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Poesia em tempos de crise: uma leitura de Golpe: antologia-manifesto

Poetry in times of crisis: a reading of Golpe: antologia-manifesto

Poesía en tiempos de crisis: una lectura de Golpe: antologia-manifesto

Resumo

O artigo parte da hipótese de que o panorama da poesia brasileira vem passando por transformações relevantes nos últimos anos, devidas, principalmente, ao impacto da crise política, econômica e social que marcou o passado recente do país. Eventos históricos como as jornadas de junho, em 2013, o conturbado processo de deposição de Dilma Rousseff, em 2016, e o triunfo eleitoral da extrema-direita, em 2018, tiveram ressonâncias no campo cultural, trazendo para a produção poética um anseio de participação ativa no debate público — interesse que parecia mitigado nas décadas anteriores. A discussão desse fenômeno particulariza-se neste trabalho por meio de uma leitura panorâmica da coletânea Golpe: antologia-manifesto, buscando considerar marcas relevantes da obra, como o trabalho coletivo, a ausência de um programa estético norteador e o caráter eminentemente testemunhal dos poemas do livro.

Palavras-chave:
poesia brasileira; testemunho; crise política

Abstract

The article is based on the hypothesis that the panorama of Brazilian poetry has been undergoing relevant transformations in recent years, mainly due to the impact of the political, economic, and social crisis that marked the country’s recent past. Historical events such as the June Days, in 2013, the troubled process of Dilma Rousseff’s deposition, in 2016, and the electoral triumph of the far right, in 2018, had resonances in the cultural field, bringing to poetic production a desire of public participation — an interest that seemed mitigated in previous decades. The discussion of this phenomenon is particularized in this work through a panoramic reading of the collection Golpe: antologia-manifesto, seeking to consider relevant marks of the work, such as collective work, the absence of a guiding aesthetic program and the eminently testimonial marks of the poems in the book.

Keywords:
Brazilian poetry; testimony; crisis; policy

Resumen

El artículo examina la hipótesis de que el panorama de la poesía brasileña viene experimentando transformaciones relevantes en los últimos años, principalmente debido al impacto de la crisis política, económica y social que marcó el pasado reciente del país. Acontecimientos históricos como las Jornadas de Junio, en 2013, el convulso proceso de destitución de Dilma Rousseff, en 2016, y el triunfo electoral de la extrema derecha, en 2018, tuvieron resonancias en el campo cultural, trayendo a la producción poética un deseo de participación en el debate público — un interés que parecía mitigado en décadas anteriores. La discusión de este fenómeno se particulariza en este trabajo a través de una lectura panorámica de Golpe: antología-manifiesto, buscando considerar marcas relevantes de la obra, como el trabajo colectivo, la ausencia de un programa estético orientador y el carácter eminentemente testimonial de los poemas del libro.

Palabras clave:
poesía brasileña; testimonio; crisis; política

E continuo nessa jornada

enquanto falar não seja denúncia

nem renúncia perante a barbárie

(Luiza Romão)

INTRODUÇÃO

No Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC) de 2015, realizado em Belém do Pará, Wilberth Salgueiro (2015)SALGUEIRO, Wilberth (2015). O que testemunha a poesia brasileira contemporânea? Considerações a partir de obras indicadas ao Prêmio Portugal Telecom (2003-2014). In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC, 14., 2015. Anais […]. Disponível em: http://www.abralic.org.br/anais/arquivos/2015_1456109501.pdf. Acesso em: 13 abr. 2020.
http://www.abralic.org.br/anais/arquivos...
apresentou um trabalho cujo título indagava “o que testemunha a poesia brasileira contemporânea?”. Tal pergunta, ao mesmo tempo retórica e um tanto ou quanto provocativa, aludia à sua pesquisa sobre as obras poéticas finalistas do prêmio Portugal Telecom no intervalo de 2003 a 2014. Sua conclusão diante do volumoso material analisado era inequívoca: havia no corpus uma ausência quase total de marcas testemunhais, isto é, de referências contundentes fosse à violência em curso no país, fosse à perpetuação das formas de desigualdade e opressão econômica e cultural. Em outros termos, as obras poéticas examinadas pareciam lidar de forma muito tangencial com as fraturas do processo formativo brasileiro e os desafios éticos, políticos e sociais de seu tempo.

Cética em relação ao horizonte de transformação possível da ordem vigente, malograda em relação aos projetos e lutas coletivas de outros tempos e atravessada pelo alcance restrito da poesia numa era de consumo descartável de bens culturais massificados, a produção contemporânea testemunhava justamente seu silêncio impotente diante da miséria nacional, sublimado ou recalcado na tendência ao subjetivismo, ao esteticismo classicizante ou pós-neovanguardista, ao protagonismo da metalinguagem como ponto de partida e chegada de toda aventura lírica cabível em nossa era.

No livro Poesia brasileira: violência e testemunho, humor e resistência, Salgueiro (2017)SALGUEIRO, Wilberth (2017). Poesia brasileira: violência e testemunho, humor e resistência. Vitória: Edufes. alarga a sua hipótese e observa que a tendência verificada nos finalistas do referido prêmio é válida para caracterizar o conjunto da produção poética brasileira escrita a partir dos anos 1980 — ao menos tendo como parâmetro os seus estratos mais prestigiados. O crítico assevera que “tal escassez de poemas — que, de alguma forma, tragam os inúmeros conflitos que o homem enfrenta na vida real, como fome, preconceito, violências de toda ordem — […] há de se repetir em outras antologias, assim como no conjunto da produção contemporânea” (Salgueiro, 2017SALGUEIRO, Wilberth (2017). Poesia brasileira: violência e testemunho, humor e resistência. Vitória: Edufes., p. 59). Como corolário dessa investigação, o autor chega a uma avaliação bastante ácida, definindo a poesia contemporânea como:

[a] uma produção solipsista, centrada nos acontecimentos singulares da vida de quem escreve — ensimesmada; de [b] uma produção indiferente a questões de cunho político, social, coletivo — desengajada; de [c] uma produção em que rareia a presença crítica do humor (quando muito dá-se a ver certa ambivalência irônica) — desengraçada; de [d] uma produção que, além de se encastelar em alusões a herméticos acontecimentos da vida do autor, excede em jogos e torneios metapoéticos — autotélica1 1 É bom frisar que, nos dois estudos de Salgueiro (2015; Salgueiro 2017) indicados nesta introdução, o teor severo do balanço crítico não se deixa reduzir a uma generalização apocalíptica, pois o que interessará primordialmente ao autor são as raras, mas eloquentes, exceções que ele observa no prêmio Portugal Telecom, e os inúmeros casos de resistência, aliando qualidade estética e indignação social, que ele saúda em seu livro de 2017. Assim, é importante tomar o alheamento e a desconfiança dos temas abertamente político-sociais como um traço predominante, mas longe de ser irrecusável, da produção poética das últimas décadas. (Salgueiro, 2017SALGUEIRO, Wilberth (2017). Poesia brasileira: violência e testemunho, humor e resistência. Vitória: Edufes., p. 62, grifos do original).

