Acessibilidade / Reportar erro

Há relação entre uso do celular com dor cervical e incapacidade nas habilidades das atividades diárias em adultos jovens?

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Alguns autores correlacionam com dor cervical posturas de cabeça e pescoço durante o uso do celular consideradas incorretas. Objetivou-se, portanto, verificar a associação do uso constante de celular com desconforto na região cervical e repercussão nas atividades diárias em estudantes universitários.

MÉTODOS:

Estudo transversal realizado entre julho de 2019 e março de 2020 através da aplicação dos questionários Smartphone Addiction Inventory Instrument, Neck Disability Index e Young Spine Questionnaire, além de um questionário contendo dados demográficos e socioeconômicos. Foi avaliado, ainda, o estado nutricional dos participantes e mensurado o grau de anteriorização da cabeça em relação ao processo espinhoso da sétima vértebra cervical.

RESULTADOS:

A média etária dos participantes foi 18,47±0,65 anos. Houve associação estatística significativa entre o uso de celular com dor cervical. Os adolescentes com tempo prolongado de uso do celular foram os que apresentaram maior frequência de consulta médica por dor na região cervical. Não houve associação entre uso de celular e ausência na escola ou não praticar esporte devido a dor na coluna, o estado nutricional, o ângulo do pescoço e o fato de pai ou mãe ter dor na coluna. Os adolescentes com dependência de celular foram os que tiveram maior frequência de incapacidade leve a moderada nas habilidades das atividades diárias.

CONCLUSÃO:

A dependência do celular apresentou, neste estudo, uma relação com dores na coluna cervical e incapacidade nas habilidades das atividades diárias.

Descritores:
Adolescente; Dor cervical; Telefone celular; Tempo de tela

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Some authors correlate incorrect head and neck postures during cell phone use with cervical pain. The objective, therefore, is to correlate the constant use of cell phones with discomfort in the cervical region and the repercussion on daily activities in college students.

METHODS:

Cross-sectional study carried out between July 2019 and March 2020 using the questionnaires “Smartphone Addiction Inventory Instrument”, “Neck Disability Index” and “Young Spine Questionnaire”, and also a questionnaire about demographic and socioeconomic data. The nutritional status of the participants was also evaluated and the degree of anteriorization of the head was measured in relation to the spinous process of the seventh cervical.

RESULTS:

The average age of the participants was 18.47±0.65 years. There was a significant statistical association between Smartphone dependence and cervical pain, and adolescents with Smartphone use dependency had the highest percentages of doctor visits for cervical pain. There was no association between smartphone dependence and absence from school or not playing sports due to pain in the spine; nutritional status; the angle of the neck and the father or mother having pain in the spine. Students with smartphone use dependency had the highest percentages of mild to moderate disability in the skills of daily activities.

CONCLUSION:

Dependence on cell phone use, in this study, is related to cervical pain and disability in the skills of daily activities.

Keywords:
Adolescent; Cell phone; Neck pain; Screen time

INTRODUÇÃO

Atualmente, deparar-se com uma pessoa, qualquer que seja sua idade, fazendo uso do celular é uma situação muito comum11 Damasceno GM, Ferreira AS, Nogueira LAC, Reis FJJ, Andrade ICS, Meziat-Filho N. Text neck and neck pain in 18-21-year-old young adults. Eur Spine J. 2018;27(6):1249-54.. Durante o seu uso, pode-se observar que geralmente o aparelho é utilizado na altura da cintura, levando a pessoa a curvar a cabeça para baixo, de modo que haja um desalinhamento constante do eixo de sustentação da cabeça e uma sobrecarga na coluna cervical22 Cuéllar JM, Lanman TH. “Text neck”: an epidemic of the modern era of cell phones? Spine J. 2017;17(6):901-2.. Essa condição levou ao surgimento dos termos “Text Neck” e “Turtle Neck Posture”, os quais significam, respectivamente, “Pescoço de Texto” e “Postura de Pescoço de Tartaruga” e remetem ao efeito que a posição prolongada e repetitiva de flexão do pescoço causa à coluna cervical enquanto a pessoa utiliza aparelhos eletrônicos como celulares, computadores e tablets22 Cuéllar JM, Lanman TH. “Text neck”: an epidemic of the modern era of cell phones? Spine J. 2017;17(6):901-2..

