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Por uma Administração Menor: o Caso do Bailinho da Tia Naná

Resumo

Tomando como suporte teórico e metodológico o trabalho conjunto de Gilles Deleuze e Félix Guattari, este artigo tem como objetivo principal argumentar em prol de uma administração menor. Para isso, buscamos levantar pistas, dicas, lampejos de outras formas de estar e conviver que tensionam, expandem e reelaboram as práticas convencionais do universo administrativo – seja em suas formas de pensar e produzir conhecimento, seja nas suas formas de organizar. Por meio de uma cartografia das forças imanentes da vida de mulheres que dançam no Bailinho da Tia Naná – baile popular de terceira idade, localizado no centro da cidade de Belo Horizonte/MG –, objetivamos não apenas explicitar as segmentaridades duras, mas também, e aí se faz a diferença, direcionar nossa atenção às aposições, invenções, ao que vaza, ao que foge, ao que escapa às organizações binárias e funcionalistas, ao que escapa à colonização de nossas forças vitais de criação e transcriação nas relações micropolíticas. Em relação ao conceito de gestão ordinária e aos Estudos Organizacionais, buscamos identificar, no cotidiano, o que rompe, o que modifica, o que inventa desvios às normas, o que cria diferença; administração cuidadosa com a potência, a alegria, a multiplicidade, a complexidade e a interdependência inerente aos modos de organizar e compor o entre das vidas corriqueiras, historicizadas, localizadas e reais.

administração menor; gestão ordinária; cartografia

Abstract

Adopting the collaborative work of Gilles Deleuze and Félix Guattari as a theoretical and methodological framework, the primary objective of this article is to argue for a minor administration . To this end, we seek to provide clues, hints, and glimpses of other forms of being and coexisting that expand, re-elaborate and tighten the conventional practices of the management universe – whether in terms of their ways of thinking and producing knowledge or their ways of organizing. Through the mapping of the immanent forces operating in the lives of women who gather to dance at the Bailinho da Tia Naná – a popular dance venue targeted at the elderly, located in downtown Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil – we aimed not only to reveal rigid segmentarities but also (and this is where the difference lies) to focus our attention on the appositions, inventions, that which leaks, and escapes, that which resists binary and functionalist organizations, that which escapes the colonization of our vital forces of creation and transcreation in micropolitical relations. As far as the concept of ordinary management and Organizational Studies are concerned, we sought to identify in everyday life whatever breaks with, changes, deviates from the norms, and gives birth to difference; a form of management that cares about the potency, joy, multiplicity, complexity, and interdependence inherent to the ways of organizing and composing the betweenness of ordinary, historicized, localized and real lives.

minor administration; ordinary management; cartography

Introdução

O saber administrativo ganha sentido e importância na organização social ocidental com o modo de produção capitalista. O capitalista passa a exercer a função de direção, de planejamento e de controle do trabalho, atrelando a mão de obra trabalhadora exclusivamente à realização do processo produtivo, despido da potência de controlar as coisas e a si mesmo ( Paço Cunha, 2018Paço Cunha, E. (2018). Ontogênese e formas particulares da função de direção: Introdução aos fundamentos históricos para a crítica marxista da administração. In E. Paço Cunha, D. L. Ferraz, Crítica marxista da administração (pp. 15-62). Rio de Janeiro, RJ: Rizoma. ). A necessidade do trabalho controlado, administrado e especializado foi consolidada com a Revolução Industrial e com a intensificação da urbanização ocidental no século XVIII. Nesse período, destaca-se o surgimento das fábricas como um importante marco para o novo padrão de disciplinamento social e para um novo ethos do trabalho. A gestão passa a ser uma atividade privilegiada inserida em um modelo político e social de controle ( Dellagnelo & Machado-da-Silva, 2000Dellagnelo, E., Machado-da-Silva, C. (2000). Novas formas organizacionais e o modelo burocrático de organizações. Revista de Ciências Humanas , (5), 71-94. doi:10.5007/%25x
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).

Na contramão do modus operandi hegemônico de estudar a organização moderna sob um prisma funcional e instrumental, divulgada e difundida pela cultura do management e pelo mainstream da administração contemporâneo, surgem estudos e críticas que desconstroem a estrutura de controle social atrelada à concepção de sujeito, às escolhas epistemológicas e aos modelos de gestão empregados, denunciando formas de opressão e exploração existentes nessas relações de poder, perpetuando desigualdades entre determinados grupos e classes. Conforme as contribuições de Wood Jr. e Paula (2002), a cultura do management – que, neste texto, identificaremos como administração maior – pode ser definida, em termos gerais, como um conjunto de pressupostos compartilhados nas empresas e, em larga medida, no tecido social. Essa cultura se manifesta “em artefatos como livros e revistas de negócios, na retórica de consultores e dos gurus empresariais e nas ementas e no conteúdo dos cursos de administração” (Wood Jr. & Paula, 2002a, p. 95).

Estudos críticos reconhecem a importância de sistemas de gestão alternativos aos padrões hegemônicos ( Barcellos & Dellagnelo, 2014Barcellos, R., Dellagnelo, E. (2014). A teoria política do discurso como abordagem para o estudo das organizações de resistência: Reflexões sobre o caso do circuito fora do eixo. Organizações & Sociedade , 21 (70), 405-424. doi:10.1590/S1984-92302014000300004
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; Misoczky, Flores, & Böhm, 2008). Ganham destaque organizações que se preocupam com a autonomia e a participação ativa de sujeitos no trabalho, a horizontalidade, a dialogicidade e a transdisciplinaridade das ações, assim como com a necessidade de se pensar a sustentabilidade social e ecológica das respectivas atividades ( Souza, 2016Souza, M. M. P. (2016). Reciclando a crítica nos Estudos Organizacionais: Uma pesquisa-ação no contexto da Astriflores . (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Administração, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. ; Souza & Paula, 2020)Souza, M. M. P., Paula, A. P. P. (2020). Saindo da “torre de marfim” dos Estudos Organizacionais críticos: a pesquisa-ação aliada a ferramentas colaborativas do Dragon Dreaming no caso da Astriflores. Desenvolvimento em Questão , 18 (51), 10-32. doi:10.21527/2237-6453.2020.51.10-32
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. Salientamos que entendemos aqui autonomia “como exercício, movimento, práticas de transformação, estando referida ao presente, à realidade, às circunstâncias nas quais produzimos o cotidiano” ( Rocha & Aguiar, 2003, pRocha, M. L., Aguiar, K. F. (2003). Pesquisa-intervenção e a produção de novas análises. Psicologia: Ciência e Profissão , 23 (4), 64-73. doi:10.1590/S1414-98932003000400010
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, p. 67).

Dessa gama de estudos, destacamos os pós-estruturalistas, que, com base em autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Suely Rolnik, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, rompem com a lógica funcional moderna, partindo da concepção fragmentada do sujeito e da ideia de que o discurso não constitui uma estrutura, mas sim, um acontecimento pertencente à ordem histórica. A ação política desses autores vincula-se à busca de uma vida ética como expansão das diversas e múltiplas formas de subjetividades possíveis e da não replicação de modelos prontos que perpetuam modos de exclusão que se tenta combater.

Conforme pontuam Rodríguez-Amat e Brantner (2016)Rodríguez-Amat, J. R., Brantner, C. (2016). Space and place matters: A tool for the analysis of geolocated and mapped protests. New Media & Society , 18 (6), 1027-1046. doi:10.1177/1461444814552098
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, os processos organizacionais são constantemente produzidos e (re)produzidos por meio dos contrapontos que se impõem às formas dominantes de organização social. Não há linearidade, há multiplicidade. As construções se dão em seus percursos, em suas encruzilhadas, em seus contrapontos, em suas idas e vindas. Como salienta Foucault (2013)Foucault, M. (2013). O corpo utópico, as heterotopias . São Paulo, SP: n-1 edições. , é preciso atentar-se justamente a esses pontos nodais: atentar-se aos espaços em que as relações sociais produzem configurações heterogêneas outras, diferentes, até mesmo estranhas. Assim ampliamos nossas possibilidades de percepção e criação de algo novo.

Entendendo a complexidade das relações organizacionais – a complexidade dos modos de nos organizarmos –, este artigo aposta na pesquisa do cotidiano como potência para o encontro de relações distintas das que estamos habituados nos sistemas produtivos. O interesse percorre todo o sentido social e político de práticas que se expressam subjetivamente, em um emaranhado organizado, mas carregado de contradições ( Barros & Carrieri, 2015Barros, A., Carrieri, A. (2015). O cotidiano e a história: Construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas , 55 (2), 151-161. doi:10.1590/S0034-759020150205
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; Lasater-Wille, 2018)Lasater-Wille, A. (2018). The presentation of the chef in everyday life: Socializing chefs in Lima, Peru. Revista de Administração de Empresas , 58 (3), 233-243. doi:10.1590/S0034-759020180304
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. Essas práticas são constituídas por movimentos cotidianos, fruto do conjunto de atividades exercidas pelos atores sociais, podendo se desdobrar em eventos que provocam mudanças na malha dos acontecimentos (Ribeiro, Ipiranga, Oliveira & Dias, 2019), dando-nos pistas, argumentos e novos modos de nos organizarmos.

Não nos interessa debater os grandes negócios, globais, internacionais. Interessa-nos trabalhar o cotidiano do pequeno negociante familiar, o indivíduo comum ( Martins, 2008Martins, J. S. (2008). A sociabilidade do homem simples: Cotidiano e história na modernidade anômala. São Paulo, SP: Contexto. ) com suas relações sociais estabelecidas, com a sua forma de organizar os seus negócios, suas estratégias de sobrevivência, bem como tentar abarcar os usos e sentidos desses espaços e a rede de relações ali tecida por aqueles que os vivem cotidianamente. São as escolhas diárias, os modos de elencar, priorizar, executar uma atividade rotineira, em casa, na rua, com familiares e amigos, com que a pessoa comum, ordinária, sem títulos ou distinção de nascimento ( Ribeiro et al., 2019Ribeiro, R. C. L., Ipiranga, A. S. R., Oliveira, F. F. T. D., Dias, A. D. (2019). Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: o reorganizar de práticas de resistências de uma artesã. Cadernos EBAPE.BR , 17 (3), 590-606. doi:10.1590/1679-395173562
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), logra sobreviver diante de tantos percalços e dificuldades. Nos detalhes da vida ordinária, comum e corrente a vida é reinventada e, assim, possibilitada; para as pessoas comuns, não é nada simples e fácil (sobre)viver.

Com o mesmo interesse pelo “insignificante”, para os detalhes da vida, no livro Mil platôs , no texto “Micropolítica e segmentaridade”, Deleuze e Guattari (1996)Deleuze, G., Guattari, F. (1996). Micropolítica e segmentaridade. In G. Deleuze, F. Guattari, Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (A. Guerra Neto, A. L. de Oliveira, L. Cláudia, & S. Rolnik, Trads., Vol. 3, pp. 83-115). São Paulo, SP: Editora 34. explicam que identificamos as relações entre forças de vida pela forma de seu funcionamento, por seus efeitos nos corpos, e que se dão na ordem do macro e do micropolítico. A macropolítica se organiza por classificações, segmentos e linhas. Nessa esfera de forças, somos segmentarizados de forma binária, circular, linear, que, de certa maneira, recaem em um centro. A macropolítica está estratificada em categorias que condicionam a vida no plano de organização, como explicamos anteriormente, que nos subdivide em diferentes classes, gênero, cor, escolaridade, nacionalidade, endereços. São essas as segmentaridades molares que funcionam por sobrecodificação, por classificação e exclusão. Elas “contornam a vida em linhas duras, administram o cotidiano e a experiência em formas visíveis e instituídas” ( Romagnoli, 2017Romagnoli, R. C. (2017). Transversalizando as políticas públicas: Quando a intersetorialidade se torna rizomática. Psicologia em Estudo , 22 (3), 421-432. doi:10.4025/psicolestud.v22i3.35843 , p. 424).

