrário do que é sugerido muitas vezes na literatura, a CSA não é um projeto elitista em relação aos consumidores, pois, além de auxiliar o produtor, também pode ser um projeto capaz de lidar parcialmente com o problema da insegurança alimentar nas famílias de consumidores de baixa renda. Para Henderson e Van En (2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.), a CSA é um incentivo para a permanência no campo, promovendo melhores remunerações e estabilidade financeira. Explicam que muitos produtores afirmam que a CSA nem sempre é a atividade produtiva que oferece mais rendimentos, entretanto torna-se mais interessante em função da estabilidade que proporciona. De fato, Hendrickson (2005Hendrickson, J. A. (2005). Grower to grower: Creating a livelihood on a fresh market vegetable farm. Madison: Center for Integrated Agricultural Systems, College of Agricultural and Life Sciences, University of Wisconsin-Madison. Recuperado de http://bit.ly/2VZsJth
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) constatou que a CSA aparece como uma estabilizadora da renda, tanto por ter as vendas mais estáveis e garantidas antecipadamente pelo pagamento anterior ao momento da plantação, quanto por não depender diretamente das flutuações do mercado. Matzembacher e Meira (2019Matzembacher, D. E., & Meira, F. B. (2019). Sustainability as business strategy in community supported agriculture: Social, environmental and economic benefits for producers and consumers. British Food Journal, 121(2), 616-632. doi:10.1108/BFJ-03-2018-0207
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) identificaram uma série de benefícios sociais, ambientais e econômicos para produtores e consumidores.

Por meio da CSA, produtores e consumidores convergem em uma comunidade vital e criativa que celebra a diversidade, tanto social quanto biológica, e fazem com que a justiça e a segurança alimentar se tornem realidade por meio dos produtos ecológicos e comercializados de uma forma mais justa para ambos (Henderson & Van En, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.). Por isso, talvez a CSA possa atuar como um contramovimento à mercantilização na agricultura.

Metodologia

Esta pesquisa constitui um estudo de caso, realizado através de observação participante, utilizando as técnicas de etnografia, entrevistas em profundidade e acesso a dados secundários. A coleta de dados ocorreu ao longo de sete meses num grupo de Minas Gerais, aqui denominado CSA Alfa. O Quadro 2 sintetiza as etapas da pesquisa.

Quadro 2
Estágios da pesquisa

Desta forma, a observação participante foi realizada em períodos em que se fez residência junto à família de um produtor (outubro de 2015 e abril de 2016), vivenciando a rotina de trabalho e as relações cotidianas com consumidores. Foram realizadas entrevistas em profundidade com o criador da CSA Alfa (denominado Mentor), com os agricultores (Produtor 1, Produtor 2 e Produtor 3), com consumidores participantes da gestão da organização (Coprodutor 1 e Coprodutor 2), com o técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) da região, e com vinte consumidores, incluindo os envolvidos em trabalhos voluntários.

As observações contemplaram as atividades produtivas, reuniões de gestão, momentos de interação entre agricultores e consumidores, transporte e entrega de cestas. Ao final da pesquisa foram obtidas 21 horas de gravação de entrevistas e 324 registros fotográficos, além das notas do diário de campo. As observações in loco foram intercaladas com acompanhamento à distância através de contatos telefônicos quinzenais com o Mentor e com o Produtor 1; monitoramento de correio eletrônico e aplicativo WhatsApp dos participantes da CSA Alfa; participação como ouvinte de reuniões de gestão via internet e contato frequente com os coprodutores integrantes da gestão. Ao longo da pesquisa, foi concedido acesso à pasta de e-mails da CSA Alfa desde a sua origem, possibilitando a leitura de todos os e-mails.

Malinowski (1978Malinowski, B. (1978). Argonautas do pacífico ocidental: Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. São Paulo, SP: Abril Cultural.) é precursor de estudos etnográficos cujas técnicas foram utilizadas neste estudo. A elaboração teórica forneceu elementos para a construção das categorias de análise que precederam o trabalho em campo. Mas essa construção foi dinâmica, com revisões e ampliações diante das situações deparadas na vivência em campo, em uma espécie de construção mútua entre a teoria e a prática.

Os dados obtidos foram explorados por meio de análise descritiva, seguindo a orientação de Angrosino (2009Angrosino, M. (2009). Etnografia e observação participante. Porto Alegre, RS: Bookman.) para decompor o fluxo de dados obtidos em busca de compreender padrões e regularidades e capturar os comportamentos partilhados pelo grupo. Miles e Huberman (1994Miles, M. B., & Huberman, A. M. (1994). Qualitative data analysis: An expanded sourcebook. Thousand Oaks: Sage.) fornecem uma lista de ferramentas para técnicas de codificação e esquemas sistemáticos a fim de preservar a riqueza de dados, criar categorias e reconhecer relações entre categorias. Eles foram observados nesta pesquisa. Nesse sentido, os principais passos utilizados na análise foram: (1) consolidação dos dados (seleção, transformação, codificação e agregação dos dados brutos); (2) apresentação de dados (organização e exibição de dados); e (3) elaboração de conclusões (identificação de relações entre categorias).

A codificação foi baseada na tese de contramovimento de Polanyi e buscou evidências em campo de situações apontadas principalmente por Sabourin (2009Sabourin, E. P. (2009). Camponeses do Brasil: Entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS ., 2014Sabourin, E. P. (2014). Acesso aos mercados para a agricultura familiar: Uma leitura pela reciprocidade e a economia solidaria. Revista Econômica do Nordeste, 45(supl. esp.), 18-30. Recuperado de http://bit.ly/3cOvgNh
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), mas também por Darolt et al. (2013Darolt, M. R., Lamine, C., & Brandemburg, A. (2013). A diversidade dos circuitos curtos de alimentos ecológicos: Ensinamentos do caso brasileiro e francês. Revista Agriculturas, 10(2), 8-13. Recuperado de http://bit.ly/2PUmumX
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), Gazolla (2004Gazolla, M. (2004). Agricultura familiar, segurança alimentar e políticas públicas: Uma análise a partir da produção de autoconsumo no território do Alto Uruguai/RS (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.), Petersen (2013Petersen, P. (2013). Editorial. Construção social dos mercados. Agriculturas, 10(2).), Ploeg (2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.) e Sacco dos Anjos et al. (2010Sacco dos Anjos, F., Caldas, N. V., & Hirai, W. G. (2010). Mudanças nas práticas de autoconsumo dos produtores familiares: Estudo de caso no sul do Brasil. Agroalimentaria, 16(30), 115-125. Recuperado de http://bit.ly/2VVhjXw
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). Neste sentido, a primeira análise foi feita manualmente e uma segunda foi realizada com o auxílio do software Nvivo 11, que suporta uma organização mais aprimorada em pesquisas qualitativas, aportando também a análise das imagens realizadas em campo.