Ademais, o uso dos aparelhos celulares requer do usuário um olhar fixo para baixo associado à extensão dos braços para frente, a fim de possibilitar a leitura da tela. Isso faz com que a cabeça se mova involuntariamente para a frente para manter o equilíbrio, causando excessivo curvamento anterior das vértebras cervicais inferiores, bem como excessivo curvamento posterior das vértebras torácicas superiores, de forma a pressionar a coluna cervical e os músculos da região cervical33 Neupane S, Ali U, Matheus A. Text neck syndrome – systematic review. Imperial J Interdiscip Res. 2017(7):141-8.. Alguns autores correlacionam essa postura incorreta de cabeça e pescoço com dor musculoesquelética crônica44 AlAbdulwahab SS, Kachanathu SJ, AlMotairi MS. Smartphone use addiction can cause neck disability. Musculoskeletal Care. 2017;15(1):10-2.,55 Xie Y F, Szeto G, Madeleine P, Tsang S. Spinal kinematics during smartphone texting - A comparison between young adults with and without chronic neck-shoulder pain. Appl Ergon. 2018;68:160-8.. Outros estudos mostram, ainda, que a prevalência de dor cervical no final da juventude é quase a mesma que a encontrada em adultos e tão alta quanto a prevalência de dor lombar66 Lau K T, Cheung KY, Chan KB, Lo KY, Chiu TT. Relationships between sagittal postures of thoracic and cervical spine presence of neck pain, neck pain severity and disability. Man Ther. 2010;15(5):457-62.,77 Fejer R, Kyvik KO, Hartvigsen J. The prevalence of neck pain in the world population: a systematic critical review of the literature. Eur Spine J. 2016;15(6):834-48.,88 Hoy D, March L, Woolf A, Blyth F, Brooks P, Smith E, et al. The global burden of neck pain: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis. 2014;73(7):1309-15..

Nos últimos anos, a população em geral, sobretudo os jovens, têm usado o celular de modo vicioso, potencialmente prejudicial à saúde e frequentemente associado ao aumento da prevalência de dores na região cervical77 Fejer R, Kyvik KO, Hartvigsen J. The prevalence of neck pain in the world population: a systematic critical review of the literature. Eur Spine J. 2016;15(6):834-48.,99 Meziat Filho N, Azevedo e Silva G, Coutinho ES, Mendonça R, Santos V. Association between home posture habits and neck pain in High School adolescents. J Back Musculoskellet Rehabil. 2017;30(3):467-75.. Porém, a literatura atual possui informações heterogêneas a respeito do tema11 Damasceno GM, Ferreira AS, Nogueira LAC, Reis FJJ, Andrade ICS, Meziat-Filho N. Text neck and neck pain in 18-21-year-old young adults. Eur Spine J. 2018;27(6):1249-54.,1010 Correia IM, Ferreira AS, Fernandez J, Reis FJ, Nogueira LAC, Meziat-Filho N. Association Between Text Neck and Neck Pain in Adults. Spine (Phila Pa 1976). 2021;46(9):571-8., de forma que a conclusão de que a postura incorreta resulta em dores na região cervical mantém-se incerta e evidencia a necessidade de novos estudos para melhor conhecimento sobre o assunto.

Devido ao crescente número de usuários de smartphones, principalmente entre os jovens que estão em fase do estirão do crescimento, associado à escassa literatura atual sobre este assunto, faz-se necessário estudo que avalie repercussões ocasionadas pelo uso de celulares sobre a postura e dores na região cervical. Com isso, o objetivo deste estudo foi verificar a associação do uso constante de celular com o desconforto na região cervical e com repercussões nas atividades diárias entre jovens universitários.

MÉTODOS

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro Universitário Lusíada (CAAE: 14122919.6.0000.5436). Após aprovação, os universitários do primeiro ano do ensino superior foram convidados a participar do estudo. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi apresentado e, após aprovação, foi iniciada a aplicação dos questionários e as medidas antropométricas.

A STROBE Guideline (Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology) foi utilizada para guiar a condução do estudo e a preparação do manuscrito1111 Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9..

Trata-se de um estudo observacional transversal realizado entre julho de 2019 e março de 2020. Foram convidados para participar do estudo universitários do Centro Universitário Lusíada da cidade de Santos, S P.

