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Impacto Educacional da Pesquisa

Resumo

Pensar os impactos da pesquisa acadêmica na educação é pensar de forma dinâmica: a educação afeta as formas de pesquisar (do ponto de vista da educação formal), assim como é afetada pelos resultados da pesquisa, que são pouco previsíveis e percebidos devido às constantes negociações entre os atores sociais em suas socializações cotidianas, em contextos diversos. A educação em administração (formal, não formal e informal) afeta e é afetada por visões conflitantes de mundo, produzidas dentro da própria área de administração. Nela, o impacto “benéfico” não se restringe a uma questão orientada prioritariamente por aspectos econômicos, instrumentais e financeiros, mas abrange um entendimento negociado de mundo que caminhe em direção ao bem comum. Toda pesquisa deve se preocupar com seu poder de afetar a visão e a prática educacional, de forma direta ou indireta. Como essa preocupação pode se tornar perene e central na prática da pesquisa acadêmica?

impacto; pesquisa; educação; afeto

Abstract

To think about the impacts of academic research on education is to think dynamically: education affects the ways of doing research (from the point of view of formal education) and is affected by research results that are little predictable and perceived due to constant negotiations among social actors in their daily socializations in different contexts. Management education (formal, non-formal and informal) affects and is affected by conflicting views of the world, which are produced within the field of management itself and whose impact as “beneficial” is not just a matter oriented primarily by economic, instrumental and financial aspects, but also for a negotiated understanding of the world that moves towards the common good. All research must be concerned with its power to affect educational vision and practice, directly or indirectly. How can this concern become perennial and central to the practice of academic research?

impact; research; education; affect

Introdução

Apesar de serem dois campos distintos, a pesquisa e a educação costumam se confundir em contextos acadêmicos como o da pós-graduação. Especialmente no contexto brasileiro, há um entendimento de que a pós-graduação é o espaço da pesquisa (Bispo, 2020a). Entretanto, fora do ambiente universitário, especialmente o da pós-graduação, a pesquisa e a educação nem sempre caminham pelas mesmas estradas. Parte desse distanciamento entre pesquisa e educação se dá pelo entendimento de que a pesquisa é um parque privado de diversões para alguns acadêmicos, sem implicações diretas para a sociedade. Há algumas exceções nas áreas de ciências da saúde e de tecnologia, mas a educação fica resumida ao ensino na sala de aula. Nesse sentido, a pesquisa acadêmica parece contribuir pouco para a educação, assim como para outros aspectos da vida social. É a partir desse entendimento, que está presente em boa parcela da sociedade e entre alguns acadêmicos, que consideramos necessária e pertinente a discussão do impacto da pesquisa na educação sob múltiplas dimensões.

Ainda que alguns autores ( Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2019Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. (2019). GT impacto e relevância econômica e social: Relatório Final de Atividades , Brasília, DF: CAPES. ; Godin & Doré, 2005Godin, B., Doré, C. (2005). Measuring the impacts of science: beyond the economic dimension . Helsinki: Helsinki Institute for Science and Technology Studies. Retrieved from https://bit.ly/3dRi8YS
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; Sandes-Guimarães & Hourneaux Junior, 2020) reconheçam que a educação está entre as áreas possivelmente impactadas pela pesquisa científica, em geral, eles terminam enfatizando apenas as questões de ensino e aprendizagem. Consequentemente, deixam de lado os aspectos políticos, culturais e sociais da educação, que influenciam na organização das sociedades ( Althusser, 1985Althusser, L. (1985). Aparelhos ideológicos de estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos de estado (3rd ed). Rio de Janeiro, RJ: Graal. Bourdieu & Passeron, 1992Bourdieu, P., Passeron, J. C. (1992). A reprodução . (3rd ed). Rio de Janeiro, RJ: Francisco Alves. ; Bruner, 1996Bruner, J. (1996). The culture of education . Cambridge: Harvard University Press. ; Laval, 2004Laval, C. (2004). A escola não é uma empresa: O Neo-liberalismo em ataque ao ensino público . Londrina, PR: Planta. ; Libâneo, 2010)Libâneo, J. C. (2010). Pedagogia e pedagogos, para quê? (12nd ed). São Paulo, SP: Cortez. . Por conta disso, carecemos de pesquisas acadêmicas que incluam em seus resultados a reflexão acerca de seu impacto educacional nos mais diversos sentidos: imediato, operacional, amplo, indireto, cultural, político, social, entre outros.