Estudo de caso: a CSA Alfa

Os resultados estão apresentados de acordo com os objetivos: compreender o contexto e as motivações que originaram a CSA; o modo de operação; as trocas e implicações das relações de reciprocidade; e os impactos na reprodução material e social dos indivíduos.

Contexto e as motivações que originaram a CSA

A CSA Alfa surge na região metropolitana de Belo Horizonte por iniciativa de consumidores, cujas motivações informadas foram as seguintes: (1) uma alimentação saudável e de qualidade pela aquisição de alimentos orgânicos/agroecológicos; (2) uma aproximação de pessoas que tenham valores compartilhados e o mesmo estilo de vida; (3) o preço dos alimentos não aparece como motivação central, a maioria dos consumidores informou não se interessar pela comparação de preços; (4) incentivar a produção agroecológica local; (5) eliminar o intermediário ao comprar direto do produtor; e (6) conhecer a origem dos produtos que consomem.

Dentro da CSA Alfa o termo consumidor sequer é utilizado, o grupo faz referência a “coprodutores”. O Mentor explica que “o consumidor é aquele que vai lá no sacolão comprar e consumir, enquanto o coprodutor não é um consumidor, ele está financiando a produção, é um parceiro do produtor”. Respeitando a terminologia utilizada na CSA, a exposição dos resultados também utiliza esta nomenclatura.

Os dois primeiros agricultores que ingressaram na CSA Alfa (Produtor 1 e Produtor 2) têm histórico de vida e motivações similares. Ambos praticaram a monocultura convencional por décadas, sempre com o uso de fertilizantes químicos e, em diversos plantios, valiam-se do uso de agrotóxicos. Submetidos a intermediários na revenda da produção, ambos passaram dificuldades financeiras. O Produtor 1 optou pelo êxodo rural, retornando posteriormente à atividade. Ambos relatam que decidiram participar em razão da garantia do escoamento da produção, pois na modalidade anterior com frequência sofriam prejuízos.

Um terceiro produtor (Produtor 3) tenta se integrar à CSA Alfa. Ex-presidiário e dependente químico, ele percebe ali uma oportunidade para sua recuperação. Os coprodutores justificam aceitá-lo por solidariedade e responsabilidade para com a comunidade rural. O Coprodutor 1 explica que “a gente tem uma responsabilidade social de apoiá-lo. Se a proposta da CSA é transformação social, nada mais justo do que dar uma chance para ele recomeçar”.

Dessa forma, o contexto e as motivações que levaram à formação da CSA Alfa permitem antever a dinâmica da mercantilização no ambiente rural em que ela opera. As estratégias de engajamento podem indicar tentativas de resistência que buscam escoar a produção por meio da cooperação entre produtores e coprodutores que compartilham valores morais e riscos econômico-financeiros. Entretanto é preciso avançar na análise para compreender melhor se há indícios de um contramovimento nas práticas realizadas.

Modo de operação

No início da pesquisa a CSA Alfa era composta por dois agricultores (Produtor 1 e Produtor 2) que vivem na zona rural da região metropolitana de Belo Horizonte e 72 famílias de consumidores/coprodutores, a maioria residente em Belo Horizonte (MG). Com isso, era garantido o fornecimento de uma cesta semanal com alimentos suficientes para um grupo familiar de até quatro pessoas. Ao longo de tempo, alterações importantes ocorreram: (1) o ingresso do Produtor 3; (2) elevou-se o preço pago pelos coprodutores; (3) o número de coprodutores ampliou para 135 famílias; (4) mudou a sistemática de preparo das cestas para atender indivíduos que moram sozinhos; (5) o Produtor 1 incorporou o trabalho dos seus dois filhos à produção destinada à CSA (a seguir denominados Aprendiz 1 e Aprendiz 2).

A CSA Alfa é uma associação informal, mas tem um regimento interno que expressa claramente três princípios: alimentação saudável, agricultura sustentável e transformação social. As relações de confiança são essenciais. Esta palavra aparece espontaneamente e com muita frequência no relato dos produtores e coprodutores para justificar a ausência de um contrato formal, a dinâmica que envolve o pagamento prévio pelos coprodutores, o ato de produzir do agricultor e a ausência de certificação formal. Os envolvidos acreditam e confiam no compromisso assumido entre eles. Insinua-se assim a preponderância de vínculos pessoais e simétricos que pautam o princípio da reciprocidade na sua articulação com a troca de mercado. Os valores afetivos e morais produzidos e relatados por agricultores e coprodutores sob os rótulos da confiança e do senso de responsabilidade correspondem a relações de reciprocidade. Ao que tudo indica, são esses sentimentos de pertencimento e de confiança que conferem força ao que a CSA representa.

Um relato do Mentor reforça essa compreensão. Ele explica que nem todos os candidatos a coprodutores assumem a mesma postura em relação à ausência de um contrato formal. Alguns deles questionam essa relação entre fornecedor e coprodutor. Ele responde que “a CSA não é fornecedora, a nossa relação de consumo é outra” (Mentor, 2016) e finaliza explicando a esses possíveis coprodutores as informações da Carta de Princípios da CSA Alfa. O Mentor diz que, se a pessoa não concorda com esses valores, ele orienta a não ingressar no grupo. Ele explica que isso normalmente ocorre quando os coprodutores buscam apenas uma vantagem econômica, querendo comprar orgânicos com preço menor do que em outros canais, e que por vezes essas pessoas ingressam na CSA mesmo com todos os avisos, mas que, em seguida, acabam saindo:

À primeira vista, a grande vantagem da CSA até pode parecer reduzir o preço dos orgânicos para o consumidor, mas isso não é o mais importante para nós, o mais importante é esse novo modelo de consumo que nós acreditamos, a transformação social. Na CSA, você não vai escolher o que você vai comprar, você está investindo, por isso que paga mais barato, porque não escolhe, vai o que conseguiu produzir e a pessoa tem que aceitar isso, e em geral a maioria entende isso e nós não temos problema. Tem uma minoria que fica questionando e vai saindo depois, o que para nós até é bom, a gente os agradece por saírem, porque não serve ter pessoas que não entendem a filosofia da CSA. (Mentor, 2016)

Esse relato reforça a compreensão de que, nessa situação de ingresso, a reciprocidade se sobressai ao princípio da troca de mercado: ao identificar a presença dos valores relacionados à noção do cálculo utilitário e a busca pela satisfação dos interesses materiais privados, a opção adotada na CSA Alfa é deixar de vender essas cotas mensais para as cestas de alimentos a fim de promover ou valorizar outro tipo de relacionamento entre o grupo. Essa busca pela preservação da coesão social reforça um movimento em favor da tese do contramovimento de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .), uma vez que o interesse pelo fator humano se sobressai à questão econômica.