A linhagem interpretativa que surge como pano de fundo dessas reflexões remete a um debate crítico iniciado ainda nos anos 1980. Consagradas as grandes vozes canônicas do modernismo brasileiro, esgotado o ímpeto das vanguardas eclodidas nos anos 1950, com suas técnicas revolucionárias já diluídas em cacoetes formais, silenciadas as principais vozes da poesia política dos anos 1960, seja pela censura, pelo exílio ou pelo desencanto com os ideais que lhes davam sustentação, entrariam em cena novas gerações de poetas, para as quais a responsabilidade de pensar criticamente o país e contribuir para a transformação social soaria como um devaneio pueril ou o atalho perfeito para o fracasso estético.

Essa postura já havia sido identificada no “desleixo” da dita geração marginal, em célebre artigo de Iumna Simon e Vinícius Dantas (1987)SIMON, Iumna; DANTAS, Vinícius (1987). Poesia Ruim, sociedade pior. Remate de Males, n. 7, p. 95-108., e, após a redemocratização, se estabilizaria, com postura inversa a dos marginais, em circuitos acadêmicos e mercadológicos bem delimitados (Moriconi, 2006MORICONI, Ítalo (2006). Circuitos contemporâneos do literário (indicações de pesquisa). Gragoatá, Niterói, v. 11, n. 20, p. 147-163.). Tornam-se figuras de destaque neste circuito poetas notabilizados pela perícia técnica, a conjugação sofisticada entre o classicismo e os valores do alto modernismo, a depuração e adequação ao seu público leitor, composto basicamente de acadêmicos e outros poetas, mais exigente com o “rigor” dos versos do que com o “vigor” de um projeto artístico-cultural mais abrangente.

Iumna Simon2 2 Observa-se que o diagnóstico da situação analisada advém de diferentes perspectivas críticas, mesmo daquelas que veem como positivas, ou até libertárias, a ausência da temática social imediata em prol da experimentação formal e da abertura para a(s) subjetividade(s). Tal diferença também se nota nos autores aqui citados. Na abordagem de Salgueiro há um evidente interesse na “poesia marginal” dos anos 1970, com grande atenção ao humor, às marcas testemunhais da linguagem poética e uma noção positiva do engajamento literário. Simon, por sua vez, ancora suas ideias em uma tradição crítica dialética e trabalha com operadores analíticos caros ao pensamento marxista, valorizando noções como o nacional, a modernidade e os antagonismos socioeconômicos internalizados na forma literária. A “arte empenhada” defendida por Simon não se confunde com as vertentes mais conhecidas da poesia engajada. Na ótica da autora, tanto o voluntarismo didático-revolucionário dos poetas de oposição à ditadura quanto a aventura vanguardista mostraram-se incapazes de tocar a nervura do problema nacional no momento em que o capitalismo brasileiro se arvorou num autoritarismo ainda mais rígido. é provavelmente o nome mais identificado com essa objeção quase irrestrita aos rumos tomados pela lírica brasileira em tempos neoliberais. Em 1993, a crítica ao esteticismo descompromissado já era tecida com ironia em seus estudos:

a arte [contemporânea] já não precisa sequer se alçar a expressão nova das inquietudes subjetivas ou ser experimental no sentido vanguardista: basta que se alegue competente, que seja bem feita, que demonstre um conhecimento acadêmico da linguagem, “perícia” no uso dos recursos, que apresente variedade de técnicas e procedimentos de composição; enfim, basta que saiba revisitar, como se usa dizer hoje, obras e artistas modernos e de todos os tempos, e já terá cumprido seu papel e terá assegurado seu público (Simon, 1990SIMON, Iumna (1990). Esteticismo e participação: as vanguardas poéticas no contexto brasileiro (1954-1969). Novos Estudos Cebrap, n. 26, p. 120-140., p. 122).

Vinte e cinco anos depois, com verve ainda mais mordaz, ela reforça sua divergência com as linhas dominantes de nosso cenário poético, combatendo o uso “relutantemente crítico, ou acrítico, da tradição” como incorporação ecumênica de formas e tendência do passado, desligadas de seus contornos históricos específicos, numa “espécie de apoteose pluralista” (Simon, 2015SIMON, Iumna (2015). A retradicionalização frívola: o caso da poesia. Cerrados, Brasília, v. 24, n. 39, p. 212-224., p. 212). Haveria, assim, um retorno passivo a formas do passado, sem nelas repercutir os impasses do presente, culminando numa “retradicionalização frívola”, sintetizada na falta de vitalidade crítica e no “parasitismo do cânone” (Simon, 2015SIMON, Iumna (2015). A retradicionalização frívola: o caso da poesia. Cerrados, Brasília, v. 24, n. 39, p. 212-224., p. 213).

Paralelamente à especialização cada vez maior dos poetas, observamos também o ostracismo daqueles que alcançaram alguma popularidade nos anos 1960 e 1970 pelo caráter engajado de suas obras. Alguns desses autores reviram suas posições artísticas e conferiram outro rumo a seus escritos, com intervalos de publicação cada vez maiores, como é o caso de Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant’Anna, cada um à sua maneira; outros, por razões pessoais, distanciaram-se da própria poesia, como Alex Polari; e os poucos que mantiveram um vínculo aberto com uma dicção mais militante, ainda que ajustada aos tempos distópicos do pós-Guerra Fria, tornaram-se marginais, quase párias, no quadro geral da produção poética contemporânea, como um Thiago de Mello. Assim, se o debate sobre o anacronismo, tomado enquanto recurso sincrônico de reciclagem de formas do passado, demandou grande esforço intelectual na fixação e valoração da lírica contemporânea, há uma certeza — pressuposta, mas quase nunca desdobrada nessa discussão — de que o maior e menos tolerável dos anacronismos acabou sendo, para essas novas poéticas, o engajamento poético.