Além disso, devemos considerar que a educação não se resume ao contexto escolar ( Gohn, 2016Gohn, M. G. (2016). Educação não-formal nas instituições sociais. Revista Pedagógica, 18 (39), 59–75. doi:10.22196/rp.v18i39.3615 ; Luckesi, 2011Luckesi, C. C. (2011). Filosofia da educação (3rd ed). São Paulo, SP: Cortez. ) e é praticada em outras organizações, como família, igreja, empresa e organizações não governamentais. Assim, o impacto da pesquisa científica na educação pode alcançar espaços mais amplos do que aqueles em que se pensa usualmente. A pandemia da Covid-19 contribuiu para mostrar como a pesquisa sobre o vírus Sars-CoV-2 e a própria doença em si geraram conhecimentos sobre a higiene das mãos, o uso de máscaras e álcool em gel, entre outras mudanças que impactaram diretamente nas maneiras de praticar a educação, tanto no contexto escolar (em relação às formas de ensinar) quanto no aprender e conviver com a educação dentro e fora da escola (vide as implicações do ensino remoto para os estudantes, professores e familiares). Com o avanço do desenvolvimento das vacinas e da própria vacinação em si, novos impactos para o contexto educacional ainda serão descobertos.

Ora, o que estamos chamando de impacto da pesquisa? Apesar de ser um tema que tomou conta do meio acadêmico e dos órgãos de financiamento e controle de governos nos últimos anos ( Donovan, 2011Donovan, C. (2011). State of the art in assessing research impact: introduction to a special issue. Research Evaluation , 20 (3), 175-179. doi:10.3152/095820211X13118583635918 ; Gunn & Mintrom, 2017Gunn, A., Mintrom, M. (2017). Evaluating the non-academic impact of academic research: design considerations. Journal of Higher Education Policy and Management, 39(1), 20-30. doi:10.1080/1360080X.2016.1254429 ), os debates sobre o que é impacto permanecem atuais. Entretanto, diferentemente das visões dominantes sobre o tema (Sandes-Guimarães & Hourneaux Junior, 2020), propomos considerar que o impacto da pesquisa é uma forma de afeto ( Gherardi, 2017, 2019Gherardi, S. (2017). Which is the place of affect within practice-based studies? M@n@gement , 20 (2), 208-220. Recuperado de https://bit.ly/32e3g17
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, 2019Gherardi, S. (2019). How to conduct a practice-based study: problems and methods (2nd ed). Cheltenham: Edward Elgar. ; Massumi, 2002)Massumi, B. (2002). Parables for the Virtual: Movement, Affect, Sensation . Durham: Duke University Press. . Enquanto o entendimento da visão dominante sobre “impacto” caminha na direção de “efeitos positivos na sociedade oriundos da pesquisa”, nós defendemos uma posição mais relativista sobre os “efeitos” da pesquisa assumindo que eles podem ser “positivos” ou “negativos” dependendo do ponto de vista. Afinal, definir o que é bom para a sociedade carrega sempre algum grau de controvérsia e polêmica ( Gunn & Mintrom, 2017)Gunn, A., Mintrom, M. (2017). Evaluating the non-academic impact of academic research: design considerations. Journal of Higher Education Policy and Management, 39(1), 20-30. doi:10.1080/1360080X.2016.1254429 .

O impacto da pesquisa pode ser apreendido como afeto porque gera emoções que estão diretamente ligadas à prática da pesquisa. Assumimos o entendimento de que uma prática social é o resultado de uma organização de realizações coletivas criadas a partir das conexões em ação de corpos, materialidades, discursos e conhecimentos (Bispo, 2020b; Gherardi, 2019Gherardi, S. (2019). How to conduct a practice-based study: problems and methods (2nd ed). Cheltenham: Edward Elgar. ). O afeto está relacionado à capacidade (de agência) que atores humanos e não humanos têm de afetar e serem afetados entre si ( Massumi, 2002Massumi, B. (2002). Parables for the Virtual: Movement, Affect, Sensation . Durham: Duke University Press. ). Sob essa perspectiva, não apenas problematizamos os efeitos do impacto da pesquisa como “benéficos”, mas abrimos uma porta para a reflexão de que o impacto não assume um caráter unidirecional da pesquisa (academia) para a sociedade. Ou seja, o impacto é o resultado da contínua relação entre pesquisa e sociedade, em que ambas afetam uma à outra. Nesse sentido, a prática da pesquisa afeta múltiplos aspectos da sociedade que também afetam a própria prática da pesquisa.