Os alimentos são plantados sem uso de agrotóxicos ou fertilizantes, valendo-se de esterco e produtos naturais. A colheita da semana é dividida entre os coprodutores vinculados. O acordo prevê que o produtor deve planejar a produção para entregar uma variedade mínima de sete diferentes alimentos nas cestas - legumes, vegetais e frutas frescas e da estação. Se for possível colher mais do que esse mínimo na área de plantio destinada para a CSA, os produtos vão para a cesta. Na ocorrência de imprevistos, a quantidade é menor ou não haverá envio de produtos, sendo este risco assumido previamente pelos participantes. A cesta é similar a relatos da literatura (Brown & Miller, 2008Brown, C., & Miller, S. (2008). The impacts of local markets: A review of research on farmers markets and community supported agriculture (CSA). American Journal of Agricultural Economics, 90(5), 1298-1302. doi:10.1111/j.1467-8276.2008.01220.x
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; Henderson & Van Em, 2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.).

A distribuição ocorre em Belo Horizonte, realizada pelos próprios coprodutores, que trabalham voluntariamente. Do valor pago pelos coprodutores, 70% fica para o produtor e 30% são para gerir a CSA Alfa. Além de terem fundado a iniciativa, os coprodutores realizam a maior parte da gestão. Eles explicam que o produtor quer lidar somente com o plantio: estas informações são confirmadas e, com frequência, ressaltas pelos próprios produtores.

O trabalho para manter a CSA Alfa ocorre de forma voluntária, permitido a todos que tiverem interesse. Um grupo menor de coprodutores voluntários forma o núcleo de gestão. As decisões cotidianas são realizadas via aplicativo WhatsApp entre todos os coprodutores e produtores. Estes são os responsáveis pelas decisões no processo produtivo, mas os coprodutores os acompanham e os ajudam ativamente. A rotina semanal envolve visita de alguns coprodutores aos agricultores para acompanhamento da plantação. Vale ressaltar que as atividades têm apoio e orientação da Emater regional.

Nos relatos sobre o funcionamento da CSA Alfa há algumas evidências de que o predomínio da agricultura convencional não eliminou as outras lógicas de regulação econômica. Na comercialização dos alimentos despontam algumas diferenças em relação aos canais tradicionais de mercado. A primeira delas é que a CSA se situa entre a troca mercantil e a reciprocidade, formando um sistema misto por meio da venda direta e ações que integram produtor e coprodutor. A segunda diz respeito à forma de produção distante do método convencional: grande variedade de alimentos sob um mesmo produtor, com ampla utilização de esterco e folhas como adubos orgânicos. A forma plural manifesta na CSA Alfa permite pensar a existência de um contramovimento (nos termos de Polanyi) à mercantilização dos sistemas alimentares. O contato direto entre os envolvidos prioriza as relações humanas e valores afetivos e morais. Portanto, adquire importância analisar as relações de reciprocidade e seus desdobramentos.

Trocas e implicações das relações de reciprocidade

Ainda que as relações na CSA Alfa sejam também regidas pela lógica inerente ao princípio da troca de mercado, a forma como ocorrem evidencia uma série de situações de ajuda mútua, solidariedade e compartilhamento. Percebe-se a existência do princípio da reciprocidade indicado por Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) no plano teórico, o qual Sabourin (2009Sabourin, E. P. (2009). Camponeses do Brasil: Entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS ., 2014Sabourin, E. P. (2014). Acesso aos mercados para a agricultura familiar: Uma leitura pela reciprocidade e a economia solidaria. Revista Econômica do Nordeste, 45(supl. esp.), 18-30. Recuperado de http://bit.ly/3cOvgNh
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) denomina de sistemas mistos entre reciprocidade e troca.

Nesse sentido, foram identificados quatro fatores que podem indicar o predomínio das relações de reciprocidade, formando ações que se aproximam de um contramovimento. O primeiro fator remete a um compartilhamento prévio da visão de mundo entre os participantes, o que foi identificado anteriormente, promovendo um engajamento não atrelado a questões financeiras. O segundo fator refere-se à forma de produzir, que se opõe ao método convencional não por questão de rentabilidade, mas por buscar a qualidade nutricional do alimento aliada à preocupação de preservar a natureza. O terceiro fator diz respeito à forma que a troca diretamente assume: a associação entre as pessoas, a regularidade das prestações, a eliminação do intermediário, a prática de coprodutores acompanharem a produção agrícola e a participação coletiva nas decisões sobre as atividades do grupo. O quarto e último fator é a realização de atividades conjuntas entre as famílias de coprodutores e as famílias dos agricultores dentro e fora do circuito comercial, incluindo aí a coprodução e o lazer.

Este conjunto de fatores, que serão detalhados a seguir, evidencia a presença de relações de reciprocidade nas operações da CSA Alfa. Assim, ao não buscar apenas o cálculo e a satisfação dos interesses materiais privados (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .; Sabourin, 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .), estas atividades trazem necessariamente implicações diferentes. Nesse caso identifica-se que, além da utilidade material, há o afastamento da competição e o estabelecimento de valores afetivos e morais de amizade, confiança, reconhecimento mútuo, solidariedade e fidelidade. Além de observados em situações reais, esses princípios são frequentemente confirmados pelo relato dos participantes.

Na CSA Alfa as trocas não são atos impessoais entre ofertante e demandantes: não há venda de cestas para o público geral. O produtor e o coprodutor que desejam ingressar no grupo precisam assumir o compromisso com suas prestações de regularidade, aceitação de riscos e tolerância. Isso indica a busca por estabelecer um compartilhamento de valores comuns (Sabourin, 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .), em que o objeto de partilha importa (alimento), desde que imerso em relações sociais específicas. Aparecem na fala dos coprodutores e dos produtores a confiança, a amizade, a justiça e a responsabilidade como resultado do engajamento. Isso corresponde à reciprocidade simétrica já identificada em ambientes rurais por Sabourin (2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .). Indicam na prática o princípio apontado por Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). De fato, Henderson e Van En (2007Henderson, E., & Van En, R. (2007). Sharing the harvest: A citizen’s guide to Community Supported Agriculture. White River Junction: Chelsea Green Publishing.) entendem a adesão dos pequenos produtores como uma estratégia para contornar a exposição a mercados concentrados e competitivos, e que a partilha de riscos entre consumidores e produtores constitui uma alternativa concreta ao domínio do agronegócio, numa forma que se diferencia do sistema convencional também pelo uso de técnicas agroecológicas. Estes elementos foram identificados na CSA Alfa.