Foram incluídos na pesquisa estudantes universitários na faixa etária entre 18 e 20 anos incompletos, devidamente matriculados no primeiro ano dos cursos de Medicina, Fisioterapia e Enfermagem. Tais cursos foram inicialmente selecionados, dentre os nove cursos de ensino superior ofertados pela referida instituição de ensino, por serem os três cursos com maior número de alunos na faixa etária de interesse estabelecida nos critérios de inclusão. Os cursos supracitados continham um total de 162 alunos na faixa etária estudada. Desse total, 26 alunos se recusaram a participar da pesquisa, resultando em uma amostra de 136 estudantes participantes pré-selecionados.

Todos os alunos com interesse de participar e que preenchiam os critérios de inclusão foram encaminhados para uma sala ofertada pela universidade exclusivamente para a coleta dos dados. Nesse momento, foram aplicados os critérios de exclusão: estudantes universitários portadores de problemas na coluna previamente diagnosticados (por exemplo, escoliose e lordose). Nenhum dos 136 alunos pré-selecionados apresentou critérios de exclusão, de modo que a amostra final da pesquisa totalizou 136 participantes.

Após a assinatura do TCLE, deu-se início a coleta dos dados. As variáveis medidas neste estudo foram: dependência de estudantes universitários quanto ao uso de smartphones, incapacidade e dor na região cervical, ângulo de anteriorização da cabeça e índice de massa corporal.

A coleta dos dados foi realizada por meio da aplicação dos questionários Smartphone Addiction Inventory (SPAI), Neck Disability Index (NDI) e Young Spine Questionnaire (YSQ). Além disso, obtiveram-se medidas antropométricas (peso, altura e índice de massa corporal - IMC) e mensuração da anteriorização da cabeça dos alunos participantes.

O SPAI, desenvolvido para avaliar a dependência de estudantes universitários de Taiwan quanto ao uso de smartphones, é composto por 26 itens que inferem, de forma validada, sobre cinco fatores: tempo gasto, compulsividade, interferência nas atividades diárias, fissura e interferência no sono. A versão brasileira do SPAI (SPAI-BR) foi validada e é confiável para detecção da dependência de smartphones nos estudantes universitários brasileiros com idade entre 18 e 35 anos1212 Lin YH, Lin YC, Lee YH, Lin PH, Lin SH, Chang LR, et al. Time distortion associated with smartphone addiction: identifying smartphone addiction via a mobile application (App). J Psychiatr Res. 2015;65:139-45.. Baseando-se nos valores de sensibilidade (79,05%), especificidade (75,66%), valor preditivo positivo (64,29%), valor preditivo negativo (86,70%) e acurácia (76,87%), estabeleceu-se a presença de nove respostas positivas ou mais como ponto de corte (cut off) para determinação de dependência1313 Kawamura T. Interpretação de um teste sob a visão epidemiológica: eficiência de um teste. Arq Bras Cardiol. 2002;79(4):437-41..

Em seguida, foi aplicado o NDI, criado para dar informações sobre como a dor na região cervical tem afetado a habilidade de execução das atividades diárias1414 Vernon H, Mior S. The Neck Disability Index: A study of reliability and validity. J Manipulative Physiol Ther. 1991;14(7):409-15.. Ele é composto por 10 itens, sendo quatro relacionados a sintomas subjetivos (intensidade da dor, cefaleia, concentração e sono), quatro relacionados a atividades diárias (levantar coisas, trabalho, dirigir automóvel e diversão) e dois referentes a cuidados pessoais e leitura. Cada um dos itens é pontuado de zero a cinco pontos1414 Vernon H, Mior S. The Neck Disability Index: A study of reliability and validity. J Manipulative Physiol Ther. 1991;14(7):409-15.. Classificou-se a incapacidade em: ausente (pontuação total entre zero e 4 pontos); leve (pontuação total entre 5 e 14 pontos); moderada (pontuação total entre 15 e 24 pontos); grave (pontuação total entre 25 e 34 pontos); e completa (pontuação total acima de 34 pontos)1515 Falavigna A, Teles AR, Braga GL, Barazzeti DO, Lazzaretti L, Tregnago AC. Instrumento de avaliação clínica e funcional em cirurgia da coluna vertebral. Coluna/Columna. 2011;10(1):62-7..

A avaliação da dor na região cervical foi realizada com um mapa corporal e complementada com as seguintes perguntas baseadas no YSQ1515 Falavigna A, Teles AR, Braga GL, Barazzeti DO, Lazzaretti L, Tregnago AC. Instrumento de avaliação clínica e funcional em cirurgia da coluna vertebral. Coluna/Columna. 2011;10(1):62-7.: “Você teve dor no pescoço na semana passada?” (As opções de respostas foram “sim” ou “não”); “Com que frequência você teve dor no pescoço?” (As opções de respostas foram: “muitas vezes”, “frequentemente”, “de vez em quando”, “raramente” ou “nunca”). Para análise bivariada, as variáveis foram dicotomizadas em: muitas vezes, frequentemente, de vez em quando versus raramente ou nunca.