Já a micropolítica se faz perceptível nos fluxos de crenças e desejos, no movimento das intensidades que atravessam os estratos, os territórios, os corpos, pela natureza de sua “massa”. Situada no plano de consistência ou composição, a micropolítica pulsa e não se subdivide em estamentos. São as segmentaridades moleculares, os agenciamentos moleculares, os movimentos imprevisíveis das forças, a micropolítica do desejo, as “microformações que moldam as posturas, as atitudes, as percepções, as antecipações, as semióticas” ( Deleuze & Guattari, 1996Deleuze, G., Guattari, F. (1996). Micropolítica e segmentaridade. In G. Deleuze, F. Guattari, Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (A. Guerra Neto, A. L. de Oliveira, L. Cláudia, & S. Rolnik, Trads., Vol. 3, pp. 83-115). São Paulo, SP: Editora 34. , p. 85). A micropolítica é molecular e sempre invisível. Ela diz dos microfascismos e das invenções, que são conquistadas nas relações. Assim, “pode atuar tanto para oprimir, quanto para sustentar agenciamentos com forças inéditas, produzir processos inventivos” ( Romagnoli, 2017, pRomagnoli, R. C. (2017). Transversalizando as políticas públicas: Quando a intersetorialidade se torna rizomática. Psicologia em Estudo , 22 (3), 421-432. doi:10.4025/psicolestud.v22i3.35843 , p. 424). A micropolítica diz sobre os efeitos moleculares invisíveis, reativos (microfascismos) ou ativos (inventivos), que determinam o fluxo da vida ( Rolnik, 2019)Rolnik, S. (2019). Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada . São Paulo, SP: n-1 edições. .

Segundo a abordagem teórico-metodológica proposta por Deleuze e Guattari, temos como objetivo principal, neste artigo, desenvolver argumentação em prol de uma administração menor. Uma administração que tensione o pensar e o fazer das relações sociais produtivas, buscando abarcar a imanência da vida e, assim, expandir, em atenção e cuidado, forças e modos de atuação até então não autorizadas. Administração atenta a modos de existir revolucionários; vaga-lumes, como ressalta Didi-Huberman (2011)Didi-Huberman, G. (2011). Sobrevivência dos vaga-lumes . Belo Horizonte, MG: UFMG. , que iluminam, dão pistas para uma vida mais potente, alegre, inventiva. Portanto, objetivamos levantar pistas, dicas, lampejos de outras formas de estar e conviver que tensionam, expandem e reelaboram as práticas convencionais do universo administrativo – seja em suas maneiras de pensar e produzir conhecimento, seja nos seus modos de se organizarem – e, assim, explicitar não apenas as segmentaridades duras, mas também (e aí se faz a diferença) direcionar nossa atenção “às pequenas imitações, aposições, invenções, matéria sub-representativa” ( Deleuze & Guattari, 1996Deleuze, G., Guattari, F. (1996). Micropolítica e segmentaridade. In G. Deleuze, F. Guattari, Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (A. Guerra Neto, A. L. de Oliveira, L. Cláudia, & S. Rolnik, Trads., Vol. 3, pp. 83-115). São Paulo, SP: Editora 34. , p. 90); atenção ao que vaza, ao que foge, ao que escapa às organizações binárias e funcionalistas, ao que escapa à colonização de nossas forças vitais de criação e transcriação nas relações micropolíticas do cotidiano ( Deleuze & Guattari, 1996)Deleuze, G., Guattari, F. (1996). Micropolítica e segmentaridade. In G. Deleuze, F. Guattari, Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (A. Guerra Neto, A. L. de Oliveira, L. Cláudia, & S. Rolnik, Trads., Vol. 3, pp. 83-115). São Paulo, SP: Editora 34. .

A palavra menor não indica uma importância inferior. Com referência ao conceito de literatura menor , desenvolvido por Deleuze e Guattari (1977)Deleuze, G., Guattari, F. (1977). Kafka: Por uma literatura menor . Rio de Janeiro, RJ: Imago. , o termo menor brinca com esses significados, dando ênfase às forças e intensidades singulares que permeiam as micropolíticas cotidianas. Menor como “combinações inéditas, diferentes, que apontam não uma permanência de sentido do objeto através dos tempos e sim o que o faz diferir” ( Oliveira, 2020Oliveira, L. S. (2020). Por um cuidado menor: Mulheres, violências e psicologia(s) feminista(s) . (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ. , p. 150). É a recusa aos modelos que aspiram ao majoritário. Constitui invenção de desvios, de linguagem própria ( Tótora, 2016Tótora, S. (2016). Velhice: Uma estética da existência . São Paulo, SP: Educ. ). Com a palavra menor , também ressaltamos o que este artigo difere e contribui para o conceito de gestão ordinária . Entendendo a diversidade e a multiplicidade de formas de organizar que compõem o cotidiano, o corriqueiro e o tido como sem importância, mas também o que é real, fático, vital e localizável na vida das pessoas comuns, a administração menor, dentro desse escopo, busca identificar as linhas de fuga, as forças e ações que diferem, que criam, que inventam novas rotas e que, assim, potencializam novas formas de ser e de se organizar em coletivo. Buscamos as alternativas inventadas, os brilhos dos vaga-lumes: discretos, mas vitais para a continuidade da vida.

A administração menor, sem letras maiúsculas, aposta na complexidade: abarca o plano de organização e o plano de composição da vida, esses dois tempos, sem exclusão. Há um plano de organização que lida com as classificações, com as identidades, com a reprodução do mesmo a partir de um centro (sistema arbóreo), como as funções administrativas tradicionais. Porém, há também um plano de consistência (Bethonico & Romagnoli, 2016) ou um plano de composição ( Schopke, 2004Schopke, R. (2004). Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade . São Paulo, SP: Edusp. ; Klinger, 2014)Klinger, D. (2014). O sentido da escrita. In D. Klinger, Literatura e ética: Da forma para força (pp. 49-85). Rio de Janeiro, RJ: Rocco. que sai do domínio da representação e entra no domínio da experimentação, das intensidades e do singular, na profusão de forças, na pulsão de vida, apostando nas invenções de um sistema sem centro, sem começo nem fim determinados.

Assim, neste artigo, concentramo-nos em elencar pistas, dicas, pontos de atenção que contribuam para a construção de uma administração inventiva, faceira, aberta e atenta às forças que extrapolam as dimensões do planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar, que constituem pilares de modelos institucionalizados pelo mainstream da administração, também denominados como pop-management . Essas são organizações de cunho gerencialista, inspiradas na reestruturação produtiva pós-fordista e na cultura do empreendedorismo que floresceram durante a década de 1980, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, e que possuem como norte a máxima garantia de controle, eficiência e competitividade. Wood Jr. e Paula (2002a) destacam que o pop-management se vincula à cultura management , à medida que a cultura “perde seu sentido popular, de algo criado […] e se transforma em algo padronizado, repetitivo e superficial” (p. 96), como, por exemplo, na figura de líderes de sucesso, transformados em ícones ou gurus. Buscando avançar no campo das concepções de gestão ordinária – que, muitas vezes, ainda se limitam a negócios constituídos sobre estruturas organizacionais formais definidas ou em definição ( Silva & Carrieri, 2022Silva, F. R., Carrieri, A. P. (2022). Repensar “organizações e sociedade” a partir das escrevivências: Por uma gestão das e nas lacunas. Organizações & Sociedade , 29 (101), 385-413. doi:10.1590/1984-92302022v29n0016PT
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) –, a administração menor foca, no cotidiano, as fissuras, os desvios, as criações inesperadas, apostando que é na complexidade da manutenção da vida de todos os dias que se escondem os segredos da perpetuidade do existir.

É importante ressaltar que, ao elegermos o cotidiano como inspiração para a transcriação de práticas de gestão, não queremos “contaminar” território onde a subjetividade produtivista, capitalística, como sugere Rolnik (2019)Rolnik, S. (2019). Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada . São Paulo, SP: n-1 edições. , ainda não exerce domínio. É justamente o contrário. Buscamos, com uma observação atenta do cotidiano, perceber práticas subversivas, indisciplinadas às normas produtivas, para que essas resgatem potência de vida e criação nas quais a esperança já não mais existe.

O presente esforço de pesquisa se deu junto a mulheres que dançam quatro dias por semana, de terça-feira a sexta-feira, das 16h às 20h, no Bailinho da Tia Naná, baile beneficente para a terceira idade, criado por Tia Naná (Maria Godoy Marcondes) no ano de 1989 e existente até hoje. De setembro de 2018 a dezembro de 2019 frequentamos o salão, conversamos com as mulheres lá e/ou na casa delas, marcamos encontros e cafés. Tentamos dançar, estar, habitar aquele território com toda a intensidade que lhe é inerente, a fim de perceber e identificar as forças que perpassam e afectam os corpos ali presentes.

Para Deleuze (1998Deleuze, G. (1998). Foucault (C. S. Martins, Trad.). São Paulo, SP: Brasiliense. , 2019Deleuze, G. (2019). Curso sobre Spinoza. Vincennes, 1978-1981 (3a ed.). Fortaleza, CE: EdUECE. ), toda forma, qualquer que seja (um corpo, um espaço, um território), é um composto de forças, é um composto de relações de forças. As formas estão no plano do visível; já as forças, no plano do invisível. E são essas forças, extrínsecas aos corpos, que estão entre os corpos, que afectam suas formas – não como afeto, sentimento, emoção, mas sim como intensidades e movimentos que modificam/alteram a potência de vida; são essas forças que afectam o que um corpo é capaz, fazendo referência direta à filosofia espinozista. Nesse sentido, ressaltamos que, sempre que utilizarmos o conceito afectar , o destacaremos em itálico para ressaltar sua diferença com o significado da palavra afetar como sentimento (Deleuze, 2002b).

Condizente com esse pressuposto teórico-metodológico, adotamos a intervenção cartográfica como prática de pesquisa, motivados pelos conceitos de imanência e cartografia elaborados por Deleuze e Guattari. Buscamos cartografar as forças imanentes que organizam e compõem a vida das mulheres velhas que frequentam o Bailinho. Velhas, com conotação de respeito, e não desprezo; conotação de cheio, e não vazio; vida, e não morte. Com Tótora (2016)Tótora, S. (2016). Velhice: Uma estética da existência . São Paulo, SP: Educ. , defendemos a velhice como um modo de existir que, independentemente de idade, diz sobre um desprender-se das categorias e classificações em que somos aprisionados e, assim, colocamo-nos mais sensíveis às singularidades, às intensidades e aos acontecimentos da vida.

Para cartografar, é preciso encarnar o artesão prospector que modela a medida que percebe os fluxos da matéria que interage ( Lapoujade, 2000Lapoujade, D. (2000). Do campo transcendental ao nomadismo operário – William James. In É. Alliez (Org.), Gilles Deleuze: Uma vida filosófica (pp. 333-355). São Paulo, SP: Editora 34. ). Fazer conhecendo. Elaborar um mapa geográfico das relações do agora, sem a presunção de uma verdade única, sistemática, originária. “Experimentar uma forma de resistência ao modo de pensar colonizado pelo humanismo logocêntrico europeu” ( Aspis, 2021Aspis, R. L. (2021). Fazer filosofia com o corpo na rua: Experimentações em pesquisa . Belo Horizonte, MG: Mazza Edições. , p. 126). A fim de ensejar a formação de uma “epistemologia para a próxima revolução” ( Alcoff, 2016Alcoff, L. (2016). Uma epistemologia para a próxima revolução. Revista Sociedade e Estado , 31 (1), 129-143. doi:10.1590/S0102-69922016000100007 ), o exercício foi abrir-se para o diverso, ordinário, para aquilo que é vivido no cotidiano, para os comentários corriqueiros, para as histórias comumente invalidadas pela racionalidade colonial/moderna/científica. Histórias menores “imprescindíveis para que a racionalidade deixe de ser universalizada e passe a ser plural, diversificada e inclusiva aos saberes produzidos pelos outros” (Silva, Martins, & Carrieri, 2020, p. 504).

Cartografar constitui um ato, um estado de ser, e se justifica não como método para ser aplicado, mas para ser experimentada como atitude, como compromisso e interesse de implicação na realidade. Segundo Alvarez e Passos (2015)Alvarez, J., Passos, E. (2015). Cartografar é habitar um território existencial. In E. Passos, V Kastrup, L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa intervenção e produção de subjetividade (pp. 131-149). Porto Alegre, RS: Sulina. e Barreto, Carrieri e Romagnoli (2020), cartografar é habitar territórios existenciais, modificando e sendo modificado por eles.

Debruçamo-nos sobre as narrativas. Buscamos dissolver teoria e prática, forma e conteúdo, e explicitar o campo de imanência com o qual tivemos contato. Atentamo-nos às palavras, às formas de contar e narrar, na tentativa de não diminuir a vida que encontramos ali. Assim, este artigo também tem como objetivo específico contribuir para a criação de outras formas de escrita acadêmica, outras formas de expressão que possibilitem reflexão.