As interações são essenciais tanto para a produção de bens quanto de valores (morais). Nesse sentido, a CSA Alfa constitui uma cadeia curta sob um sistema misto entre troca de mercado e reciprocidade (Sabourin, 2003). No plano teórico, sobressai a reciprocidade (Polanyi, 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). A interface de encontro entre produtor e coprodutor é o que permite redobrar uma relação de reciprocidade e gerar valores afetivos e morais. Dentre as formas de interação estão as visitas semanais dos coprodutores para acompanhar a produção, além da interação entre os participantes nos pontos de entregas das cestas. Aqui, verifica-se a aproximação entre coprodutores: nas situações observadas foi possível perceber que, em vez de simplesmente retirarem as cestas, eles permaneciam no local em rodas de conversa, alguns pelo turno inteiro da entrega.

O mais amplo e abrangente evento de interação na CSA Alfa é bimestral, num final de semana em que as famílias de coprodutores acampam nas terras de um agricultor e participam de mutirões de plantio - o que Sabourin (2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .) define como uma das manifestações típicas da reciprocidade conceituada por Polanyi. Eles fazem refeições coletivas, atividades como dança, jogos de cartas, caminhadas, práticas espirituais, ioga e reiki, dentre outros. Em alguns desses eventos, realizam-se assembleias para a tomada de decisão coletiva. Em alguns momentos de interação, produtores e coprodutores conversam sobre crudivorismo, promoção da saúde pela alimentação e melhor aproveitamento dos alimentos.

Esta série de interações produz um senso de amizade, de responsabilidade e de confiança relatado por muitos, tanto produtores quanto coprodutores. Uma coprodutora explicou que a vantagem de participar da CSA Alfa em relação aos canais tradicionais de compra de alimentos é a interação entre as pessoas. Nesses casos, é evidente que a relação social ou afetiva entre os sujeitos é mais importante que a natureza material da prestação do trabalho. Tal como aponta Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.), estas relações estabelecidas, típicas da reciprocidade, constituem um mecanismo oposto à simples troca do mercado.

Ao longo da pesquisa foi possível acompanhar duas estações nas quais a seca ou as fortes chuvas afetaram a colheita significativamente. A grande maioria das pessoas aceitou os poucos e pequenos itens recebidos nas cestas. Provavelmente essas manifestações de solidariedade e tolerância derivam do prévio estabelecimento de relações de reciprocidade. Nesse momento, há clara prevalência da reciprocidade sobre a troca de mercado (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.), evidenciando que esses grupos possuem alguma característica que permite agregar valores humanos às relações comerciais e em alguma medida, aproximar-se do conceito do contramovimento. Quando o coprodutor demonstra tolerância com os alimentos que recebe em períodos de escassez, quando aceita produtos de época e quando opta por financiar a produção do agricultor, assumindo em conjunto os riscos, percebe-se novas formas de ajuda mútua, com ações regidas primordialmente pela reciprocidade. Uma maior coesão na sociedade em alguma proporção é fortalecida.

A reciprocidade evidencia-se também quando há trabalho voluntário, seja na administração, acompanhando a produção ou auxiliando a entrega das cestas. Cada um colabora com suas habilidades, situação que Sabourin (2009Sabourin, E. P. (2009). Camponeses do Brasil: Entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro, RJ: Garamond.) classifica como um compartilhamento do trabalho. Por exemplo, as pessoas que têm formação em áreas relacionadas à agricultura dispuseram-se voluntariamente a trabalhar auxiliando no planejamento e acompanhamento da produção.

Destaca-se a ausência de certificação formal do método agroecológico de produção. De fato, ocorre uma certificação por confiança, originada pela reciprocidade e descrita por Sabourin (2009Sabourin, E. P. (2009). Camponeses do Brasil: Entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro, RJ: Garamond., 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .) e Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). Para explicar essa situação, os entrevistados da CSA Alfa insistem na semântica da confiança: “os coprodutores da CSA não exigem a certificação porque é tudo na base da confiança mesmo, não tem assinatura de ninguém, eles confiam que nós vamos produzir sem veneno e a gente confia que eles vão pagar” (Aprendiz 1, 2016); “eu sei porque eu confio nos agricultores e eu conheço eles” (Coprodutor 1, 2016). A última fala sinaliza a importância do contato direto, que resulta do encurtamento da cadeia de distribuição. Ao eliminar o intermediário, aproxima produtor e consumidor, além de fortalecer as relações de confiança ao abrir a unidade produtiva para visitas regulares. O resultado é que o papel dos consumidores é consideravelmente ampliado por colaborações eventuais no plantio, na colheita e na entrega, além de atividades de lazer promovidas no espaço produtivo.

Os resultados sinalizam que, em razão da aproximação entre produtor e coprodutor e das decorrentes práticas de reciprocidade estabelecidas, é possível adicionar, além do valor utilitário, sentimentos e questões morais às transações, que são mais decisivos do ponto de vista das práticas econômicas da CSA Alfa. Resulta que o predomínio da lógica de reciprocidade de Polanyi define essencialmente uma nova forma de produção e distribuição de alimentos que, mesmo inserida no sistema capitalista, atua na direção oposta à mercantilização.

O que se verifica ao longo do relato sobre o funcionamento da CSA Alfa é que o predomínio da agricultura convencional e dos valores associados ao princípio de troca nos sistemas alimentares não eliminou outras lógicas que também são capazes de atuar na regulação econômica. A comercialização dos alimentos neste grupo de CSA é o que remete ao componente mercantil, entretanto a CSA Alfa apresenta algumas diferenças em relação aos canais tradicionais de mercado. A primeira é que ela implementa uma interface ou hibridação (variando conforme a lente teórica utilizada) entre a troca de mercado e a reciprocidade, formando um sistema misto por meio da venda direta de produtos agrícolas, da eliminação do intermediário e das atividades de integração entre produtor-coprodutor e entre coprodutor-coprodutor. Esses laços estabelecidos pelo encurtamento da cadeia possibilitam a retomada de aspectos decisórios para as comunidades, com avanços relativos à autonomia. A ajuda mútua, a solidariedade, o compartilhamento de trabalho e de saberes ampliam a proteção em relação aos mecanismos de mercado e à competição. Assim, permitem um resgate de valores como solidariedade e confiança, geralmente ausentes nas relações de mercado. Constituem mecanismos de resistência e fortalecimento de autonomia, considerados por Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) como características de um contramovimento.

