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O papel do Ministério Público frente ao escravismo na Amazônia: o caso de Rondônia

The role of Public Ministry against Slavery in Amazon region: The case of Rondonia

Resumo

Neste artigo, abordam-se as controvérsias acerca do escravismo contemporâneo, em confronto com a realidade do Estado de Rondônia. Defende-se que sua efetiva erradicação na região pressupõe atuação articulada de instituições públicas e privadas, com protagonismo do Ministério Público do Trabalho como articulador social. Adota-se o método de pesquisa qualitativo, com utilização de técnicas quantitativas.

Palavras-chave:
Escravidão contemporânea; Articulação social; Erradicação

Abstract

In this article, it is presented the controversy about slavery in its modern configuration, against the reality in Rondônia. It is defended that its effective eradication in the region presupposes articulated actuation of public e private institutions, with proeminence of the Public Ministry as social articulator. It is adopted the qualitative style of reserarch and the quantitative techniques.

Keywords:
Contemporary slavery; Social articulation; Eradication

1 Introdução

Recentemente as discussões em torno do tema da escravidão contemporânea se aprofundaram, à luz da discussão que se seguiu à edição da Portaria n. 1.129, de 13 de outubro de 2017 pelo Ministério do Trabalho, órgão do Poder Executivo responsável por fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas 1 1 Referida Portaria foi revogada em dezembro de 2017. Todavia, parte-se dela para embasar as discussões, uma vez que foi responsável pela retomada do debate na comunidade internacional e na sociedade brasileira. A partir de sua análise, oferece-se um ponto de partida para reflexões acerca do contexto histórico, sociológico, jurídico e político mais amplo. .

Por meio dessa Portaria, restringiu-se o conceito de trabalho escravo, que já se encontrava consolidado na ordem jurídica interna, conforme descrito no artigo 149 do Código Penal e, ainda, à luz do direito internacional dos direitos humanos e da Constituição Federal. Nela, a definição dos elementos que integram o tipo penal de reduzir alguém à condição análoga à de escravo é limitada ao ponto de o Estado brasileiro exigir praticamente a efetiva existência de senzala e correntes para sua configuração.

Em face de tamanho retrocesso social, muitas tem sido as mobilizações nacionais e internacionais contrárias à nova posição do Estado, na contramão das diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Tudo o que ocorre, inclusive, logo após o Estado brasileiro sofrer sua primeira condenação numa Corte Internacional por omissão no combate ao trabalho escravo. Trata-se do caso da “Fazenda Brasil Verde”, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 20 de outubro de 2016.

Com a imagem abalada perante a sociedade brasileira e a internacional, o Estado sucumbe às manifestações de referidas organizações e à pressão da mídia nacional e internacional 2 2 Cf. Reportagem do El País disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/19/politica/1508424126_014136.html . Acesso em: 01 fev. 2018. Ne mesma direção, notícia jornalista disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/24/politica/1508856511_182757.html . Acesso em 01 fev. 2018. , bem como à Notificação Recomendatória expedida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), instituições que têm por vocação o combate ao trabalho escravo – a primeira, com a persecução penal; a segunda, com a responsabilização trabalhista. Assim, retoma à definição anterior, com a revogação da norma citada e a publicação da Portaria n. 1.293, de 28 de dezembro de 2017, a qual, como apontam seus fundamentos, de fato, consolida as normas internacionais dispostas nas Convenções n. 29 e 105 da OIT, na Convenção sobre a Escravatura de Genebra, na Convenção Americana de Direitos Humanos, nas Leis n. 7.998, de 1990, e 10.608, de 2002, bem como no artigo 149 do Código Penal.

Diante da retomada do conceito adequado desse ilícito, destaca-se a realidade cruel da escravidão hodierna, especialmente no contexto da região amazônica, marcada pela dificuldade de acesso do poder público a inúmeros povoados e distritos, dada a densidade da floresta e a abundância de seus rios. Tal situação é encontrada no Estado de Rondônia, localizado na Amazônia ocidental, sobre a qual trata, especificamente, este texto. O objetivo deste artigo, assim, não é esgotar as reflexões sobre a complexa realidade desse Estado, tampouco restringir nosso escopo de análise a ele. Ao contrário, buscar-se-á aqui oferecer elementos que permitam generalizar as ponderações oferecidas a título de estudo de caso, buscando problematizar não apenas os eventuais efeitos desse retrocesso, mas, de modo mais objetivo, um contexto de desafios aos quais esse novo paradigma não faz frente.

Não obstante as sucessivas operações e ações realizadas em Rondônia, a partir da cooperação entre distintas instituições – Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal –, permanece a incidência e a denúncia de casos de trabalho escravo.

A persistência dessa chaga se relaciona diretamente com a reincidência dos trabalhadores resgatados, os quais, oriundos de famílias pobres, com baixo nível de escolaridade e, muitas vezes, migrantes internos, acabam por retornar à situação de sujeição a condições tão degradantes de trabalho.

Ante essa constatação, emerge a percepção de que é preciso ter uma diretriz diferente na atuação das instituições, as quais não podem mais apenas reprimir a ocorrência desse crime, mas precisam prevenir sua configuração. No âmbito do MPT, exsurge sua atuação como articulador social, de modo que, à proposição de ações civis públicas ou de termos de ajuste de conduta, se soma a aproximação com a sociedade civil, com os movimentos sociais e outras instituições, com vistas a desenvolver projetos que permitam a reinserção dos trabalhadores resgatados na sociedade, com a prestação de assistência imediata e a habilitação para o desenvolvimento de uma profissão.

Neste artigo, abordam-se as controvérsias acerca do trabalho escravo contemporâneo, em confronto com a realidade verificada na Amazônia ocidental, mais especificamente com a demonstração de dados estatísticos referentes ao Estado de Rondônia. Defende-se que a efetiva erradicação do escravismo contemporâneo na região somente ocorrerá com uma guinada na atuação das distintas instituições que compõem o aparato estatal de combate, com a emergência do MPT como articulador social em todo esse processo.

Para tanto, adota-se o método de pesquisa qualitativo, com análise de doutrina e normas internas e internacionais de direitos humanos, com a finalidade de consolidar a concepção de trabalho escravo contemporâneo, que norteia as ações do Estado brasileiro. Por sua vez, utiliza-se de técnicas quantitativas, com descrição dos dados estatísticos inerentes ao Estado de Rondônia.

