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Seruya, Teresa; D’Hulst, Lieven; Assis Rosa, Alexandra; Lin Moniz, Maria. Translation in Anthologies and Collections (19th and 20th Centuries). Amsterdam: John Benjamins, 2013, 287 p.

Seruya, Teresa; D’Hulst, Lieven; Assis Rosa, Alexandra; Lin Moniz, Maria. Translation in Anthologies and Collections (19th and 20th Centuries). Amsterdam: John Benjamins, 2013. 287

Antes de tudo, vale mencionar que esse livro sobre antologias é, em si, uma antologia. Esse formato parece realmente adequado para a proposição de debates acadêmicos, o que pode ser verificado em outras obras que reúnem textos de vários autores e autoras para dar conta de assuntos plurais. Basta citar, por exemplo, a antologia de Theo Hermans (1985), que representa um marco importante nos Estudos de Tradução, e mesmo a Translations studies reader, organizada por Lawrence Venuti (2004). Não por acaso, a contribuição de José Antonio Sabio Pinilla, “Las antologías sobre la traducción en la Península Ibérica. Revisión crítica”, na obra aqui resenhada trata justamente de antologias que reúnem textos teóricos sobre tradução.

Translation in Anthologies and Collections (19th and 20th Centuries), como outros livros que abordam a questão, é produto de um evento organizado em 2010. Ao todo, são 16 artigos no volume, agrupados em três tópicos: “Discursive practices and scholarly agency”; “National and international canonization processes”; e “Selection and censorship”, em uma obra inteiramente redigida em inglês (menos o texto do espanhol Sabio Pinilla) e publicada pela John Benjamins, bom indicador do público ao qual se dirige. Uma operação acertada parece ser a que guia a escolha do título, que ao invés de tentar antecipar uma definição de “antologias traduzidas”, ou “antologias de literatura traduzida”, propõe o guarda-chuva mais abarcador da “tradução em antologias e coleções”. Ou seja, o interesse passa a ser localizar a mediação tradutiva nessas obras.

Já no rigoroso prefácio do livro percebemos em que tradição essa obra se inscreve. O “Foreword” começa citando a ideia de “planejamento cultural” que Itamar Even-Zohar e Gideon Toury trouxeram para os Estudos de Tradução, o que se relaciona paralelamente aos processos de troca intercultural que ocorrem na/pela/com a tradução (veja, por exemplo, EVEN-ZOHAR, 2002 e TOURY, 2002; 2003). Quando se fala de antologias de textos traduzidos, portanto, o planejamento e as trocas interculturais se intensificam, afinal de contas estão em jogo neste caso dois mecanismos potentes para a realização do que André Lefevere chamava de “reescrita” (1985; 1992). A amplidão do fenômeno antologizador, e o fato de estar ligado de maneira estreita com a “importação” de literatura estrangeira, continua instigando uma pesquisa que, como o objeto parece sugerir, é sempre de apenas uma porção do universo, porção que tenta ajudar a explicar aspectos mais amplos que o objeto pontual.

Na introdução são citados também, indiretamente, os estudos pioneiros de Essmann & Frank (1990; 1991), que propunham analisar a “história interna e a história externa” de antologias compostas por textos traduzidos. Por aí já se vê que Teresa Seruya, Lieven D’Hulst, Alexandra Assis Rosa e Maria Lin Moniz estão cientes da nem tão pequena fortuna teórica sobre o tema do livro que organizam. Ao mesmo tempo, a entrada de Portugal no mapa dos Estudos de Tradução, e do assunto em particular, não é recente. Seruya (2013) assina, por exemplo, um artigo exatamente sobre antologias e traduções no Handbook of Translation Studies de Gambier e Van Doorslaer (2013). Alexandra Assis Rosa, para além de seu trabalho acadêmico na Universidade de Lisboa, é vice-presidente da Sociedade Europeia de Estudos de Tradução. O deslizamento do lugar de origem que as pesquisas dos Estudos de Tradução têm experimentado nas últimas décadas, portanto, evidencia-se na organização e no corpus de artigos que Translation in Anthologies and Collections (19th and 20th Centuries) introduz.