Para França Filho (2004França Filho, G. C. (2004). A problemática da economia solidária: um novo modo de gestão pública? Cadernos EBAPE.BR, 2(1). doi:10.1590/S1679-39512004000100004
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, 2007França Filho, G. C. (2007). Teoria e prática em economia solidária: problemática, desafios e vocação. Civitas, 7(1), 155-174.), esse circuito integrado de relações socioeconômicas entre produtores e coprodutores estimula uma lógica de rede nesses territórios, na qual a competição perde a importância, assim como perde sentido a consideração da oferta e da demanda como entidades abstratas harmonizadas por uma mão invisível, sinônimo da autorregulação do mercado. O resgate da produção e do consumo local, da territorialização, trazem à tona as propostas de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.) e Sabourin (2014Sabourin, E. P. (2014). Acesso aos mercados para a agricultura familiar: Uma leitura pela reciprocidade e a economia solidaria. Revista Econômica do Nordeste, 45(supl. esp.), 18-30. Recuperado de http://bit.ly/3cOvgNh
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) em relação a fatores identitários das relações de reciprocidade, que Petersen (2013Petersen, P. (2013). Editorial. Construção social dos mercados. Agriculturas, 10(2).) entende serem capazes de auxiliar a catalisar movimentos de resistência voltados à relocalização do controle dos sistemas alimentares.

No centro das disputas ideológicas apresentam-se tanto os produtores quanto os coprodutores. Não é apenas o produtor, pois o coprodutor exerce papel preponderante no processo de mudança social. Ele pode estimular a produção e distribuição de alimentos mediante os processos de mercantilização ou pode questionar essa lógica (Betti, Feniman, Schneider, & Nierdele, 2013Betti, P., Feniman, E., Schneider, T., & Nierdele, P. (2013). O consumo politizado como resposta à crise socioambiental: As justificativas sociais da compra de produtos orgânicos em feiras-livres de Curitiba. In P. A. Nierdele, L. Almeida, & F. M. Vezzani (Orgs.), Agroecologia: Práticas, mercados e políticas para uma nova agricultura (pp. 267-296). Curitiba, PR: Kairós.). Há espaço para as pessoas participarem, há empreendedores cívicos com postura mais coletiva do que individual, que transformam projetos em realidade. O que realizam não pode ser explicado pela espera de um retorno sobre o investimento, pois a pressão por lucratividade não é determinante. Isso havia sido identificado por Laville (2001Laville, J. L. (2001). Economia solidária, a perspectiva européia. Sociedade e Estado, 16(1-2), 57-99. doi:10.1590/S0102-69922001000100004
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). De fato, há valores morais e de amizade envolvidos (Polanyi, 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .). De alguma forma este tipo de relação estabelecida na CSA é capaz de atender a proposição de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.) e de Porto-Gonçalves (2012Porto-Gonçalves, C. W. (2012). A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.) de impor limites ao mercado e não o dissociar da vida em sociedade e da dependência do homem em relação à natureza.

Tal como propõe Laville (2001Laville, J. L. (2001). Economia solidária, a perspectiva européia. Sociedade e Estado, 16(1-2), 57-99. doi:10.1590/S0102-69922001000100004
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), as associações com a CSA Alfa podem redescobrir o potencial organizador da sociedade fazendo referência à existência de uma maior solidariedade. Essa solidariedade permite movimentos capazes de defender os sistemas locais de produção e consumo, dos quais Ploeg (2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.) forneceu algumas pistas para alertar sobre a importância de atividade de CSA como uma crítica simbólica, uma insubordinação e uma alternativa aos impérios alimentares. Essa é a implicação das relações de reciprocidade no circuito da CSA Alfa: afastar da lógica de mercado, proporcionar uma alternativa mais justa de comercialização e ampliar a autonomia relativa e o grau de coesão da comunidade em questão.

Se a reciprocidade é um princípio antagônico à troca ao não buscar apenas a noção do cálculo e a satisfação dos interesses materiais privados (Polanyi 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .; Sabourin, 2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .), ela necessariamente traz implicações diferentes. O que permanece é a proposta da hibridação já levantada por Sabourin. Assim, é muito factível afirmar que a CSA constitui uma rede de produção e comercialização de alimentos agroecológicos com espaços de reciprocidade que atuam, principalmente, em função do encurtamento das cadeias e das relações entre produtores e coprodutores produzidas em decorrência disso. Mas essas relações estão inseridas em uma forma de produção capitalista e servem como contramovimentos e alternativas à mercantilização dentro desse contexto.

Essa noção de contramovimento extrapola o real e adentra o simbólico por meio da fala de alguns coprodutores. Para aqueles que forneciam explicações mais elaboradas e com elementos de crítica quando explicavam a sua vinculação à CSA Alfa, foi questionado se consideram a CSA uma forma de resistência a algo e eles fizeram respostas muito elaboradas e críticas fortes à forma de produzir tradicional. De fato, a noção do duplo movimento de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) somada à questão da dominação proposta por Fraser (2014Fraser, N. (2014). Can society be commodities all the way down? Post-Polanyian reflections on capitalist crisis. Economy and Society, 43(4), 541-558. doi: 10.1080/03085147.2014.898822
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, 2017Fraser, N. (2017). A triple movement? Parsing the politics of crisis after Polanyi. In M. Burchardt, & G. Kirn (Eds.), Beyond neoliberalism (pp. 29-42). London: Palgrave Macmillan.) está bastante presente nas motivações para o engajamento dos coprodutores: eles se posicionam como partidários de algum tipo de emancipação, cujo objetivo principal é libertar-se de um tipo de dominação que atribuem aos efeitos negativos dos mercados globais de distribuição de alimentos.

Em decorrência do que foi exposto, talvez a noção de hibridação e complementaridade entre os princípios de regulação seja menos adequada. A relação entre os princípios não é sempre harmônica, podendo ser mais interessante falar de uma interface em razão do antagonismo que existe entre elas. De toda forma, o que interessa à análise é que despontam como principais elementos geradores dessa pluralidade das formas econômicas (Polanyi 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.) que se fazem presentes na CSA Alfa, o encurtamento da cadeia pela eliminação do intermediário e a busca pela convivência entre as pessoas. O contato direto entre produtor- coprodutor, produtor-produtor e coprodutor-coprodutor prioriza as relações humanas em detrimento da troca com vistas ao lucro, e daí podem surgir os valores afetivos e morais. É nesse contexto que adquire importância analisar as relações de reciprocidade e seu desdobramento na manutenção e ampliação da autonomia relativa e da coesão social.

Reprodução material e social dos indivíduos

Os relatos dos coprodutores e as interações observadas entre eles parecem indicar que a participação na CSA Alfa fortalece alguns aspectos vinculados à sua reprodução material e social. Uma dieta isenta de agrotóxicos ou outros produtos químicos promove a saúde humana. O conhecimento da procedência dos alimentos e a construção de um senso de comunidade em torno da alimentação despontam como os principais benefícios gerados aos coprodutores pelo engajamento neste grupo. Nesse sentido, uma parcela significativa de indivíduos alterou os seus hábitos alimentares em direção a uma dieta mais saudável. Passaram a consumir mais frutas, legumes e vegetais, adaptaram a alimentação aos ingredientes que recebem nas cestas, passaram a cozinhar e alimentar-se mais no ambiente doméstico e aprenderam novas receitas mediante as interações com os produtores e com os demais coprodutores. As interações são essenciais para este resultado.