2 O que é trabalho escravo contemporâneo?

O escravismo aparece remodelado na atualidade, uma vez que não implica per se a propriedade reconhecida pelo direito do homem sobre o homem e se aproxima mais da exploração econômica desmedida do capital sobre o ser humano. Pode-se dizer que o escravismo atual se caracteriza pela versatilidade, na medida em que se apresenta por distintas formas.

Para Nina (2010 NINA, Carlos Homero Vieira. Escravidão ontem e hoje: aspectos jurídicos e econômicos de uma atividade indelével sem fronteira. Brasília: [s.n.], 2010. , p. 96), o trabalho escravo contemporâneo vincula-se diretamente ao fenômeno das migrações e não se ampara na legalidade, mas se aproveita da lentidão do Estado, que não acompanha o ritmo da globalização, sendo incapaz de conter o delito que se põe como transnacional.

Assim, hoje, a escravidão apresenta caracteres diversos daquela, que vigorou nos séculos passados, na medida em que não é garantida pelo Direito, mas rechaçada por ele – no Brasil, desde 1888, com a promulgação da Lei Áurea. Ainda hoje, contudo, projeta-se como mecanismo de grande lucratividade, que advém da exploração dessa mão de obra descartável, com uso de violência física e/ou psicológica.

Prevalece o paradigma em consonância com ordem jurídica internacional e com o parâmetro normativo estabelecido pela Constituição Republicana. Todavia, o próprio conceito de trabalho escravo volta à discussão, ante a publicação da Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho, que restringiu as hipóteses do escravismo contemporâneo à concepção que remonta a 1888.

Por essa Portaria ( BRASIL, 2017a BRASIL. Portaria MTB n. 1.129, de 13 de outubro de 2017. 2017a. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=351466. Acesso em: 01 fev. 2018.
https://www.legisweb.com.br/legislacao/...
, artigo 1º), define-se trabalho forçado como o “exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade”. Enquanto jornada exaustiva, consigna-se “a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicável a sua categoria” . Já a hipótese de condição degradante, passa a ser aquela “caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade”.

Ainda, para ser caracterizada a condição análoga à de escravo, arrolam-se quatro situações: submissão a trabalho sob ameaça de punição e com uso de coação; cerceamento de qualquer meio de transporte do trabalhador, com o objetivo de retê-lo no local de trabalho e com isolamento geográfico; manutenção de segurança armada para manter o trabalhador no local em razão de dívida contraída; a retenção de documentação com o fim de retê-lo no local de trabalho ( BRASIL, 2017a BRASIL. Portaria MTB n. 1.129, de 13 de outubro de 2017. 2017a. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=351466. Acesso em: 01 fev. 2018.
https://www.legisweb.com.br/legislacao/...
, artigo 1º, IV).

Em que pese se afirmar que a Portaria se destinaria a delimitar as situações de recebimento de seguro-desemprego, fica claro que sua aplicabilidade vai além, uma vez que norteia as ações fiscais dos auditores do Ministério do Trabalho, inclusive para fins de inclusão do empregador na lista suja do trabalho escravo ( BRASIL, 2017a BRASIL. Portaria MTB n. 1.129, de 13 de outubro de 2017. 2017a. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=351466. Acesso em: 01 fev. 2018.
https://www.legisweb.com.br/legislacao/...
, artigo 2º).

A esse quadro, soma-se a previsão de que a inclusão do nome do explorador no cadastro de empregadores flagrados na prática desse ilícito fica condicionado à determinação do Ministro do Trabalho, que exerce cargo de natureza política e nem sempre atende a interesses republicanos ( BRASIL, 2017a BRASIL. Portaria MTB n. 1.129, de 13 de outubro de 2017. 2017a. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=351466. Acesso em: 01 fev. 2018.
https://www.legisweb.com.br/legislacao/...
, artigo 2º). Ademais, burocratizam-se as inspeções, que, apesar de em regra ocorrerem nos rincões do País, com completa dificuldade de acesso pelas autoridades públicas, passam a ter de cumprir uma série de requisitos dispostos no artigo 3º, sob pena de devolução dos autos do processo administrativo ao auditor-fiscal, para que complemente a descrição dos ilícitos praticados, com apresentação de provas aditivas ( BRASIL, 2017a BRASIL. Portaria MTB n. 1.129, de 13 de outubro de 2017. 2017a. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=351466. Acesso em: 01 fev. 2018.
https://www.legisweb.com.br/legislacao/...
, artigo 4º, § 4º).

O esvaziamento do conceito de trabalho escravo foi tão significativo que a sociedade internacional reagiu e pautou as discussões. A ONU divulgou nota por meio da qual expressou a profunda preocupação do sistema das Nações Unidas com a Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho, oportunidade em que sinalizou que o conceito de trabalho escravo previsto no artigo 149 do Código Penal está alinhado às normas internacionais de proteção dos direitos humanos e assinalou que uma alteração tão profunda tem de ser precedida de amplos debates democráticos com todos os interessados. Destacou ainda:

No Brasil, muitos casos ocorrem de forma velada, como o trabalho escravo em fazendas, fábricas e domicílios. Somente com uma legislação precisa e fiscalização eficaz é possível enfrentar com determinação esta ameaça. Nas últimas décadas, o Brasil construiu essa legislação e executou políticas públicas de combate ao trabalho escravo que se tornaram referência mundial, mas que agora estão sujeitas a alterações pela nova portaria.

O Sistema ONU no Brasil reafirma o compromisso de erradicar todas as formas de trabalho análogo à escravidão, prestando assistência técnica e mantendo e promovendo o diálogo com o objetivo de garantir a dignidade e a proteção de todas as pessoas 3 3 Organização das Nações Unidas – ONU. Sistema ONU no Brasil divulga nota sobre portaria do trabalho escravo. Disponível em: https://nacoesunidas.org/sistema-onu-no-brasil-divulga-nota-sobre-portaria-do-trabalho-escravo/ . Acesso em: 31 jan. 2018. .

A ONU já se posicionara acerca do trabalho escravo, qualificando-o como uma grande violação de direitos humanos, vedada por distintos tratados internacionais. Ressaltara que a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, proíbe a prática nos artigos 4º e 5º. Firmara que a Convenção n. 105 de 1957, complementar à Convenção n. 29, consolidou o fim do trabalho forçado como uma obrigação de todos os países membros da Organização. Assinalara, ainda, que a vedação a esse ilícito e a punição ante sua prática é preceito que se extrai do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, além de estar alinhado com as previsões de distintas Convenções Internacionais, a exemplo do Protocolo relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, da Convenção sobre os Direitos da Criança e da Convenção sobre a Proteção dos Direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias 4 4 Organização das Nações Unidas – ONU. Nota de posicionamento. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf . Acesso em: 01 fev. 2018. .