Presentes no salão, em conversa com as mulheres, buscamos identificar essas forças que modificam a potência de vida, modificam modos de vida, modificam formas de perceber e organizar as diferentes vidas dali. Assumimos como campo problemático a experimentação do pensamento como potência na elaboração de mapas cartográficos que visam explicitar o entrelaçamento de forças políticas produzidas e produtoras de mulheres que dançam no Bailinho da Tia Naná.

Em outras palavras, o trabalho buscou sustentar a imanência das linhas traçadas no campo, a coexistência de funcionamentos diferentes da/na realidade: um funcionamento molar, hierárquico e estratificado e um funcionamento conectivo que se liga ao intensivo, à potência da vida, em combate à naturalização e simplificação do ser idoso, da sexualidade, dos papéis de gênero, do horror à velhice, da exclusão social. Buscamos rastrear onde a vida circula. Na dança, na solidariedade, no cuidado, no corpo, o que circula entre , o que afetou o corpo dos pesquisadores e os outros corpos ali. As transgressões de um modelo de subjetivação colonizado por forças reativas, forças que conservam as formas às quais estão estruturadas, forças que as individualizam em processos de culpa, isolamento, raiva e introspecção, e passam ou se conectam, também, com forças que criam, reinventam, conectam com outros corpos, integram-se, reinventando os modos de existir de mulheres e de velhas instituídos; reinventando modos de se fazer administração.

Reiteramos que, segundo essa perspectiva teórica e analítica, não há separação entre pensar e fazer, ou entre as diferentes esferas em que a vida pulsa. O cotidiano das pessoas é permeado por crenças, valores e formas de agir e organizar que refletem as forças que compõem suas relações vitais, suas formas de organizar pensamento, palavras, sentidos, ações ou objetos. Todos esses fatores compõem uma grande malha rizomática que, em sua complexidade, é afecta e afectada em suas relações. Dessa forma, justificamos que o cartografar perpassou o plano teórico, metodológico e analítico desta pesquisa e fundamenta a correlação entre a vida cotidiana e corriqueira das pessoas comuns e as formas de se organizar compartilhadas em sociedade. Há uma aproximação intencional entre vida cotidiana e universo administrativo, tanto para perceber suas sincronicidades quanto suas divergências e possibilidades de reinvenção, como bem salientam Carrieri e Correia (2020)Carrieri, A. D. P., Correia, G. F. A. (2020). Estudos Organizacionais no Brasil: Construindo acesso ou replicando exclusão? Revista de Administração de Empresas , 60 (1), 59-63. doi:10.1590/S0034-759020200107
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.

No que tange à organização deste artigo, após as considerações desta introdução (1), subdividimo-lo da seguinte forma: (2) apresentação do Bailinho da Tia Naná, apresentação das mulheres entrevistadas, do processo da pesquisa e de como foi cartografar aquele território específico, bem como dos pressupostos teóricos-metodológicos da pesquisa; (3) explicação sobre os achados no processo de pesquisa que desencadearam pistas para uma administração menor ; e, por fim, as (4) considerações finais e sugestões para novas pesquisas.

Ressaltamos que os nomes das mulheres citados neste artigo são fictícios, criados para proteger a identidade das sujeitas em pesquisa. Todas as falas aqui encontradas fazem parte dos mapas de forças desenhados na tese à qual este artigo se refere. Ao total, foram criados 10 mapas, cada um com um enfoque específico. Neste artigo, trazemos apenas os recortes que agenciam por uma administração menor.

O caso do Bailinho da Tia Naná e o modo de produção da pesquisa

A fim de expandir as possibilidades de invenção, criação, compreensão das possibilidades de nos organizarmos em sociedade, possibilidades até então não autorizadas, como ressaltam Barros e Carrieri (2015)Barros, A., Carrieri, A. (2015). O cotidiano e a história: Construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas , 55 (2), 151-161. doi:10.1590/S0034-759020150205
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, pesquisamos um território desconhecido – lá onde trabalham as praticantes ( Stengers, 2018Stengers, I. (2018). A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros , (69), 442-464. doi:10.11606/issn.2316-901X.v0i69p442-464 ), geralmente esquecidas, tidas como insignificantes – para buscar pistas, dicas, fissuras de outras formas de estar e conviver que, dessa maneira, pudessem ajudar os estudos em administração a tensionar, expandir e reelaborar o que temos como ideais, modelos ou projeções do que seja organização, seja nas suas formas de pensar e produzir conhecimento, seja nas suas formas de fazer.

Conhecendo o Bailinho

Oh, gente! A animação foi tão grande. Na hora do intervalo, a Tia Naná me chamou: “Eugênia vem cá, nós vamos cantar parabéns para você”, ela disse. Eu fiquei tão entusiasmada que comecei a dançar, eu ria. Gente do céu! Parece que eu tô na minha casa! Não é que é mesmo? Eu falei para ela: “Eu posso fazer minha alegria total?”. E ela: “Eugênia, o que você quiser fazer, você pode fazer”.

Eu dançava com um, dançava com outro! Esse ano foi muito agradável para mim. Eu fiquei no meio do salão pulando, levantando os braços, você precisa de ver, rodando… Gente, alguém vai falar que eu tô ficando meio doida, mas não, a alegria chegou e eu não tive como segurar não. Eu achei que eu estava em casa. E pensando bem, eu acho que estava em casa mesmo. Porque esse Bailinho aqui é a continuação da casa da gente. Já que eu sei falar isso, vou repetir toda vez que puder. (Fala de Eugênia, uma das entrevistadas; fragmento extraído do diário de bordo da pesquisa).

O Bailinho da Tia Naná constitui baile beneficente para a terceira idade, criado por Tia Naná, Maria Godoy Marcondes, no ano de 1989. Os primeiros bailes aconteceram no Edifício JK, no centro de Belo Horizonte, no local onde seu filho possuía um restaurante. Depois desse local, o bailinho já ocupou diferentes salões no centro da cidade, como na Avenida Afonso Pena, na Rua Espírito Santo e na Rua Rio de Janeiro, onde, em 2022, completou oito anos de instalação. Destacamos que a localização no centro da cidade sempre foi fator preponderante. Ali se constitui o ponto médio para velhos e velhas oriundos de diferentes bairros, além de ser ponto de parada da maioria das linhas de transporte público da cidade.

Ao realizar um mapa com a localização aproximada das residências das 16 entrevistadas na pesquisa, visualizamos uma circunferência com 12 km de raio, sendo o Bailinho o ponto central. Em média, elas pegam dois ônibus para chegar ao local. Evidenciamos, assim, as grandes distâncias percorridas por essas mulheres para dançar até quatro vezes na semana, bem como a diversidade de bairros que compõem o público do Bailinho. Bairros, em sua maioria, populares, habitados por classes trabalhadoras de Belo Horizonte.

Regina Marcondes, filha de Tia Naná, relatou-nos que os primeiros bailes aconteciam de forma muito simples: dirigidos por sua mãe, com aparelho de som caseiro e entrada livre (sem custos). Naná arcava com todas as despesas referentes à limpeza e alimentação do Bailinho. Aos poucos, o público foi aumentando, e Naná passou a contratar músicos ao vivo. A partir de então, passou a cobrar para a entrada no salão (atualmente o valor cobrado é de dez reais por dia e por pessoa). Mas, para a maioria dos frequentadores, a falta de dinheiro não é empecilho para ir ao baile; eles ajudam-se entre si e, em muitos casos, o valor não é cobrado.

Atualmente, o Bailinho se situa na Rua Rio de Janeiro, número 195, esquina com a Avenida Santos Dumont, onde se concentra a maioria dos pontos de ônibus da região metropolitana. Localiza-se no segundo andar de um casarão antigo, onde divide espaço com o restaurante Cheiro Verde, no qual a comida é vendida por peso. Após às 14h30, organizadores e participantes do Bailinho chegam para acomodar as mesas, liberar o salão, limpar o ambiente e preparar o café. Às 15h30, Judite começa a vender as cartelas de bingo. E às 16h a música começa a tocar.

Assim, nos mapas encontrados no salão, não há como lê-los, observá-los, sem ter em conta os condicionantes de um país améfrico e ladino (segundo Lélia Gonzales, indígena e africano antes de qualquer outra coisa), capturado pela neurose cultural de desejo de branqueamento (Gonzales, 2019a, 2019b). País e situações bastante singulares em suas relações/dinâmicas entre raça, classe, gênero, sexualidade e demais distinções físicas.

No que tange ao espaço do salão de dança, temos o Bailinho como inspiração para formações coletivas, associações ou instituições. Espaços que promovam a ação por meio da alegria, da amizade, das alianças, que invistam no que sobra, no que está, no que existe de potência e que o foco não esteja no problema, no que é preciso solucionar – como se aprende nas escolas administrativas. Espaços em que sujeitas e sujeitos possam expandir o que são a partir do que são, e não de um modelo prospectado. Naná incentivou a dança e a relação entre corpos. Incentivou a alegria, a amizade, a solidariedade. De alguma forma, ela percebeu a potência dessas relações naqueles corpos velhos. Investiu quase 30 anos de sua vida naquele espaço. Como consequência, o Bailinho vem possibilitando a criação de uma comunidade de cuidado entre pares. Pares, em outros lugares, classificados como velhos e pobres “defasados”, em termos do mercado de consumo contemporâneo.

O processo de pesquisa e a cartografia

Passei ao lado de uma senhora que sempre senta sozinha, ao lado de uma pilastra. Eu já sabia que ela não era muito receptiva, tinha uma cara mais fechada. Não sorria muito. Mesmo assim, me aproximei, fui até ela perguntar se gostaria de conversar comigo. Me agachei ao seu lado, expliquei meu interesse sobre sua história com a dança. Ela logo me olhou com uma cara muito feia. Começou a falar que já passou. Que essa história ela não conta mais. Explicou um tanto de coisa que não entendi. A música tinha começado. Fiquei me perguntando se ela tinha entendido o que eu tinha dito. Ela dizia algo sobre “já foi”. Que já tinha ajudado, ou contado sobre a Tia Naná. Não era nada daquilo, mas eu não tinha como explicar. A música e os ânimos não ajudavam. Assim que consegui, interrompi. Agradeci. Disse que ela não precisava dizer nada que não tivesse vontade. Saí agradecendo. Queria fugir dali. (Fragmento extraído do diário de bordo da pesquisa).

Depois de sete meses frequentando o salão, iniciamos as entrevistas. As primeiras tentativas de aproximação se deram por meio da Ana (nora da Tia Naná, hoje, uma das responsáveis pelo Bailinho e sua administração). Pedimos para Ana abordar algumas senhoras e pedir para marcar conversas com Paula, uma das autoras deste artigo e que passou a frequentar o local todas as quartas-feiras. Ana não conseguiu marcar nenhuma entrevista. Nenhuma senhora se predispôs a conversar conosco. Foi com o tempo e pouco a pouco que conseguimos nos aproximar e pedir para conversar sobre a vida delas, sobre a dança.

Conversamos sem roteiro estruturado. Dissemos que seria importante entender as relações da dança com a vida delas e que nos contassem o que sentissem vontade. Foi importante que elas conduzissem a conversa para onde quisessem. Guilhermina nos levou à Efigênia, que nos levou à Judite, e, assim, fizemos nossa pesquisa. Após algumas visitas domiciliares, a maioria das entrevistas aconteceu na varanda do Bailinho, o que demarcou um local e tempo importante na pesquisa. As pessoas passaram a ver e perceber os encontros, as conversas. Passaram a confirmar e validar nossa presença ali, com outras mulheres que viam sendo entrevistadas.