Ainda que apenas uma minoria tenha informado que comparou preços com outros canais, aqueles que o fizeram disseram que participar da CSA Alfa permite uma redução de gastos, facilitando a sua reprodução material. Essa compreensão é reforçada por alguns coprodutores que integram o núcleo de gestão, que trabalham com os produtores na definição dos preços. Segundo eles, para propor os novos valores das mensalidades um dos critérios foi um meio termo entre os valores pagos a produtores por intermediários e os valores cobrados de coprodutores em pontos finais de venda de alimentos orgânicos.

Em relação aos agricultores, uma série de questões vêm a favorecer a autonomia relativa e fortalecer a sua capacidade de produção e reprodução no ambiente rural, tanto nos aspectos materiais de existência quanto naqueles atrelados ao ambiente social e cultural. Já foram aqui relatadas as relações de reciprocidade que se estabelecem entre produtor e coprodutor por meio da ajuda mútua e do compartilhamento e que resultam, dentre outros, em solidariedade, tolerância, fidelidade e comprometimento mútuos. Há que destacar também o afastamento dos mecanismos de mercado mediante reciprocidade mobilizada na comunidade rural e incentivada pela CSA Alfa e a garantia do escoamento da produção em virtude do financiamento prévio, permitindo ajustar o plantio de acordo com a demanda.

Também podem ser considerados sob o viés da ampliação da autonomia relativa dos produtores a aceitação e a valorização por parte dos coprodutores dos alimentos que recebem na cesta, independentemente do seu tamanho e aparência; a ampliação dos recursos mobilizados na unidade produtiva agrícola em vez do mercado; a autonomia de decisão a respeito do processo produtivo; a remuneração do agricultor; e a manutenção de outros canais de comercialização que não geram dependência das atividades da CSA.

Em relação à aceitação dos alimentos, em diversas situações o Produtor 1 (2016) afirmou que: “os coprodutores da CSA querem qualidade e não boniteza”. Uma situação destas ocorreu na colheita de cenouras, quando o Produtor 1 e os Aprendizes 1 e 2 mostraram cenouras pequenas aceitas e valorizadas na CSA. Nos canais convencionais, a aparência nunca pode estar fora de um padrão estético que pouco tem a ver com o valor nutricional.

A CSA Alfa tem levado os agricultores a ampliarem os recursos mobilizados na própria unidade produtiva. Isso ocorre em quatro diferentes situações: a utilização de esterco e folhas como adubo naturais substituindo fertilizantes industrializados, o uso de caldas orgânicas em vez de defensivos químicos industrializados, o movimento ainda em fase inicial em direção à produção de suas próprias mudas e sementes e a produção para o autoconsumo familiar. Nessas quatro situações, redistribuição e reciprocidade (Polanyi, 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., 2012bPolanyi, K. (2012b). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto .) detém papéis centrais, com efeitos similares àqueles indicados por Sacco dos Anjos et al. (2010Sacco dos Anjos, F., Caldas, N. V., & Hirai, W. G. (2010). Mudanças nas práticas de autoconsumo dos produtores familiares: Estudo de caso no sul do Brasil. Agroalimentaria, 16(30), 115-125. Recuperado de http://bit.ly/2VVhjXw
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), Gazzola (2004), Ploeg (2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.) e Sabourin (2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .) na ampliação da autonomia relativa.

A produção para o autoconsumo do grupo familiar também apareceu como um dos recursos mobilizados na própria unidade produtiva em vez do mercado em decorrência da participação do agricultor na CSA Alfa. Os agricultores relataram que já não compram legumes, vegetais nem frutas no mercado, pois consomem praticamente tudo o que plantam. O Produtor 1 explica que a prática de produzir para o consumo do grupo familiar era realizada no passado, mas que, em razão do monocultivo, esse hábito foi sendo perdido por sua família. Isso foi resgatado através do engajamento na CSA.

Da mesma forma há fortes indicativos de que a remuneração recebida pelos agricultores na CSA Alfa esteja atrelada a uma maior autonomia relativa. Eles com bastante frequência afirmaram que a CSA lhes proporciona uma situação financeiramente confortável e que a remuneração recebida é melhor do que nas atividades anteriores. Em determinada ocasião, o Produtor 1 (2016) disse: “A CSA paga mais do que as outras e o dinheiro é garantido, é sagrado, você pode contar com ele”. O Produtor 2, da mesma forma, disse que a CSA é até o momento a atividade que melhor lhe remunerou no ambiente rural. Os Produtores 1, 2 e 3 relataram que a CSA oferece vantagens em razão da garantia do escoamento da produção, do financiamento e dos riscos compartilhados com coprodutores. Em relação à produção agroecológica e à diversificação da produção, os resultados encontrados aproximam-se dos achados de Teixeira e Pires (2017Teixeira, C. T. M., & Pires, M. L. L. S. (2017). Análise da relação entre produção agroecológica, resiliência e reprodução social da agricultura familiar no sertão do Araripe. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55(1), 47-64. doi:10.1590/1234-56781806-94790550103
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), uma vez que foi verificado o acesso a uma dieta mais balanceada e o favorecimento da reprodução material e social da agricultura familiar.

Neste grupo ocorreu uma reversão do êxodo agrícola, com as famílias vivendo no campo e dedicadas a atividades agropecuárias (Abramovay, 2007Abramovay, R. (2007). Paradigmas do capitalismo agrário em questão (3a ed.). São Paulo, SP: Edusp.). Também ocorreu o que Ploeg (2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.) define como influxo, que é o movimento de pessoas que não são agricultores camponeses que passam a integrar essa força produtiva. Isso porque os filhos do Produtor 1 passaram a exercer a atividade de agricultores pela primeira vez para atender a demanda da CSA Alfa. Ambos já viviam com suas famílias nas terras do Produtor 1, mas trabalhavam em atividades em zonas urbanas. Para alguns coprodutores, isso é visto como um dos benefícios de participar de uma CSA. Uma das entrevistadas relatou: “Considero um privilégio a oportunidade de fazer parte de um sistema que coopera para que famílias consigam viver no campo” (Coprodutora 2, 2016).

