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DIGNIDADE, DIREITOS E CUIDADO: UMA LEITURA ECOTEOLÓGICA

Dignity, Rights and Care: an Ecotheological Reading

RESUMO

Constatada a urgência ecológica de uma nova relação do ser humano com as outras criaturas, o artigo busca compreender a constituição de direitos e, na sua base, a categoria de dignidade. Para tanto, analisa a linguagem sobre a dignidade e um percurso histórico sobre a ampliação de reconhecimento de dignidade e direitos humanos. A partir dos animais, testa um reconhecimento alargado desses dois conceitos cada vez mais assimétricos. Dessa forma, a relação se transforma na gratuidade e na responsabilidade do Cuidado, assimétrico e interdependente, que configura, assim, um novo humanismo ecológico. Com Leonardo Boff e o Papa Francisco, o artigo sublinha as consequências dessa postura e os elementos teológico-pastorais de prática cristã do Cuidado.

PALAVRAS-CHAVE
Direitos humanos; Humanismo; Ecologia; Cuidado

ABSTRACT

Given the ecological urgency of a new relationship between human beings and other creatures, this article seeks to understand the constitution of rights and, at its core, the category of dignity. To do so, it analyzes the language of dignity and a historical journey on the expansion of the recognition of dignity and human rights. Starting from animals, it tests an expanded recognition of these two concepts, which are increasingly asymmetrical. In this way, the relationship is transformed into gratuitousness and responsibility for asymmetrical and independent Care, which thus configures a new ecological humanism. Drawing on the work of Leonardo Boff and Pope Francis, the article underlines the consequences of this stance and the theological-pastoral elements of the Christian practice of Care.

KEYWORDS
Human Rights; Humanism; Ecology; Care

Introdução

Quando pensamos em “direitos”, ocorrem imediatamente “direitos humanos”. De fato, há um longo percurso, inclusive com outros nomes, na conquista frequentemente dolorosa, com suor e sangue, de direitos humanos. Mas, o que verificamos, e o que nos desafia hoje, e nos custará suor e, talvez, sangue é o reconhecimento de direitos para além dos humanos, com exigências novas e fundamentação nova, e isso com a urgência da continuidade da vida em toda sua extensão. Parece que os direitos chegam tarde, depois de muita perda. Agora, avolumam-se as perdas, de tal forma que o risco é o de não termos mais tempo de recuperação. Os “direitos” da terra, uma vez infringidos na escala em que estamos, podem conduzir a uma crise ambiental que ultrapasse brevemente o point of no return. Essa percepção apocalíptica seria exagerada, quase desesperada? Onde não há esperança há inferno. Foi isso que assinalou Dante ao ler, na entrada do inferno, Lasciate ogni speranza voi ch’entrate!1 1 A esperança trava a última batalha (tradução nossa)

A dignidade está na base dos direitos, sejam direitos humanos ou de qualquer outra forma. Ela tem um caráter eminentemente ético, sendo, hoje, muito refletida na bioética. No entanto, tem algo do que Santo AgostinhoSANTO AGOSTINHO, De Trinitate, XIV, 8. São Paulo: Paulus, 1995. diz do tempo: se não se pergunta, sabe-se o que é, mas, se alguém pergunta, já não se sabe bem do que realmente se está falando. A dignidade não é algo óbvio, padece de indeterminação e necessita aprofundamento (CAMPS, 2013CAMPS, V. A Dignidade, um conceito indeterminado mas não inútil. In: CASADO, M. (Org.). Sobre a dignidade e os princípios: análise da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da UNESCO. Porto Alegre: Edipucrs, 2013, p. 169-175., p. 169-175). É sobre dignidade que a primeira parte deste artigo reflete. Do reconhecimento de dignidade à constituição de direitos e, finalmente, à decorrência de deveres que, em nosso caso, são eminentemente cuidados, pois trataremos da assimetria entre direitos e deveres no âmbito da ecologia.

Nos últimos séculos, os direitos humanos se centraram nas relações entre indivíduos e Estado e na correlação entre direitos e deveres. Hoje, em tempos de globalização, pela tecnologia dominada pelo mercado, os direitos batalham na relação entre populações e mercado, entre ecologia e economia, e, dentro dessas relações amplas, desse grande conflito, entra o Estado, ou seja, a política.

Precisamos, em alguns saltos teóricos, utilizar a “navalha de Ockam”, pois desfolhamos primeiro uma análise da palavra dignidade. Seguiremos depois o percurso histórico em que avançam as tensões e conflitos em torno dos direitos. Então, introduziremos os direitos “de alteridades que são sujeitos outros”, e dos seus fundamentos transcendentes, para além da ordem filosófica do Ocidente, sobretudo da modernidade cartesiana, kantiana ou hegeliana. Isso será mais acenado do que aprofundada. Vamos examinar, em seguida, os deveres como cuidados assimétricos. Recorremos a Leonardo Boff, eminente pensador do cuidado, para depois dirigir nossa atenção à carta encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco, que se tornou um vade mecum no assunto. Ali, a categoria de dignidade continua na tradição kantiana que a reserva aos seres humanos. Todavia, pode-se perceber um tímido alargamento aos outros seres através do seu “valor intrínseco” enquanto criaturas referidas ao Criador. Decisiva é a urgência do cuidado, que pressiona na direção do reconhecimento da dignidade para além do humano.

1 Direitos e dignidade: a questão da fundamentação

O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, – o texto mais referenciado do século XX – lembra “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis”. Tanto no preâmbulo como no primeiro artigo da Declaração ecoam os valores inscritos na fachada da Revolução Francesa, inerentes à dignidade e que se tornam direitos: a igualdade, a liberdade e a fraternidade. Sabemos que depois da revolução francesa, apesar de aperfeiçoamentos e complementações, o crime mais desumano e imprescritível acontecera: o genocídio. Entretanto, a questão não está somente em sua normatização e efetivação, em sua eficácia inclusive judiciária e punitiva, mas, em sua fundamentação. As afirmações iniciais soam como uma petição de princípio, um princípio categórico kantiano sem ulterior fundamento.

Até o advento e o triunfo da razão moderna, a religião cristã, com su sagradas narrativas e seus ritos e, também, com a sua filosofia metafísica, se impunha como fundamento transcendente da dignidade. Assim, sabendo-se filhos de Adão e Eva, segundo o desígnio divino, todos poderiam se compreender em uma fraternidade universal. Mas, num planeta de muitas religiões, com um pluralismo de narrativas fundadoras, invocar Adão e Eva para garantir os laços de fraternidade ou para explicar o problema do mal tornou-se somente um fato cultural, histórico e regional.

Uma Declaração que pretende apontar para a construção de uma sociedade, mas que não tem como expressar seu fundamento é a questão principal, seguindo a análise lacaniana de Marie Balmary em Abel ou a travessia do Éden (BALMARY, 1999BALMARY, M. Abel ou la traversée de l’Eden. Paris: Grasset, 1999.), uma narrativa que se presta bem para uma psicanálise da cultura e dos valores do Ocidente. Ela prossegue, afirmando que temos hoje, nesse Ocidente, é uma antropologia que recusa raízes e prioriza a “auto-criação”. A entrada da narrativa bíblica explica a expulsão do Éden, da infância originária, e impõe o princípio da realidade para além do gozo e para além do medo e da submissão e, sobretudo, o mandato do próprio Criador para que o ser humano crie-se a si mesmo. Essa análise foi aprofundada em A divina origem: Deus não criou o ser humano (BALMARY, 1998BALMARY, M. La divine origine. Dieu n’a pas crée l’homme. Paris: Grasset, 1998.). Coincide com a exegese hebraica que traduz o momento crucial da criação do ser humano da seguinte forma: E Deus fez o homem a criar. “Uma criação pela metade”, conclui Marie Balmary.