No que tange ao fazer, é por meio do processo cartográfico que Deleuze e Guattari (2011)Deleuze, G., Guattari, F. (2011). Introdução: Rizoma. In G. Deleuze, F. Guattari, Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (A. L. de Oliveira, A. Guerra Neto, & C. P. Costa, Trads., 2a ed., Vol. 1, pp. 10-36). São Paulo, SP: Editora 34. nos convidam a acompanhar a complexidade deste emaranhado de linhas que dão forma aos rizomas da vida. Inspirados na biologia, os autores trazem o conceito para a filosofia e explicam que rizoma é um sistema. Um sistema a-centrado, não hierárquico, de múltiplas conexões, múltiplas entradas e saídas, que muda sua constituição a cada nova relação que estabelece ou desfaz. A grama seria um rizoma, o bambuzal seria um rizoma, o movimento de muitos ratos juntos, o fluxo das sinapses em nossos cérebros. É tudo aquilo que se caracteriza pelo seu fluxo, pelo seu movimento, sem um centro gerador ou subdivisões hierárquicas. No caso estudado, cartografar os rizomas encontrados seria desenhar e explicitar a complexidade do plano imanente de forças que compõem a vida das mulheres que dançam no Bailinho da Tia Naná, mapeando os aprisionamentos e as potências que aí são produzidas. Buscamos habitar aquele salão, deixando-nos afectar por essas forças-linhas (Deleuze, 2002a). Apurando a percepção de seus efeitos naquele salão, no corpo delas, no nosso corpo, buscamos perceber o funcionamento de linhas duras, flexíveis, de fuga, com especial atenção para o campo micropolítico, para o campo das composições, para aquilo que não é usual nos Estudos Organizacionais, e, assim, possibilitar a expansão ética da escola que habitamos.

A cartografia nos propõe mapear intensidades, ou seja, diferenças, desvios, aquilo que destoa e possibilita a sobrevivência da vida. Nesse caso, não faz sentido listar as repetições, as coincidências, se delas não for possível observar as fissuras, as linhas que escapam do habitual e sinalizam outros caminhos. Apenas com essas faíscas seria possível capturar o plano de imanência ao qual nos propusemos neste artigo. Apenas com essas faíscas seria possível obter pistas da complexa profusão de forças, planos, encontros e agenciamentos que a vida possibilita.

O processo de entendimento do modus operandi da cartografia é lento. Não é fácil apreender, rapidamente, como se faz em todo o processo da pesquisa, do pensar, do chegar ao local, aos registros, à escrita que compartilha o processo. A cartografia convoca o corpo como vetor, para que deixe, por meio dele, explicitar as forças do evento – o encontro entre você e a situação específica. Durante a escrita, julgamentos morais sobre o fazer impediam de continuar e fluir de forma a trazer o processo de experimentação. Demoramos para entender que a cartografia se faz autorizando o corpo a fluir, deixar, evocar, conduzir o processo, buscando não se ater aos julgamentos predeterminantes do que deveria ser uma boa pesquisa.

Deleuze (2002a) entende a vida como pura potência , independentemente de um ser ou um ato. Vida não vinculada a sujeitos ou objetos individuais e específicos, identificados com nomes e letras maiúsculas. Imanência como “uma vida”, com artigo indefinido, ao mesmo tempo: singular, única e desprendida da individuação. No plano de imanência, não importam Lucianas, Claudetes ou Josés. Importa a vida que perpassa esses sujeitos e também se faz entre eles, possibilitando-nos perceber que o dentro e o fora, o extensivo e o intensivo, as formas e as forças coexistem como na dobra; são inseparáveis, um existe com o outro. Assim, em sociedade, rizoma que é, compartilhamos um plano de imanência no qual a complexidade é invocada com suas contradições. Não há exclusão, e sim soma – já que falamos de vetores e forças, e não de núcleos geradores individuais.

Isso é importante, pois, ao se propor cartografar as forças constituintes do rizoma Bailinho, ou melhor, da vida das mulheres que dançam no Bailinho, não estávamos interessados na identificação ou representação do que seja mulher, dança ou bailinho. Estávamos interessados nas forças, na complexidade das relações, na potência que perpassa essas substâncias – nas forças que se dão e estão entre esses fatores, em plena processualidade e transformação. Estávamos interessados em perseguir como a dança no Bailinho da Tia Naná afecta a vida das mulheres, e vice-versa.

No que tange a uma pesquisa inserida no campo dos Estudos Organizacionais, por meio do entendimento do plano de imanência, somos convocados a observar planos de organização e planos de composição de forma concomitante, em sua multiplicidade. Planos de organização lidam com as classificações, com as padronizações, com as identidades, com a reprodução de padrões a partir de um centro. São objetos de estudo e interesse da escola de administração. Mas também há os planos de consistência (Bethonico & Romagnoli, 2016) ou planos de composição ( Schopke, 2004Schopke, R. (2004). Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade . São Paulo, SP: Edusp. ; Klinger, 2014)Klinger, D. (2014). O sentido da escrita. In D. Klinger, Literatura e ética: Da forma para força (pp. 49-85). Rio de Janeiro, RJ: Rocco. , que saem do domínio da representação, dos modelos, das classificações e entram no domínio da experimentação de forças. Forças que diferem. Forças que destoam. Forças invisíveis que escapam às formas estabelecidas. Experimentação de movimentos de dessubjetivação, estabelecida entre o sujeito e o objeto, em que acontecem encontros múltiplos e singulares (Bethonico & Romagnoli, 2016).

O que é importante neste enfoque da vida é que a escolha por tal forma de pensar e de estar no mundo constitui uma quebra com o modo de saber-fazer ocidental moderno; é uma quebra com o modelo de saber e fazer que funda e estrutura os estudos administrativos. “Deleuze fez uma crítica a toda a tradição da filosofia ocidental a respeito de como esta entende o funcionamento do pensamento” ( Aspis, 2021Aspis, R. L. (2021). Fazer filosofia com o corpo na rua: Experimentações em pesquisa . Belo Horizonte, MG: Mazza Edições. , p. 61). Para a filosofia ocidental, pensar é a mesma coisa que conhecer. Isto quer dizer que o que está “fora” do pensamento é, de certa forma, domesticado pelo pensamento. O pensamento atribui forma às coisas do mundo, buscando representar esse “fora”, o que Deleuze chamou de imagem dogmática do pensamento ( Aspis, 2021Aspis, R. L. (2021). Fazer filosofia com o corpo na rua: Experimentações em pesquisa . Belo Horizonte, MG: Mazza Edições. ). O pensamento deleuziano rompe com o paradigma da representação que entende o conhecimento como (re)cognição, o pensamento com uma instância seletiva que deve buscar se enquadrar em modelos específicos ( Schopke, 2004Schopke, R. (2004). Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade . São Paulo, SP: Edusp. ). E romper com a representação significa que a potência do pensamento está na sua associação com a vida, com a sustentação da diferença e da atividade inventiva, criadora, cujo desafio é exatamente se livrar dos modelos, dos protocolos, dos ideais a seguir. É experimentar no lugar de reconhecer ( Romagnoli, 2017Romagnoli, R. C. (2017). Transversalizando as políticas públicas: Quando a intersetorialidade se torna rizomática. Psicologia em Estudo , 22 (3), 421-432. doi:10.4025/psicolestud.v22i3.35843 , p. 427).

Para conhecer as mulheres velhas do Bailinho, foi preciso perseguir, cartografar o movimento das forças que se dão entre elas e a dança, quais histórias trazem, quais histórias levam, como conciliam os afazeres cotidianos com a dança, como encontram e (re)encontram a dança em suas vidas. O intuito não foi representar imagens, mas perseguir o movimento das forças presentes no pulsar das vidas que se encontram ali. Relações rizomáticas, múltiplas, infinitas, que constroem e reconstroem vínculos com outros fatos. Para Lapoujade (2000)Lapoujade, D. (2000). Do campo transcendental ao nomadismo operário – William James. In É. Alliez (Org.), Gilles Deleuze: Uma vida filosófica (pp. 333-355). São Paulo, SP: Editora 34. , a vida é como um tecido composto por linhas de relações caóticas, sobrepostas, entrecruzadas, que vamos compreendendo à medida que perseguimos suas tramas. Um entendimento de um movimento pode levar a outro. Como na dança: saber fazer um passo pode nos conectar a outro. Fluímos de um entendimento a outro, compondo nosso próprio movimento.

Para que tal fluidez fosse possível, foi preciso desfazer-se das mochilas de classificações simplificadoras que carregamos e perceber o mundo como uma infinidade de possibilidades de relações conectáveis e desconectáveis, como potência em criação. Foi preciso notar o movimento das relações, o fluxo que elas percorrem em dado corpo, em dada situação, e compreender suas transformações. Por isso, o encantamento com mulheres dançantes. Mulheres moventes em conexão com outros corpos, despreocupadas com nossas classificações de coerência, em reinvenção dos modos de existir que até então conhecíamos como mulher velha. Foi um choque ver mulheres velhas dançando quatro horas seguidas sem sinais de cansaço. Ver leveza e alegria suspensas no caótico ritmo de trabalho e comércio do centro da cidade de Belo Horizonte. Saber de romances e paixões vividas após os 70 ou 80 anos. Sentir o sexismo existente no salão concomitante às amizades, seduções e brincadeiras. Mulheres marcadas pelo conservadorismo da geração que nasceram e contraventoras das expectativas de maridos e familiares do que venha a ser uma mulher velha.

A administração maior e a gestão ordinária

Qualquer conceito totalizador da gestão impede, como propõem Alcadipani e Rosa (2010)Alcadipani, R., Rosa, A. R. (2010). O pesquisador como o outro: Uma leitura pós-colonial do “Borat” brasileiro. Revista de Administração de Empresas , 50 (4), 371-382. , de apresentar a gestão e/ou a administração como um lugar de disputa política permanente. Isso porque tratar gestão como uma categoria, não apenas como uma representação, é partir de regras, regulações e estruturas, impondo padrões preestabelecidos de conhecimento; no fundo, é uma forma de impor uma visão de mundo única. Por isso, buscamos desnaturalizar os termos, designá-los como lugares de debate. Reforçamos o processo de destacar uma gestão ordinária, uma outra gestão ( Alcadipani & Rosa, 2010Alcadipani, R., Rosa, A. R. (2010). O pesquisador como o outro: Uma leitura pós-colonial do “Borat” brasileiro. Revista de Administração de Empresas , 50 (4), 371-382. ; Ibarra-Colado, 2006)Ibarra-Colado, E. (2006). Organization studies and epistemic coloniality in Latin America: thinking otherness from margins. Organization , 13 (4), 463-488. doi:10.1177/1350508406065851
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, ou organizações outras (Couto, Honorato & Silva, 2019), sem, contudo, negar a administração enquanto disciplina de um saber científico ou enquanto um saber-poder.

É preciso lembrar das palavras de Foucault (1987)Foucault, M. (1987). A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.: um saber só se faz por sua desconstrução constante. Butler (1998)Butler, J. (1998). Fundamentos contingentes: O feminismo e a questão do pós-modernismo. Cadernos Pagu , (11), 11-42. nos diz que desconstruir é pôr em questão. Assim, questionar a gestão é buscar abrir o termo a uma reutilização e a uma redistribuição que anteriormente não estavam autorizadas (constelações e estrelas eclipsadas) ( Carrieri, 2012Carrieri, A. (2012). A gestão ordinária . (Tese professor titular). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. ). Entendemos que desconstruir o termo – gestão, administração, organização – é possibilitar múltiplas significações, é buscar emancipá-lo das ontologias às quais está/esteve restrito e fazer dele um lugar onde novos significados podem emergir. Gestão/Administração/Organização é um termo que deve permitir uma ressignificação. Em certo sentido, o que gestão significa sempre foi dado como neutro, como fixado, como normatizado e imobilizado. Ressignificar, pensar sobre a gestão como ordinária, menor e política, é buscar expandir as possibilidades do que significa administração. Desconstruir o termo e seus usos é deslocá-lo dos contextos dominantes nos quais foram dispostos como instrumentos de poder. É questioná-lo.

Neste ínterim, faz-se importante diferenciar então o que nós, autores, entendemos como gestão ou administração tradicional; o que entendemos como administrar/organizar como verbo; e, também, como gestão ordinária. A ciência administrativa se vincula a técnicas e procedimentos funcionais de origem industrial com o objetivo de maximização dos rendimentos, fluxos e procedimentos. O enfoque no organizar e no ordinário, como verbo e processo, como construção, busca retomar a compreensão do fazer organizativo para além das práticas empresariais, que vinculam as formas de saber e fazer das pessoas como um todo na sociedade, que buscam formas de melhor encadear suas rotinas e afazeres, dos mais simples aos mais complexos.

Dessa forma, ao olhar para o administrar como verbo em construção, resgatamos a possibilidade de olhar para o campo como multiplicidade, como complexidade e como irregularidade, pois o administrar/organizar se dá por múltiplas forças concomitantes que avançam e retrocedem, além de se retroalimentarem. Essa multiplicidade de forças cria uma variedade enorme de possibilidades que expande o que temos hoje instituído. E a defesa por uma administração menor vem brincar com esses conceitos e diferenças, vem buscar dar amplitude e complexidade a algo que é tido como único e certeiro. A administração menor traz, para as várias possibilidades de se organizar, novas contribuições de fuga.