O YSQ contém perguntas que avaliam a dor na coluna e suas consequências. Os itens foram testados quanto à compreensão do conteúdo e concordância entre os escores dos questionários e os achados das entrevistas entre os entrevistados-alvo. Esses resultados preliminares sugerem que o YSQ é factível, tem validade de conteúdo e é um questionário bem compreendido para ser utilizado em estudos de crianças de 9 a 11 anos1616 Lauridsen HH, Hestbaek L. Development of the young spine questionnaire. BMC Musculoskelet Disord. 2013;14:185..

Foram coletadas medidas antropométricas de peso e estatura, visando o cálculo do IMC para idade, seguindo os passos da Organização Mundial de Saúde1717 Agência Nacional de Saúde Suplementar. Manual de Diretrizes para o enfrentamento da Obesidade na Saúde Suplementar Brasileira. Rio de Janeiro, 2017.. Para mensurar a anteriorização da cabeça em relação ao processo espinhoso da sétima vértebra cervical (C7) ACC7 D/E, foi considerado o ângulo formado pelo cruzamento de duas linhas (linha 1: linha traçada entre o meato acústico externo direito e o processo espinhoso de C7; linha 2: linha horizontal perpendicular ao fio de prumo e passa pelo processo espinhoso de C7). A medida descrita indica o grau de anteriorização da cabeça em relação à C71818 Penha PJ, João SMA, Casarotto RA, Amino CJ, Penteado DC. Postural assessmentof girls between 7 and 10 years of age. Clinics. 2005;60(1):9-16.,1919 Penha PJ, Baldini M, João SMA. Spinal Postural alignment variance according to sex and age in 7- and 8-year- old children. J Manipulative Physiol Ther. 2009;32(2):154-9.. Essa mensuração foi realizada por dois avaliadores que solicitaram ao participante da pesquisa que digitasse uma mensagem em seu celular. Na discordância dos valores dos ângulos entre os avaliadores, um terceiro avaliador refez a análise da medida.

Análise estatística

Foram utilizados os seguintes testes para as análises: Teste X2 de Mantel-Haenszel; testes Exato de Fisher e Qui-quadrado de tendência. A análise da existência de relacionamento linear entre as variáveis foi realizada pelo Teste X2 de Quadrado de Mantel-Haenszel, enquanto as análises bivariadas foram avaliadas pelo teste exato de Fisher (casos em que o tamanho das amostras era pequeno) e pelo teste Qui-Quadrado de tendência (casos em que as variáveis estudadas eram categóricas ordinais). Contribuíram nessa análise 136 estudantes, que apresentavam dados completos. O nível de significância adotado para os resultados foi de 5%. O programa Epi Info - versão 6 (novembro de 1996) foi utilizado para a realização da análise dos dados.

RESULTADOS

A média de idade dos participantes foi de 18,47 anos com um desvio padrão de 0,65. A tabela 1 mostra que não houve associação estatisticamente significativa entre a dependência de uso de smartphone com cor, sexo ou trabalho remunerado.

Tabela 1
Relação entre dependência do uso de celular com aspectos demográficos e trabalho remunerado

A tabela 2 mostra associação estatisticamente significativa entre dependência de uso de smartphone com dor na coluna cervical. Os estudantes com dependência de uso de celular foram os que tiveram maior frequência de consulta médica por dor na coluna cervical. Não houve associação entre dependência de uso de smartphone com ausência na escola ou falta de prática de esporte por dor na coluna, como também não houve associação desta dependência com dados antropométricos e ângulo da região cervical. A dependência de smartphone não se associou, ainda, com a presença de dores na coluna entre pais e mães. Por fim, os estudantes com essa dependência foram os que tiveram maior frequência de incapacidade leve a moderada nas habilidades das atividades diárias.