O CANTO PARTICIPANTE VOLTA À CENA?

Entretanto, alguma coisa mudou ou está mudando neste panorama ao longo dos últimos anos. As transformações sociais pelas quais passou o Brasil tiveram impacto evidente, mas ainda difícil de mensurar, no campo cultural. E a poesia produzida no país parece estar sendo bastante sensível à instabilidade política deste período.

O que entendemos corriqueiramente por “poesia contemporânea”, malgrado o maior ou menor alargamento cronológico que cada intérprete empresta à categoria, costuma ter como marco o período histórico em torno do AI-5, de 13 dezembro de 1968, que esvaziou de vez projetos coletivos que buscavam formas de resistir à ditadura militar. Tais vozes foram desmobilizadas pelo exílio, caladas pela censura e depois se voltaram para projetos individuais possíveis durante a transição lenta, gradual e incompleta para a democracia. A poesia contemporânea saudou, entre eufórica e desconfiada, a constituinte. Olhou com distanciamento as reformas neoliberais da era FHC e vislumbrou sem grandes ilusões o otimismo dos últimos anos do lulismo no poder, beneficiando-se sobretudo da expansão universitária e de uma razoável ampliação do fomento à área cultural. Não se deixou cooptar pelos triunfos da esquerda no poder, é verdade, nem se atordoou com as limitações da política de conciliação do governo federal. Enquanto o cinema nacional e a prosa de ficção, por exemplo, criavam um quadro complexo das conquistas sociais e contradições dos anos Lula, a poesia passeava por outros domínios, sem oferecer uma contribuição marcante para a reflexão sobre esse período de relativa prosperidade econômica e estabilidade política do país.

É lícito, no entanto, especular que alguma coisa se rompeu entre as Jornadas de Junho, a deposição de 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. A crise política, econômica e cultural trouxe desdobramentos que continuam a surpreender até os mais pessimistas. O cenário de terra arrasada e as incertezas quanto ao futuro parecem ter estimulado a emergência de poéticas mais combativas, dando contornos a uma inusitada efervescência de poesia política. Não só entre os temas de preferência de diversos poetas, mas na própria dinâmica de circulação do livro entre as comunidades leitoras, a politização do debate estético projeta-se como marca importante desse tempo. Segundo Tarso de Melo (2017)MELO, Tarso de (2017). Poéticas do político, políticas da poética. Blog da Companhia. Disponível em: https://www.blogdacompanhia.com.br/conteudos/visualizar/Poeticas-do-politico-politicas-da-poesia. Acesso em: 21 abr. 2020.
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Neste momento inflamado que vivemos, a impressão que tenho é de que o clima mudou radicalmente. Trate ou não de política, enfrente ou não as políticas do cotidiano, é nessa chave que todo poema será lido. Não apenas cada poema. Os livros, em seu conjunto, já são objeto de um primeiro debate de natureza política: qual o perfil da editora que lançou o livro? Ela é artesanal, comercial, independente? O catálogo da editora é machista, sexista, feminista, racista? Quem bancou o livro? O edital é do prefeito de direita? Tem a chancela do governo elitista? Está legitimando o golpe?

Além do avanço global da pauta (multi)culturalista, que é o principal foco do comentário de Melo (2017)MELO, Tarso de (2017). Poéticas do político, políticas da poética. Blog da Companhia. Disponível em: https://www.blogdacompanhia.com.br/conteudos/visualizar/Poeticas-do-politico-politicas-da-poesia. Acesso em: 21 abr. 2020.
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, podemos indicar a gradual polarização política do país — rearranjada atualmente, com o perdão do inevitável maniqueísmo, entre um fragmentado campo democrático-progressista-liberal e uma robusta coalização autoritária-fundamentalista-reacionária — que desvelou de forma muito escancarada que a “neutralidade” dos intelectuais corresponderia à conivência com a guinada obscurantista em curso.

O contexto sociopolítico tem cobrado uma tomada de posição dos escritores, seja pela preocupação genuína com uma ameaça autoritária, despertando o espírito humanista e cívico dos poetas, seja com relação ao projeto que o governo de extrema-direita legou para o campo cultural, marcado por um feroz ataque ao conhecimento e às artes, tanto no âmbito simbólico como no material, com supressão de fomento e políticas culturais, patrulhamento moral-religioso dos artistas, demonização de qualquer dissidência e estrangulamento das universidades e mídias alternativas. São fatos que ameaçam diretamente não só a liberdade, mas a própria subsistência de todos os que produzem poesia.

Além de Golpe: antologia-manifesto, que examinaremos a seguir, exemplificam este raciocínio diversas manifestações publicadas nos últimos anos. Entre as coletâneas que têm a poesia em destaque, embora não sejam todas exclusivamente antologias de poemas, destacam-se as obras Vinagre: antologia de poetas neobarracos — organizada por Fabiano Calixto e Pedro Tostes (2013)CALIXTO, Fabiano; TOSTES, Pedro (org.) (2013). Vinagre: antologia de poetas neobarracos. São Paulo: Edições V de vândalo., reunindo poemas sobre os atos de junho de 2013 e a forte repressão que recaiu sobre eles; Um girassol nos teus cabelos (2018) e Marielle, presente! (2018), em homenagem à vereadora e ativista Marielle Franco, vítima de brutal assassinato político; Lulalivre / Lulalivro — organizada por Marcelino Freire e Ademir Assunção (2018)FREIRE, Marcelino; ASSUNÇÃO, Ademir (org.) (2018). Lulalivre / Lulalivro. São Paulo: Perseu Abramo.; 50 poemas de revolta — em edição de maior apelo comercial, publicada pela Cia. das Letras com ampla presença de poetas contemporâneos; e, mais recentemente, publicada já em 2020, Antifascistas, organizada por Carol Proner e Leonardo Valente.