De tal forma, apresenta o combate ao escravismo contemporâneo como um compromisso mundial e, diante da ordem jurídica brasileira, como um compromisso nacional. Nesse ponto, assinala que muito ainda precisa ser feito, apesar de, até a edição de referida Portaria, ocupar lugar de referência no combate ao trabalho escravo perante a comunidade internacional. Em face dessa constatação, recomendara uma série de propostas para que o Brasil prosseguisse avançando no enfrentamento dessa violação de direitos humanos 5 5 Organização das Nações Unidas – ONU. Nota de posicionamento. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf . Acesso em: 01 fev. 2018. .

O posicionamento da OIT não foi distinto. Em nota, o Escritório da Organização no Brasil destacou que vinte anos de ações com vistas ao combate ao trabalho escravo fizeram do Brasil uma referência mundial, o que foi ameaçado com a edição da Portaria. Na oportunidade, ressaltou as recomendações expostas no Relatório Anual publicado em 2016 e salientou:

Os eventuais desdobramentos desta Portaria poderão ser objeto de análise pelo Comitê de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A gravidade da situação está no possível enfraquecimento e limitação da efetiva atuação da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada. Além disso, a OIT também lamenta o aumento do risco de que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU não sejam alcançados no Brasil, no que se refere à erradicação do trabalho análogo ao de escravo 6 6 Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nota do Escritório da OIT no Brasil sobre as mudanças no combate ao trabalho análogo ao de escravo. Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_584323/lang--pt/index.htm . Acesso em: 01 fev. 2018. .

O Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal, instituições que integram o Ministério Público brasileiro e possuem posição de protagonismo no combate ao escravismo contemporâneo, expediram a Recomendação n. 38/2017, por meio da qual recomendaram a revogação da Portaria n. 1.129, de 2017, por vício de legalidade 7 7 BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 38/2017-AA. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/DocumentoPRDF00054731_2017.pdf . Acesso em: 01 fev. 2018. .

Por sua vez, o MPF ajuizou ação de improbidade administrativa em desfavor do então Ministro do Trabalho, responsável pela publicação da Portaria, por ter agido em contraposição a diversos princípios da administração, a exemplo da moralidade pública e administrativa, impessoalidade, legalidade, eficiência, publicidade, interesse público. Com esses e outros fundamentos, e ante sua omissão deliberada e o esfacelamento de uma política de estado alinhada com o direito internacional dos direitos humanos, pedem sua condenação em ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração e proibição de contratar direta ou indiretamente com a administração pública por três anos, ainda que por meio de pessoa jurídica de que seja sócio majoritário 8 8 Consultor Jurídico. MPF acusa ministro de improbidade por portaria do trabalho escravo. https://www.conjur.com.br/2017-dez-07/mpf-aciona-justica-ministro-trabalho-improbidade . Acesso em: 31 jan. 2018. .

O resultado das pressões nacionais e internacionais foi positivo. A Portaria n. 1.129, de 2017, foi revogada – após, ainda, ter sido suspensa por liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) –, instituiu-se grupo de trabalho composto por distintos juristas e, entre eles, a Procuradora Geral de República e, a partir de seus trabalhos, publicou-se a Portaria n. 1.293, de 28 de dezembro de 2017, a qual restabelece o respeito ao direito internacional de direitos humanos e à ordem jurídica interna.

Estabelece-se que é condição análoga à de escravo submeter o trabalhador, de forma isolada ou conjuntamente, a trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante de trabalho, restrição da locomoção por qualquer meio decorrente de dívida ou, ainda, retenção no local de trabalho por cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, manutenção de vigilância ostensiva ou apoderamento de documentos ou objetos pessoais ( BRASIL, 2017b BRASIL. Portaria MTB n. 1.293, de 28 de dezembro de 2017. 2017b. Disponível em: http://imprensanacional.gov.br/consulta?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_returnToFullPageURL=http%3A%2F%2Fimprensanacional.gov.br%2Fweb%2Fguest%2Fconsulta%3Fp_auth%3Da31XBjrF%26p_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D1%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_state_rcv%3D1&_101_assetEntryId=1497798&_101_type=content&_101_groupId=68942&_101_urlTitle=portaria-n-1-293-de-28-de-dezembro-de-2017-1497794&inheritRedirect=true. Acesso em: 01 fev. 2018.
http://imprensanacional.gov.br/consulta...
, artigo 1º). A delimitação de cada uma dessas situações é apresentada, sem que uma se confunda com a outra, tendo cada elemento características próprias e distintivas, e não como ocorrera na Portaria anterior, a qual acabava por prever a necessidade de restrição de liberdade de locomoção em qualquer dos casos ( BRASIL, 2017b BRASIL. Portaria MTB n. 1.293, de 28 de dezembro de 2017. 2017b. Disponível em: http://imprensanacional.gov.br/consulta?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_returnToFullPageURL=http%3A%2F%2Fimprensanacional.gov.br%2Fweb%2Fguest%2Fconsulta%3Fp_auth%3Da31XBjrF%26p_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D1%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_state_rcv%3D1&_101_assetEntryId=1497798&_101_type=content&_101_groupId=68942&_101_urlTitle=portaria-n-1-293-de-28-de-dezembro-de-2017-1497794&inheritRedirect=true. Acesso em: 01 fev. 2018.
http://imprensanacional.gov.br/consulta...
, artigo 2º).