O ser humano é uma aventura de auto-criação, de auto-finalização. Isso já pode nos ajudar a entender que a falta de fundamento ou, falando kantianamente, com o fundamento posto em si mesmo, com a autonomia que caracteriza a razão moderna, o ser humano deixa a minoridade e torna-se adulto. Pela radical autonomia, agora, nas palavras de Emmanuel Levinas parafraseando Tertuliano, “a alma é naturalmente ateia”2 2 “A alma — a dimensão do psíquico-realização da separação, é naturalmente atéia. Por ateísmo, entendemos assim uma posição anterior tanto à negação como à afirmação do divino, a ruptura da participação a partir da qual o eu se apresenta como o mesmo e como eu.” (LEVINAS, 1961, p. 46). , e a transcendência só será possível e real a partir desse corte de todo cordão umbilical ontológico que torna vão olhar para trás ou para o fundo, para algum fundamento. Essa emancipação e essa liberdade vertiginosa põem em êxodo, ou em exílio, em peregrinação de si a si mesmo – identidade – ou, então, em direção a outro que esteja radicalmente além de si mesmo. De toda forma, a sorte está lançada, e a primeira dignidade, a ficar com Levinas, é este “ser ético” a se construir a si mesmo edificando a própria casa, em liberdade absolutamente separada de algum Criador. Esta seria a maior honra do próprio Criador: criar paradoxalmente uma criatura criadora de si, condição ética radical.

Desde a origem, a primeira habitação humana é a linguagem; a palavra que, no entanto, não é proferida de si para si mesmo, mas para outro. É na linguagem que se põe e se expõe, que brilha a sua dignidade: palavra de saudação e de reconhecimento de outro – de Adão diante de Eva, no caso bíblico – ou de medo, vergonha, recuo, escondimento e auto-defesa em relação a outro: a primeira vez que Adão pronuncia a palavra “eu” é para dizer “eu ouvi teu passo, eu tive medo, eu me escondi” (Gn 3,10). Desde a origem, a dignidade está posta na linguagem e nas relações, e a batalha de seu reconhecimento e direitos se dá aí.

2 Dignidade: uma percepção e uma categoria relacional

Existir, assim como o príncipe dos verbos – ser – na lição da fenomenologia levinasiana, é verbo transitivo. Assim, se é humanamente ao ex-istir: a ex-istência é uma transcendência. Antes de tudo, em direção e em relação ao mundo. O ser começa e se mantém transitivamente.3 3 Conferir LEVINAS E. En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger. 3ème.éd. Paris: Vrin, 1974, p. 100; Totalité et infini. 4ème.éd. La Haye: Nijhoff, 1974, p. 82. Le temps et l’autre. Montpellier: Fata Morgana, 1979, p. 45. É nessa mesma lógica de ser ou existir transitivamente que se pode pensar justamente a dignidade: é uma experiência de ser transitivamente dada. A dignidade é uma correspondência: ser digno é, na origem, “ser digno de...”, e o que advém depois desse “de” é o conteúdo da dignidade. Assim, por exemplo, um trabalhador “é digno de seu salário”, que lhe dê condições de vida para si e sua família. Ele tem direito de reivindicar um salário à altura de seu trabalho, e só assim recupera a sua dignidade. Negativamente, pode-se considerar que um malfeitor é digno de punição. Mas, se a punição for muito maior do que seu malfeito, terá sua dignidade ferida.

A dignidade, em primeiro lugar, porta intrinsecamente o merecimento, boa medida de retribuição, tanto para uma boa retribuição como para uma penalidade. Ao enunciar-se na expressão “digno de...”, isso significa uma relação bem medida, uma correspondência justa e merecida, enfim, “digna”. Assim, a remuneração justa mantém a dignidade do trabalhador. O prêmio merecido é reconhecimento de dignidade, da mesma forma que um prêmio não merecido seria indigno. Para aclarar a existência de dignidade, sua razão e sua legitimidade, é necessário perceber com máxima clareza possível as relações de adequação, de merecimento, tanto para o prêmio como para a punição. Ela necessita de reconhecimento. Sem isso, não há como honrar a dignidade.

Em segundo lugar, a dignidade, por ser transitiva, diz respeito à honra, o modo social de ser. Se o salário do(a) trabalhador(a) é inferior ao que ele(a) é digno(a) de receber, isso transita do salário à própria pessoa, que se sentirá ferida em sua dignidade, diminuída em seu ser social, em sua honra. Honra diminuída ou perdida tem sabor de morte social, de não existência socialmente. Dignidade e honra são intrínsecas uma à outra.

Em terceiro lugar, no entanto, independente de mérito e honra prévia, pode-se conferir dignidade e honra mesmo sem mérito. É uma relação de graça e de criação. Nos tratados medievais de teologia da graça, lembram-se as formas de retribuição de côngruo e de condigno. A primeira forma visando as necessidades e, a segunda, visando a dignidade ou grandeza da pessoa a receber a retribuição.4 4 Conferir O DIREITO E O MERITO. Latim e Direito Constitucional. Disponível em: https://www.latimedireito.adv.br/artigos/342-o-direito-e-o-merito. Acesso em: 25 mar. 2023. Esses conceitos foram aplicados à teologia da graça divina, especialmente por Alano de Lille e Guilherme de Auxerre. Conferir RIVIÈRE J. Sur l’origine des formules ecclésiastiques “de condigno” et “de congruo”. Bulletin de littérature ecclésiastique, n. 28, p. 75-83, 1927. SCHMAUS, M. Der Glaube der Kirche 2, Munique, 1970, p. 651. BOFF, L. A graça libertadora no mundo. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 160-161. Como a dignidade é uma relação de mérito ou de graça, convém revisitar o tratamento do assunto dado pela escolástica segundo Santo Tomás. QUESTION 114. New Advent. Disponível em: https://www.newadvent.org/summa/2114.htm. Acesso em: 23 mar. 2023. SUSIN, L. C. The Appeal to Dignity: a fundamental Question. In: BOODOO, G. M. (Ed.). Religion, Human Dignity and Liberation. São Leopoldo: Oikos, 2016, p. 168-169. Mas não há somente retribuição de condigno, há também “graça de condigno”. Por um lado, à altura de Deus é humanamente impossível oferecer algo digno, e, por isso, somos essencialmente indignos. Por outro lado, se Deus mesmo decide nos elevar e nos colocar gratuitamente à altura dele, e se ele inverter a relação, oferecendo-nos o que é dele, então ele nos “dignifica”. A graça concedida não se mede pela dignidade de quem recebe – pois é sempre graciosa, gratuita, imerecida – mas, pela dignidade de quem concede, ou seja, de Deus, que assim honra acima de qualquer medida e “dignifica” – ou nobilita – mesmo o que aos olhos do mundo poderia ser menos digno. Pois Deus, por sua grandeza incomensurável, ao conceder sua graça, torna incomensuravelmente dignos e honrados aqueles que a recebem. Mais do que um direito, neste caso, a dignidade e a honra são uma graça e uma elevação imerecida: Deus honra, dignifica quem é agraciado por ele. Agostinho faz retórica com esta inversão, a de cobrarmos algo de Deus, mas por graça dele, não por mérito ou direito nosso. Assim, “o Senhor se fez devedor não recebendo, mas prometendo. Não podemos lhe dizer restitue o que recebeste, mas, somente, dá o que prometeste!” (Agostinho, Com. Psl. 83 16). Com sua promessa e sua palavra, ele nos confere dignidade, direito e até certa reivindicação – por pura graça.

Essa mesma realidade teológica da graça de condigno a partir de um Deus que agracia e confere dignidade pode acontecer entre os humanos. Autoridades, padrinhos, mas também pessoas de coração nobre têm poder de agraciar e conferir dignidade a quem, por alguma razão, não a tem reconhecida, ou por tê-la negado ou perdido. Dignificar, resgatar, redimir, devolvendo ou constituindo direitos, tudo começa pelo reconhecimento, uma relação e uma transitividade criadora e recriadora.

Esta dignificação e esta honra afirmadas na teologia da graça divina estão em linha de continuidade com a afirmação da criação por Deus: dignidade e honra se tornam substância do humano. Mas, segundo o primeiro relato do Gênesis, o ser humano vem à existência depois das demais criaturas, que também ganham bênção e bondade, têm graça e, portanto, dignidade própria conferida por seu divino Criador. Por isso, segundo a teologia cristã, daqui decorrem direitos sagrados. Seria útil examinar quanto isso coincide com outras teologias e outras tradições religiosas, mas não cabe nos limites deste artigo.