Com relação a poéticas individuais, vale citar o sempre notável Augusto de Campos que, com sua autoproclamada “antipoesia”, retrilhou uma nova “guinada participante”, com poemas-panfletos que tocam abertamente nas nervuras da crise nacional. Arnaldo Antunes alcançou grande circulação para o seu contundente vídeo-poema “Manifesto”, que faz questão de se apresentar dizendo “isso não é um poema” e expor sua visão da escalada autoritária no país. Poetas de grande relevo na produção contemporânea, e até então consagrados por uma dicção distante do canto empenhado, como Carlito Azevedo ou Alexei Bueno, publicaram nos últimos anos poemas de carga política explícita. A indignação de poetas consagrados também surge clara em depoimentos em redes sociais, entrevistas e conferências, confirmando a consternação geral diante do quadro político do país.

Em suma, o canto de revolta deixa de ser uma raridade nos livros de poesia e passa a ser presença cativa em obras mais recentes, mesmo, repita-se, entre diversos poetas rotulados outrora como “politicamente indiferentes”. Quando saímos dos nichos mais conceituados, o fenômeno revela-se com nitidez ainda maior: vozes que surgiram na cena literária a partir dos anos 2010 já trazem, muitas delas, o vínculo com a luta das mulheres, das periferias, da população negra, como marca frequente, abrindo novos canais de circulação e criação de poesia, como os saraus periféricos e os slams, tendo o ativismo como marca quase indissociável de suas performances.

A ANTOLOGIA DO GOLPE: VISÃO GERAL

Golpe: antologia-manifesto é uma coletânea organizada por Ana Rüsche, Carla Kinzo, Lilian Aquino e Stefanni Marion, publicada em livro impresso no ano de 2017. Em suas 366 páginas, a obra reúne dezenas de escritores e escritoras, entre artistas consagrados e nomes emergentes, a maioria já inserida no campo literário, mas também contribuições de intelectuais de outros ofícios, como jornalistas, cineastas, músicos e acadêmicos, que mantêm uma relação secundária com a criação literária. O objetivo principal do projeto, segundo um de seus organizadores, é constituir um espaço de “união dos artistas que lutam pela democracia contra esse governo ilegítimo [de Michel Temer]”, tarefa reconhecida como urgente, pois a mobilização seria “muito importante no momento que vivemos” (Marion, 2016 apud Suplemento Pernambuco, 2016SUPLEMENTO PERNAMBUCO. Trechos de “Golpe: antologia-manifesto”. Suplemento Pernambuco, 31 maio 2016. Disponível em: https://www.suplementopernambuco.com.br/in%C3%A9ditos/1615-trechos-de-golpe-antologia-manifesto.html. Acesso em: 20 abr. 2020.
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).

O ponto de convecção da obra é a deposição da presidenta Dilma Rousseff, formalizada em agosto de 2016. Como é de conhecimento público, a governante foi alijada do cargo após perder apoio popular em meio a uma grave crise econômica e ser alvo de um processo de impeachment juridicamente controverso. Entre os pontos mais sensíveis do julgamento, destacam-se:

  • a fragilidade da acusação de “pedaladas fiscais”, que acabou sendo a trilha legal para lhe imputar um crime de responsabilidade;

  • a pressão do partido derrotado nas eleições, que não reconheceu a derrota no pleito e, na figura de seu líder, Aécio Neves, bloqueou diversas medidas do governo para enfrentar a crise econômica em marcha3 3 Por sua vez, as medidas econômicas propostas pelo governo contrariavam o discurso mais à esquerda adotado durante a campanha eleitoral, contribuindo para o sentimento de frustração de parte de sua base de apoio e o aumento da rejeição à governanta. ;

  • a atuação partidária de segmentos do poder judiciário, sobretudo em torno da operação Lava Jato, que posteriormente teria seu principal símbolo, o juiz Sergio Moro, recrutado para o ministério de Jair Bolsonaro;

  • a atuação revanchista de Eduardo Cunha, presidente da Câmara Legislativa, que depois assumiria ter acatado o pedido de impeachment em retaliação ao governo petista;

  • o rompimento do vice-presidente Michel Temer com Rousseff, exposto de forma teatral numa carta e seguido de frequentes acenos ao mercado financeiro e à grande mídia, mostrando-se disponível para assumir o governo com um programa político oposto ao da governante eleita.

Independentemente do debate político, jurídico e acadêmico ainda aberto em torno da adequação do termo “golpe” para caracterizar esse processo, interessa aqui o fato de que, no âmbito vivo das relações discursivas, a expressão adquiriu um forte sentido identitário, aglutinando, como uma espécie de senha, aqueles que se opunham ao governo Temer. Assim, é fácil entender sua posição central no título-denúncia da antologia Golpe: antologia-manifesto, divulgada online logo na sequência da aprovação do pedido de impeachment pelo plenário da Câmara dos Deputados, em 15 de abril de 2016. Nesse momento o livro assumia um papel de resistência diante do processo em curso, denunciando o caráter ilegal do julgamento e a fragilidade anedótica — se não fosse trágica — dos argumentos dos deputados que apoiavam o afastamento — incluindo a apologia criminosa que certo deputado fez ao torturador Brilhante Ustra, responsável pela carnificina nos porões da ditadura, onde a presidenta julgada fora uma das vítimas.

Num segundo momento, já em fins de 2017, a versão impressa da obra é publicada, com a incorporação de textos inéditos e orelha escrita por Dilma Rousseff. O caráter de denúncia da ilegalidade do processo continua, mas o sentido principal da publicação desloca-se da resistência direta ao evento para se aproximar mais de uma espécie de memorial da derrota — com seus índices traumáticos amplificados —, a incorporação crítica dos primeiros atos de Temer na presidência e o diálogo implícito com um futuro que não poderia esquecer daquele evento. Ou seja, de uma ênfase primordialmente engajada, assume uma ênfase testemunhal.

A conjugação ostensiva entre a urgência da luta política e a responsabilidade da classe artística/intelectual perante um momento histórico considerado crucial determina algumas das principais características da obra: anseio de intervenção ativa e improtelável no debate político, valorização da atitude crítica, a despeito de qualquer filtro estético ou estilístico por parte dos organizadores/curadores, expectativa de demonstrar a força e a união da classe artística e seu engajamento contra a derrubada da presidenta eleita (e, por extensão, da própria normalidade democrática). Tais objetivos explicam a diversidade das vozes e a extensão do livro, como se a quantidade de nomes e a pluralidade dos estilos fosse tão ou até mais importante que o impacto estético de cada texto em si. Merece referência também a heterodoxia dos meios de divulgação do livro, em contraste com as formas de distribuição e consumo tradicionais de poesia e em coerência com o seu caráter público: o livro é disponibilizado para download gratuito via internet e os lançamentos da edição impressa constituíram-se como atos cívicos, com leitura catártica dos textos e a complementariedade entre a performance estética e o debate da conjuntura nacional, afastando qualquer anseio de autonomia do texto poético.