A Portaria n. 1293, de 2017, do Ministério do Trabalho ainda assinala que as conceituações devem ser observadas em quaisquer ações fiscais da auditoria, inclusive nas hipóteses de trabalho doméstico ou trabalho sexual. Define, ainda, o tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo ( BRASIL, 2017b BRASIL. Portaria MTB n. 1.293, de 28 de dezembro de 2017. 2017b. Disponível em: http://imprensanacional.gov.br/consulta?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_returnToFullPageURL=http%3A%2F%2Fimprensanacional.gov.br%2Fweb%2Fguest%2Fconsulta%3Fp_auth%3Da31XBjrF%26p_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D1%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_state_rcv%3D1&_101_assetEntryId=1497798&_101_type=content&_101_groupId=68942&_101_urlTitle=portaria-n-1-293-de-28-de-dezembro-de-2017-1497794&inheritRedirect=true. Acesso em: 01 fev. 2018.
http://imprensanacional.gov.br/consulta...
, artigo 4º) e pontua que o escravismo contemporâneo é um atentado aos direitos fundamentais e à dignidade do trabalhador ( BRASIL, 2017b BRASIL. Portaria MTB n. 1.293, de 28 de dezembro de 2017. 2017b. Disponível em: http://imprensanacional.gov.br/consulta?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_returnToFullPageURL=http%3A%2F%2Fimprensanacional.gov.br%2Fweb%2Fguest%2Fconsulta%3Fp_auth%3Da31XBjrF%26p_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D1%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_state_rcv%3D1&_101_assetEntryId=1497798&_101_type=content&_101_groupId=68942&_101_urlTitle=portaria-n-1-293-de-28-de-dezembro-de-2017-1497794&inheritRedirect=true. Acesso em: 01 fev. 2018.
http://imprensanacional.gov.br/consulta...
, artigo 5º).

Sob o paradigma que se restabelece, no sentido da proteção da dignidade humana, assenta-se o trabalho forçado ou obrigatório, além do tráfico de pessoas, do comércio sexual – inclusive de crianças e adolescentes – e do exercício das atividades laborais informais e em ambiente sem condições adequadas de saúde e higiene, sem falar no labor regido pelo truck-system9 9 O truck-system compreende um “sistema retributivo” a partir do qual o pagamento da prestação dos serviços pelo trabalhador é feito na forma de vales ou similares para aquisição de mercadorias no estabelecimento do empregador, de modo a gerar um “estado de submissão vitalícia”. Sua proibição pela CLT, em seu art. 462, § 2º, integra o sistema de proteção ao salário, respeitando o princípio da intangibilidade salarial. Sua caracterização, por sua vez, é um dos elementos determinantes para que se afigure o trabalho escravo contemporâneo. Cf. BARROS, 2008, p. 810-811. .

Enquanto grave violação aos direitos fundamentais, o escravismo contemporâneo fere, assim, a dignidade constitucionalmente protegida enquanto qualidade intrínseca à pessoa humana, como algo irrenunciável e inalienável ( SOUZA, 2008 SOUZA, Marcius Cruz de Ponte. Reflexões acerca do trabalho em condições análogas às de escravo na sociedade contemporânea. In: Revista de Direito Social. Fortaleza: Procuradoria Regional do Trabalho da 7ª Região, jun. 2008. n. 1, v. 1, p. 139. , p. 139).

Assume-se, pois, que a escravidão contemporânea guarda relação direta com a dignidade humana, uma vez que esta, reconhecida nacional e internacionalmente como a base da vida em sociedade e dos Direitos Humanos, assume a posição de paradigma para se aferir a configuração, ou não, de trabalho em condições análogas às de escravo, que não se confunde com o labor “não livre”, mas é o reverso do trabalho decente.

Distintos instrumentos normativos internacionais estabelecem a obrigação de erradicar essa exploração desmedida do homem pelo próprio homem, especialmente no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tais instrumentos prostram-se no sentido da prevalência do chamado trabalho decente, inerente à dignidade da pessoa humana e caracterizado por atividades laborais em que há equilíbrio entre o capital e o trabalho, no qual este não pode, sob qualquer fundamento, ser considerado uma mercadoria.

Nesse sentido, as Convenções da OIT nos 29 (1930) e 105 (1957) integram o sistema universal de combate ao trabalho forçado e em condições análogas à de escravo. Destacam-se também a Declaração sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento (1998), além da Convenção sobre a Escravatura (1926) e sua Convenção Suplementar (1956). Conquanto essas obrigações são assumidas pelo Estado brasileiro, demandam a adoção de medidas internas para sua efetivação, tal qual as descritas na Portaria n. 1.293, de outubro de 2017, do Ministério do Trabalho.

3 Uma visão sobre Rondônia

Um dos problemas latentes do Estado de Rondônia, localizado na Amazônia ocidental, é a persistência do trabalho escravo contemporâneo. Para se chegar a essa constatação, basta analisar os dados anuais das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo, disponibilizados pela Secretaria de Inspeção de Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho (MTb), seja quanto ao País como um todo ou quanto a esse Estado da Amazônia Ocidental.

Com efeito, só no ano de 2016, foram resgatadas 885 pessoas em condições análogas às de escravo no Brasil. Em 2015, foram encontradas quase 1.000 nessa situação; em 2014, 1.752; em 2013, 2.808; em 2012 BRASIL. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 29, de 1930, artigo 11. Disponível em: <http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/conv_29.pdf>. Acesso em: 6 fev. 2012.
http://www.oit.org.br/sites/all/forced_...
, 2.771; e em 2011, 2.495 ( BRASIL, 2011b BRASIL. Ministério do Trabalho. Resultados das operações de fiscalização para Erradicação do Trabalho escravo . 2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/dados-abertos/estatistica-trabalho-escravo>. Acesso em: 16 set. 2017.
http://trabalho.gov.br/dados-abertos/es...
;2012 BRASIL. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 29, de 1930, artigo 11. Disponível em: <http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/conv_29.pdf>. Acesso em: 6 fev. 2012.
http://www.oit.org.br/sites/all/forced_...
; 2013; 2014; 2015; 2016). Os dados ainda demonstram que, entre 1995 e 2010, foram realizadas 1.083 operações de fiscalização, nas quais se inspecionaram 2.844 estabelecimentos empresariais, resgatando-se 39.180 trabalhadores que se encontravam reduzidos a condições análogas às de escravo ( BRASIL, 2011a BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Quadro geral das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo – SIT/SRTE (1995-2010). 2011a. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A308E140C013099A935684CEE/quadro_resumo_1995_2010.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2012.
http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7...
).

Conforme dados extraídos do Observatório do Trabalho Escravo, sítio eletrônico criado pelo MPT em parceria com a OIT, somente no Estado de Rondônia, desde 2003, foram efetuados 838 resgates de trabalhadores em condições análogas às de escravo em 59 operações realizadas. Entre os resgatados, observam-se egressos naturais da região e egressos residentes, encontrados em situações de exploração em distintas ocupações e setores da economia regional, como setor cultivo de arroz, da criação de bovinos para corte, comércio atacadista de energia elétrica, cultivo de eucalipto e apicultura.