Alguns highlights

Partindo da localização e proliferação do fenômeno antologizador na contemporaneidade, há já na introdução do livro uma ênfase na confusão tautológica entre antologia e coleção. O texto de Lieven D’Hulst, estrategicamente posicionado em primeiro lugar, dá vazão a esses questionamentos e, assim, acaba trazendo uma das principais contribuições epistemológicas desta obra: a dúvida sobre o próprio objeto de pesquisa. Em “Forms and functions of anthologies of translations into French in the nineteenth century”, D’Hulst continua uma reflexão acerca do fenômeno antologizador, sobre o que já tinha publicado no livro organizado por Harald Kittel em 1995 (veja D’HULST, 1995). Se, naquela ocasião, o pesquisador belga se debruçava sobre quatro antologias de literatura medieval francesa publicadas entre 1756 e 1816, no que considerava uma superposição entre tradução e edição, aqui se volta sobre um recorte diferente de tempo, de 1810 a 1840. A familiaridade de D´Hulst com esse corpus distante habilita uma reflexão sobre o estatuto discursivo das noções de antologia e coleção, em que retoma a “genericidade tradutória” como ferramenta para lidar com elas enquanto “protótipos” (SERUYA et al, 2013, p. 20). O autor questiona, enfim, a ideia de antologia como um gênero, indicando que seria, antes, um tipo de livro em que se acomodam diversos gêneros, e anuncia a dificuldade, senão a inocuidade, de definir o que é antologia, já que esse termo (bem como seus sinônimos) abarca diversos formatos.

Por isso, D´Hulst decide se concentrar nas questões de metodologia levantadas em sua pesquisa. Esse levantamento revela, por exemplo, que a palavra francesa “anthologie” era pouco utilizada em títulos, perdendo para termos como “morceaux choisis” e “recueil”. Esses dados servem para reforçar a ideia de que

[...] to apprehend the formal or functional specificities of anthologies of translations, it would be necessary to be able to demonstrate the specific nature of their discursive (e.g. translatorial vs. auctorial) and institutional properties and this so for a representative sample of them. (SERUYA et al, 2013, p. 25).

É um texto repleto de listagens, em que o autor praticamente se dedica a apresentar os dados encontrados na pesquisa, o que está bastante de acordo com a abordagem descritiva a que esse estudioso costuma recorrer. Esse método lhe permite concluir, por exemplo, que do ponto de vista do sistema literário as antologias em tradução não diferem das antologias em vernáculo: “[...] even in terms of their functions, anthologies of translations pursue a number of aims that they share with anthologies of original works” (SERUYA et al, 2013, p. 33). Desta forma, o texto de D’Hulst, já no começo do livro, parece apontar de uma forma paradoxal para um caminho de dissolução dos estudos que têm como objeto as antologias em tradução.

Reflexões sobre a própria tarefa

Outro artigo destacável, pertencente também à primeira seção, é “Academic navel gazing? Playing the game up front? Pages from the notebook of a translation anthologist”, de Martha P. Y. Cheung, cujo mérito é o de inserir a tarefa de fazer uma antologia em tradução, a sua própria, em um debate mais amplo: “[w]hat are the excitement, burden and responsibilities of a postcolonial translator and/or translation scholar in an age of globalization?” (SERUYA et al, 2013, p. 75). Ou seja, o texto vai além de um estudo de caso e acaba suscitando particular interesse epistemológico. Assim, Cheung marca o seu posicionamento, que é o questionamento desse posicionamento, alcançando até uma dimensão existencialista: “[a] t the personal level, the Anthology turned out to be a therapeutic project” (SERUYA et al, 2013, p. 83). Aliás, esse autoquestionamento fica evidente já no título: “Academic navel gazing?”, isto é, “Olhando para o umbigo acadêmico?”. E aqui vemos o uso da retórica da interrogação, essa tendência à pergunta como formulação do pensamento, num gesto simultaneamente autoanalítico e antecipador da análise que os outros poderiam fazer. Note-se que até a conclusão do texto é formulada como pergunta:

[w]ill they [the readers] be persuaded that the introspective mode of discourse can be combined with the theoretical mode to produce a better appreciation of the complex and ideologically loaded issues involved in the making of a translation anthology? (SERUYA et al, 2013 p. 87).