Chama atenção também o hibridismo da obra, que é, antes de qualquer outra coisa, um livro de poesia, como sugere o seu prefácio, mas em cujas páginas comparecem também prosa poética, crônicas, microcontos, fotografias, desenhos, gravuras e charges, expandindo, bem à maneira contemporânea, a performance poética para além da estrutura convencional do poema. Como traço formal de destaque, nota-se o diálogo com as redes sociais e o noticiário público, como a reciclagem de memes (sobretudo das imagens muito populares que aproximam Temer a um vampiro ou do manjado jogo de palavras que explora o nome do presidente e as variantes do verbo “temer”) e a desconstrução de notícias que circularam amplamente nesses espaços, como a reportagem de cunho sexista da revista Veja, que definia a primeira-dama Marcela Temer como “bela, recata e do lar” (Linhares, 2016LINHARES, Juliana (2016). Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. Revista Veja, 18 abr. 2016. Disponível em https://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar/. Acesso em: 16 abr. 2020.
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) e concluía enaltecendo Michel Temer como “um homem de sorte” por ter uma esposa como ela. A matéria circulou muito entre a militância de esquerda como uma espécie de emblema do projeto regressivo do novo governo para as mulheres — o alicerce machista do golpe — e é aludida em cinco poemas da antologia.

Vale destacar, também nesse sentido, a notável participação de mulheres na obra, com presença superior a outras antologias políticas do período. Comparada a Vinagre e Lulalivre / Lulalivro, a participação das mulheres é significativamente maior em Golpe: antologia-manifesto, única delas em que os organizadores não são todos homens. Na Vinagre contamos 111 homens e 38 mulheres e, na Lulalivre, 71 homens e 17 mulheres. Na Golpe, por sua vez, são 57 mulheres e 60 homens4 4 Este levantamento numérico serve apenas como parâmetro e foi feito, em grande medida, considerando-se os nomes artísticos dos/as poetas, vinculando-os ao gênero com o qual cada nome está, por convenção, associado. Em alguns casos mais conhecidos, pudemos corrigir as armadilhas que essa associação suscita e reconhecer a identidade de gênero das participantes (como no caso da Laerte, por exemplo), mas outros podem ter passado despercebidos por ignorância nossa. Com nomes “unissex” de poetas que não conhecíamos, fizemos uma rápida busca online e, pelas imagens disponíveis ou com base nos pronomes com os quais eram tratados/as, arriscamos, ciente dos riscos, incluir na divisão. Sobre alguns não encontramos dados minimamente confiáveis e optamos por deixá-los de fora dessa contagem que, portanto, é um pouco menor do que o número total de colaboradores das obras. . O número merece destaque, tendo em vista a tradição poética brasileira, em geral bastante hostil às poetas. Quando se trata de poesia política, a exclusão é dupla: a da poesia e a da própria política. Para se ter um parâmetro, nos três volumes da célebre Violão de Rua (1962–1963), talvez a mais emblemática antologia de poesia engajada no Brasil, há somente duas autoras (Jacinta Passos e Wania Filizola) contra os mais de 30 poetas que passaram pelas páginas da revista.

Parcialmente, essa ampla presença feminina em Golpe pode ser explicada pelo círculo de contato das três mulheres que organizam a obra e pela valorização que conferem ao papel da representatividade. Mas obviamente isso não explica tudo, bastando lembrar que na também essencial antologia 26 poetas hoje, organizada na década de 1970 por Heloísa Buarque de Hollanda, uma das maiores pensadoras do feminismo no país, também constam somente cinco mulheres, provando que a representatividade não tem a ver apenas com o critério e a sensibilidade de organizadores/as (embora esta seja fundamental), mas respondem diretamente às condições sociais do momento. A conquista de um espaço maior para a expressão poética feminina reverbera também na temática dos poemas e na presença de questões caras ao movimento feminista. Exemplos marcantes são os poemas “Pagu sem palanque”, de Mei Oliveira, e “Sou uma garota ousada…”, de Tula Pilar, que abordam respectivamente o caráter misógino das manifestações antiDilma e o papel das mulheres negras na resistência.

O PREFÁCIO

O texto da antologia que alcançou, até aqui, maior projeção talvez tenha sido o “Prefácio” assinado por Márcia Tiburi (2016)TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis.. Isso se deve ao seu caráter polêmico, mas também à posição privilegiada no volume: enquanto os demais textos aparecem em ordem alfabética, tomando como referência o primeiro nome de cada autor, o prefácio, é claro, abre o livro, sendo de visibilidade mais imediata. Assim, se no título de Golpe: antologia-manifesto temos a justaposição de “manifesto” e “antologia”, como se a obra amalgamasse esses dois níveis de modo irreversível, durante a leitura é possível afirmar que o “Prefácio” corresponde mais claramente ao manifesto, enquanto na sequência os textos vão se perfilando um a um, antologicamente.

A linguagem do texto de Tiburi (2016)TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis. incorpora, sem evidências de ironia, a dimensão performática do gênero manifesto, com sua retórica agressiva, hipérboles, anáforas, tom revolucionário e afirmações categóricas. De partida, a autora atualiza a questão fulcral do “escrever diante da catástrofe”, neste caso condensada no vocábulo “golpe”: “Não existe poesia depois do golpe. Não existe poesia atrás do golpe. Não há poesia que vá à frente do golpe. Não há poesia que nos proteja do golpe” (Tiburi, 2016TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis., p. 7).