Existem distinções quanto ao setor econômico no qual mais foram resgatados trabalhadores, quando se trata dos egressos naturais e dos residentes. Em relação aos egressos naturais, tem-se que a maior parte dos resgates ocorreram no cultivo de arroz (42,1875%) seguido da criação de bovinos para Corte (40,625%). Seguidos do comércio atacadista de energia elétrica (6,25%), do cultivo de eucalipto (3,125%) e da apicultura (1,5625%). Já quanto aos egressos residentes, deu-se o inverso, em primeiro lugar, a criação de bovinos para corte e, em segundo, o cultivo de arroz 10 10 BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório do Trabalho Escravo. Disponível em: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/ . Acesso em: 15 out. 2017. .

Nessa direção, as seguintes tabelas demonstram a realidade em números, respectivamente, dos egressos naturais da região e dos residentes:

Egressos naturais
Ocupação Quantidade Percentual (%)
Trabalhador Agropecuário em Geral 176 73.6401673640167
Trabalhador Volante da Agricultura 14 5.85774058577406
Trabalhador da Pecuária (Bovinos Corte) 11 4.60251046025105
Engenheiro Florestal 8 3.34728033472803
Trabalhador da Manutenção de Edificações 8 3.34728033472803
  • Egressos residentes
    Ocupação Quantidade Percentual (%)
    Trabalhador Agropecuário em Geral 245 78.7781350482315
    Trabalhador Volante da Agricultura 17 5.46623794212219
    Trabalhador da Pecuária (Bovinos Corte) 10 3.21543408360129
    Engenheiro Florestal 8 2.57234726688103
    Trabalhador da Manutenção de Edificações 8 2.57234726688103
  • Quanto à raça, declarada em campo para percepção do seguro-desemprego, pago pela situação de resgate do trabalhador, coincide, em ambos os casos: a maioria disparada é de pessoas que se declaram pardas, mulatas, caboclas, cafuzas, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça – esse são termos constantes do formulário do seguro-desemprego do INSS e, por isso, constam das estatísticas abaixo – (76% dos egressos naturais e 81% dos egressos residentes) 11 11 BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório do Trabalho Escravo. Disponível em: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/ . Acesso em: 15 out. 2017. .

    Os dados demonstram a percepção, tão difundida e muito clara, de que o princípio da garantia de direitos e de cidadania está na educação. A redução da pessoa trabalhadora a essa condição, que representa um dos ilícitos mais graves no âmbito trabalhista e, inclusive, configura crime, ocorre especialmente com aqueles que possuem baixo grau de instrução.

    Em comparação com a média nacional, o Estado de Rondônia apresenta alto índice de resgate de trabalhadores em condições análogas às de escravo. É o décimo Estado do País, em contagem que data de 2013, ano do último estudo comparativo realizado.

    Os números contradizem os princípios de um Estado Democrático de Direito, ainda mais quando fundado na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho (BRASIL, 1988, art. 1º, II-IV).

    Apesar das atuações, de que resultaram a assinatura de compromissos de ajustamento de conduta ou condenações judiciais, e do delineamento de metas institucionais para a erradicação do trabalho escravo, o problema persiste. Assim, faz-se necessário definir mudanças nas rotinas de atuação do MPT em Rondônia, com descrições de condutas possíveis de serem adotadas para reversão dos números apresentados. Em síntese, propõem-se mecanismos a serem adotados no sentido da efetividade do combate ao escravismo contemporâneo nesse Estado.

    4 O novo Ministério Público brasileiro e a articulação social

    O Ministério Público brasileiro assume novos contornos com a Constituição Federal de 1988. A partir dela, é incumbido da “[...]defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988, art. 127, caput), competindo-lhe, entre outras atribuições, “[...]promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (BRASIL, 1988, art. 129, III).

    Volta-se, a partir de então, para a tutela do interesse público primário, com a defesa dos direitos e interesses coletivos em sentido amplo 12 12 Legalmente, delimitam-se como direitos difusos e coletivos em sentido estrito os transindividuais indivisíveis. Porém, a diferença entre ambos reside na titularidade, isto é, enquanto os titulares dos primeiros são “[...]pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (BRASIL, 1990, art. 81, I), os dos segundos são “[...]grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (BRASIL, 1990, art. 81, II). Ademais, o Código de Direito Civil (CDC) define direitos individuais homogêneos como aqueles “[...]decorrentes de origem comum” (BRASIL, 1990, art. 81, parágrafo único, III). Apesar de prever que tais direitos são tuteláveis por meio de ação civil coletiva (BRASIL, 1990, art. 91, parágrafo único), o sistema jurídico evoluiu no sentido de entender que eles podem ser protegidos por ação civil pública. , bem como individuais indisponíveis e individuais com repercussão social 13 13 O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou sua jurisprudência no sentido de deter o Ministério Público legitimidade para tutela dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, bem como com repercussão social. O leading case sobre o tema é o Recurso Extraordinário n. 163.231/SP, julgado em 26/02/1997, e que se consolidou na Súmula n. 643 da Corte. . Consolida-se, em todos os seus ramos – dentre os quais o Ministério Público do Trabalho (MPT) –, como promotor de direitos fundamentais, na condição de função essencial à justiça (BRASIL, 1988, art. 127, caput). Nesse contexto, ao MPT compete, a priori, propor ações civis públicas para defesa de interesses coletivos, quando forem desrespeitados direitos sociais constitucionalmente garantidos (BRASIL, 1993, artigo 83, III) e outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (BRASIL, 1993, artigos 83, III, 84, caput, e 6º, VII, “d”).

    Ao se destinar precipuamente para a tutela dos interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, assume, como parâmetro de conduta, o uso do processo coletivo como instrumento para a concretização de direitos. Nesse passo, pauta suas rotinas pelo ajuizamento de ações civis públicas, propostas no contexto do instrumentalismo do processo 14 14 Ao dispor sobre as linhas evolutivas da teoria da ação, Lenza (2008, p. 114, grifos do autor) esclarece que perpassaram “[...]três fases metodológicas fundamentais: a) fase do sincretismo; b) fase autonomista ou conceitual; c) fase instrumentalista”. Na fase do instrumentalismo, vigora uma oposição ao tecnicismo puro, na medida em que o processo passa à condição de instrumento para concretização de direitos, além de ascender a defesa dos direitos transindividuais (LENZA, 2008, p. 120 e 128). e sob a perspectiva da segunda onda renovatória de acesso à Justiça , proposta por Garth e Capelletti (1993 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1993. , p. 31-73) nas décadas de 1970 e 1980, cuja obra compreende marco teórico basilar do estudo do acesso à justiça ( ALMEIDA, 2012 ALMEIDA, Guilherme de. Acesso à justiça, direitos humanos e novas esferas da justiça. Contemporânea. Revista de Sociologia da UFSCAR. V. 2, n. 1 (2012). Janeiro – Junho de 2012. Disponível em: <http://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/61/344>. Acesso em: 25 fev. 2017.
    http://www.contemporanea.ufscar.br/inde...
    , p. 88).