O de Cheung é um diário de bordo da sua trajetória acadêmica, que flexibiliza e problematiza de maneira constante a identidade. Afinal de contas, o que é “chinês?”, inquire. É de perguntas extremamente simples e, talvez, irrespondíveis, que se compõe esse texto. Isso parece servir bem aos propósitos autoanalíticos, autocríticos de Cheung, proceder reconhecível também em outros textos dela (veja, por exemplo, CHEUNG, 2003; 2012). E a autora demonstra consciência de estar fazendo, com uma análise do seu próprio trabalho, uma crítica muito mais ampla do discurso (“authoritative plain English”, como chamou Venuti), do método (“scientific paradigma”) e da epistemologia positivista, aspectos comuns nos Estudos de Tradução, bem como em outros domínios das humanidades. Como ela declara:

I do believe that the future of humanity would be that much poorer if the conception, processing, production, circulation and consumption of knowledge were to be ruled by just one single epistemological model, no matter how useful that model has been and still is. (SERUYA et al, 2013, p. 78)

Um ponto interessante desse diário de bordo é quando indica que uma das motivações para trabalhar com antologização/compilação é exatamente o sentimento de humilhação que algumas pessoas podem ter diante de categorias tais como “não Ocidental e “o Resto” (“the Rest”, em contraposição a “West”, ou seja, Ocidente). Surge assim a antologização como um imperativo pós-colonial, uma reação. Quer dizer, já que te desvalorizam e desvalorizam a tua cultura, tu podes buscar uma legitimação por meio da divulgação do que há de “melhor” ou de interessante na tua cultura, e uma boa maneira de fazer isso é num livro em formato de antologia.

A comparação da descrição

Se o artigo de D´Hulst é uma dúvida sobre a validade da pesquisa, e o de Cheung uma interrogação sobre suas implicações, há outros que fazem uso da ferramenta descritiva para aproximar-se de grandes corpora de textos. As observações mais pertinentes surgem da articulação dos fenômenos descritos. Isso pode acontecer entre o externo e o interno, entre um autor e outro, ou mesmo entre dois sistemas literários contemporâneos. Nesse sentido, o artigo “Translation anthologies and British literature in Portugal and Hungary between 1949 and 1974”, de Zsófia Gombár, faz uma ponte prolífica entre as antologias de literatura inglesa em Portugal e na Hungria nas datas citadas. Se bem que poderíamos pensar em uma certa uniformidade nas políticas editoriais nos dois regimes que se estabelecem nesses países, Gombár consegue detectar e analisar estratégias desiguais com relação aos autores traduzidos, aos sentidos da censura e ao papel da literatura em cada um deles. Assim, a indústria editorial e o “translation environment” no Estado Novo diferem daqueles do Socialismo na Hungria, o que mostraria que “[t]he total control over book publishing and distribution in Hungary appears to show that literature played a more significant role in the Hungarian propaganda machine than in Portugal” (SERUYA et al, 2013, p. 260).

A análise desses casos específicos gera, no entanto, um questionamento mais amplo, acerca das diferenças entre ditaduras de direita e ditaduras de esquerda no comportamento censor. Pode-se hipotetizar, a partir do texto de Gombár, que regimes de esquerda valorizariam a cultura literária em sua potência didática, de modo a tentar exercer um maior controle sobre o que a população lê. Por outro lado, regimes de direita veriam na literatura sobretudo aspectos de entretenimento, deixando então a censura a cargo do mercado (e é nesse contexto que tende a surgir a chamada autocensura). Em termos particulares da literatura que está em jogo, Gombár indica que, na sua opinião, seria como se “[...] the prestigious status of British and American literature in Portugal provided more protection against censorship than local literature” (SERUYA et al, 2013, p. 266), em um cenário, como ela anota, em que não havia apoio estatal às editoras portuguesas, como sim existia na Hungria. Outro achado dessa pesquisa é apontar para a antologização como um mecanismo para superar a censura de um autor em particular, que num corpus de vários textos ou autores poderia passar desapercebido.

Famílias de textos

Muitos artigos presentes no livro tecem relações, nem sempre explícitas, entre si. “Poetry anthologies as Weltliteratur projects”, de Ana Maria Bernardo, coloca em perspectiva a ausência de uma tradição de antologias em Portugal quando comparada a países como a Alemanha, onde começaram as pesquisas sobre o tema. “Publishing translated literature in late 19th century Portugal. The case of David Corazzi’s catalogue (1906)”, de João Almeida Flor, traslada o eixo da pesquisa a uma atividade editorial individual, inserida no contexto de uma industrialização defasada do resto da Europa, que explica também a razão do surgimento tardio das antologias nesse cenário, como aponta Bernardo. Já “Short stories from foreign literatures in Portugália’s series Antologias Universais”, de Vanessa Castagna, insere-se na importação de literatura traduzida no Portugal na década de 40, no mesmo sentido das pesquisas de Baubeta e Seruya, que, aliás, são citadas por Castagna. Nessa linha trabalha também Hanna Pięta, no texto “Patterns in the external history of Portuguese collections with translations of Polish literature (1855–2009). An exploratory case study”, tematizando as coleções de literatura polonesa pela via do levantamento “peritextual” da tradução entre uma língua periférica (português) e uma semiperiférica (polonês). No artigo, aparece com força o conservadorismo da instituição literária, por meio da recorrência a catálogos já existentes na hora de criar uma antologia.