Outra dimensão que não podemos menosprezar é que a associação prioritária de “impacto da pesquisa” a ganhos econômicos ( Edwards & Meagher, 2020Edwards, D. M., Meagher, L. R. (2020). A framework to evaluate the impacts of research on policy and practice: a forestry pilot study. Forest Policy and Economics, 114 , 101975. doi:10.1016/j.forpol.2019.101975 ; Pitman & Berman, 2009)Pitman, T., Berman, J. (2009). Of what benefit and to whom? Linking Australian humanities research with its ‘end users.’ Journal of Higher Education Policy and Management , 31 (4), 315-326. doi:10.1080/13600800903191955 escamoteia uma apropriação do termo “impacto” pela racionalidade neoliberal vigente ( Dardot & Laval, 2016)Dardot, P., Laval, C. (2016). A nova razão do mundo . São Paulo, SP: Boitempo. , visto que se apresenta, usualmente, como questão técnica e neutra em seus propósitos e proposições ( Harvey, 2005)Harvey, D. (2005). A Brief History of Neoliberalism . Oxford: Oxford University Press. . É justamente pelo domínio da racionalidade neoliberal nas sociedades ocidentais (e parte das orientais também) que a pressão por impactos financeiros resultantes da pesquisa ( Pitman & Berman, 2009)Pitman, T., Berman, J. (2009). Of what benefit and to whom? Linking Australian humanities research with its ‘end users.’ Journal of Higher Education Policy and Management , 31 (4), 315-326. doi:10.1080/13600800903191955 domina, cada vez mais, a valorização das pesquisas com impactos econômicos, instrumentais e financeiros imediatos. Simultaneamente, os impactos culturais, sociais, políticos e educacionais são colocados em xeque sobre a sua qualidade e utilidade “social” ( Jack, 2020)Jack, A. (2020, 24th February). Academic focus limits business schools’ contribution to society. Financial Times . Retrieved from https://on.ft.com/3wMHArd
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. Associar os impactos da pesquisa à financeirização do mundo contemporâneo ( Paulani, 2006)Paulani, L.M. (2006). O projeto neoliberal para a sociedade brasileira: sua dinâmica e seus impasses. In J. C. F. Lima, L. M. W. Neves (Orgs), Fundamentos da educação escolar do Brasil contemporâneo (pp. 67-107). Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz. consiste em estabelecer o fim da própria pesquisa enquanto prática social ampla, que abre outras possibilidades de compreensão para além dos aspectos financeiros, instrumentais e econômicos.

Pensar o impacto da pesquisa acadêmica na educação é, portanto, pensar de forma dinâmica: a educação afeta as formas de pesquisar (do ponto de vista da educação formal), assim como ela é afetada pelos resultados da pesquisa, que são pouco previsíveis e percebidos devido às constantes negociações entre os atores sociais em suas socializações cotidianas, em contextos diversos. Portanto, o impacto educacional da pesquisa se refere ao seu desdobramento no âmbito das práticas de ensino-aprendizagem e nos ambientes escolares de forma mais ampla, no próprio ambiente de pesquisa sobre os pesquisadores e nos contextos de educação informal e não formal ( Gohn, 2016Gohn, M. G. (2016). Educação não-formal nas instituições sociais. Revista Pedagógica, 18 (39), 59–75. doi:10.22196/rp.v18i39.3615 ) que ocorrem em outras esferas organizativas, além das escolares. Assim, conseguimos abrir espaço para pensar a educação como um fenômeno organizativo da sociedade nas suas múltiplas formas de sociabilidade.