Diante do golpe, ela diz, a poesia pode pouco, restando evidente o desconforto do poético perante a violência das forças políticas regressivas. O descompasso entre o processo histórico e a razão de ser do poema agudiza-se no decorrer do texto: “a poesia não tem a ver com o golpe”, “O golpe está onde a poesia não se deu”, “Não há poesia onde há golpe” (Tiburi, 2016TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis., p. 8). A existência da antologia estaria atravessada por este paradoxo: ela se constitui como resposta ativa a algo que não consegue tocar sem deixar de ser ela mesma. Apenas no reconhecimento dessa crise fundante é que a negatividade da História pode eclodir no engajamento possível do poema, tornando-o, enfim, “um texto que se lança como pedra contra as vidraças transparentes do golpe” (Tiburi, 2016TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis., p. 8).

Ao longo do manifesto, impulsionado formalmente pelo recurso da repetição, que lhe dá uma aura de obsessão traumática, a palavra “golpe” dilata os seus sentidos de maneira contínua. Rapidamente o seu sentido histórico concreto, no contexto brasileiro — isto é, a queda ilegítima de Dilma pelas forças políticas da direita —, é pulverizado numa dimensão simbólica inespecífica, quase mítica: “Não existe poética do golpe. […] nunca entenderemos o golpe. […] Sentimos o golpe sem saber onde ele se deu” (Tiburi, 2016TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis., p. 9). A impressão é que “golpe” deixa de ser um conceito para explicar um fenômeno histórico e político brasileiro e torna-se semanticamente o símbolo eufemístico de uma derrota maior, inominável, indistinta.

Restaria à poesia se insurgir, também violentamente, pois ela agora é (precisa ser) “o cuspe, a pedrada, o soco, o pontapé, o pneu em chamas” (Tiburi, 2016TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis., p. 9). Esse ímpeto radical, porém, logo se extravasa em um sentimento sublimado que, por fim, restitui de modo confuso sua historicidade: “A poesia é o fora do texto para onde o texto olha a abrir com as armas perigosas da palavra a passagem para a vida revolucionária” (Tiburi, 2016TIBURI, Márcia (2016). Prefácio. In: RÜSHE, Ana; KINZO, Carla; AQUINO, Lilian; PRATES, Lubi; MARION, Stefanni (org.). Golpe: antologia-manifesto. São Paulo: Punk Pôneis., p. 10).

Para um texto que começa, um tanto adornianamente, desconfiado do sentido da poesia como meio de compreensão da catástrofe vivida, o desfecho é deveras arrebatado e confere uma responsabilidade gigantesca para o poético. Sem aludir a nenhum poema da antologia e negando-se a proferir um rumo para as obras que a constituem, o prefácio de Márcia Tiburi acaba cravando uma linha de leitura que será desmentida por grande parte dos poemas que lhe sucedem. Veremos que o tom predominante nos poemas é mais pragmático e modesto que o da epifania política que encerra o texto de abertura. Comentando o “Prefácio”, Pádua Fernandes (2018)FERNANDES, Pádua (2018). Poesia e golpe no Brasil, 1964 e 2016. Revista Cão Celeste, Lisboa, n. 12, p. 101-114. também expressa incômodo diante de seus sentidos:

Da impotência do entendimento, dos golpes desferidos “contra nós”, chegamos à vida revolucionária, sem, realmente, mediação. Aparentemente, cria-se uma dicotomia entre o golpe, que não podemos conhecer, e essa vida revolucionária, a que chegaremos, talvez, mesmo sem grande entendimento. A poesia relaciona-se com a segunda, mas não com a primeira, à qual não tem acesso, tampouco à filosofia, e o texto encerra-se dessa forma, como se a revolução fosse mais concebível e viável do que o golpe, o que me parece completamente desmentido pelos fatos (Fernandes, 2018FERNANDES, Pádua (2018). Poesia e golpe no Brasil, 1964 e 2016. Revista Cão Celeste, Lisboa, n. 12, p. 101-114., p. 107).

Ao mistificar o golpe com a aura do incognoscível, Tiburi descarta a força da poesia como meio para a compreensão da crise nacional, cujo episódio de 2016 foi uma etapa, não a primeira e não a última. Incapaz de contribuir para a formalização artística do impasse histórico, à poesia caberia a postura do combate até as últimas consequências contra essa instância amorfa, totalizante, fantasmagórica que é o “golpe”, não mais um processo, um evento, mas uma entidade. Se o interesse genuíno da coletânea é contribuir para a resistência das forças democráticas em um contexto de avanço conservador, o Prefácio parece dificultar a tarefa ao cobrir o inimigo com o véu do intangível, evitando nomeá-lo.

OS POEMAS

O primeiro poema da antologia, chamado “todos sabem” (p. 12-16), de Adriano de Almeida, já contrasta brutalmente com a verve altiva e belicosa do Prefácio. Nele o sujeito lírico acompanha os gestos cotidianos e indiferentes dos transeuntes após o golpe: “as pessoas/ como todos os dias/ jantam/ guardam a louça, tomam café/ fumam”. O poema utiliza uma longa enumeração para dar a ver a manutenção, quase mecânica, desses atos triviais. O curso retilíneo das ações banais é quebrado somente mais adiante, com o peso de uma adversativa forte que aponta para as entranhas daquela falsa sensação de normalidade:

mas

maquinaram um golpe

e o país

vive

neste exato momento

em estado de exceção

Sem nenhum sinal de heroísmo, o poeta tematiza a indiferença do “povo” pelos acontecimentos nacionais. Tudo é cercado da mais miúda cotidianidade: as violências são naturalizadas (contra mulheres, gays, negros, indígenas e imigrantes) e a desigualdade assombrosa surge apenas como um dado a mais da paisagem, que choca justamente por sua aparência trivial. A letargia da derrota sem compensação conduz o poema para o domínio da melancolia, quando a indagação “a infâmia abateu o país?” traz como resposta somente a ambígua constatação de que “estamos vivos, inabaláveis, inamovíveis na firme rotina”. A perplexidade do sujeito lírico diante da ausência dos rastros de resistência é replicada na solidariedade com os grupos marginalizados. Para estes, o poema diz em seu desfecho: “não há golpe/ nunca houve/ é só a vontade do mais forte”. As marcas do cotidiano pós-traumático, envolto em luto, e o sentimento difuso entre a paralisia e o desejo de resistência são presença forte na coletânea, com destaque também para “Domingo”, de Heitor Ferraz, e “Noturno do golpe”, de Marcílio Godoi.