Quando se trata do humano, de todo humano, na pergunta sobre a dignidade humana em si mesma, pode-se permanecer no contexto social das relações simétricas – no caso do valor moderno da igualdade – ou assimétricas – no caso do valor pré-moderno da verticalidade, que possibilita a ascensão da dignidade e da honra. Pode-se também pensar a partir do sujeito que merece ser reconhecido em sua dignidade, como também a partir daquele que confere gratuitamente dignidade e que reveste de dignidade tanto seres humanos como não humanos, como cantou São Francisco em seu Cântico do Irmão Sol.

3 Uma história de revoluções e ampliação da percepção de dignidade e de direitos

Uma análise da linguagem, ainda que chegue a constatações esclarecedoras, como a dimensão relacional da dignidade, sua condição de reconhecimento, de justiça ao mérito ou de graça criadora de dignidade, necessita também de verificação histórica. A própria linguagem, a epistemologia e a possibilidade de reconhecimento, tudo isso tem história. Vamos percorrer brevemente algumas etapas e alguns “alargamentos” do reconhecimento de dignidade e da conquista decorrente de direitos na história do Ocidente.

3.1 A luta pela cidadania

Na Grécia clássica, aceitava-se como um dado óbvio que a dignidade e os direitos de cidadãos fossem reconhecidos de forma desigual, para homens e não para mulheres, para quem fala grego e não para bárbaros, para livres – proprietários – e não para escravos. Assim, também, entre os romanos. Somente com a luta pela cidadania, na conquista de direitos e de leis correspondentes, forjou-se o que conhecemos como cidadão romano. Os plebeus romanos, com muita luta, conquistaram direitos reservados aos patrícios. Assim, formou-se a cidadania romana que, por sua vez, manteria a desigualdade de direitos ao redor do Mediterrâneo. A filosofia, desde Pitágoras até os estoicos, anunciou a universalidade da dignidade humana fundamentada na alma racional de todo ser humano, mas essa filosofia ficou restrita a uma elite senhora de escravos.

Nos século IV e V d.C., a cidadania romana perdia eficácia com a migração avassaladora de novos povos. Havia um problema novo, maior do que o estatuto dos escravos, num mundo que se tornava cristão: a chegada intempestiva de levas incontroláveis de povos “bárbaros”. A distinção entre cidadãos e peregrinos não tinha mais relevância prática (JAGUARIBE, 2001JAGUARIBE, H. Um Estudo Crítico da História. São Paulo: Paz e Terra, 2001. v. 1, p. 368-369., p. 368-369).

Na modernidade, a revolução francesa é um exemplo da luta recorrente por cidadania. Porém, o que acontecia nas metrópoles iluministas era impensável para as colônias, onde o horror escravagista colonial constituía uma das colunas da modernidade – o mercado –, e escravos eram vendidos e comprados como “peças”. É de Kant a afirmação de que “as coisas têm preço, os homens têm dignidade” (KANT, 2011KANT, I. A fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2011., p. 82). Os escravos, contemporâneos de Kant, tinham preço e equivalência. A história não avança de modo igual em reconhecimento de dignidade e direitos na dialética das regiões e das culturas.

A primeira lição da história é de que a dignidade e os direitos decorrentes não são outorgados, são conquistas, com conflitos, numa luta que comporta o jogo e o contraste de interesses, de privilégios que se passam por direitos normalmente legais mas não necessariamente legítimos. A outra lição é que quando diferenças já não são mais vistas como dignas mas, ao contrário, “indignas”, sem medida razoável e imerecidas, se estabelece a crise, a revolução e, também, a chance de crescimento do reconhecimento da dignidade e de direitos.

3.2 A “pessoa” humana e a altura de sua dignidade na cidadania cristã

Enquanto declinava a cidadania romana na capacidade de organizar a sociedade, emergia no entorno do Mediterrâneo a cidadania cristã. A surpresa, originalmente, “escândalo e loucura” da fé em um filho da Galileia dos judeus como “Filho de Deus”, tornou-se a cristologia da consubstancialidade do Filho ao Pai e criou uma consciência nova a respeito da grandeza da dignidade humana. É o que Luc Ferry, em seu livro Homme-Dieu, afirma ser um caminho, depois da descida do divino ao humano, agora de elevação do humano ao divino (FERRY, 1996FERRY L. L’homme-Dieu ou le sens de la vie. Paris: Grasset, 1996.). Esta “divinização” tem seus riscos, sobretudo depois da psicanálise e da crise ecológica instalada pelo antropoceno. Mas, historicamente, ela foi uma elevação e uma ampliação de dignidade de todo ser humano, ao menos potencialmente. Essa dignidade alcança os mais pobres: com uma narrativa concreta, a de Jesus dos evangelhos, todos têm acesso à mesma dignidade.

Com Luc Ferry, o historiador Lucien Jerphagnon, em A tentação do cristianismo (FERRY; JERPHAGNON, 2009FERRY, L.; JERPHAGNON, L. La tentation du christianisme. Paris: Grasset, 2009.), corrobora a análise de Paul Tillich em A coragem de ser (TILLICH, 1972TILLICH P. A coragem de ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.): O cristianismo trouxe ao mundo mediterrânico não apenas a salvação e a dignidade da alma, mas do corpo, da vida concreta transfigurada na ressurreição dos mortos e no alto sentido de todas as coisas, sobretudo das mais humildes. Isso permitiu aos Padres da Igreja pensar o homo capax Dei (De Trinitate XIV, 8), a abertura e a participação da natureza humana na natureza divina, a relação entre natureza e graça sobrenatural (STh, I-II, 113, 10), enfim, um potencial que a escolástica levaria adiante e teve repercussões, por exemplo, nas discussões sobre a natureza dos povos do Novo Mundo atingido pelos europeus, o jus naturalis dos povos, etc.5 5 Conferir CARRO, V. D. La teologia y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. 2. ed. Salamanca: Bac, 1951. LAS CASAS, B. Único modo de atrair todos os povos à verdadeira religião. São Paulo: Paulus, 2005. v. 1. FARIA, H. M. Bartolomeu de Las Casas: o direito a serviço da vida do pobre. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 9-23, 2005.

O conceito clássico de “pessoa” passa pela novidade cristã: desde os gregos, humano é o animal cuja característica é a linguagem, a racionalidade e a política. Para o Direito Romano, “pessoa” é sujeito jurídico de direitos e deveres. Mas, em termos teológicos e culturais, a cristologia calcedônica e a teologia trinitária elevaram a compreensão de “pessoa” à altura de Deus, e desse conceito somos até hoje devedores, mesmo de forma secularizada e apenas formal. As fontes originárias desta cidadania cristã, a theosis morphé com a graça da mais alta dignidade e com direitos à liberdade, à inviolabilidade, chance de recuperação, etc., estão no Novo Testamento: Somos “da sua raça” (Atos 17,28b), pois “tanto Santificador quanto os santificados, todos têm a mesma origem, razão por que não se envergonha de os chamar de irmãos” (Hb 2,11b).

No entanto, esta universalidade concreta historicamente é ainda potencial e depende da liberdade, da decisão ética, da bondade, da criatividade humana e do contexto histórico. No interior da cristandade, pagãos, judeus, mulheres, indígenas originários dos diversos continentes ainda necessitariam de luta e sangue para reivindicar o que teoricamente estava aclarado. Mesmo em regime de cristandade, constatamos, novamente, o caráter conflitivo da conquista, do reconhecimento e do respeito à dignidade e aos direitos, inclusive na teologia cristã. A modernidade tomou a bandeira dos direitos de outra forma.