Conclusões

O argumento neste estudo parte da compreensão de que o modelo convencional de lidar com os sistemas alimentares, que é hegemônico no capitalismo, realiza um movimento de mercantilização da agricultura que prejudica a coesão na sociedade. Essa mercantilização leva a uma perda de controle dos indivíduos sobre a sua reprodução material e social, quer estejam na condição de produtores rurais, quer estejam na condição de consumidores. Há uma dependência cada vez maior do capital financeiro e industrial para a realização das atividades agrícolas. A livre circulação de mercadorias estimula uma competição desleal que, ao contrário do que se propõe, reduz os valores pagos aos produtores ao mesmo tempo que eleva o preço pago pelos coprodutores, especialmente em decorrência da inserção de intermediários na cadeia de distribuição. O uso de sementes modificadas, agroquímicos, adubos e fertilizantes industriais, dentre outras técnicas provenientes da Revolução Verde, diminui a qualidade nutricional dos alimentos, traz prejuízos à saúde humana, degrada o meio ambiente, impacta nos custos de produção e reduz a autonomia dos produtores e coprodutores. Em decorrência dessa mercantilização a sociedade enfrenta, no mínimo, um incremento de pobreza, insegurança alimentar, êxodo rural, danos à saúde e ao meio ambiente e uma perda do senso de comunidade e de solidariedade.

Destarte, a lente teórica de Karl Polanyi constitui a linha central da argumentação como possíveis alternativas para a sociedade lidar com estes problemas, pois fornece as ferramentas analíticas para compreender o conceito e as formas de expressão do movimento de mercantilização, de que forma ele impacta na coesão social e o porquê da advertência em relação à autorregulação e aos livres mercados. Mediante a análise da efemeridade da economia capitalista, é possível apontar algo além da crítica.

O conceito de contramovimento (Polanyi 2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.) como resistência e meio necessário para resgatar a autonomia relativa dos indivíduos soma-se à constatação da pluralidade e coexistência dos princípios de regulação econômica para oferecer possibilidades nas quais a relação com o alimento não é mercantilizada. As relações econômicas têm estruturas que vão além do mercado e são essas interações e vínculos sociais que motivam, justificam e demonstram a importância de pesquisar a agricultura sustentada pela comunidade.

Analisando o que justifica a associação da CSA a um contramovimento, ela pode ser pensada como uma proto-instituição que, apesar de não subverter o mercado, pode potencialmente abrir espaço para a emergência de mediações entre produção e consumo orquestradas por padrões de troca não mercantis, especialmente a reciprocidade. Em decorrência disso, ofertantes, demandantes e as pessoas envolvidas neste processo passam a operar com um pouco mais de independência vis-à-vis o domínio do grande capital e das corporações.

Um ponto importante dialoga com os achados de Abdalla (2014Abdalla, M. M. (2014). Repensando o duplo movimento polanyiano a partir do desenvolvimento de estratégias sociais: Um olhar sobre o setor de energia nucleoelétrica à luz da opção decolonial (Tese de doutorado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.), que identificou atores que exercem papéis de proteção social de forma análoga ao contra movimento polanyiano, mas com a diferença da prática ambivalente exercida pela hegemonia, uma vez que estes atores podem exercer atividades em favor do mercado e do neoliberalismo ao mesmo tempo que buscam favorecer a sociedade. Abdalla (2014Abdalla, M. M. (2014). Repensando o duplo movimento polanyiano a partir do desenvolvimento de estratégias sociais: Um olhar sobre o setor de energia nucleoelétrica à luz da opção decolonial (Tese de doutorado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.) considera que no cenário analisado as ações de proteção social parecem estar servindo especialmente aos interesses da hegemonia mais do que à sociedade. Os achados neste estudo analisando a CSA Alfa mostram que de fato muitas atividades de contramovimento não se afastam do princípio de mercado. Apesar de não se afastar, estas iniciativas resgatam e fortalecem as demais formas de integração econômica indicadas por Polanyi. Ao fazer isso, permitem uma coesão social maior ao gerar vínculos mais humanos e trazer uma maior autonomia relativa a diversos atores na sociedade. Nesta situação, operam como contramovimentos. Entretanto, o contexto analisado difere daquele contemplado por Abdalla (2014Abdalla, M. M. (2014). Repensando o duplo movimento polanyiano a partir do desenvolvimento de estratégias sociais: Um olhar sobre o setor de energia nucleoelétrica à luz da opção decolonial (Tese de doutorado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.) em dois pontos: as atividades de CSA operam num contexto de baixo uso tecnológico se comparado ao campo da energia nucleoelétrica; e a atividade da CSA nos grupos analisados tiveram início por parte de atores que se sentiam prejudicados pelos métodos hegemônicos de comercialização.

Portanto, levando em consideração as ideias do próprio Polanyi, parece possível entender que uma CSA tem traços de uma institucionalidade que potencializa uma combinação virtuosa de instituições de mercado e instituições de reciprocidade, quando é capaz de aproximar por meio de uma cadeia curta ofertantes e demandantes e, ao mesmo tempo, recuperar a vida social e cultural em torno do alimento. Um segundo aspecto relevante é o fato de que se trata de uma forma de organização centrada na vida social moderna, racional, diferenciada, aberta e dinâmica, que por isso mesmo pode ser disseminada como um padrão institucional de relação de produção e consumo de alimentos.

A favor desta hipótese, Fleck (2014Fleck, A. (2014). Revisitar Polanyi? Notas sobre uma tentativa de atualização crítica. Princípios, 21(36), 295-316. Recuperado de http://bit.ly/2VW6sNd
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) oferece sugestões sobre a forma institucional das alternativas à mercantilização na vida social moderna:

Os movimentos não são apenas ambivalentes, eles são sobretudo conflitantes. Por mais que a mercantilização tenha um efeito benéfico, como já fora notado por Marx e Simmel, na medida em que desintegra as formas de relação preexistentes e, por conseguinte, também as hierarquias opressivas presentes nelas, é preciso perceber que a mercantilização da sociedade já atingiu um tal nível que não resta muito a desintegrar senão as próprias hierarquias opressivas que a própria mercantilização institui no lugar das antigas. Pode-se dizer, assim, que a missão civilizatória do capitalismo já foi concluída. A questão [hoje] é apenas como conciliar demandas protetivas com emancipatórias, instaurando um contramovimento que possa ser eficaz contra a destruição atualmente em curso, e não demandas que sejam mediadas também pelo aumento da mercantilização. (p. 314)

Dito isto, este estudo verificou que uma CSA é uma proposta que não se afasta do sistema capitalista, todavia coloca-se simultaneamente como uma crítica ao mercado convencional de alimentos e como uma alternativa de comercialização mais justa. Há evidências de que a CSA Alfa manifesta o contramovimento à mercantilização da agricultura e dos sistemas alimentares. A análise corroborou a suposição de que os grupos humanos não são passivos aos efeitos da mercantilização. As formas de regulação que configuram a CSA Alfa operam padrões de troca mistos: mercantil e reciprocitário, com predomínio deste último. As trocas emergem numa relação humana que privilegia o ato em vez do objeto e do interesse privado, indo ao encontro das proposições de Polanyi (2012aPolanyi, K. (2012a). A grande transformação: As origens da nossa época (2a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.) e Sabourin (2011Sabourin, E. P. (2011). Sociedades e organizações camponesas: Uma leitura através da reciprocidade. Porto Alegre, RS: UFRGS .). As relações de reciprocidade resultam em solidariedade, tolerância, fidelidade e comprometimento mútuos e, principalmente, na ampliação da autonomia relativa dos indivíduos e no estabelecimento de um ethos comunitário em torno do alimento. Dessa forma, a experiência observada pode indicar um contramovimento quando favorece a autonomia relativa e eleva a coesão social do grupo humano. Trata-se de uma economia que não prescinde de produtores e coprodutores, mas que recupera o controle social sobre as transações entre os participantes, protegendo-se, em alguma medida, das oscilações de preços e instabilidades relacionadas ao padrão de mercado autorregulado.