As ligações seguem no texto “Cancioneiro Chinez. The first Portuguese anthology of classical Chinese poetry”, de Marta Pacheco Pinto, que se aventura nas ligações do sistema literário português com tradições mais distantes. Também em Seruya, cujo texto “Extra-European literatures in anthology during the Estado Novo (1933–1974)”, faz a análise retroceder à exploração portuguesa no Oriente e constrói o corpus com três literaturas não ligadas ao português: a da Índia, da China e do Japão. Sobre uma das antologias, de 1944, Seruya observa: “[...] it is the China of Marco Polo and Fernão Mendes Pinto as well as the pictures portrayed in the stories she chose – all but one are set in the 17th and 18th centuries, in a traditional China therefore, without history or politics.” (SERUYA et al, 2013, p. 179), o que nos leva a pensar, junto com a autora (embora ela não dê exemplos textuais), na imobilidade das imagens que regem a construção de boa parte das antologias: uma clássica redução do outro. Na mesma linha crítica, tratando do caso da antologia que reúne contos indianos, a autora diz que o livro “causa desconforto”, não apenas pelas imagens “medievais” projetadas pelos contos, mas “[...] it is also the inferior quality of the narrative and error-riddled writing that makes one think that this edition was not meant to last.” (SERUYA et al, 2013, p. 176). Esse julgamento de Seruya pode servir de exemplo de uma escrita acadêmica voltada para a “descrição de um fenômeno”, isto é, uma escrita que, com razão, se pretende mais científica do que literária, e que, ao evitar dar exemplos textuais, talvez tentando escapar do juízo de valor, acaba realizando um juízo de valor bastante vago, exatamente pela falta de exemplos do que está sendo julgado. Fica, no entanto, uma boa contribuição histórica acerca da literatura no Estado Novo, sua nostalgia passadista e suas práticas antologizadoras e tradutórias.

O texto de “Children’s literature in translation Treachery and double crossings? Or: You can’t judge a book by its cover”, de Patricia Anne Odber de Baubeta, serve como marco para indagar a introdução não só de determinados autores, mas principalmente de um gênero que não existia como tal em Portugal antes dos anos 70, mediante controversos processos de reescrita. Além de analisar o total de uma coleção chamada Série 15, Baubeta também foca em uma antologia em particular, destacando a mediação do francês em contos escritos primeiramente em inglês, reafirmando a longa série de reescritas às quais esses textos foram submetidos – pelo menos os títulos e nomes próprios. O que é louvável no texto de Baubeta é o oferecimento de exemplos dos textos por ela analisados, de modo que fica mais fácil compreender a crítica realizada.

Similar na análise da antologia em tradução como meio de inserção de um gênero, no caso o conto, é o artigo “The short story in English meets the Portuguese reader: On the ‘external history’ of Portuguese anthologies of short stories translated from English”, de Alexandra Assis Rosa. Por meio de um completo mapeamento do fenômeno e a discussão de cada passo, o texto oferece observações detalhadas da introdução do conto de língua inglesa em Portugal em termos “externos”.