3.3 A dignidade e os Direitos humanos na modernidade

Pode-se dizer, de forma geral, que as sociedades tradicionais conservam as fontes narrativas e espirituais que fundam a dignidade humana, enquanto uma das características do humanismo moderno é o caminho explícito dos “direitos humanos” (VIVERET, 2011VIVERET, P. Sobre o bom uso do fim de um mundo. In: SUSIN L. C; SANTOS, J. M. G. Nosso planeta, nossa vida: ecologia e teologia. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 25ss., p. 25ss). Como já mencionado, no Ocidente judaico-cristão tradicional, bastava afirmar que todo ser humano, homem e mulher, é criatura de Deus, “filho de Adão e Eva”, ou, especialmente, um “cristão”, para se entender a igual dignidade e iguais direitos humanos de todos embora isso não fosse efetivado nas relações. Quando cada uma das três tradições – cristã, judaica, muçulmana — se julgava eleita e, portanto, melhor que as outras, isso abria a possibilidade de tratar os outros como “cães”, o que prejudicou muito a coerência prática em relação às narrativas originárias. Esta é uma das razões da forma como a filosofia moderna pensou a dignidade do ser humano afastando-se e emancipando-se das fontes tradicionais, acentuando justamente a emancipação e a autonomia, apoiando-se na razão e na ciência (SUSIN, 2014SUSIN L. C. The Corruption of the Best is the Worst. Concilium, London, n. 5, p. 88-99, 2014.). Pode-se caracterizar a cultura da modernidade como uma recusa do que já está dado para abrir um futuro novo, e, em consequência, é a era das revoluções, inclusive na questão do reconhecimento de dignidade e de direitos.

Sem poder entrar aqui no detalhamento de tantas lutas modernas por direitos, apenas nomeamos: a) o grito dos escravizados nas colônias e a abolição do trabalho escravo, tendo como melhor exemplo a revolução dos escravos no Haiti; b) as revoluções de democratização, as lutas e organizações dos trabalhadores na era da industrialização; c) as guerras de descolonização; d) as lutas dos negros americanos em torno dos direitos civis para todos; d) a revolução feminista, ainda em curso; e) a atual emergência do reconhecimento de pessoas LGBTQIAP+ e f) a saída dos povos originários do envergonhamento cultural e suas lutas pelo “direito à alteridade” em seu modo de vida. A recuperação de dignidade é vivida com uma melhora da autoestima e liberdade de expressão cultural (SILLER, 2000SILLER, C. Metodologia da teoloiga índia. In: SUSIN, L. C. (Org.). Sarça ardente: teologia na América Latina. Prospectivas. São Paulo: Soter/Paulinas, 2000, p. 287-296.).

Em conclusão, há um percurso histórico de ampliação através de conflitos e conquistas. Pode-se traçar alguns marcos nesse caminho. Em primeiro lugar, o choque, a indignação e a inconformidade diante da realidade que, em alguns acontecimentos cruciais e contraditórios, emerge como uma realidade injusta e clamorosa. Em segundo lugar, a decisão de encarregar-se dos conflitos e das ambiguidades que o compromisso com a luta acarreta. Pessoas resignadas e cordatas, nesse ponto de decisão, precisam de parresía e energia. Em terceiro lugar, o recurso firme da negociação, da elaboração e execução da lei, do recurso judiciário. Como também cultura e educação para a dignidade, o direito e o dever, amparadas pela memória histórica. E, finalmente, a vigilância ética e a reserva da capacidade de indignação na constatação histórica de que conquistas podem ser perdidas. A memória das tragédias e das lutas por direitos são parte dessa vigilância.

4 Dignidade e direitos de sujeitos e de alteridades: o teste dos direitos animais e a assimetria dos direitos e cuidados

Há, ainda, uma questão crucial: até agora, desde os antigos gregos e romanos, mas, acentuadamente, na modernidade cartesiana e kantiana, dignidade e direitos são eminentemente direitos do sujeito, consequentemente dos iguais a ele. Não há reconhecimento radical de alteridade, de direitos de existir em outro modo de ser. A pergunta filosófica e jurídica sobre “quem é (o) sujeito de direitos” acaba produzindo um vício porque resvala numa armadilha anterior: o sujeito, mesmo quando se trata de um sujeito ou pessoa jurídica, é um “eu”, e todo outro fica, na melhor das hipóteses, reduzido a alter ego. Quando o diferente, o “outro” – que, por ser outro, é desconhecido e surpreendente – bate às portas do círculo da identidade, só às custas de batalhas consegue que elas se abram. Mas então imediatamente o outro é assimilado para dentro da identidade. Tal questão originária do Ocidente, levantada sobretudo por Emmanuel Levinas em Totalidade e Infinito, se espraia também na dificuldade de reconhecimento de direitos de outros (LEVINAS, 1961LEVINAS, E. Totalité et infini. Essai sur l’extériorité: Métaphysique et Transcendance. La Haye: Nijhoff, 1961., p. 3-22).

Assim, em grande medida, no passado, as lutas por direitos obedeceram um certo mimetismo: ser iguais. Mas, a entrada decisiva de novos atores em cena traz a batalha por direitos de “ser outro”, de ser de outro modo, ter reconhecida a sua alteridade sem entrar na identidade do já dado, sem ser assimilado pelo sujeito já posto, sem precisar os mesmos direitos, mas de “direitos outros”. Os povos indígenas, autóctones reivindicando direitos étnico-culturais, assim como feministas e LGBTQIA+ reivindicando direitos de gênero de modo diverso, trouxeram questões éticas novas.

É, no entanto, a entrada da ética animal, dos direitos animais, o teste que leva mais longe não só os direitos de outros, de ser outros, mas o direito sem simetria em dois sentidos: a) sem assimilação na igualdade e na identidade; b) sem que aos direitos correspondam deveres. Entre os iguais, direitos e deveres são simétricos. Mas, na relação com alteridades também se altera a relação entre direitos e deveres. Um exemplo fácil é a relação entre pais e filhos: estes têm direitos que os pais não podem reivindicar para si, e a estes direitos dos filhos correspondem deveres dos pais que eles não podem exigir dos filhos. Todavia, esta assimetria é intergeneracional e pode permanecer antropocêntrica e especista. Tratando-se de outras espécies animais, ou de cada animal por si mesmo, como se estabelece a relação entre direitos e deveres? Os direitos dos animais – não ser submetidos a sofrimentos, poder deslocar-se, relacionar-se e reproduzir-se –, são presididos pelo direito de serem por si mesmos sujeitos de suas vidas. Isso põe em questão o animal doméstico e, sobretudo, o animal criado industrialmente para corte. Peter Singer e de Tom Regan afirmam que aos direitos animais correspondem deveres humanos, numa aprofundada assimetria sem medir reciprocidade (REGAN; SINGER, 1989REGAN, T.; SINGER, P. Animal Rights and Human Obligations. New Jersey: Prentice Hall, 1989.). 6 6 Conferir LINZEY, A. Why Animal Suffering Matters: Philosophy, Theology, and Practical Ethics. Oxford: Oxford University Press, 2009. SUSIN, L. C.; ZAMPIERI, G. A vida dos outros: ética e Teologia da Libertação Animal. São Paulo: Paulinas, 2015. Essa relação assimétrica é encontrada na Lei mosaica, sobre o Sábado. A lei é proferida para o pai de família, a ele cabe o dever de que todos descansem, enquanto aos filhos, aos servos e – ênfase nossa – ao boi e ao burro, assim como a todo estrangeiro que está com ele, é um direito (Dt 5,15).

A assimetria, sem expectativa de reciprocidade, exige um reconhecimento de alteridade e de dever para com o outro que é melhor nomear com a palavra “cuidado”, ou o dever de cuidar, inclusive “a fundo perdido”. É assimetria radical: a diligência e o zelo desinteressados conotam uma bondade consciente e proativa no dever de cuidar. É nesse sentido que o Papa Francisco, na Laudato Si’, retoma uma afirmação do Catecismo da Igreja Católica, que se refere não só aos animais, mas a todo ser vivo:

Ao mesmo tempo que podemos fazer uso responsável das coisas, somos chamados a reconhecer que os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus e, ‘pelo simples fato de existirem, eles o bendizem e lhe dão glória’ [...] Hoje, a Igreja não diz, de forma simplista, que as outras criaturas estão totalmente subordinadas ao bem do ser humano, como se não tivessem um valor em si mesmas e fosse possível dispor delas à nossa vontade

(LS, n. 69 – grifo nosso).

Em conclusão, a assimetria se alarga com tal amplitude que, diante dos direitos de todos os seres vivos, até os microorganismos e os fungos, convém falar simplesmente em cuidados: ao ser humano o dever de cuidar, a todo ser vivo o direito de ser cuidado.