    A ação civil pública (ACP) emerge como ferramenta para a materialização do desenvolvimento humano. Isso porque, na atual maturidade do Direito Processual brasileiro, ela não compreende um fim em si mesmo, mas, como o processo em si, é erigida à condição de instrumento voltado à concretização de direitos fundamentais.

    A defesa de direitos coletivos – difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos – em juízo, difunde-se com fulcro no instituto da ação civil pública, na forma da Lei 7.347/1985 (LACP). Do mesmo modo, com a positivação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078/1990, ganha ainda mais força, pois, nada obstante a denominação do Código, ele transcende as fronteiras das relações jurídicas consumeristas, de forma a abarcar todos os direitos ou interesses coletivos em sentido lato. Assim procede-se ao lado da LACP, da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), da Lei 8.069/1990 (Estatuto da criança e do adolescente) e da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), sob a égide da Constituição Federal, com base numa interpretação lógico-sistemática.

    Contudo, em face da constatação de que a busca da jurisdição – ainda que possua escopos jurídico, político e social – não pode ser o único caminho para a pacificação social e o acesso à justiça, constata-se que o combate efetivo a esse anacronismo exige mais articulação social, com envolvimento da sociedade civil – a partir, por exemplo, da aproximação com organizações não governamentais e sem fins lucrativos, bem como segmentos religiosos – e, ainda, da garantia de mecanismos que não permitam o retorno dos trabalhadores resgatados à condição de escravos, na concepção contemporânea.

    Seu viés de articulador social perpassa a promoção de políticas públicas e, assim, pressupõe uma aproximação com os cidadãos e grupos em situação de vulnerabilidade social, os quais exsurgem como principais destinatários de sua atuação, voltada para o desenvolvimento da justiça e a viabilização de acesso a ela. Trata-se de um necessário esforço institucional para garantir acesso à justiça, à luz das novas esferas da justiça, que também se pauta pelo empoderamento legal do pobre – que pressupõe o direito à relação de trabalho socialmente protegida –, na mesma direção do que propõe Almeida (2012 ALMEIDA, Guilherme de. Acesso à justiça, direitos humanos e novas esferas da justiça. Contemporânea. Revista de Sociologia da UFSCAR. V. 2, n. 1 (2012). Janeiro – Junho de 2012. Disponível em: <http://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/61/344>. Acesso em: 25 fev. 2017.
    http://www.contemporanea.ufscar.br/inde...
    , p. 84 e 93).

    Tal perspectiva é objeto de discussões entre membros do MPT. Com efeito, no Simpósio “O MPT e a utopia: os caminhos para a concretização dos direitos humanos”, realizado entre os dias 21 e 23 de setembro de 2015, na Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), em Brasília/DF, foram discutidas questões atinentes à atuação em rede do MPT para a promoção dos direitos humanos e conflitos internos pertinentes aos princípios da unidade e da independência funcional (BRASIL, 1988, artigo 127, § 1º; 1993, artigo 4º).

    Em seu âmago, foi questionado aos participantes, quais ferramentas existem ou precisam ser criadas para a busca da concretização dos direitos humanos. A resposta mais recorrente foi: “Quaisquer instrumentos, sejam judiciais ou extrajudiciais, são igualmente importantes, contanto que atuem nas causas e não apenas nos efeitos das situações de desrespeito aos Direitos Humanos” ( ESMPU, 2015 Escola Superior do Ministério Público da União (Org.). O Ministério Público do Trabalho e a utopia: os caminhos para a concretização dos direitos humanos. Brasília: ESMPU, 2015. Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/material-didatico/SIMPOSIO%20MPT%20E%20UTOPIA.pdf>. Acesso em 02 mar. 2017.
    http://escola.mpu.mp.br/material-didati...
    , p. 28-29).

    As conclusões dos debates empreendidos foram consolidadas em distintos enunciados, que aportam a visão de um conjunto de membros do MPT acerca de sua atuação no mundo do trabalho e perante a sociedade. No particular, fixou-se em excerto do Enunciado n. 2 o seguinte:

    AGIR DE FORMA ESTRATÉGICA DIANTE DOS EFEITOS NOCIVOS DA GLOBALIZAÇÃO. O Ministério Público do Trabalho deve sempre ser e agir orientado pelos princípios constitucionais e pela defesa e concretização dos direitos fundamentais, considerando-se que todo ser humano, por meio do trabalho digno, afirma-se socialmente e constrói a sua própria história e narrativa de vida. [...] ( ESMPU, 2015 Escola Superior do Ministério Público da União (Org.). O Ministério Público do Trabalho e a utopia: os caminhos para a concretização dos direitos humanos. Brasília: ESMPU, 2015. Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/material-didatico/SIMPOSIO%20MPT%20E%20UTOPIA.pdf>. Acesso em 02 mar. 2017.
    http://escola.mpu.mp.br/material-didati...
    , p. 46).

    Por seu turno, no Enunciado n. 5, estabeleceu-se a necessidade de fortalecer o procedimento promocional, instrumento previsto internamente para a atuação do MPT como articulador social e promotor de políticas públicas. No particular, previu-se:

    FORTALECER E VALORIZAR O PROCEDIMENTO PROMOCIONAL. Considerando a atuação ministerial em ações de concretização de direitos humanos, recomenda-se a regulamentação adequada e não restritiva do Procedimento Promocional (PROMO), de forma a garantir, estimular e valorizar as possibilidades de sua utilização no exercício das funções ministeriais promocionais, preventivas, prospectivas e resolutivas, a fim de planejar sua atuação na comunidade, identificar parceiros, diagnosticar os principais problemas, estabelecer os objetivos comuns, as metas e o papel de cada um, com pontuação diferenciada. ( ESMPU, 2015 Escola Superior do Ministério Público da União (Org.). O Ministério Público do Trabalho e a utopia: os caminhos para a concretização dos direitos humanos. Brasília: ESMPU, 2015. Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/material-didatico/SIMPOSIO%20MPT%20E%20UTOPIA.pdf>. Acesso em 02 mar. 2017.
    http://escola.mpu.mp.br/material-didati...
    , p. 48, grifo nosso).