Analisando o conjunto dos poemas da antologia, podemos dizer que, com relação ao tema geral “golpe de 2016”, há predomínio de textos que abordam o acontecimento como elemento mobilizador e assunto central do exercício poético. Ou seja, a maioria dá ênfase ao evento em si, caracterizando com clareza seu contexto histórico, abordando de modo literal alguma/s de suas figuras principais (Dilma, Lula, Temer, Aécio Neves, Eduardo Cunha, Sérgio Moro) ou episódios da vida nacional nitidamente a ele interligados.

Todavia, temos um número também considerável de textos que não explicitam o golpe de 2016, embora mantenham um vínculo claro com ele: entrariam aqui os poemas que falam genericamente sobre a democracia e sua importância, sobre a atuação predatória da elites nacionais ou das mídias hegemônicas ao longo da formação histórica brasileira, sobre ecos da ditadura militar (1964–1985), sem se referirem diretamente a acontecimentos do presente, mas estabelecendo contrapontos significativos com ele.

Por fim, há uma proporção minoritária, mas não escassa, de poemas que não fazem alusão, nem sequer indireta, ao golpe em si. Trata-se de poemas de cunho memorialístico, como o belíssimo “Os mortos vivos”, de Luiz Ruffato, que pincela, num denso quadro afetivo-familiar, as contradições sociais do país, ou os abundantes casos de denúncia da violência contra as mulheres, contra os povos indígenas, a tortura nos presídios, enfim, de problemas sociais num espectro mais amplo. Presume-se que a justificativa para a presença desses poemas na antologia esteja ligada à ideia de que o golpe estaria destinado a ampliar esse tipo de crime — posição muito frequente sobretudo nos textos mais alinhados com a narrativa adotada pelas lideranças políticas e quadros intelectuais do Partido dos Trabalhadores.

É temerário abordar, no exercício panorâmico que propomos neste ensaio, a qualidade estética dos poemas da antologia. Verificam-se, contudo, alguns textos de alta densidade artística, com evidente depuração formal. Aceitando o risco da opinião pessoal não embasada pela análise, apontamos o já mencionado poema de Ruffato, os impagáveis sonetos de Manoel Herzog, o denso poema de Diego Vinhas e o inventivo poema de Donny Correia como exemplos de textos que se sobressaem qualitativamente na antologia.

Além deles, há inúmeros poemas de ocasião, bem realizados, com achados instigantes ou surpreendentes. Eles convivem, como é de se esperar em obra tão monumental, com poemas de trato estético mais desleixado, nos quais o desejo de intervenção urgente é marcado por concessões estéticas discutíveis, que acabam restringido sua formulação artística com clichês e soluções simplificadoras que não fazem jus nem à complexidade da linguagem poética (mesmo a que almeja simplicidade e comunicação) nem à do momento histórico abordado. Entram aqui os desabafos retóricos quebrados em versos e os textos que prolongam de modo automatizado o discurso oficial do partido apeado do poder.

Com relação ao ideário político, observamos que o posicionamento individual de cada participante da antologia é exposto, com maior ou menor clareza, tanto nos poemas como na nota de apresentação dos autores, utilizados pela maioria deles de modo a também assumir uma dimensão performática. Isto é, apesar da identidade militante em comum, há pluralidade política, com ausência de uma diretriz ideológica norteadora.

Se o ponto em comum é o inconformismo com a queda de Rousseff e a repulsa ao governo Temer, essa aliança não elimina dissensos internos. Assim, como já foi dito, há poemas cujo conteúdo literário se aproxima quase didaticamente da narrativa do Partido dos Trabalhadores, como em “Sem chão…”, de Beatriz Seigner, “verdamarelista ou a voz do comprimido”, de Caco Pontes, e “Fui apunhalada…”, de Mel Duarte. Também temos poemas que procuram separar a repulsa ao golpe da indignação anterior com o que o governo petista fez ou não fez durante os 13 anos em que esteve na presidência. Em “Ocupar”, de Leonardo Mathias, o tom anarquista é evidente, e as palavras de sua biografia, “Leonardo Mathias não apoia o golpe, é a favor da diminuição da área de ação do estado sobre a vida das pessoas”, diferem claramente do discurso desenvolvimentista e social-democrata predominante entre os autores. Em outro caso, o ótimo André Vallias explicita, em sua nota biográfica, que “é contra qualquer governo que construa Belo Monte”, fazendo uma crítica clara ao governo Dilma.

Por último, no âmbito da construção formal dos poemas, é fácil perceber a convivência de formas artísticas muito variadas, coincidindo com outra marca bem mapeada na produção contemporânea. Parece predominar, mas não de modo absoluto, a tradição do alto modernismo brasileiro, com o verso livre e as marcas do cotidiano expostas em linguagem coloquial, com ecos da lírica social de Drummond, principalmente em “Ossos partidos”, de Francesca Cricelli, e “O Dezesseis”, de Frederico Barbosa. Também está presente o engajamento stricto sensu, da poesia retórica, nerudiana, e da poesia de protesto, de dicção popular, dos anos 1960, como em “a força das ruas”, de Claudinei Vieira, e “Vou comer seu coração”, de Dan Nakagawa. Marcante também é a dicção despojada da geração marginal, com seu gosto pelo humor e o diálogo irônico, que aparece em poemas de autores já consagrados do movimento, como Nicolas Behr, mas também em jovens que reatualizam essa linguagem, como em “Tô morrendo de vergonha do Brasil”, de Anita Deak, ou que a visitam, como em “Curso avançado de filosofia política…”, de Denise Bottmann. A poesia visual está bem representada por André Vallias, Bruna Beber e Jr. Bellé — este com o poema mais próximo dos preceitos concretistas — e as novas linguagens urbanas, influenciadas pelo rap e pelo slam, marcam presença em poemas de Luiza Romão, Tula Pilar e vários outros.