5 A dignidade ecológica da Terra e a teologia da Criação

O avanço do conhecimento científico e a observação empírica diante do aquecimento global, do desaparecimento de espécies, desflorestamento, desertificação, crise hídrica, poluição do ambiente alertam para o risco da perda da vida sobre o planeta a médio e longo prazo. Trata-se de um desafio gigantesco que somente planetariamente pode ser enfrentado com eficácia. A crise desperta-nos do sono da indiferença. Junto ao despertar coletivo recente da consciência planetária, da necessidade de uma nova “alfabetização ecológica” (CAPRA, et. al., 2017CAPRA, F. et. al. Alfabetização ecológica. São Paulo: Cutrix, 2017.) levanta-se incontornável a pergunta sobre a dignidade das outras formas de vida e do ecossistema “Gaia” (LOVELOCK, 2011LOVELOK, J. Gaia: um novo olhar sobre a vida na terra. Lisboa: Edições 70, 2011.) e seus consequentes direitos. A superação de hierarquia de dignidade entre os seres humanos amplia-se agora para a necessidade de superar a distância vertical e hierárquica em relação às outras formas de vida sobre a nossa “Terra-pátria” (MORIN, E; KERN, A.B, 2011MORIN, E; KERN, A.B. Terra-pátria. Porto Alegre: Sulina, 2011.. A nova sensibilidade exige a superação do antropocentrismo em relação aos animais e a todo ser vivo, para reconhecer a dignidade que corresponde ao organismo vivo que chamamos Terra.

Quanto mais se ampliam, pelo conflito e pela crise, os direitos a serem reconhecidos como efetivação de uma dignidade própria, mais nos distanciamos de méritos e mergulhamos no oceano sem fim da graça, da assimetria absoluta que dignifica, que confere dignidade e, portanto, direitos. É esse horizonte sem determinação, sem limitação, em assimetria da gratuidade, que torna todo ser existente de condigno, e em que as tradições religiosas podem ser preciosas, elas mesmas em gratuidade, sem ulterior justificativa, como um princípio categórico místico.

As tradições religiosas, com suas narrativas e suas sabedorias, contêm um sentido para o que existe, para o mundo das criaturas, despertando uma sensibilidade, um apelo ético e uma esperança. Assim, pode-se compreender, por exemplo, a Escritura judaico-cristã, desde o Gênesis até o Apocalipse, mas também a recepção cristã, que encontra em São Francisco um dos seus mais altos momentos interpretativos na poesia e na liturgia da fraternidade universal. Enquanto criaturas, provindas da pura graça, em liberdade e bondade divinas, São Francisco canta a dignidade fraternal com todas as criaturas – a irmã água e o irmão vento, o irmão sol e a irmã morte – sem ressaibo de antropocentrismo ou especismo, sendo ele uma criatura entre todas as demais dignas desse nome, com os mesmos direitos de cuidados.

O Papa Francisco resume bem os dois níveis, o científico e o teológico e místico, de abordagem da natureza e da Criação divina:

Na tradição judaico cristã, dizer ‘criação’ é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado. A natureza entende-se habitualmente como um sistema que se analisa, compreende e gere, mas a criação só se pode conceber como um dom que vem das mãos abertas do Pai de todos, como uma realidade iluminada pelo amor que nos chama a uma comunhão universal (LS, n. 76).

Do ponto de vista da narrativa que alimenta a fé cristã, tudo começa no dom e termina na comunhão, portanto, no Shabbat divino, comunhão de todas as criaturas com o seu Criador. Parafraseando Agostinho e Duns Scotus, Deus não nos ama porque somos amáveis, mas antes nos tornamos amáveis porque nos ama: esta é a origem radical de dignidade e de direitos Em última análise, como termina Dante na Divina Comédia, o amor move o sol e as outras estrelas.

6 O cuidado como característica humana basilar: a contribuição de Leonardo Boff

Na clássica obra “Saber Cuidar”, Leonardo Boff assevera que “a essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado”, o suporte real dessas características7 7 Propositalmente, não apresentamos aqui uma resenha das inúmeras obras de Boff, mas um recorte específico do tema do cuidado, nesse livro singular. . No cuidado se deslinda o ethos fundamental do humano e o princípio de um novo paradigma de convivialidade (BOFF, 2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 11). Por ser atributo primordial, o cuidado deve ser assumido como a base de um novo pacto social entre os povos, e de respeito com tudo o que existe e vive (2002, p. 14,18).

O ethos dominante caracteriza-se pelo descuido, a indiferença, o descaso e o abandono às pessoas e à Terra. A sociedade contemporânea induz à perda da conexão com o Todo e dissolve o sentimento do Sagrado face ao cosmos e a cada um dos seres. Por isso, resgatar o cuidado será crucial para trilhar caminhos alternativos. E tal movimento já começou.

Cresce seminalmente um novo paradigma de re-ligação, de re-encantamento pela natureza e de com-paixão pelos que sofrem; inaugura-se uma nova ternura para com a vida e um sentimento autêntico de pertença amorosa à Mãe-Terra.

(BOFF, 2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 26).

Boff não utiliza as categorias “dignidade”, “reciprocidade” e “assimetria”, para daí deduzir a necessidade do cuidado. Para ele, o cuidado “é um modo de ser no mundo que funda as relações que se estabelecem com todas as coisas” (2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 92). Ou ainda, “aquela força originante que continuamente faz surgir o ser humano” (2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 101). O cuidado essencial nasce da escuta da Terra e da paixão por ela (2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 117).

Nosso autor tem a convicção de que a humanidade e a terra constituem uma unidade complexa, diferenciada e colaborativa. Pertencemos à Terra, somos seus filhos e filhas. Ela nos antecede, como mãe generosa e princípio generativo. Viemos da Terra e a ela voltaremos. “Somos a própria Terra que na sua evolução chegou ao estágio de sentimento, de compreensão, de vontade, de responsabilidade e de veneração” (2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 72). Sentir-se Terra é perceber-se dentro de uma complexa comunidade com os outros seres que a constituem, ou seja, mergulhar na comunidade terrenal. Tal experiência espiritual de fusão orgânica com a Terra leva a humanidade a recuperar suas raízes e experimentar sua própria identidade radical (2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 77-78).

A partir da possível origem etimológica do termo, Leonardo alega que o cuidado evoca dois sentidos complementares: (1) atitude de desvelo, solicitude e atenção para com o outro e (2) preocupação e inquietação, por sentir-se afetivamente ligado a ele (2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 33,91,92). No “modo-de-ser-cuidado”, a natureza e tudo o que nela existe não são considerados como objetos, mas como sujeitos e símbolos que remetem a uma realidade fontal. Estabelece-se uma relação de “com-vivência” e não de domínio. Cuidar das pessoas e da Terra “implica ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, ascultar-lhes e ritmo e afinar-se com elas” (BOFF, 2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 96).

Boff seleciona sete ressonâncias do cuidado: o amor como fenômeno biológico, a justa medida, a ternura, a carícia, a cordialidade, a convivialidade e a compaixão. E acrescenta ainda a sinergia, a hospitalidade, a cortesia e a gentileza (BOFF, 2002BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 109-120). Transformar essas atitudes pessoais e coletivas em hábitos e percepções, a ponto de configurar uma mudança cultural profunda, será a chave para a nova humanidade. Assim, Boff traz para o horizonte teológico uma temática contemporânea, desenvolvida, também, em outras áreas do saber, em algumas correntes da ecologia, do consumo consciente, do humanismo ecológico e do ecofeminismo.

7 Laudato Si’: a dignidade humana, o respeito e o cuidado devido às criaturas

Como se articulam a dignidade do ser humano e da Criação e o Cuidado da Casa Comum, segundo a Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco? O título da encíclica evoca o cântico das criaturas de Francisco de Assis e leva o subtítulo “sobre o cuidado da Casa Comum”. A “carta de Francisco” está organizada em seis capítulos: (1) O que está acontecendo com a nossa casa, leitura de cenário das principais questões socioambientais; (2) O Evangelho da Criação, reflexão bíblico-teológica sobre os fundamentos da fé para o cuidado da criação; (3) A raiz humana da crise ecológica, abordagem filosófica sobre a tecnociência e o antropocentrismo doentio da modernidade; (4) Uma ecologia integral, que articula componentes ambientais, econômicos, sociais, culturais e da vida cotidiana urbana e rural, além de relacionar a ecologia com o Bem Comum e a justiça intergeracional; (5) Algumas linhas de orientação e ação, dirigidas sobretudo àqueles que detêm o poder político e econômico; (6) Educação e Espiritualidade ecológicas, centradas na conversão ecológica que se traduz em atitudes pessoais, ações coletivas e políticas institucionais, nutridas por uma mística trinitária. De várias maneiras, a Laudato Si’ enfatiza que “tudo está interligado” (LS, n. 91, 138, 240) e que as questões sociais e ambientais constituem duas facetas de uma mesma realidade.