Dimensão educacional da sociedade e das organizações

A educação é intrínseca à organização social de qualquer sociedade. Ela é responsável pelos processos de socialização que criam, reproduzem e mudam as regras de convivência social, assim como estabelece formas de disciplina, controle e de punição. A educação acontece, essencialmente, por meio de experiências capazes de ser educativas. A qualidade das experiências determina a qualidade da educação, de modo que nem toda experiência pode ser considerada educativa ( Dewey, 1963Dewey, J. (1963). Experience and Education . New York: Collier Books. ). Apesar de a educação, costumeiramente, estar associada à escola, a educação escolar é apenas uma das formas da manifestação conhecida como educação formal ( Luckesi, 2011Luckesi, C. C. (2011). Filosofia da educação (3rd ed). São Paulo, SP: Cortez. ). Existem ainda a educação não formal, que acontece em organizações como empresas, igrejas e associações, e a educação informal, que ocorre no ambiente familiar e entre amigos ( Gohn, 2016Gohn, M. G. (2016). Educação não-formal nas instituições sociais. Revista Pedagógica, 18 (39), 59–75. doi:10.22196/rp.v18i39.3615 ). Se a educação é uma prática social que perpassa todas as nossas possibilidades de socialização, as maneiras pelas quais vivemos no dia a dia resultam dessas múltiplas possibilidades educativas. Assim, educamos e somos educados, constantemente, estando ou não em um espaço escolar institucionalizado ( Freire, 1974Freire, P. (1974). Pedagogia do oprimido. São Paulo, SP: Paz e Terra. ).

No âmbito dos estudos organizacionais e da administração, a educação está presente em contextos formais, como as escolas de negócio, não formais, como as universidades corporativas, e informais, como nas interações que ocorrem em departamentos e eventos organizacionais diversos, por exemplo. Entretanto, a ideia de educação (com algumas exceções) é pouco utilizada entre os pesquisadores da área de administração quando comparada às noções de aprendizagem e competências, que sempre estão presentes nos debates e produções da área. Nesse sentido, a noção de educação em debate no campo da administração fica muito restrita ao contexto das escolas de negócio e suas respectivas possibilidades de ensino-aprendizagem ( Arbaugh, 2016Arbaugh, J. (2016). Where are the dedicated scholars of management learning and education? Management Learning , 47 (2), 230-240. doi:10.1177/1350507615595773 ). Ainda no contexto das escolas de negócio, não é raro a utilização do termo “treinamento” como sinônimo de educação, reduzindo a formação em administração (inclusive na pós-graduação) à reprodução de técnicas e desenvolvimento de competências específicas, sem considerar a criticidade necessária para leituras de mundo e o papel do trabalho diante do contexto vivido.

O impacto educacional da pesquisa na sociedade e nas organizações requer pensar como problemas resultantes de pesquisas dentro da própria área podem ser resolvidos. Há algum tempo, sabemos que as humanidades e as ciências sociais ocupam um lugar privilegiado no processo de repensar a educação em administração ( Gagliardi & Czarniawska, 2006Gagliardi, P., Czarniawska, B. (Eds.). (2006). Management education and humanities . Cheltenham: Edward Elgar. ; Izak, Kostera, & Zawadzki, 2017; Landfester & Metelmann, 2019Landfester, U., Metelmann, J. (2019). Transformative Management Education: The Role of the Humanities and Social Sciences . New York: Routledge. ; Steyaert, Beyes, & Parker, 2016) na tentativa de formação de líderes plenamente conscientes, responsáveis e engajados com o bem comum ( Muff et al., 2013)Muff, K., Dyllick, T., Drewell, M., North, J., Shrivastava, P., Haertle, J. (2013). Management education for the world: a vision for business schools serving people and planet . Cheltenham: Edward Elgar. . É diante desse cenário que caráter, cidadania, colaboração e pensamento crítico são reconhecidos como competências essenciais (Fullan, Quinn, & McEachen, 2018) para a vida contemporânea. Por exemplo, sabemos que empreendedores desenvolvem atividades que desafiam o status quo , quebram regras e subvertem sistemas ( Bureau & Komporozos-Athanasiou, 2016)Bureau, S., Komporozos-Athanasiou, A. (2016). Learning subversion in the business school: An ‘improbable’ encounter. Management Learning, 48 (1), 39-56. doi:10.1177/1350507616661262 , mas que isso não pode se resumir a ganhos financeiros de viés individualista. Assim, cabe a indagação: como determinado resultado de pesquisa vem afetando a educação em administração? E vice-versa: como a pesquisa inclui esses tipos de preocupações educacionais em seus processos e consciências de pesquisa?