Duarte e Alcadipani (2016)Duarte, M. D. F., Alcadipani, R. (2016). Contribuições do organizar ( organizing ) para os Estudos Organizacionais. Organizações & Sociedade , 23 (76), 57-72. doi:10.1590/1984-9230763
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explicam que essas duas dimensões, a da administração/organização e a do administrar/organizar, pertencem a duas ontologias opostas: a do ser e a do vir a ser. Para os autores, “enquanto a primeira alinha-se ao pensamento moderno, o qual defende que a realidade é dada a priori e que prima pela estabilidade, […] a segunda vai ao encontro do pensamento pós-moderno, segundo o qual a realidade é processual, heterogênea e precária” (p. 69). Além disso, reitera-se que a ontologia do ser é a mais frequente em nosso campo de estudo, tendendo a tratar como não problemáticas e neutras as noções de organização e seus fenômenos.

Nesse sentido, Paula (2006)Paula, A. P. P. (2006). Entre o gerencialismo e a gestão social: em busca de um novo modelo para a administração pública brasileira. Revista de Administração de Empresas , 45 (1), 36-49. já apontava em suas pesquisas que as crenças e ideologias do mundo dos negócios se encontram enraizadas no “movimento gerencialista”, que floresceu durante a década de 1980, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, e na reestruturação produtiva pós-fordista. Para a autora, “valores vitorianos – como o esforço e trabalho duro, além da motivação, a ambição criativa, a inovação, a excelência, a independência, a flexibilidade e a responsabilidade pessoal – foram resgatados e ajudaram a formar uma base de princípios” ( Paula, 2006Paula, A. P. P. (2006). Entre o gerencialismo e a gestão social: em busca de um novo modelo para a administração pública brasileira. Revista de Administração de Empresas , 45 (1), 36-49. , p. 3). Valores que orientam atividades não apenas no âmbito do trabalho, mas que também passaram a moldar nossa experiência social e cultural. Seus símbolos, linguagem, crenças e ideologias invadiram progressivamente os domínios da ciência, tecnologia, arte, literatura, transformando a cultura tanto do ponto de vista material quanto do intelectual e espiritual: a cultura do management .

Holanda (2011)Holanda, L. (2011). Resistência e apropriação de práticas de management no organizar de coletivos da cultura popular. (Tese de doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE. enfatiza que o managerialismo , as suas noções e os princípios administrativos da empresa – tais como eficácia, produtividade, performance, competência, empreendedorismo, qualidade total, cliente, produto, marketing, desempenho, excelência, reengenharia – passam a pertencer aos discursos das escolas, universidades, hospitais, administrações públicas, serviços sociais, museus, teatros, associações musicais e organizações sem fins lucrativos. Assim, essa concepção de administração mainstream , tradicional ou maior (como identificamos neste texto) recebe diversas críticas, por seu teor prescritivo e universalizante, à medida que ditam um modelo universal de sucesso, com base em experiências anglo e eurocentradas, e que inibem as possibilidades de criação e invenção de histórias próprias e locais de gestão ( Alcadipani & Rosa, 2010Alcadipani, R., Rosa, A. R. (2010). O pesquisador como o outro: Uma leitura pós-colonial do “Borat” brasileiro. Revista de Administração de Empresas , 50 (4), 371-382. ).

Alcadipani e Rosa (2010)Alcadipani, R., Rosa, A. R. (2010). O pesquisador como o outro: Uma leitura pós-colonial do “Borat” brasileiro. Revista de Administração de Empresas , 50 (4), 371-382. afirmam que as teorias administrativas tradicionais têm como base um tipo de “racismo epistêmico” que segrega e dispensa o conhecimento produzido fora de suas fronteiras sob o argumento de ele ser particularístico, incapaz de alcançar a “universalidade” dos modelos de gestão. É supervalorizado o modus operandi que difunde e universaliza a empresa como o modelo de organização, apresentando-a como força produtiva neutra. Tal despolitização está a serviço de uma racionalidade econômica e lógica de mercado, negando a singularidade de cada organização, sua natureza institucional, valores éticos e simbólicos, além de implicações de dominação geopolíticas ( Holanda, 2011Holanda, L. (2011). Resistência e apropriação de práticas de management no organizar de coletivos da cultura popular. (Tese de doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE. ).

Segundo Mattos (2009)Mattos, P. L. C. L. (2009). “Administração é ciência ou arte?” O que podemos aprender com este mal-entendido? Revista de Administração de Empresas , 49 (3), 349-360. doi:10.1590/S0034-75902009000300009
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, esses discursos fazem da administração uma disciplina universal, devendo então ser grafada com inicial maiúscula (“Administração”), pois, como nos diz Benjamin (2006)Benjamin, W. (2006). Passagens. Belo Horizonte, MG: UFMG. “saber é posse” (p. 51). Assim, a Administração, como disciplina/saber, confere posse de um conhecimento que se quer universal, mas existe para uso e entendimento de poucos. É nesse cenário que emergem, no campo dos Estudos Organizacionais brasileiros, as discussões teóricas sobre a gestão ordinária. Sintonizado com a noção de organizing , proposta por Karl Weick, na década de 1960, que se atentava a abordagens alternativas às metateorias organizacionais, “no sentido de lançar um novo olhar sobre as organizações a partir da sua perspectiva processual, heterogênea e precária, […] passíveis de questionamentos” ( Duarte & Alcadipani, 2016Duarte, M. D. F., Alcadipani, R. (2016). Contribuições do organizar ( organizing ) para os Estudos Organizacionais. Organizações & Sociedade , 23 (76), 57-72. doi:10.1590/1984-9230763
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, p. 69).

Em sintonia com o enfoque sobre a complexidade da vida, as reflexões em torno do ordinário e da vida cotidiana têm sido palco de diversos estudos nas mais diferentes áreas do saber. Segundo Lefebvre (1991)Lefebvre, H. (1991). A vida cotidiana no mundo moderno . São Paulo, SP: Ática. , tal importância é justificável, pois o cotidiano constitui o lugar em que se formulam os problemas concretos da produção: a maneira como é produzida a existência social dos indivíduos, com as “transições da escassez para a abundância, e do precioso para a depreciação” (p. 30). As pesquisas sobre o cotidiano apontam para a consolidação de um campo de estudo multidisciplinar, caracterizado por “uma pluralidade de influências, na tentativa de reconstruir experiências excluídas” ( Matos, 2002Matos, M. (2002). Da invisibilidade ao gênero: percursos e possibilidades nas Ciências Sociais contemporâneas. Margem , (15), 237-252. , p. 23). Seriam essas influências as responsáveis por romper com a ideia de linearidade e cronologia da história, essa narrativa única. Le Goff (1996)Le Goff, J. (1996). História e memória . Campinas, SP: Unicamp. já afirmara que “a crença num progresso linear, contínuo, irreversível, que se desenvolve segundo um modelo em todas as sociedades já quase não existe” (p. 14). A partir desse novo entendimento, não há um protagonista histórico universal, e sim diversos personagens. Múltiplas histórias ganham corpo, vencendo o método único e racional do conhecimento histórico.

Gestos, palavras e atos do homem comum ou ordinário são revelados, conforme propõe Martins (2008)Martins, J. S. (2008). A sociabilidade do homem simples: Cotidiano e história na modernidade anômala. São Paulo, SP: Contexto. . O sujeito comum é o centro, em oposição a um modelo de “Homem”, às grandes narrativas, a uma universalidade das histórias. No entanto, esse sujeito comum não seria “um indivíduo abstrato ou excepcional, mas sim o indivíduo da vida cotidiana, isto é, o indivíduo voltado para as atividades necessárias à sua sobrevivência” ( Patto, 1993Patto, M. H. S. (1993). O conceito de cotidianidade em Agnes Heller e a pesquisa em educação. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais , 16 , 119-141. , p. 124).

Lefebvre, Heller e Certeau são nomes de peso nas Ciências Sociais e contribuem muito para a construção de uma administração atenta às forças que extrapolam o mainstream da administração e seus conceitos de planejamento, organização, coordenação, comando e controle. Os escritos de Lefebvre e Heller iluminam a potência transformadora da ação cotidiana, enxergando-a como possibilidade de emancipação frente ao capital e, portanto, frente a quem produz história. Ao iniciar sua análise do cotidiano, Lefebvre (1991) destaca que “é a interação dialética da qual seria impossível não partir” (p. 20). Nesse sentido, o autor procura encontrar a combinação entre o filosófico e o não filosófico, o conhecimento racional e a vida real. Ainda segundo o autor, o cotidiano é o lugar dos conflitos, “dos problemas concretos da produção em sentido amplo: a maneira como é produzida a existência social dos seres humanos” ( Lefebvre, 1991Lefebvre, H. (1991). A vida cotidiana no mundo moderno . São Paulo, SP: Ática. , p. 30). Ao utilizar-se do estudo do cotidiano para melhor entender a sociedade, o autor pretende situá-lo na estrutura global do Estado, da cultura e da ciência, pressupondo que não existem fatos sociais que não estejam relacionados, tampouco grupos sociais que não estejam reunidos.

Certeau (1994)Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano: Artes de fazer . Petrópolis, RJ: Vozes. crê que a ação cotidiana nada mais é do que uma reação à única história existente, e seus trabalhos caminham no sentido de resgatar o espaço e o valor das ações dos indivíduos ordinários, incorporando suas práticas, estratégias e táticas de sobrevivência. Para ele, as ações cotidianas são consideradas práticas sociais e os conceitos de estratégia e tática facilitam a apreensão desse conjunto diverso de práticas. Seria caro que os estudos que ressaltam as estratégias organizacionais – os chamados Estudos Organizacionais – optassem por inclinar-se para as estratégias e táticas desenvolvidas no dia a dia da gestão das organizações. Enquanto as estratégias organizacionais ficam nas mãos de membros hierarquicamente mais favoráveis da organização, as táticas cabem aos sujeitos considerados hierarquicamente “sem” poder, possibilitando confirmar ou refutar interesses previamente estabelecidos.

Podemos afirmar, também, que nem todas as práticas são classificadas em estratégias ou táticas, pois ambas podem estar completamente imbricadas. Bernardo, Shimada e Ichikawa (2015) observam que a associação entre estratégias e táticas se relaciona ao movimento de microrresistência, ou seja, sujeitos, ainda que momentaneamente, valendo-se de artimanhas táticas para trespassarem ou escaparem das regras preestabelecidas pela norma imposta, residida no campo da estratégia. É essa relação indissociável que pressupõe o cotidiano.

Consoante ao explorado por Trebitsch (2002)Trebitsch, M. (2002). Henri Lefebvre en regard Michel de Certeau. In C. Delacroix, A Boureau, Michel de Certeau: Les chemins d’histoire (pp. 141-158). Paris: Editions Complexe. , relacionar a obra de Lefebvre e Certeau nos coloca no centro do debate em torno da autonomia do social na modernidade. A obra lefebvriana é anterior a de Certeau; no entanto, ambos convergem para a ideia de que o cotidiano, o ordinário e o banal são dignos de estudo científico e carregam consigo diversos sentidos. Além disso, concordam que o cotidiano é complexo, como um campo de forças e de lutas, comportando o irredutível, a capacidade de resistência e de revolta diante dos fenômenos que emergem na sociedade.

Assim, de forma geral, o cotidiano pode ser observado como aquilo que nos é dado cada dia, que nos pressiona, nos oprime. Para Certeau (1994)Certeau, M. (1994). A invenção do cotidiano: Artes de fazer . Petrópolis, RJ: Vozes. , o indivíduo é protagonista e não agente passivo diante da sociedade. E como o cotidiano se desenvolve por meio de interações entre indivíduos, e essas interações ocorrem em espaços onde se dão os processos de produção e apropriação, não é possível pensar em uma neutralidade do espaço social.

Trazendo tais reflexões para o campo dos Estudo Organizacionais, Carrieri (2012)Carrieri, A. (2012). A gestão ordinária . (Tese professor titular). Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. , em sua tese de professor titular, nos trabalhos coletivos com Amon Barros e Alexandre Carrieri (2015) e com Denis Perdição e Ana Rosa Aguiar (2014), propõe o conceito de gestão ordinária como possibilidade de visibilização, abertura e expansão do campo de estudos da administração, por meio do estudo das práticas do dia a dia de pessoas comuns. A gestão ordinária abre campo de estudo e pesquisa de diversas organizações comuns e populares, antes tidas como sem importância, como locus de estudo e ampliação do saber administrativo. A gestão ordinária também evidencia a necessidade de os Estudos Organizacionais atentarem para a realidade local e para o atendimento das pessoas que geralmente estão à margem do mainstream .