O termo dignidade está presente 32 vezes na encíclica. No entanto, aplica-se predominantemente ao ser humano e poucas vezes inclui, em consequência, a totalidade da criação. Assim, os pobres têm direito à água potável, pois faz parte de sua dignidade inalienável (LS, n. 30). Devido à “dignidade especial” da criatura humana e de sua relação com a Terra, há que se considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas (LS, n. 43). Francisco denuncia os efeitos perversos da financeirização da economia, que tende “a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente”. A degradação ambiental e a humana estão intimamente ligadas (LS, n. 56).

A Laudato Si’ ressalta a dignidade humana frente à coisificação implantada pela sociedade de mercado. O ser humano é “alguém”, amado infinitamente pelo Deus criador (LS, n. 65). Por causa da sua “dignidade única e por ser dotado de inteligência, o ser humano é chamado a respeitar a criação” e a reconhecer a sabedoria de Deus presente nela (LS, n. 69).

Embora não aplique aos outros seres vivos tal designação (dignidade), afirma-se com clareza que os outros seres vivos tem um valor próprio diante de Deus e em si mesmos (LS, n. 69). “Cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua”. Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus e de seu carinho (LS, n. 84). O universo é como um livro, cujas letras e palavras são a multidão das criaturas (LS, n. 85). Além de manifestar Deus, a natureza é lugar de sua presença, pois nela habita o espírito vivificante de Deus. Mas a natureza, na sua criaturidade, não possui a plenitude divina (LS, n. 88).

A crueldade contra qualquer criatura atenta contra a dignidade humana (LS, n. 92, citando o Catecismo da Igreja Católica, n. 2481). “É contrário à dignidade humana fazer sofrer inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das suas vidas” (LS, n. 130, citando o Catecismo da Igreja Católica, n. 2415). A humanidade tem a vocação de colaborar com a Terra e proteger sua fragilidade (LS, n. 90). Um sentimento de união íntima com os outros seres exige ao mesmo tempo a ternura, a compaixão e a preocupação pelos humanos (LS, n. 91). Há uma única e complexa crise, que é socioambiental. As diretrizes para sua solução “requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza” (LS, n. 138).

Outros parágrafos da Laudato Si’ referem-se à dignidade humana, na perspectiva da justiça social. Ricos e pobres tem igual dignidade, justificando-se assim que os lavradores tenham direito ao acesso à terra, para cultivá-la e nela habitar com segurança (LS, n. 94). A tecnociência deve auxiliar os pequenos produtores que atuam de forma sustentável “a viver com mais dignidade e menor sofrimento” (LS, n. 112). Uma questão central da ecologia humana consiste no direito à moradia, importante para “a dignidade das pessoas e o desenvolvimento das famílias” (LS, n. 152).

A ecologia humana inclui o respeito e o cuidado com o próprio corpo. Tal postura também tem uma relação com a ecologia. “A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e Casa Comum” (LS, n. 155). Quando o ser humano opta por um estilo de vida sustentável e renuncia ao consumismo, resgata sua própria dignidade (LS, n. 211, 212). A ecologia integral, articulada com o Bem Comum, postula um compromisso crescente com as futuras gerações. No empenho pela justiça intergeracional, “está em jogo a nossa própria dignidade” (LS, n. 160).

A Laudato Si’ dilata o clássico conceito de “Bem Comum” da Doutrina Social da Igreja Católica (DSI). Inclui nele o empenho com o presente e o futuro (LS, n. 135). Relaciona-o com a dignidade humana: “O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento integral” (LS, n. 157). Aponta que onde há tantas desigualdades e inúmeras pessoas descartadas, o princípio do bem comum torna-se um apelo à solidariedade e à opção preferencial pelos mais pobres, os quais têm uma “imensa dignidade” (LS, n. 157). Talvez o próximo passo na Doutrina Social da Igreja, em relação à ecologia, será o de considerar explicitamente o Bem Comum não somente em referência ao humano, mas a todos os seres que constituem nosso planeta.

Permanece, na Laudato Si’, uma tensão entre “o valor intrínseco” de cada ser e da totalidade da comunidade de vida do planeta (criaturas e criação) e a afirmação da “dignidade singular” do humano. Do ponto de vista filosófico, parece que Francisco se move no horizonte de um antropocentrismo mitigado ou inclusivo, de caráter teológico-pastoral. No entanto, deve-se considerar que a Laudato Si’ não é somente uma reflexão interdisciplinar sobre a ecologia, emanado do magistério da Igreja. Ela está focada no cuidado humano para com toda a Criação. Por isso, reitera uma ecologia integral na qual o humano se entrelaça com todos os outros seres, bióticos e abióticos, que constituem nosso planeta.

[...] Nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde

(LS, n. 89).

Embora não aplique o qualificativo “dignidade” aos seres abióticos e bióticos que habitam a Terra, a Laudato Si’ dá um passo significativo ao reconhecer o seu valor intrínseco e não instrumental. Os humanos fazem parte da comunidade de vida do planeta. A Casa Comum é como uma irmã com a qual partilhamos a existência, ou a mãe bondosa que nos acolhe em seus braços (LS, n. 1). Nós mesmos somos terra (LS, n. 2). Espera-se, então, que a evolução do pensamento teológico, eclesial e magisterial leve a Igreja Católica a assumir a expressão “dignidade da Terra”.

8 Responsabilidade e Cuidado

Refletimos, nesse artigo, que no âmbito humano há relações assimétricas de cooperação e entreajuda, que assim configuram a necessidade do cuidado. Há graus distintos de reciprocidade, o que possibilita o amor e a amizade, permeados por generosidade e gratuidade. A Laudato Si’ afirma que a interdependência do humano com o planeta implica relações mútuas, embora sejam assimétricas. Na hermenêutica de Gn 2,15, ao dizer que aos humanos compete “cultivar e guardar” o jardim do mundo, alude-se à “reciprocidade responsável”.

Enquanto ‘cultivar’ quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, ‘guardar’ significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras

(LS, n. 67).

Trata-se de certa mutualidade e correlação. À Terra, cabe manter as condições para que a vida se mantenha e evolua. Ela fornece a nós e aos outros seres vivos as condições necessárias para existir e coevoluir. Os humanos somos ecodependentes. Precisamos da água, do ar, do solo e da energia do sol. Necessitamos de microrganismos que atuam no ambiente e dentro do nosso próprio corpo. Sem as bactérias que habitam o sistema digestivo e intestinal, não poderíamos transformar os alimentos em nutrientes assimiláveis e eliminar os resíduos do processo metabólico. Precisamos de alimentos e de um clima estável. Frutas, verduras, legumes e grãos são indispensáveis para a existência de muitas espécies de animais, humanos e não humanos.

Quando Francisco de Assis e nossos povos originários chamam a terra de “mãe”, proclamam que ela também cuida de nós. Não se espera da Terra uma atitude “responsável” em relação a todos os seres que a constituem e nela habitam. Essa característica ética diz respeito aos animais humanos. A relação entre nossa espécie e as demais caracteriza-se por certa assimetria, o que não significa superioridade ou especismo. Trata-se da singularidade do humano, que pode se orientar para o respeito e o cuidado, a gratidão e o uso sábio dos bens da Terra, ou para a espoliação e o saque.