Outros domínios

Mas não só de Portugal se ocupam as pesquisas. Destacamos aqui o artigo de Christine Lombez, “Translating German poetry into French under the Occupation. The example of R. Lasne’s and G. Rabuse’s anthology (1943)”, que trata da paradigmática Anthologie de la poésie allemande des origines à nos jours. Essa antologia foi publicada na França durante a ocupação nazista, onde “[t]he German cultural offensive was therefore both organised and discreet: everything was engineered to give the impression that the initiative for these publications came from French editors” (SERUYA et al, 2013, p. 206), comprovando a necessidade que a antologia como meio de propaganda tem de se ligar às supostas necessidades do seu público-alvo. Quando a ligação não existe, é inventada por meio desses “paratextos programáticos”, como Lombez coloca. Mas o programático possui também suas incongruências, como aquela que gera a pergunta: “[w]hat is the explanation for writers officially pursued by the National Socialist regime appearing on a list of works to be translated into French for the purposes of pro-Nazi propaganda?” (SERUYA et al, 2013, p. 211). O resultado da pesquisa é surpreendente, na medida em que mostra as sucessivas reedições que essa antologia teve, que foram eliminando as marcas ideológicas iniciais, relocalizando o volume no pós-guerra. E não só: Lombez noticia ainda que a guerra estava sendo feita também no campo literário, o que fica declarado pela publicação, em 1944, de uma outra antologia de literatura alemã na França, chamada “Les Bannis”, que contemplava autores como Heine, Brecht, Zweig, ou seja, “os banidos” pelo regime (e pela antologia) nazista.

Outro que, de algum modo, demarca seu posicionamento identitário é José Antonio Sabio Pinilla, que publica em espanhol seu “Las antologías sobre la traducción en la Península Ibérica. Revisión crítica”. Esse texto é um levantamento das antologias sobre tradução publicadas na Península Ibérica desde meados dos anos 80, quando os Estudos de Tradução começaram a ser instituídos naqueles países. Sabio Pinilla comenta as antologias encontradas na pesquisa e tenta perceber qual é o cânone que elas ajudam a criar. A resposta que ele encontra é: “[l]os textos sagrados pertenecem a Cicerón, San Jerónimo, Lutero, Vives, Dryden, D’Alembert, Schleiermacher, Humboldt, Goethe, Mme de Staël, Benjamin y Ortega y Gasset” (SERUYA et al, 2013, p. 96). O artigo, então, propõe uma reflexão histórica sobre a disciplina, tendo como guia as obras coletivas que foram publicadas reunindo textos formativos. É curioso que essas obras foram publicadas não apenas em português e espanhol, mas também em línguas minoritárias, tais como galego e catalão.

Há no volume outros artigos relacionados entre si, como “The reception of science fiction and horror story anthologies in the last years of Francoist Spain: Censoring aliens and monsters in translation”, de Cristina Gómez Castro; “Censored discourse in anthologies and collections of the Far West”, de Carmen Camus-Camus; e “Philosophical collections, translation and censorship: The role of collections in the reception of modern philosophy in 19th and 20th century Spain”, de Ibon Uribarri Zenekorta. No primeiro, o declínio do franquismo é analisado em termos da censura de antologias de ficção científica e de histórias de terror, em uma pesquisa que, como a autora indica, poderia ser articulada com aquelas sobre o Estado Novo em Portugal. O segundo faz uso do corpus TRACEniO, composto por arquivos da censura franquista, para estabelecer que não há regularidades só na operação da censura de westerns, mas também na autocensura. O terceiro amplia a discussão para o âmbito da censura eclesiástica nas traduções, ou ausência delas, na área da Filosofia. Uribarri nota como a religião passa a ser o eixo da unificação nacional, e não tanto a língua, o que se transforma em um embate contra a importação de filosofia estrangeira que deixa consequências até o século XX. O artigo poderia estar mais situado no fato de serem coleções, pois não amplia em que medida isso teve a ver com a operação de censura, mas claro que sim entendemos a publicação de coleções como estratégia justamente de resistência.

Como já foi apontado, o volume comprova a convergência da investigação em antologias do grupo de Lisboa, potencializada pelas ligações que o evento fez, e quão descentralizada está a pesquisa originalmente proposta pelo grupo de Göttingen. Podemos dizer que se percebe uma preocupação talvez excessiva por inserir a pesquisa no marco dos Descriptive Translation Studies, em investigações que às vezes poderiam ganhar densidade conceitual com a entrada em jogo de outras disciplinas, ou com um olhar não somente externo. A amplidão dos processos de reescrita, questão central envolvida na construção de antologias, fica um pouco ofuscada pelo tom de relatório de alguns textos presentes em Translation in Anthologies and Collections (19th and 20th Centuries). Porém, ao mesmo tempo, pode-se afirmar que o que em ocasiões não conseguem os artigos pontuais é atingido sim pelo livro em geral. Isso fica particularmente evidente quanto ao mapeamento da literatura estrangeira introduzida em Portugal via séries e antologias e, de modo mais amplo, quanto ao mecanismo das antologias como forma de inserção de autores, literaturas ou gêneros em termos interculturais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2016
  • Aceito
    29 Abr 2016
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