Neste artigo, propomos contribuir com esse conceito, colocando ênfase nas práticas de pessoas comuns que desviam, rompem, causam fissura nos momentos de escape e transfiguração das nossas formas instituídas de organizar a rotina. Ênfase na ciência nômade ou menor , como intitulam Deleuze e Guattari (2012)Deleuze, G., Guattari, F. (2012). Tratado de Nomadologia: A máquina de guerra. In Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (P. P. Pelbart, & J. Caiafa, Trads., Vol. 5, pp. 7-96). São Paulo, SP: Editora 34. . Ciência guiada pelo devir (de movimento turbilhonar e fluido), que se opõe às leis, às regras, às normatizações dos aparelhos do Estado. Entendendo aqui como aparelhos do Estado instituições, concretas e localizáveis, como o governo, a justiça, a escola, a universidade, a família, a Igreja, as empresas e as religiões – mas que também podem ser um pouco mais abstratas (uma certa moral, certa ideologia subjacente e subliminar) –, eles operam pela centralidade do poder (hierarquias bem definidas), pela codificação do espaço e pela ciência régia (hegemônica, a ciência do Estado). São formas de institucionalização do pensar, do fazer e do agir. Ou seja, sistemas que dominam, organizam, regem, determinam, estabelecem, punem. “A preocupação das diversas instituições é conservar” ( Deleuze & Guattari, 2012Deleuze, G., Guattari, F. (2012). Tratado de Nomadologia: A máquina de guerra. In Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (P. P. Pelbart, & J. Caiafa, Trads., Vol. 5, pp. 7-96). São Paulo, SP: Editora 34. , p. 19). Conservar o poder, conservar a propriedade privada, conservar a religião, conservar o lucro, conservar o casamento heterossexual, conservar a monogamia. Na contramão, a ciência menor inventa problemas – pensamentos instáveis, abertos, atravessados por afetos –, e assim cria, inventa novas saídas, como será mais bem detalhado na seção seguinte deste trabalho.

Por uma administração menor

A análise das dimensões dos espaços sociais, para além das representações, é relevante para os Estudos Organizacionais, pois constituem um meio de intervenção dos sujeitos e apresentam arranjos de práticas heterogêneas. De acordo com Lazzarato (1999)Lazzarato, M. (1999). Para a definição do conceito de “biopolítica”. Revista Lugar Comum , 6 (5), 81-96. , nesses espaços existem possibilidades de se inventar dispositivos de produção de subjetividade que correspondam ao tempo potência e ao tempo de vida. As singularidades e os momentos oportunos, nos quais as coisas se mostram não como necessariamente pareciam ser ( Foucault, 2006Foucault, M. (2006). A hermenêutica do sujeito (M. A. da Fonseca, & S. T. Muchail, Trads.). São Paulo, SP: Martins Fontes. ), constituem espaços-tempos únicos que precisam ser incentivados.

Esses espaços não surgem do nada, muito menos podem ser repetidos, copiados, modelados e incluídos em um contexto social. Há de se gerar condições de liberdade para que as pessoas possam observar e reinventar seus fazeres. Para o fomento da criatividade, é preciso permitir a liberdade criativa para que a transformação de ocasiões (em espaço e tempo determinados) seja oportunidade para a reescrita de práticas diárias, das formas de fazer o que tem sido feito ( Hjorth, 2005Hjorth, D. (2005). Organizational entrepreneurship: With de Certeau on creating heterotopias (or spaces for play). Journal of Management Inquiry , 14 (4), 386-398. doi:10.1177/1056492605280
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).

Quando Deleuze e Guattari (1977)Deleuze, G., Guattari, F. (1977). Kafka: Por uma literatura menor . Rio de Janeiro, RJ: Imago. referem-se aos escritos de Kafka como uma literatura menor, defendem um experimento-invenção que afronta o padrão ou modelo de uma maioria. A palavra “menor” busca fazer valer a potência de um devir. “Minoritário é diferenciar-se, subtrair-se, promover desvios, escapar traçando uma linha de fuga de tudo o que é identificável. Um escritor ou poeta minoritário é aquele que inventa na língua e faz nascer o novo no mundo: objetos e individuações” ( Tótora, 2016Tótora, S. (2016). Velhice: Uma estética da existência . São Paulo, SP: Educ. , p. 203).

Dentro do campo da administração, urge questionar o que é tido como modelo universal, bem como abrir o conceito para outras modalidades de uso ( Barros & Carrieri, 2015Barros, A., Carrieri, A. (2015). O cotidiano e a história: Construindo novos olhares na administração. Revista de Administração de Empresas , 55 (2), 151-161. doi:10.1590/S0034-759020150205
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). Os Estudos Organizacionais apresentam, entre as suas diversas possibilidades de pesquisa, reflexões sobre o cotidiano e a gestão ordinária, incluindo aspectos relevantes que o discurso hegemônico, muitas vezes, exclui (Gouvêa, Cabana, & Ichikawa, 2018). Tem-se a possibilidade de visibilização, abertura e expansão da administração, por meio do estudo das práticas do dia a dia de pessoas comuns.

Resgatando as aprendizagens do percurso da pesquisa, a seguir propomos pistas, lampejos, proposições que podem colaborar para a construção de uma administração menor, sem a pretensão de esgotar o assunto, muito menos de produzir um manual de “passo a passo”. Ciente de que o processo é singular e único, compartilhamos reflexões que podem contribuir para ações interessadas na preservação não apenas do instituído, mas das potências de inventividade.

1. Aposta na potência, e não no problema. Aposta na potência, e não na falta. Observação atenta ao que move o desejo e a vontade, de onde emana a força de ação do grupo em questão e sua capacidade inventiva para a criação de alternativas não formuladas até então. Os modelos de ação e pensamento não são balizadores para representações castradas de inventividade.

Assim, como não há uma velhice única, padrão, não há certo e não há errado. Há um percurso. E, confiante na potência inventiva, aposta-se no desconhecido, em que se aprende o novo. Aposta-se na coragem de sair do conforto das casas para explorar domínios públicos, assim como nos ensinam as mulheres do Bailinho.

Uma administração menor aposta em grupos de trabalho específicos, atentos aos sonhos, aos desejos, sem medo do erro. Abertos para a experimentação de novos arranjos possíveis, buscando desfazer-se das mochilas de classificações carregadas e dos pensamentos estruturados nos padrões existentes até então. Incentiva-se a potência inventiva com base na realidade local.

Eugênia vende Avon e Natura para poder sair de casa. Ela fala para suas amigas:

Enquanto meu marido for vivo, eu não posso parar de vender Avon ou Natura, porque, como é que eu ia falar com ele [falar que precisava sair de casa para dançar] se eu parasse de vender? Era a desculpa que eu tinha boa, minha filha. Uai! Você tem que arrumar uma desculpa. Porque ele não gostava, não . (Fragmento extraído do diário de bordo da pesquisa).

Cleuza dançava escondida. Dizia que ia trabalhar, mas ia dançar. Na verdade, ela fazia as duas coisas. Sempre trabalhou como cabeleireira, em salão ou nas casas das clientes. Saía para trabalhar e depois ia dançar. Quando saía de casa, deixava a cama com almofadas para parecer que estava dormindo. Assim que seu marido chegava bêbado gritando, as pessoas na casa diziam que era para ele falar baixo, pois ela estava dormindo. Quando chegava, deixava a roupa velha e a toquinha separadas, para ele nem perceber.

Se não há padrão, há multiplicidade, diversidade, outras possibilidades de continuidade de um processo. Multiplicidade de possibilidades, de saídas e respostas às situações vivenciadas. Há aprendizagem coletiva de limites, possibilidades, potências, alternativas, interações, com as forças que aparecem e desaparecem, nas distintas situações. Aprendizagem de como fazer dobras. De como vergar-se, envelhecer juntos, cuidando da potência de criação de devires .

2. Aposta nos saberes múltiplos, na diversidade de possibilidades de entradas e saídas, nas diversas possibilidades de invenção da vida e de soluções cabíveis, assim como a velhice-rizoma, proposta por Barreto (2018)Barreto, R. (2018). Cartografia dos modos de ser da velhice e do trabalho rurais no Médio Vale do Jequitinhonha . (Tese de doutorado). Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. , assim como a discussão sobre gênero cunhada por Butler (2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade . Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. , 2007Butler, J. (2007). El género em disputa: El feminismo y la subversión de la identidad . Barcelona: Paidós. ), ou o conceito de mulher trazida por Braidotti (2000)Braidotti, R. (2000). Sujetos nómades: Corporización y diferencia sexual em la teoría feminista contemporánea . Buenos Aires: Paidós. .

Nesse sentido, Dora nos conta:

Olha, dançar mesmo, dançar como a gente dança aqui, eu nunca dancei, não. Eu dançava muito forrozinho com meu marido. Assim que eu casei, ele gostava da dança. A gente ia em festinha, daquelas que quase não tem ninguém para dançar. Que tem que tirar o chapéu da cabeça do outro para trocar de par, sabe? Em casa de família. E eu sempre gostei daquilo. Mas aí eu tive meus filhos. Graças a Deus, tive três filhos. Agora tenho quatro – ganhei um neto. E eu já trabalhava. Então o serviço trava muito para mim. Meu marido não ia mais dançar, e parei também. Aquele sufoco, levar menino para a aula. Meus pais começaram a morar comigo, e aí eu não tava podendo mais conciliar aquilo tudo. Serviço; fazia supletivo à noite; estudar e trabalhar; cuidar de filho, de marido, de pai e de mãe; então eu larguei a dança de lado.

Foi aí… quando eu fiz quarenta anos, eu tava lá trabalhando, que coloquei na cabeça. Olhei no espelho e falei: “poxa, Dora, quarenta anos! A vida começa hoje”. Eu mesma falando comigo. “A vida começa hoje”. E verdade. Dos quarenta até agora foram melhores do que de zero aos quarenta. Dos quarenta até agora, aconteceu muita coisa, conheci a dança, conheci a vida. Eu sou feliz é agora. Parece que tudo que eu não pude ter ou Deus me tirou quando eu era nova, ele tá me dando agora depois que eu sou velha. (Fragmento extraído do diário de bordo da pesquisa).

Junto às linhas duras, Dora dança. Ela sai de casa e se enfeita. Ela se veste diferentemente de uma “dona de casa”. Coloca seu salto e seduz. Dança no salão com outros homens, sem que seu marido saiba ao certo sobre essa rotina. Sai do âmbito doméstico, da casa, do lar e transita no universo público. Infringe as normas de conduta de seu contrato matrimonial. Infringe as regras do salão e dança com vários homens. Dora encontra suas próprias formas de reinvenção e potencialização da vida e segue cuidando da casa, dos filhos, do marido e agora do neto.

Dora nos convida a refletir sobre a dicotomia heterossexual e a hierarquização de gêneros que também ocorrem nas organizações do trabalho. Ela nos convida a pensar em formas de administração ou organização de processos que reconhecem a multiplicidade de possibilidades de composição entre sexo, desejo e sexualidade, destituindo polarizações que perpetuam a concentração de poder, tempos e retornos a determinado grupo. Organizações que dancem entre tais categorias, destituindo a dureza das divisões patriarcais do trabalho.

Como Dora, Judite nos ensina que, se não há único modelo, única forma de pensar e seguir; há singularidade, localização de saberes, atentos às especificidades das forças que compõem os percursos. Judite saiu sem nada do casamento, só com as roupas. Com a ajuda da mãe, alugou uma casinha e começou a ir para o Paraguai comprar mercadoria. “ Montei uma lojinha onde morava, me reestruturei! Cheguei a comprar uma casinha em Porto Seguro, que era pertinho dali .” Conta, com o maior orgulho. Ela ia para o Paraguai uma vez ao mês. Às vezes, em 10 dias, já tinha vendido tudo. Ela diz que na época era bom negócio, já que a fiscalização não era tão rígida, não era preciso ter laranjas na fronteira. Ela mesma fazia tudo. E ainda complementa:

E sabe esse negócio de feminicídio1 1 Desde 2015, o Brasil tem uma lei específica para enquadrar homicídios cometidos contra mulheres que envolvam violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher. A Lei do Feminicídio inclui o assassinato de mulheres na lista de crimes hediondos determinando penalidades mais duras e inafiançáveis, sendo previstas punições de 12 a 30 anos de prisão ( Oliveira, 2020 , p. 15). podia ter acontecido comigo duas vezes, além dos assédios! Quando na lojinha entrava um homem, o dito cujo logo ligava. Perguntava se eu tinha “dado” muito. Que era para eu ter cuidado com Aids e se tinha horário para ele na agenda. Assusto com telefone até hoje. (Fragmento extraído do diário de bordo da pesquisa).