    Nessa nova configuração do MPT, observa-se uma preocupação latente com a resolução dos problemas locais com foco em suas causas, e não efeitos, bem como concentrada na realidade da população da região. Essa forma de atuar se mostra como primordial para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo nesse Estado da Amazônia Ocidental.

    5 Caminhos possíveis

    Uma vez delimitado o conceito de trabalho escravo contemporâneo em consonância com o direito internacional dos direitos humanos e constatada a persistência dessa chaga do Estado de Rondônia, em que pese as operações de fiscalização realizadas ao longo do tempo, delineiam-se caminhos possíveis para sua erradicação, à luz da nova perspectiva acerca do papel do Ministério Público do Trabalho.

    A Portaria n. 1.293, de outubro de 2017, do Ministério do Trabalho já traz em si possibilidades. Com efeito, assinala a necessidade de acolher o trabalhador resgatado, bem como promover seu acompanhamento psicossocial e o acesso a políticas públicas. Assim, é que determina que o auditor-fiscal do trabalho deverá orientar o trabalhador a realizar sua inscrição no Cadastro Único da Assistência Social. Também, fixa que deverá comunicar a constatação de escravismo contemporâneo ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) ou, não existindo, ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), para que proceda ao atendimento das vítimas. Ainda, estabelece que deve comunicar demais órgãos e entidades da sociedade civil que realizam atendimento às vítimas ( BRASIL, 2017b BRASIL. Portaria MTB n. 1.293, de 28 de dezembro de 2017. 2017b. Disponível em: http://imprensanacional.gov.br/consulta?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_returnToFullPageURL=http%3A%2F%2Fimprensanacional.gov.br%2Fweb%2Fguest%2Fconsulta%3Fp_auth%3Da31XBjrF%26p_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D1%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_state_rcv%3D1&_101_assetEntryId=1497798&_101_type=content&_101_groupId=68942&_101_urlTitle=portaria-n-1-293-de-28-de-dezembro-de-2017-1497794&inheritRedirect=true. Acesso em: 01 fev. 2018.
    http://imprensanacional.gov.br/consulta...
    , artigo 10).

    A Portaria destaca o caminho possível para uma atuação efetiva, que não se pauta apenas pela repressão, mas também pela prevenção da ocorrência do ilícito e da reincidência. A prevenção, por sua vez, pressupõe a existência de diálogo afinado entre as distintas instituições envolvidas com o que se pode nominar de microssistema de combate ao trabalho em condições análogas à de escravo.

    Esse diálogo há de ser realizado por meio de Fórum permanente de debates, no qual esses distintos atores – Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério do Trabalho, Governos Federal, Estadual e Municipal, movimentos sociais e sociedade civil organizada – possam encontrar soluções para as intercorrências do Estado. Para tanto, é necessário institucionalizar as Comissões Estaduais para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE). Em Rondônia, em que pese instituída pelo Decreto n. 21.615, de 9 de fevereiro de 2017, do Governo do Estado 15 15 BRASIL. Casa Civil do Estado de Rondônia. Decreto n. 21.625, de 9 de fevereiro de 2017. Disponível em: http://ditel.casacivil.ro.gov.br/COTEL/Livros/Files/D21615.pdf . Acesso em: 01 fev. 2018. , a COETRAE não se encontra impulsionada, de forma que não tem realizado efetivas discussões para a erradicação do ilícito.

    Nesse momento, ainda, deve-se delinear o papel de cada um, para o estabelecimento de políticas públicas de inclusão, assim como o estímulo ao aperfeiçoamento de atendimentos por casas de passagem ou de acolhimento. É preciso perceber que a submissão do trabalhador à situação de tamanha degradação de sua dignidade é parte de um ciclo de pobreza, que se inicia pela ausência de acesso a serviços básicos, como saúde e, especialmente, educação. Os dados referentes ao Estado de Rondônia falam por si. Por isso a obrigatoriedade de que os distintos atores atuem em conjunto e de forma articulada. Cada um com a disponibilização das políticas públicas específicas ou, ainda, de ações de assistência social, seja pelo poder público ou pelas entidades da sociedade civil.

    Nesse campo, o MPT deve exercer o seu papel de articulador social, com abertura das portas da instituição para os debates, com estímulo à participação da população e utilização de todos os instrumentos concedidos pela Constituição e pela lei para a concretização desse microssistema. O que abarca desde a realização de audiências públicas a expedição de notificações recomendatórias, conscientização da população e dos empregadores, destinação de indenização por dano moral coletivo e multas para fortalecimento dos demais atores e o desenvolvimento de projetos específicos. Além da já consolidada atuação repressiva, por meio do ajuizamento das ações civis públicas e proposições de termos de ajuste de conduta.

    Em consonância com essa perspectiva, existem ações pioneiras desenvolvidas por meio de articulação entre órgãos públicos, sistema “S”, Comissão Pastoral da Terra e OIT. Exemplo é o projeto “Movimento Ação Integrada”, por meio do qual se busca promover a reinserção do trabalhador resgatado no mercado de trabalho, porém no exercício de ofício em condições dignas. Por ele, durante o período em que trabalhador recebe o seguro-desemprego, realiza cursos de profissionalização. Tal movimento está presente nos Estados de Mato Grosso, Bahia e Rio de Janeiro 16 16 Ação Integrada. Disponível em: http://www.acaointegrada.org/movimento-acao-integrada/ . Acesso em: 01 fev. 2018. . Sua implementação em Rondônia é o passo inicial para o desenvolvimento de mecanismos de efetiva erradicação do escravismo nesse pedaço da região amazônica.

    Do alinhamento das respectivas funções institucionais e somatória de forças é que se possibilitará o rompimento do ciclo vicioso do trabalho escravo contemporâneo, o qual guarda relação direta com o ciclo de pobreza e ausência de concretização dos preceitos mínimos de dignidade, previstos no direito internacional dos direitos humanos e na Constituição Republicana.