A nós cabe a responsabilidade de reduzir drasticamente a espiral destrutiva que assola o planeta e reverter tal caminho de morte, para nós e as futuras gerações (JONAS, 2006JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto & PUC Rio, 2006.). O cuidado vem acompanhado de responsabilidade, e a responsabilidade se traduz em cuidado. Mais do que círculo virtuoso, torna-se uma espiral benéfica. Empatia é a palavra-chave que traduz tal sentimento e percepção. Quando alguém ou um grupo se sente responsável pelos outros, assume como sua a dor deles e se regojiza com suas alegrias. Então, cuida. E ao cuidar, estabelece vínculos intensos e se sente mais responsável, irmanado num destino comum.

Na Laudato Si’, aparece 51 vezes o conjunto dos termos: “responsável”, “responsabilidade” e seu oposto, “irresponsável” e “irresponsabilidade”. Segundo Francisco, a responsabilidade perante a terra, que é de Deus, implica o respeito às leis da natureza e aos delicados equilíbrios dos ecossistemas. Tal apelo encontra-se na legislação bíblica, sobretudo nos livros do Êxodo e do Deuteronômio (Ex 23,12; Dt 22,4.6; LS, n. 68). Essa breve alusão na Laudato Si’, posteriormente, foi desenvolvida por Matthias Grenzer com outros biblistas (GRENZER; GROS, 2019GRENZER, M; GROS, F. Leis deuteronômicas favoráveis à preservação de fauna e flora. Pistis & Praxis, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 778-791, set./dez. 2019.; GRENZER, 2022GRENZER, M. Aprendizados com a catástrofe climática (Ex 9,13-35). Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 54, n. 2, p. 375-391, maio/ago. 2022., 2023GRENZER, M. Locusts. Econarrativities in Exod. 10:1-20. Stellenbosch Theological Journal, [S.l.], p. 1-15, 2023.).

A palavra “cuidado/cuidar” aparece 65 vezes na encíclica. Pode parecer pouco, mas os termos estão relacionados com outros, como “reconhecer”, “implementar”, “promover”, “realizar”, “discernir”, “dialogar”. E Francisco insiste: o cuidado pressupõe encantar-se com a beleza da criação e deixar-se tocar por ela, continuamente agradecendo a Deus por sua formosura. A Laudato Si’ visa ajudar a humanidade “a reconhecer a grandeza, a urgência e a beleza do desafio que temos pela frente” (LS, n. 15): o cuidado da Casa Comum (grifo nosso). Vale a pena reler a Carta de Francisco com esse olhar que articula a indignação diante da degradação da Terra e das pessoas e o encantamento pela beleza da criação, que nos impulsionam a cuidar do planeta (MURAD, 2022MURAD, A. Janelas Abertas: fé cristã e ecologia. São Paulo: Paulinas, 2022., p. 153-167).

Francisco não define o que é “cuidado”. Simplesmente assume-o como palavra chave, vinculada à ecologia integral. Convém recordar que “cuidado” é utilizado no âmbito das ciências da saúde, das políticas públicas sociais, em várias correntes do novo humanismo, na psicologia, no ecofeminismo e em movimentos ambientais. No Brasil, o termo foi difundido, nos anos 1990, pelo Instituto Akatu, do consumo consciente.8 8 DIA DA SOBRECARGA DA TERRA 2023: NÃO TEMOS TEMPO A PERDER! akatu, 2023. Disponível em: https://akatu.org.br/dia-da-sobrecarga-da-terra-2023-nao-temos-tempo-a-perder/ Acesso em: 04 abr. 2023. Ganhou cidadania no ambiente eclesial com a obra de Leonardo Boff, já citada. No campo da ecologia, o verbo cuidar substitui, com muitas vantagens, o tradicional “preservar”. Está claro para os ativistas socioambientais que a preservação é apenas uma parte de sua luta. Frente às enormes áreas erodidas e biomas dizimados, a tarefa urgente consiste em restaurar, recuperar ou regenerar. No campo da agroecologia, cuidar se manifesta no zelo pelo solo vivo, e em produzir e consumir os “frutos da terra” de forma a manter o ciclo vital de matéria e energia. Mais: quem cuida da plantação desenvolve o encantamento diante de cada fase do processo produtivo. Acompanha o ritmo próprio da natureza e mantém uma sintonia com as plantas e o solo vivo. Por fim, realiza a colheita com alegria e gratidão.

Pode-se dizer que uma contribuição singular da Laudato Si’ consiste no direcionamento para uma sociedade sustentável e uma humanidade feliz, justa, inclusiva e interconectada com a criação. Para isso faz-se imprescindível a simultaneidade de atitudes individuais, ações coletivas, práticas educativas, cultivo da eco-espiritualidade, políticas públicas, intersetorialidade de economia e política, governança global, diálogo da fé com ciência, e cooperação entre as religiões. Tais questões aparecem com diferente intensidade e permeiam toda a encíclica.

Especialmente no capítulo III, a encíclica aborda um ponto fulcral para reverter a espiral destrutiva e criar a cultura do cuidado. Vivemos num mundo frágil. Se Deus confia a nós o cuidado da Casa Comum, também interpela a orientar, cultivar e limitar o nosso poder sobre a natureza (LS, n. 79), que se agigantou com a tecnociência, o paradigma tecnocrático e o antropocentrismo desequilibrado da modernidade (LS, n. 104-111). Em contrapartida, o cuidado da criação não significa “voltar à idade da pedra” (LS, n. 114), e sim atuar de forma sábia sobre ela e com ela, a fim de desenvolver suas potencialidades (LS, n. 124). O cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico, levando em conta os direitos e as características de povos e as culturas (LS, n. 144).

Na introdução da Laudato Si’, citando João Paulo II, Francisco afirma que cuidar do mundo requer mudanças “nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades” (LS, n. 5). Recorda que Francisco de Assis é o exemplo do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade. Nele, são inseparáveis o zelo pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenho social e a paz interior (LS, n. 10). Para o peregrino de Assis, “qualquer criatura era uma irmã, unida a ele por laços de carinho. Por isso, sentia-se chamado a cuidar de tudo o que existe” (LS, n. 11). Como estamos ainda distantes desse ideal, Deus nos chama à conversão ecológica (LS, n. 217).

“Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades” (LS, n. 14). Aqui se enfatiza a esfera individual, que está ligada à coletiva. Para cuidar, é preciso conhecer onde e como acontecem as dores dos outros, suas fragilidades e prementes necessidades. Tal é a finalidade do capítulo I da Laudato Si’, que apresenta uma resenha das principais questões socioambientais do momento. Essa visa “tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo” e, assim, contribuir para a mudança (LS, n. 19).

A conversão ecológica é decisiva para se exercer o cuidado da Criação. Tal conversão significa deixar emergir, nas relações com o mundo que nos rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus, exercitando a vocação de guardiões da obra de Deus (LS, n. 217). Como processo de mudança interior e exterior, ela implica “reconhecer os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro” (LS, n. 218). Não somente. A conversão ecológica desenvolve “a consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas, mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal” (LS, n. 220). Leva a adotar um outro estilo de vida que rejeita o consumismo (LS, n. 203). Matura uma série de hábitos cotidianos e comportamentos sustentáveis (LS, n. 211). Estimula a participação em movimentos de consumidores, que pressionam as empresas a reconsiderar o “impacto ambiental e os modelos de produção” (LS, n. 206). Deixa florescer uma sobriedade feliz (LS, n. 222-226). Ensina a contemplar a natureza e deixar-se tocar por sua beleza, superando o pragmatismo utilitarista (LS, n. 215).

O cuidado da criação não se limita às posturas pessoais. Implica a educação para a sustentabilidade, que visa desenvolver a “cidadania ecológica” (LS, n. 209-214). Cuidar do planeta inclui decididamente um “amor civil e político”, traduzido em iniciativas conjuntas, institucionais, eclesiais, comunicacionais, econômicas e políticas, a nível local, regional, nacional e planetário. E isso se realiza simultaneamente ao “espaçotempo” das atitudes individuais.

Para se resolver uma situação tão complexa que enfrenta o mundo atual, não basta que cada um seja melhor. Os indivíduos isolados podem perder a capacidade e a liberdade de vencer a lógica da razão instrumental e acabam por sucumbir ao consumismo [...] Aos problemas sociais responde-se, não com a mera soma de bens individuais, mas com redes comunitárias. Será necessária uma união de forças e uma unidade de contribuições

(LS, n. 219).