Os padrões de pensamento e ação tomados como verdade até então pela administração podem e devem ser questionados. Há outras formas de fazer que podem ser instituídas por outras formas de se pensar as categorias existentes. Processos de seleção, estruturação de cargos, distribuição dos resultados, todos esses aspectos revelam relações coloniais de restrição de acesso e partilha. Olhares cuidadosos reclamam por abertura, participação, redistribuição, mudança de rota.

Luzias, Franciscas, Amélias e Rosanas conclamam o feminismo negro para se repensar a hierarquização de diferenças, a concentração de privilégios, a urgente redistribuição de oportunidades. O feminismo negro escancara a branquitude inerente às instituições com as quais nos estabelecemos em coletivo, evidenciando estruturas normativas que performam um jeito normatizado (branco) de se organizar em sociedade.

Ressaltamos as reinvenções necessárias dadas à condição culturalmente construída do lugar da mulher. Atenção à invisibilidade da economia do cuidado que sequestra o tempo e perpetua dominações, que posterga alegrias e determina o roteiro profissional de tantas. É preciso, assim, criar, articular, fortalecer redes de apoio social e familiar para descentralizar demandas das figuras femininas, redistribuindo o trabalho do cuidado entre todos. Até mesmo dentro e nos horários de trabalho institucional.

3. Aposta no corpo sem órgãos, bastante distinto dos órgãos sem corpo, das máquinas operárias aos quais nos transformamos ( Braidotti, 2000Braidotti, R. (2000). Sujetos nómades: Corporización y diferencia sexual em la teoría feminista contemporánea . Buenos Aires: Paidós. ). Busca do corpo que dança em potência alegre. Como nos conta Efigênia, corpo sensível ao que permite que a vida continue em composição, e não apenas em função/organização para. Corpo que afecta e permite ser afectado (em sentido deleuziano), pois se percebe integrado, e não em funcionamento isolado. Em escuta atenta, o corpo sem órgãos percebe-se em processo de cocondução, em fluxo, desprendendo-se do sentido de autoria. Cria-se junto, tece-se em confiança.

Diante das muitas definições dadas para a dança, a palavra que mais nos chamou atenção na escuta das entrevistadas foi “esquecer-se”. “Esquecer-se” repetida várias vezes e que traduz o que sentíamos quando as observávamos no salão.Efigênia, Guilhermina, Judite, Amélia, Dora, Helena, Luzia, Cleuza falam que a dança as deixa mais leves e as faz esquecer: esquecer-se das coisas de casa, do passado, de dores, do marido, das brigas, dos filhos e de si mesmas.

Quando pedimos para que elas explicassem o que seria esse esquecer, elas falaram de um deixar-se levar pelo ritmo, sozinhas ou com o outro, de uma forma que é possível “ descansar a cabeça ”, “ não pensar em nada ”, “ não preocupar-se ”. Esquecer-se de tudo aquilo que não está ali, naquele momento, no presente. Esquecer-se das coisas que estão “ lá fora ”. “ Deixo as coisas de casa lá fora ”. “ Aqui eu só tenho horário para chegar, e danço até esquecer -me ”. Quando dançam, dizem esquecer-se de tudo que não é o agora. Dizem esquecer-se de irem embora. Esquecem-se até do próprio corpo. Não se cansam. Dona Jandira, de 84 anos, dança sem sentir passar quatro horas seguidas, mesmo que no outro dia fique de cama.

Ao observar e conversar com essas mulheres, percebemos que, mesmo que seja por alguns momentos, ao dançarem, esquecem de si mesmas, esquecem das cobranças, das faltas, dos aprisionamentos, e revolucionam o que pensam e sentem sobre si mesmas. “Transformam-se em obra de arte”, como lembra Helena, ao citar Nietzsche. Entregam-se ao plano intensivo de forças, sem expectativas de um “eu”; estão fora de si mesmas na experimentação de movimentos, de corpos outros, de espaço-tempo outro. Expandem, assim, as diferentes possibilidades de existir. Elas dizem experimentar ser criança. Rodam a saia. Dançam sozinhas. Convidam homens para dançar. Transgridem regras. Elas desorganizam expectativas. Compõem novas interações de vida. Desprendem-se do antigo “eu” que dançava, do antigo corpo. Lançam-se à dimensão sutil, e, assim, “a percepção torna-se molecular, já que adquirem uma sensibilidade de captar a dimensão sutil do movimento” ( Moehlecke & Fonseca, 2005Moehlecke, V., Fonseca, T. M. G. (2005). Da dança e do devir: O corpo no regime sutil. Revista do Departamento de Psicologia – UFF , 17 (1), 29-44. doi:10.1590/S0104-80232005000100004
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, p. 57).

Uma administração menor, feminista, antirracista, anticlassista e anticolonial, subverte a cafetinagem dos corpos que os restringe às funcionalidades biológicas ou células de produção isoladas e aposta em corpos que dançam, que compõem, que cocriam e coconduzem – em fluxo, juntos, desvelando processos produtivos que ultrapassam o retorno econômico de curto prazo.

4. Aposta no coletivo, na construção de um comum que potencialize os afectos como forma de recomposição das relações. Não há ato solitário. Aposta-se em micropolítica ativa tecida nos encontros que opera em outro sistema de valores, como nas trocas que não estão baseadas em fins; e em ações que não tenham como finalidade a acumulação ( Klinger, 2014Klinger, D. (2014). O sentido da escrita. In D. Klinger, Literatura e ética: Da forma para força (pp. 49-85). Rio de Janeiro, RJ: Rocco. ).

Utilizamos o termo “comum” como empregado por Rolnik (2019)Rolnik, S. (2019). Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada . São Paulo, SP: n-1 edições. , em diálogo com Negri e Hard. Comum como campo imanente de pulsão da vida de um corpo social, de modo a direcioná-la à criação de modos de existência para aquilo que pede passagem. Da construção do comum resultam mudanças nas formas de realidade. Outros modos de existir em coletivo foram contados por Amélia, Efigênia, Eliana, Luzia. Modos coletivos de partilha de potência de vida, de cuidado uns com os outros, em que se faz possível a subversão dos modelos de casa como território de dominação e castração, para a construção de “casas-corpo” e “casas-famílias”, onde é possível “ser sendo” sem medo do outro. Cuidado menor, como aponta Oliveira (2020)Oliveira, L. S. (2020). Por um cuidado menor: Mulheres, violências e psicologia(s) feminista(s) . (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ. . Junto. Solidário. Atento às especificidades e multiplicidades de cada etapa da vida. Respeitoso aos diversos modos de ser, reconhecendo a existência de desejos e vontades de um corpo próprio. Administração menor produtora de forças e formas que articulem encontros potentes, associações solidárias, por si só combativas de processos de exclusão, inferiorização e dominação.

Amélia enfatiza que o Bailinho é como uma família para ela. Ela conta que pegou muita intimidade com o pessoal dali, principalmente pelo cuidado que tiveram com ela quando era praticamente cega. Ela fala assim:

Então, peguei assim muito intimidade… eu tenho aqui, todo mundo, como meus amigos, meus irmãos, meus parentes. Tudo! E cumprimento todo mundo. Até no início, Paula, por incrível que pareça, quando eu não enxergava, os outros chegavam perto de mim, conversavam, falavam que era fulana, sou beltrana, mas, por mim, eu não guardava ninguém. Mas quando eu comecei a enxergar, aí eu comecei ir na mesa e saber quem era. “Eu sou fulana que ia lá falar com você... eu sou sicrana…” Hoje eu chego e vou na mesa de todo mundo. Cumprimento todo mundo. Faço a maior festa. Quando dá sexta, eu fico doida, sem paciência para chegar na terça de novo. Para mim é a morte. Quando chega a terça-feira, fico doidinha. Os meninos ficam assim: “Mãe, tá armando chuva…”. Eu respondo: “Tem portância não”. “Mãe, olha que chuva que tá caindo”. Respondo: “Tem portância não! (Fragmento extraído do diário de bordo da pesquisa).

Podemos também pensar sobre a importância do fomento às organizações coletivas de partilha de potência de vida e de cuidado, onde se fazem possíveis “casas-organizações”, em que pessoas trabalham sem medo do outro. Segundo a conotação de “casa” dada por Rolnik (1998)Rolnik, S. (1998, outubro). Subjetividade antropofágica . Trabalho apresentado na 24ª Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo, SP. Recuperado de: https://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Subjantropof.pdf
https://www.pucsp.br/nucleodesubjetivida...
, “casas-organizações” agregariam ao espaço de trabalho valores de confiança, afeto, acolhimento, aliança, construção conjunta, transformando radicalmente as possibilidades de atuação individual e coletiva.

5. Aposta na vida. Vida que apenas é se integrada. Em decisões orientadas por bússola ética sustentável, atenta à integração de todos os seres vivos para além do humano. Bússola ética que substitui processo de colonização, de dominação do outro, do meio ambiente, dos recursos naturais, pela aliança; e, assim, destituir a humanidade como parâmetro fundamental para processos decisórios que interfiram no ecossistema em que habitamos.

Com referência à Butler (2018)Butler, J. (2018). Corpos em aliança e política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia . Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.: “estar vivo é estar conectado com o que é vivo, não apenas além de mim mesmo, mas além da minha humanidade, e nenhum ser e nenhum humano pode viver sem essa conexão com uma rede biológica de vida que ultrapassa o domínio do animal humano” (p. 33). O Bailinho da Tia Naná ressalta integração, conectividade, complexidade no cuidado entre os pares, entre gerações, entre a infraestrutura e as diversas possibilidades de apropriação daquele espaço. Com base na bússola ética, ressaltamos a importância de fomento à relação de cooperação, atentos às várias formas de interdependência. Estendemos essas reflexões ao meio ambiente e à sustentabilidade geracional do que fazemos, sustentabilidade das formas pelas quais escolhemos nos organizarmos.

As pistas acima apresentadas são inspirações, ideias, proposições para a concepção de uma administração menor. A intenção foi a de contribuir para a expansão dos Estudos Organizacionais, por meio do exame das práticas do dia a dia de pessoas comuns, as quais emanam potências de inventividade, com base nos recursos materiais e imateriais existentes.

A seguir, apresentamos um quadro resumido e esquemático que contribui para o entendimento das principais diferenças entre a administração menor e o modelo de administração maior, administração tradicional, ainda hegemônica (como ressaltado na seção 2 deste texto), com base em modelos universalizantes.

Ressaltamos que o quadro, por seu caráter esquemático, corre o risco de incorrer na mesma questão de sua crítica: à simplificação generalizadora. Dessa forma, destacamos que defendemos a complexidade de modelos organizacionais, em suas formas e sentidos. Trazemos tópicos que não devem ser vistos como um todo fechado, mas como fragmentos ou características que podem estar dispersas nas várias formas de organizar o cotidiano, produtivo e reprodutivo. Assim, mesmo que existam organizações ainda arraigadas em princípios tradicionais, que de alguma forma, estão atrelados a micropolíticas reativas – forças que “pressionam na direção da conservação das formas em que a vida se encontra materializada” ( Rolnik, 2019Rolnik, S. (2019). Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada . São Paulo, SP: n-1 edições. , p. 56) – seja por meio do medo, da comparação, da punição ou mesmo da tristeza, possuem também entre suas práticas tópicos menores incorporados em seus arranjos; lugares onde a solidariedade, a complexidade e a composição de equipes diversas e baseadas em processos potentes de força criativa são realidade. De forma esquemática, nesta tabela buscamos enfatizar possíveis avanços em dimensões ainda não contempladas.

Tabela 1
Resumo comparativo entre administração menor e administração maior, ou hegemônica

Distantes de modelos universais, buscamos dar ênfase em (re)invenções da vida ordinária. Reafirmamos, assim, a complexidade real da vida cotidiana, que força formas e associações dentro e fora do comum.