    • 1
      Referida Portaria foi revogada em dezembro de 2017. Todavia, parte-se dela para embasar as discussões, uma vez que foi responsável pela retomada do debate na comunidade internacional e na sociedade brasileira. A partir de sua análise, oferece-se um ponto de partida para reflexões acerca do contexto histórico, sociológico, jurídico e político mais amplo.
    • 2
      Cf. Reportagem do El País disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/19/politica/1508424126_014136.html . Acesso em: 01 fev. 2018. Ne mesma direção, notícia jornalista disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/24/politica/1508856511_182757.html . Acesso em 01 fev. 2018.
    • 3
      Organização das Nações Unidas – ONU Organização das Nações Unidas – ONU. Nota de posicionamento. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf. Acesso em: 01 fev. 2018.
      https://nacoesunidas.org/wp-content/upl...
      . Sistema ONU no Brasil divulga nota sobre portaria do trabalho escravo. Disponível em: https://nacoesunidas.org/sistema-onu-no-brasil-divulga-nota-sobre-portaria-do-trabalho-escravo/ . Acesso em: 31 jan. 2018.
    • 4
      Organização das Nações Unidas – ONU Organização das Nações Unidas – ONU. Nota de posicionamento. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf. Acesso em: 01 fev. 2018.
      https://nacoesunidas.org/wp-content/upl...
      . Nota de posicionamento. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf . Acesso em: 01 fev. 2018.
    • 5
      Organização das Nações Unidas – ONU Organização das Nações Unidas – ONU. Nota. Disponível em: https://nacoesunidas.org/sistema-onu-no-brasil-divulga-nota-sobre-portaria-do-trabalho-escravo/. Acesso em: 31 jan. 2018.
      https://nacoesunidas.org/sistema-onu-no...
      . Nota de posicionamento. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf . Acesso em: 01 fev. 2018.
    • 6
      Organização Internacional do Trabalho (OIT) Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nota do Escritório da OIT no Brasil sobre as mudanças no combate ao trabalho análogo ao de escravo . Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_584323/lang--pt/index.htm. Acesso em: 01 fev. 2018.
      http://www.ilo.org/brasilia/noticias/WC...
      . Nota do Escritório da OIT no Brasil sobre as mudanças no combate ao trabalho análogo ao de escravo. Disponível em: http://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_584323/lang--pt/index.htm . Acesso em: 01 fev. 2018.
    • 7
      BRASIL BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 38/2017-AA. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/DocumentoPRDF00054731_2017.pdf. Acesso em: 01 fev. 2018.
      http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/Doc...
      . Ministério Público Federal. Recomendação n. 38/2017-AA. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/DocumentoPRDF00054731_2017.pdf . Acesso em: 01 fev. 2018.
    • 8
      Consultor Jurídico Consultor Jurídico. MPF acusa ministro de improbidade por portaria do trabalho escravo. https://www.conjur.com.br/2017-dez-07/mpf-aciona-justica-ministro-trabalho-improbidade. Acesso em: 31 jan. 2018.
      https://www.conjur.com.br/2017-dez-07/m...
      . MPF acusa ministro de improbidade por portaria do trabalho escravo. https://www.conjur.com.br/2017-dez-07/mpf-aciona-justica-ministro-trabalho-improbidade . Acesso em: 31 jan. 2018.
    • 9
      O truck-system compreende um “sistema retributivo” a partir do qual o pagamento da prestação dos serviços pelo trabalhador é feito na forma de vales ou similares para aquisição de mercadorias no estabelecimento do empregador, de modo a gerar um “estado de submissão vitalícia”. Sua proibição pela CLT, em seu art. 462, § 2º, integra o sistema de proteção ao salário, respeitando o princípio da intangibilidade salarial. Sua caracterização, por sua vez, é um dos elementos determinantes para que se afigure o trabalho escravo contemporâneo. Cf. BARROS, 2008, p. 810-811.
    • 10
      BRASIL BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório do Trabalho Escravo. Disponível em: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/. Acesso em: 15 out. 2017.
      https://observatorioescravo.mpt.mp.br/ ...
      . Ministério Público do Trabalho. Observatório do Trabalho Escravo. Disponível em: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/ . Acesso em: 15 out. 2017.
    • 11
      BRASIL BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório do Trabalho Escravo. Disponível em: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/. Acesso em: 15 out. 2017.
      https://observatorioescravo.mpt.mp.br/ ...
      . Ministério Público do Trabalho. Observatório do Trabalho Escravo. Disponível em: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/ . Acesso em: 15 out. 2017.
    • 12
      Legalmente, delimitam-se como direitos difusos e coletivos em sentido estrito os transindividuais indivisíveis. Porém, a diferença entre ambos reside na titularidade, isto é, enquanto os titulares dos primeiros são “[...]pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (BRASIL, 1990, art. 81, I), os dos segundos são “[...]grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (BRASIL, 1990, art. 81, II). Ademais, o Código de Direito Civil (CDC) define direitos individuais homogêneos como aqueles “[...]decorrentes de origem comum” (BRASIL, 1990, art. 81, parágrafo único, III). Apesar de prever que tais direitos são tuteláveis por meio de ação civil coletiva (BRASIL, 1990, art. 91, parágrafo único), o sistema jurídico evoluiu no sentido de entender que eles podem ser protegidos por ação civil pública.
    • 13
      O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou sua jurisprudência no sentido de deter o Ministério Público legitimidade para tutela dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, bem como com repercussão social. O leading case sobre o tema é o Recurso Extraordinário n. 163.231/SP, julgado em 26/02/1997, e que se consolidou na Súmula n. 643 da Corte.
    • 14
      Ao dispor sobre as linhas evolutivas da teoria da ação, Lenza (2008, p. 114, grifos do autor) esclarece que perpassaram “[...]três fases metodológicas fundamentais: a) fase do sincretismo; b) fase autonomista ou conceitual; c) fase instrumentalista”. Na fase do instrumentalismo, vigora uma oposição ao tecnicismo puro, na medida em que o processo passa à condição de instrumento para concretização de direitos, além de ascender a defesa dos direitos transindividuais (LENZA, 2008, p. 120 e 128).
    • 15
      BRASIL BRASIL. Ministério Público Federal. Recomendação n. 38/2017-AA. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/DocumentoPRDF00054731_2017.pdf. Acesso em: 01 fev. 2018.
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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      Mar 2018

    Histórico

    • Recebido
      31 Jan 2018
    • Aceito
      06 Fev 2018
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