Em síntese, a Laudato Si’ apresenta um quadro geral sobre o Cuidado da Casa Comum, que articula: o reconhecimento que somos parte da Terra; a indignação diante das graves questões socioambientais; a consciência de que tudo está interligado; uma visão de fé que desvela o “evangelho da criação”; a crítica aos mecanismos violentos do “anti-cuidado” (tecnocracia, antropocentrismo egóico, exclusão dos pobres, degeneração da Terra); a proposta de uma ecologia integral com distintas dimensões interdependentes; orientações para os que exercem o poder político e econômico, em vista de uma sociedade sustentável e inclusiva; e apelo à conversão ecológica, pessoal e estrutural.

O cuidado se expressa nesse olhar amoroso frente à criação, na gratidão e contemplação do dom de Deus nas suas criaturas, na adoção de novos hábitos e do estilo de vida da “sobriedade feliz”, e no engajamento em instâncias educativas, da sociedade civil; no exercício do poder político e econômico e visando a transição para um novo modelo de extração-produção-consumo e redução do descarte. Em suma, a construção de uma (nova) aliança entre a humanidade e o ambiente.

Conclusão

É para além do humano que vamos decidir nosso futuro não muito distante. Para que haja o respeito e o cuidado necessários, urge fundar um novo humanismo, um humanismo ecológico ou “ecocentrado”. Para tanto, só direitos humanos não dão conta, e não é um luxo buscar o fundamento e o reconhecimento de direitos para além do humano, direitos a todo ser vivo e a toda criatura, à própria teia de vida na Casa Comum, a Terra.

Na base dos direitos está a dignidade, que é uma categoria relacional e que clama por reconhecimento. A dignidade pode ser reconhecida por mérito e por graça. Só por mérito se tornaria uma meritocracia insustentável e injusta. É justamente na assimetria entre direitos e deveres, quando os direitos de uns são deveres de outros sem reciprocidade, e portanto entre desiguais, que emerge a gratuidade da dignidade diante da qual o dever se torna cuidado.

De fato, o cuidado reconhece dignidade e direitos de outros – crianças, animais, florestas, rios etc., já na forma de deveres unilaterais. Leonardo Boff aprofundou uma antropologia do cuidado, e o Papa Francisco, com a carta que se tornou um manual de ecologia, sem utilizar a palavra “dignidade” para além do ser humano, acentua o valor intrínseco de cada criatura e do conjunto da Criação. Portanto, a dignidade conferida em pura graça, que exige o dever de cuidar. É um novo humanismo ecológico, e coincide com a fé em um Criador que confere dignidade a todas as suas criaturas.

  • 1
    A esperança trava a última batalha (tradução nossa)
  • 2
    “A alma — a dimensão do psíquico-realização da separação, é naturalmente atéia. Por ateísmo, entendemos assim uma posição anterior tanto à negação como à afirmação do divino, a ruptura da participação a partir da qual o eu se apresenta como o mesmo e como eu.” (LEVINAS, 1961LEVINAS, E. Totalité et infini. Essai sur l’extériorité: Métaphysique et Transcendance. La Haye: Nijhoff, 1961., p. 46).
  • 3
    Conferir LEVINAS E. En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger. 3ème.éd. Paris: Vrin, 1974, p. 100LEVINAS, E. En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger. 3.ed. Paris: Vrin, 1974, p. 100.; Totalité et infini. 4ème.éd. La Haye: Nijhoff, 1974, p. 82. Le temps et l’autre. Montpellier: Fata Morgana, 1979, p. 45O DIREITO E O MERITO. Latim e Direito Constitucional. Disponível em: https://www.latimedireito.adv.br/artigos/342-o-direito-e-o-merito. Acesso em: 25 mar. 2023.
    https://www.latimedireito.adv.br/artigos...
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    Conferir O DIREITO E O MERITO. Latim e Direito ConstitucionalO DIREITO E O MERITO. Latim e Direito Constitucional. Disponível em: https://www.latimedireito.adv.br/artigos/342-o-direito-e-o-merito. Acesso em: 25 mar. 2023.
    https://www.latimedireito.adv.br/artigos...
    . Disponível em: https://www.latimedireito.adv.br/artigos/342-o-direito-e-o-merito. Acesso em: 25 mar. 2023. Esses conceitos foram aplicados à teologia da graça divina, especialmente por Alano de Lille e Guilherme de Auxerre. Conferir RIVIÈRE J. Sur l’origine des formules ecclésiastiques “de condigno” et “de congruo”. Bulletin de littérature ecclésiastique, n. 28, p. 75-83, 1927RIVIÈRE J. Sur l’origine des formules ecclésiastiques “de condigno” et “de congruo”. Bulletin de littérature ecclésiastique, n. 28, 1927.. SCHMAUS, M. Der Glaube der Kirche 2, Munique, 1970, p. 651SCHMAUS m. Der Glaube der Kirche 2, Munique: EOS Verlag, 1970.. BOFF, L. A graça libertadora no mundo. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 160-161BOFF, L. A graça libertadora no mundo. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1977.. Como a dignidade é uma relação de mérito ou de graça, convém revisitar o tratamento do assunto dado pela escolástica segundo Santo TomásSANTO TOMÁS, Summa Theologiae, I-II, 113, 10. São Paulo: Loyola, 2018.. QUESTION 114. New AdventQUESTION 114. New Advent. Disponível em: https://www.newadvent.org/summa/2114.htm. Acesso em: 23 mar. 2023.
    https://www.newadvent.org/summa/2114.htm...
    . Disponível em: https://www.newadvent.org/summa/2114.htm. Acesso em: 23 mar. 2023. SUSIN, L. C. The Appeal to Dignity: a fundamental Question. In: BOODOO, G. M. (Ed.). Religion, Human Dignity and Liberation. São Leopoldo: Oikos, 2016, p. 168-169SUSIN L. C. The Appeal to Dignity: A fundamental Question. In: BOODOO, G. M. (Ed.) Religion, Human Dignity and Liberation. São Leopoldo: Oikos, 2016, p. 168-169..
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    Conferir CARRO, V. D. La teologia y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. 2. ed. Salamanca: Bac, 1951CARRO, V. D. La teologia y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. 2. ed. Salamanca: Bac, 1951.. LAS CASAS, B. Único modo de atrair todos os povos à verdadeira religião. São Paulo: Paulus, 2005. v. 1LAS CASAS, B. Único modo de atrair todos os povos à verdadeira religião. São Paulo: Paulus, 2005. v. 1.. FARIA, H. M. Bartolomeu de Las Casas: o direito a serviço da vida do pobre. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 9-23, 2005FARIA, H. M. Bartolomeu de Las Casas: o direito a serviço da vida do pobre. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 9-23, 2005..
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    Conferir LINZEY, A. Why Animal Suffering Matters: Philosophy, Theology, and Practical Ethics. Oxford: Oxford University Press, 2009LINZEY, A. Why animal suffering matters. Philosophy, Theology, and Practical Ethics. Oxford: Oxford University Press, 2009.. SUSIN, L. C.; ZAMPIERI, G. A vida dos outros: ética e Teologia da Libertação Animal. São Paulo: Paulinas, 2015SUSIN L. C.; ZAMPIERI G. A vida dos outros: ética e Teologia da Libertação Animal. São Paulo: Paulinas, 2015..
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    Propositalmente, não apresentamos aqui uma resenha das inúmeras obras de Boff, mas um recorte específico do tema do cuidado, nesse livro singular.
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    DIA DA SOBRECARGA DA TERRA 2023DIA DA SOBRECARGA DA TERRA 2023: NÃO TEMOS TEMPO A PERDER! Akatu, 2023. Disponível em: https://akatu.org.br/dia-da-sobrecarga-da-terra-2023-nao-temos-tempo-a-perder/ Acesso em: 04 abr. 2023.
    https://akatu.org.br/dia-da-sobrecarga-d...
    : NÃO TEMOS TEMPO A PERDER! akatu, 2023. Disponível em: https://akatu.org.br/dia-da-sobrecarga-da-terra-2023-nao-temos-tempo-a-perder/ Acesso em: 04 abr. 2023.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2023
  • Aceito
    18 Ago 2023
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