Considerações finais

Este estudo e as análises aqui apresentadas “não esgotam ou reduzem a multiplicidade, diversidade, polifonia e singularidade” ( Martins, 2021Martins, L. M. (2021). Performances do tempo espiralado, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro, RJ: Cobogó. , p. 186) de vivências e experiências das pessoas que frequentam o Bailinho da Tia Naná, assim como dos pesquisadores envolvidos. Polifonias, vivências e experiências que nunca aparecem numa administração maior, sempre considerada linear, gerencial, funcional e até mesmo sem aporias e ressonância criadas no cotidiano do trabalho, da vida.

Assim, buscamos neste trabalho compartilhar o brilho daquelas mulheres que vimos derivarem no salão em alegria. Alegria de vaga-lumes ( Didi-Huberman, 2011Didi-Huberman, G. (2011). Sobrevivência dos vaga-lumes . Belo Horizonte, MG: UFMG. ) que ainda resistem aos holofotes dos outdoors ; à indústria farmacêutica ou imagética do marketing ; à produção de máquinas operárias. Holofotes fixados por um modelo hegemônico de se produzir, empenhado nas vendas de modelos de mulher, corpo, velhice, raça e classe que insistem em ofuscar modos de existir menores. Em (r)existência, persistimos em dar visibilidade às dobras de arte que nos ensinam a potencializar a vida, reinventar passagens, descobrir novos percursos. Tarefa nada fácil. É preciso aprender. É preciso insistir e aprender a estar junto. Como velhas acumuladoras de experimentações menores, com sensibilidade apurada para perceber onde pulsa vida.

Além das vidas marcadas pela rotina dura da casa, comida, roupa, maridos, filhos, as senhoras dançam. Encontram dança – movimento – em que há rigidez na casa-corpo e na casa-família, rigidez no contrato social-sexual. Dançam com as dores do corpo, com os papéis que representam. Dançam com o padrão de limpeza, com o que é dito como obrigação de mulher. Dançam na relação com o marido e suas funções de esposa. Dançam com a condução masculina, com a submissão de gênero. E, assim, ensinam sobre cocondução, confiança e liberdade para que o fluxo e a alegria aconteçam. Ensinam sobre o esquecer-se de si e sobre ser empreendedoras de vida em coletivo, em que diferenças podem ser compostas sem dominação.

Com a dança, as senhoras entrevistadas nos ensinaram sobre uma administração menor que, junto ao planejar , tecem. Junto ao organizar , compõem. Ao avaliar , cuidam. Senhoras que, tecendo, compondo e cuidando, inventam novos modos de existir, vaga-lumes que iluminam, dão pistas, para uma vida mais potente, alegre, inventiva. Vida que não dissocia o público e o privado, a mãe e a puta, a bailarina e a costureira, o dentro e o fora, o intensivo e o extensivo.

Para o sentido dado à palavra “menor”, propomos, assim, uma administração que: 1) desterritorialize, transvalore, reinvente, transforme o que se entende e o que se faz como administração maior; 2) crie outras ramificações políticas, ampliando percepção crítica de como a administração está atrelada à construção da subjetividade capitalística; e 3) lance mão de agenciamentos coletivos de enunciação e aposte no coletivo, na construção conjunta, na força do comum. Como propõe Didi-Huberman (2011)Didi-Huberman, G. (2011). Sobrevivência dos vaga-lumes . Belo Horizonte, MG: UFMG. , coadunamos a necessidade de profanar o que é tido como sagrado, e, dessa maneira, olhar a gestão para além do convencional, do que está posto pela perspectiva hegemônica, e observar os “vaga-lumes” (a dança viva dos vaga-lumes) no presente de sua sobrevivência, ou seja, as condições de resistências imanentes, as condições antropológicas de criar outras relações de poder em nosso espaço-tempo.

Para concluir, ressaltamos então as contribuições do conceito de administração menor em três grandes esferas: no que tange à ciência social aplicada da administração como um todo, aos Estudos Organizacionais e, mais especificamente, ao conceito de gestão ordinária. No que se refere à ciência da administração, embasados na filosofia da diferença sustentada por Deleuze e Guattari, o enfoque sobre o menor na vida constitui uma quebra com o modo de saber-fazer ocidental moderno; uma quebra com o modelo de saber e fazer que funda e estrutura os estudos administrativos. O pensamento deleuziano rompe com o paradigma da representação que entende o conhecimento como (re)cognição, o pensamento com uma instância seletiva que deve buscar se enquadrar em modelos específicos ( Schopke, 2004Schopke, R. (2004). Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade . São Paulo, SP: Edusp. ). E romper com a representação significa que a potência do pensamento está na sua associação com a vida, com a sustentação da diferença e da atividade inventiva, criadora, cujo desafio é exatamente se livrar dos modelos, dos protocolos, dos ideais a seguir. É experimentar no lugar de reconhecer ( Romagnoli, 2017Romagnoli, R. C. (2017). Transversalizando as políticas públicas: Quando a intersetorialidade se torna rizomática. Psicologia em Estudo , 22 (3), 421-432. doi:10.4025/psicolestud.v22i3.35843 , p. 427).

O que Deleuze (2002a) propõe com o plano de imanência é a reversão (ou subversão) do pensamento-representação, convocando para que ousemos pensar, respeitando a multiplicidade de forças, extrapolando modelos e protocolos, extrapolando as classificações binárias e excludentes. A administração menor nos convoca a inovar, a ousar o diferente, a estabelecer novas associações conceituais até então não autorizadas, tanto em nossas pesquisas quanto em nossas atividades produtivas. No plano da imanência, a complexidade é invocada com suas contradições – não há exclusão, e sim soma. O dentro e o fora, o aberto e o fechado são inseparáveis quando pensados enquanto uma dobra. No mesmo sentido, as forças e as formas, as forças intensivas e as formas extensivas fazem parte da mesma estrutura. Elas convivem no mesmo corpo.

Nesse sentido, defendemos uma administração menor que congregue, como dobra, o organizar e o compor, a ordem e o caos, a função e a desconexão – “polaridades que geram tensões, e, portanto, movimento” (Bethonico & Romagnoli, 2016, p. 67). Administração menor que cria e respeite o fluxo, o corpo e toda a integração existente entre vida e seu meio. Administração que integre o corpo sem órgãos para Deleuze, o corpo-dança de Munhóz (2011)Munhóz, A. V. (2011). Flutuações de um corpo-dança. Revista Repertório , (16), 24-30. doi:10.9771/r.v0i16.5392
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. Guiada pela bússola ética com interesse na potência imanente da vida, com o que somos capazes de fazer aqui e agora, desapegados de parâmetros universais ( Tótora, 2016)Tótora, S. (2016). Velhice: Uma estética da existência . São Paulo, SP: Educ. .

No que se refere aos Estudos Organizacionais, além dos impactos mencionados sobre as possibilidades de pesquisa acima abordadas, o estudo do menor ressalta a emergência do olhar para a realidade local, onde estão de fato “os praticantes” ( Stengers, 2018Stengers, I. (2018). A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros , (69), 442-464. doi:10.11606/issn.2316-901X.v0i69p442-464 ). E, nesse sentido, contribui com o conceito de gestão ordinária, nesse campo enraizado. Os lugares privilegiados, as posições de destaque e as práticas amplamente difundidas na “administração maior” dão lugar à vida ordinária do homem comum, das coisas, até então, insignificantes, e que apontam para possibilidades de resistência.

Como a gestão ordinária, o enfoque do “menor” dá maior visibilidade a estratégias concretas de resistência e de sobrevivência de pessoas comuns e reais, deixando de lado criações distantes e abstratas das possibilidades materiais da vida efetiva. E, assim, pesquisadores e estudiosos da área dos Estudos Organizacionais podem contribuir de fato com a melhoria da qualidade de vida de uma parte da população geralmente esquecida.

No entanto, a administração menor propõe algo diferente da ideia de gestão ordinária. A administração menor, dentro do cotidiano, busca ressaltar as fissuras, os pontos de fuga, as invenções das pessoas comuns. Ela foca as estratégias inusitadas, inventadas por essa população vaga-lume. Nesse sentido, estamos falando de uma dimensão técnica (sobre as formas de saber-fazer, como descrito no quadro); mas também em sua dimensão teórica e analítica (embasados nos conceitos de complexidade e complementaridade trazidos pela teoria de Deleuze e Guattari). A administração menor busca explicitar não apenas segmentaridades duras, mas também, e aí se faz a diferença, direcionar nossa atenção “às pequenas imitações, aposições, invenções, matéria sub-representativa” ( Deleuze & Guattari, 1996Deleuze, G., Guattari, F. (1996). Micropolítica e segmentaridade. In G. Deleuze, F. Guattari, Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (A. Guerra Neto, A. L. de Oliveira, L. Cláudia, & S. Rolnik, Trads., Vol. 3, pp. 83-115). São Paulo, SP: Editora 34. , p. 90); atenção ao que vaza, ao que foge, ao que escapa às organizações binárias e funcionalistas, ao que escapa à colonização de nossas forças vitais de criação e transcriação nas relações micropolíticas do cotidiano ( Deleuze & Guattari, 1996)Deleuze, G., Guattari, F. (1996). Micropolítica e segmentaridade. In G. Deleuze, F. Guattari, Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (A. Guerra Neto, A. L. de Oliveira, L. Cláudia, & S. Rolnik, Trads., Vol. 3, pp. 83-115). São Paulo, SP: Editora 34. . O termo menor enfatiza as forças e as intensidades singulares, que permeiam as micropolíticas cotidianas. Menor como “combinações inéditas, diferentes, que apontam não uma permanência de sentido do objeto através dos tempos e sim o que o faz diferir” ( Oliveira, 2020, pOliveira, L. S. (2020). Por um cuidado menor: Mulheres, violências e psicologia(s) feminista(s) . (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ. , p. 150). É a recusa aos modelos que aspiram ao majoritário. Constitui invenção de desvios, de linguagem própria ( Tótora, 2016)Tótora, S. (2016). Velhice: Uma estética da existência . São Paulo, SP: Educ. .

Dado o destaque à contribuição ao campo, é imprescindível registrar que muitas senhoras e senhores que frequentaram o Bailinho faleceram nos anos marcados pela pandemia de covid-19. A maioria faleceu por ataque cardíaco, acompanhados de tristeza e depressão, privados de poderem cultivar suas alegrias no salão. Com coração apertado, dedicamos este trabalho a todas as pessoas que ali dançaram, dançarão e a todas as pessoas que, de alguma forma, se dedicam à velhice. Esperamos que este estudo possa inspirar e fortalecer ações de administração e cuidado menor, cientes da importância que são para a manutenção e potencialização da vida. Vale registrar que o Bailinho voltou a funcionar em março de 2022.

Compartilhamos também sugestões sobre outras possibilidades de investigações do tema. Seria pertinente aprofundar as relações teóricas entre velhice e administração. Sobre como o primeiro ensina o segundo. Buscar outros lugares compostos por velhas e velhos e observar como gerem a convivência ali. Também fica como indicação o aprofundamento teórico da relação filosofia da diferença e estudos administrativos. Percebendo detalhes, contradições, provocações. Tensionando dicotomias e produzindo movimentos em que se é dado como inviável, impossível, desconexo. Tensionar administrações outras, lugares não autorizados, como salienta Carrieri (2014)Carrieri, A. (2014). As gestões e as sociedades. Farol – Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade , 1 (1), 19-57. , em busca de reinvenções cotidianas das nossas formas de fazer junto.

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Notas

  • 1
    Desde 2015, o Brasil tem uma lei específica para enquadrar homicídios cometidos contra mulheres que envolvam violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher. A Lei do Feminicídio inclui o assassinato de mulheres na lista de crimes hediondos determinando penalidades mais duras e inafiançáveis, sendo previstas punições de 12 a 30 anos de prisão ( Oliveira, 2020Oliveira, L. S. (2020). Por um cuidado menor: Mulheres, violências e psicologia(s) feminista(s) . (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ. , p. 15).
  • Linguagem inclusiva
    Os autores usam linguagem inclusiva que reconhece a diversidade, demonstra respeito por todas as pessoas, é sensível a diferenças e promove oportunidades iguais.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento
    Agradecemos à Capes e ao CNPq pelo financiamento do projeto.

Editado por

Editora Associada: Leticia Dias Fantinel

Disponibilidade de dados

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A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Set 2022
  • Aceito
    01 Dez 2022
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