Convém resgatar também uma passagem de Cangiani (2012Cangiani, M. (2012). A teoria institucional de Karl Polanyi: A sociedade de mercado e sua economia “desenraizada”. In K. Polanyi (Org.), A subsistência do homem e outros ensaios correlatos (pp. 11-46). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.) a respeito do modo com que Polanyi insiste na irreversibilidade da “ruptura radical representada pela moderna sociedade de mercado”. Isto significa que não há retorno a uma economia enraizada, mas sim a instituição de uma forma moderna de controle pela sociedade, “com base na vida social moderna, racional, diferenciada, aberta e dinâmica, e, primordialmente, por meio de instituições políticas que permitam a liberdade dos indivíduos, na medida em que sejam democraticamente instituídas” (p. 31).

Os resultados sinalizam que a CSA Alfa, permeada pela lógica da reciprocidade, pode constituir um motor de produção eficiente e eficaz, mesmo quando comparado àquele orientado unicamente pela acumulação. Na pesquisa, foram identificados três fatores específicos de eficácia: (1) a forma de produzir o alimento em oposição à agricultura convencional; (2) o encurtamento da cadeia produtiva; e (3) as atividades coletivas mobilizadas pelo grupo para além dos momentos de troca. Os resultados para o sistema transcendem as vantagens puramente econômicos. A CSA Alfa parece colocar em prática os ideais de Karl Polanyi, de uma economia centrada na subsistência humana que respeita a dependência do humano em relação à natureza e seus semelhantes.

Entretanto, a proposta da CSA Alfa parece ir um pouco adiante do que a literatura aponta como uma nova perspectiva ou contramovimento nos sistemas alimentares. A iniciativa sai da esfera do agricultor (Escher, 2011Escher, F. (2011). Os assaltos do moinho satânico nos campos e os contramovimentos da Agricultura Familiar: Atores sociais, instituições e desenvolvimento rural no Sudoeste do Paraná (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.; Ploeg, 2008Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: Lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre, RS: UFRGS.; Schneider, 2004Schneider, S. (2004). Agricultura familiar e industrialização: Pluratividade e descentralização industrial no Rio Grande do Sul (2a ed). Porto Alegre, RS: UFRGS .; Schneider & Escher, 2011Schneider, S., & Escher, F. (2011). A contribuição de Karl Polanyi para a sociologia do desenvolvimento rural. Sociologias, 13(27), 180-219. doi:10.1590/S1517-45222011000200008
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) para alcançar os coprodutores que, nesse grupo, estabelecem novas relações de troca e novas formas de divisão do trabalho em uma direção oposta àquela das grandes cadeias produtivas, do comércio mundial e da dependência do mercado de insumos. É por isso que a CSA Alfa propicia maior autonomia relativa não somente aos agricultores, que inegavelmente despontam como os principais beneficiários, mas à cadeia inteira, que está atrelada a esse processo de produção e distribuição. A CSA Alfa apareceu nesta pesquisa como uma resposta à insatisfação com o modelo agroalimentar hegemônico. A insatisfação dos coprodutores vai além das variáveis econômicas e técnicas de produção, sai da esfera mercantil quando a motivação para o engajamento no grupo envolve valores tais como segurança alimentar, justiça social, preservação ambiental, interação entre pessoas e construção de um senso de comunidade. A amplitude dessa resposta atinge os agricultores, que sofrendo os efeitos da mercantilização aceitam ingressar em uma proposta desconhecida e sem precedentes de sucesso naquele Estado.

Os resultados e conclusões ganham relevância na medida em que contribuem com novas informações e possibilidades de atuação na reversão do êxodo rural, na diminuição da pobreza, na redução de gastos públicos em saúde com uma alimentação mais saudável, assim como na promoção de iniciativas de desenvolvimento local e preservação do meio ambiente.

A limitação inicial desta pesquisa está relacionada ao estranhamento ao mundo rural, pois ao mesmo tempo que isso determinou a escolha do método, também aparece como uma importante limitação à realização do estudo. Em razão disso é que os resultados permanecem mais no descritivo da identificação dos mecanismos de reciprocidade e coesão do que em uma possível análise de visão de mundo, que poderia levar a uma compreensão mais profunda das motivações. A importância de ter desenvolvido com detalhe talvez demasiado as categorias de análise deve-se a essa limitação de penetrar o mundo social da agricultura camponesa.

Outra limitação deste estudo refere-se à abrangência e generalização dos resultados da pesquisa, inerente às decisões metodológicas. O estudo de caso em um grupo de CSA não permite inferências para o universo de atividades similares. Por isso mesmo, novas questões para estudos futuros, além de avaliar outros casos de CSA, sugerem enfoques diferentes e outros níveis de análise, tais como a realização de estudos longitudinais com grupos de CSA, avaliação de impactos nos padrões de produção e consumo nas regiões em que os grupos operam, ou ainda buscar capturar as características peculiares e as interações entre o rural e o urbano nessas iniciativas que transitam nesses dois universos.

Talvez um desafio que a CSA Alfa enfrente no futuro seja dimensionar de forma criativa seu crescimento, pois a ampliação, ao mesmo tempo que permite maior estabilidade das finanças do grupo, pode trazer consigo uma perda dos vínculos afetivos que impactam diretamente o grau de autonomia e coesão. Novas pesquisas poderiam sanar esta limitação prática ao investigar como expandir essas iniciativas mantendo a coesão.

Agradecimentos

Agradecemos aos agricultores e consumidores das iniciativas de CSA entrevistados pela disponibilidade em participar do estudo e por oferecer o seu valioso tempo em prol da pesquisa acadêmica.

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  • 1
    Os princípios do comércio justo são definidos pela World Fair Trade Organization (WFTO): (1) criar oportunidades para produtores economicamente em desvantagem; (2) transparência e prestação de contas; (3) pagamento de um preço justo; (4) manter boas condições de trabalho e oferecer capacitação profissional; (5) manter relações comerciais de longo prazo; (6) promover a igualdade de gênero e o empoderamento econômico feminino; (7) incentivar a liberdade de associação. (Ver https://wfto.com/. Acesso em 28/03/2019).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2018
  • Aceito
    01 Ago 2019
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