Os exercícios classicizantes, muito em voga na poesia contemporânea, praticamente inexistem na antologia, o que permite supor a persistência de uma cisão entre as formas fixas eruditas (as populares até comparecem bem na obra, como no cordel de Gregório Duvivier) e a poesia de intervenção. O único soneto presente na antologia é, na verdade, uma série de Manuel Herzog, intitulada “Sonetos de Michel”. A forma soneto é escolhida como ironia ao presidente e seu conhecido pedantismo, mas mostra-se extremamente fecunda para tocar, além da simples paródia, na crítica pretendida pelo autor. Os sonetos dão voz ao próprio Temer e utilizam a perícia da métrica perfeita e das rimas engenhosas em contraste com um vocabulário que mescla o esnobismo da pompa artificial e de gosto duvidoso do presidente (“Achar-se-ia muito aleivosia”) com a linguagem chula de vigarista (“Eu faço de vingança, minha filha:/ Tomanucu tu e teu bolsa família”). Com ecos de Gregório de Matos e Glauco Matoso, o poema é de sátira afiada, alternando a altivez das referências literárias ao grotesco da trama política encabeçada pela voz poética.

ALGUMAS CONCLUSÕES PROVISÓRIAS

Escapa à competência deste artigo demarcar com precisão os contornos dessa politização da poesia contemporânea brasileira, bem como especular se ela de fato inaugura um novo momento de nossa poesia ou se será vista em breve, conforme se reconstitui a normalidade democrática do país, como um inofensivo voluntarismo de ocasião. Os acontecimentos da política nacional e mundial têm sido suficientemente caóticos para evitar qualquer futurologia — desaconselhável até mesmo em períodos menos insanos.

Por outro lado, a agitação política vivenciada no mundo, talvez desde a crise do sistema financeiro intensificada a partir de 2008 e amplificada de modo trágico (ou grotesco) no Brasil dos últimos anos, parece deixar evidente que a torre de marfim tem se tornado um espaço incômodo e perturbador para muitos poetas. Golpe: antologia-manifesto é um exemplo dessa agitação. Ao colocar em seu centro um processo recente de nossa fragilizada democracia, a obra esboça caminhos para a criação poética, em vários sentidos: o do canto engajado, desafiador e convocatório; do testemunho das derrotas de uma geração; da elegia de um mundo derruído em meio a sua custosa construção; ou da sátira que provoca e ri do horror e morbidez dos algozes. Sem abandonar de vez a lição de que poesia se faz com palavras, os poetas reviram Mallarmé do avesso, como no poema de Ana Rüsche, “te digo: um golpe não abolirá o acaso”, pois “se o céu cai/ a gente fica”.

Engajada, testemunhal, elegíaca, às vezes engraçada e provocativa, a poesia dessa coletânea tem em comum, além da repulsa a um evento político de drásticas proporções, o anseio de abertura da linguagem poética, tomada como algo transitivo, capaz de exercer um papel, ainda que modesto, no debate público. Ela tenta intervir no presente, mas ao mesmo tempo constrói uma memória cultural que, por meio do registro artístico, produz rastros para a compreensão e ação futuras. Em todo caso, acreditamos que a poesia brasileira se encontra outra vez às voltas com a “praça de convites”, espaço difícil, onde parece sempre vocacionada a se perder e a se encontrar.

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    É bom frisar que, nos dois estudos de Salgueiro (2015SALGUEIRO, Wilberth (2015). O que testemunha a poesia brasileira contemporânea? Considerações a partir de obras indicadas ao Prêmio Portugal Telecom (2003-2014). In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC, 14., 2015. Anais […]. Disponível em: http://www.abralic.org.br/anais/arquivos/2015_1456109501.pdf. Acesso em: 13 abr. 2020.
    http://www.abralic.org.br/anais/arquivos...
    ; Salgueiro 2017SALGUEIRO, Wilberth (2017). Poesia brasileira: violência e testemunho, humor e resistência. Vitória: Edufes.) indicados nesta introdução, o teor severo do balanço crítico não se deixa reduzir a uma generalização apocalíptica, pois o que interessará primordialmente ao autor são as raras, mas eloquentes, exceções que ele observa no prêmio Portugal Telecom, e os inúmeros casos de resistência, aliando qualidade estética e indignação social, que ele saúda em seu livro de 2017. Assim, é importante tomar o alheamento e a desconfiança dos temas abertamente político-sociais como um traço predominante, mas longe de ser irrecusável, da produção poética das últimas décadas.
  • 2
    Observa-se que o diagnóstico da situação analisada advém de diferentes perspectivas críticas, mesmo daquelas que veem como positivas, ou até libertárias, a ausência da temática social imediata em prol da experimentação formal e da abertura para a(s) subjetividade(s). Tal diferença também se nota nos autores aqui citados. Na abordagem de Salgueiro há um evidente interesse na “poesia marginal” dos anos 1970, com grande atenção ao humor, às marcas testemunhais da linguagem poética e uma noção positiva do engajamento literário. Simon, por sua vez, ancora suas ideias em uma tradição crítica dialética e trabalha com operadores analíticos caros ao pensamento marxista, valorizando noções como o nacional, a modernidade e os antagonismos socioeconômicos internalizados na forma literária. A “arte empenhada” defendida por Simon não se confunde com as vertentes mais conhecidas da poesia engajada. Na ótica da autora, tanto o voluntarismo didático-revolucionário dos poetas de oposição à ditadura quanto a aventura vanguardista mostraram-se incapazes de tocar a nervura do problema nacional no momento em que o capitalismo brasileiro se arvorou num autoritarismo ainda mais rígido.
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    Por sua vez, as medidas econômicas propostas pelo governo contrariavam o discurso mais à esquerda adotado durante a campanha eleitoral, contribuindo para o sentimento de frustração de parte de sua base de apoio e o aumento da rejeição à governanta.
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    Este levantamento numérico serve apenas como parâmetro e foi feito, em grande medida, considerando-se os nomes artísticos dos/as poetas, vinculando-os ao gênero com o qual cada nome está, por convenção, associado. Em alguns casos mais conhecidos, pudemos corrigir as armadilhas que essa associação suscita e reconhecer a identidade de gênero das participantes (como no caso da Laerte, por exemplo), mas outros podem ter passado despercebidos por ignorância nossa. Com nomes “unissex” de poetas que não conhecíamos, fizemos uma rápida busca online e, pelas imagens disponíveis ou com base nos pronomes com os quais eram tratados/as, arriscamos, ciente dos riscos, incluir na divisão. Sobre alguns não encontramos dados minimamente confiáveis e optamos por deixá-los de fora dessa contagem que, portanto, é um pouco menor do que o número total de colaboradores das obras.

Referências

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Editor: Paulo César Thomaz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2022
  • Aceito
    24 Out 2023
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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