Dentre todas as inconsistências entre resultados de pesquisas e sua capacidade de afetar educacionalmente a sociedade, um conflito se destaca como central: a tensão entre a lógica individualista de maximização de lucros e as demandas por ética nos negócios, sustentabilidade e responsabilidade social corporativa ( Eury & Treviño, 2019Eury, J. L., Treviño, L. K. (2019). Building a Culture of Honor and Integrity in a Business School. Journal of Management Education , 43 (5), 484-508. doi:10.1177/1052562919850223 ; Zanoni, Contu, Healy, & Mir, 2017). A área de administração (academia e mercado) precisa avançar no debate e na solução desse conflito, uma vez que a criação dos princípios para a educação responsável em administração pela Organização das Nações Unidas (ONU) ainda é muito teórica e restrita a um conteúdo isolado que é ensinado nas escolas de negócios, sem apresentar resultados (impacto) bem definidos e relevantes ( Millar & Price, 2018)Millar, J., Price, M. (2018). Imagining management education: a critique of the contribution of the United Nations PRME to critical reflexivity and rethinking management education. Management Learning , 49 (3), 346-362. doi:10.1177/1350507618759828 . O debate sobre como equalizar o conflito entre maximização de lucros e demandas não financeiras em busca de uma gestão responsável ( Laasch & Gherardi, 2019)Laasch, O., Gherardi, S. (2019, August). Responsible management, learning, and education: a research agenda through a social practices lens. Academy of Management Annual Meeting . Retrieved from https://bit.ly/3wII9Cp
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é um desafio que evidencia a relação de afeto existente nas formas de educar em administração e a própria prática de administrar. Seria, então, a ampliação do conceito de educação para além dos contextos formais, e a transformação da própria administração ou gestão em uma prática fundamentalmente educativa, uma forma de avançar nessa questão?

Impacto educacional da pesquisa acadêmica

Os impactos da pesquisa acadêmica observados como afetos ajudam a ampliar o entendimento de que nem sempre os resultados são benéficos. Ao mesmo tempo, não são unidirecionais, uma vez que a pesquisa impacta (afeta) a sociedade (incluindo o meio acadêmico) e é impactada (afetada) por ela. A criação dos princípios para educação responsável em administração pela ONU mostra como o impacto da pesquisa não se trata apenas de uma relação (ou falta dela) entre teoria e prática, mas avança para necessidade de pensar como resolver (ou mitigar) os conflitos existentes dentro da própria área a partir de resultados científicos que apontam para caminhos distintos. Nesse sentido, a educação em administração (formal, não formal e informal) afeta e é afetada por visões de mundo conflitantes produzidas dentro da própria área de administração, nas quais o impacto enquanto “benéfico” não se trata apenas de uma questão orientada prioritariamente por aspectos econômicos, instrumentais e financeiros, mas por um entendimento negociado de mundo que caminhe em direção ao bem comum ( Muff et al., 2013Muff, K., Dyllick, T., Drewell, M., North, J., Shrivastava, P., Haertle, J. (2013). Management education for the world: a vision for business schools serving people and planet . Cheltenham: Edward Elgar. ).

Esse contexto abre espaço para pensarmos como o debate sobre o impacto da pesquisa tem gerado impactos (afetos) outros que ainda são pouco concebidos e discutidos. Toda pesquisa deve se preocupar com seu poder de afetar a visão e a prática educacional, de forma direta ou indireta, imediata ou ampliada. Como essa preocupação pode se tornar perene e central na prática da pesquisa acadêmica? Como os resultados da visão de impacto orientada por um viés neoliberal afetam as próprias agendas de pesquisa e os pesquisadores? Como as múltiplas formas de gerar conhecimento afetam o processo e os fundamentos da educação em administração? Como os resultados da pesquisa acadêmica afetam a educação em contextos não escolares (como família, igreja e empresas)? Como podemos transformar a pesquisa em administração ou gestão em uma prática fundamentalmente educativa? Todas essas perguntas apontam para uma agenda de debates, pesquisas e reflexões que ampliam o escopo da discussão, tanto da formação em administração como da própria prática da administração em si. Relegar essa agenda é ignorar o próprio debate sobre impacto da pesquisa e como ele pode ser capaz de resolver aspectos mais fundamentais da própria vida social organizada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021
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