Tabela 2
Relação entre a dependência do uso do celular com dores na coluna e incapacidade nas habilidades das atividades diárias

DISCUSSÃO

A dependência do uso do celular vem sendo associada à dor na coluna, sobretudo na região cervical, em virtude da sua flexão prolongada ou repetitiva durante o uso desse dispositivo. A dor nas regiões cervical, dorsal e lombar da coluna tem sido apontada como causa de incapacidade para execução de atividades diárias dos indivíduos nesses últimos anos2020 Vos T, Barber RM, Bell B, Bertozzi-Villa A, Biryukov S, Bolliger I, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and Years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(9995):743-800.. Há evidências de que os jovens que relatam dores persistentes apresentam maior risco de desenvolver dores crônicas na vida adulta, evidenciando a importância de detectá-la precocemente2121 Jones GT, Silman AJ, Power C, Macfarlane GJ. Are common symptoms in childhood associated with chronic widespread body pain in adulthood? Results from the 1958 British Birth Cohort Study. Arthritis Rheum. 2007;56(5):1669-75..

Neste estudo, houve associação entre dependência do celular com dor na região cervical e meio das costas. Essa relação foi concordante com o estudo2222 Xie Y, Szeto G, Dai J. Prevalence and risk factors associated with musculoskeletal complaints among users of mobile handheld devices: a systematic review. Appl Ergon. 2017;59(Pt A):132-42., que refere que o uso de dispositivos eletrônicos, como o celular, torna-se um fator de risco para dor cervical. De acordo com o estudo2323 Bonney RA, Corlett EN. Head posture and loading of the cervical spine. Appl Ergon. 2002;33(5):415-7., a postura anteriorizada da cabeça resulta em aumento das cargas compressivas sobre a coluna cervical e deformidades dos tecidos. Autores2424 Silva AG, Punt TD, Sharples P, Vilas-Boas J P, Johnson MI. Head posture and neck pain of chronic nontraumatic origin: a comparison between patients and pain-free persons. Arch Phys Med Rehabil. 2009;90(4):669-74. também evidenciaram anteriorização da postura da cabeça e redução do ângulo crânio-vertebral em pessoas com dor na região cervical quando comparados com assintomáticos. A anteriorização da posição da cabeça é apontada como uma das maiores causas de dor na região cervical2525 Edmondston SJ, Chan HY, Ngai GC, Warren ML, Williams JM, Glennon S, et al. Postural neck pain: an investigation of habitual sitting posture, perception of ‘good’ posture and cervicothoracic kinaesthesia. Man Ther. 2007;12(4):363-71.. Estudo2626 Areeudomwong P, Oapdunsalam K, Havicha Y, Tantai S, Buttagat V. Effects of shoulder taping on discomfort and electromyographitc responses of the neck while texting on a touchscreen smartphone. Saf Health Work. 2018;9(3):319-25. destacou a provável relação do uso do smartphone por períodos prolongados com o risco de problemas ortopédicos devido à projeção do pescoço para frente e para baixo. Isso pode resultar em um desequilíbrio biomecânico e em uma sobrecarga em diferentes regiões do corpo, levando ao surgimento de dores em regiões como cabeça, cervical e músculos dorsais.

Outros estudos não foram concordantes quanto à dependência do smartphone e dores na região cervical. Estudos não mostraram associação entre o “Pescoço de Texto” e dor cervical em adultos jovens entre 18 e 21 anos11 Damasceno GM, Ferreira AS, Nogueira LAC, Reis FJJ, Andrade ICS, Meziat-Filho N. Text neck and neck pain in 18-21-year-old young adults. Eur Spine J. 2018;27(6):1249-54.,2727 Saueressig IB, Oliveira VM, Xavier MK, Santos LRA, Silva KM, Araújo RC. Prevalence of musculoskeletal pain in adolescents and its association with the use of electronic devices. Rev Dor. 2015;16(2):129-35.. Em um recente estudo realizado com adultos1010 Correia IM, Ferreira AS, Fernandez J, Reis FJ, Nogueira LAC, Meziat-Filho N. Association Between Text Neck and Neck Pain in Adults. Spine (Phila Pa 1976). 2021;46(9):571-8., o “Pescoço de Texto” não apresentou associação com a dor cervical. Porém, a média de idade dos participantes (27,4 anos com desvio padrão de 8,8) é superior à média de idade do presente estudo (18,47 anos com um desvio padrão de 0,65), o que pode justificar a discordância dos resultados.

Por englobar as idades mais próximas ao “estirão da puberdade” tanto masculino como feminino, fase esta na qual o estudante inicia o uso constante do celular, a coluna vertebral pode estar se tornando mais suscetível às influências externas, porém nenhum dos dois estudos refere a idade em que o participante da pesquisa iniciou o uso constante do aparelho.

Em oposição a outros trabalhos2626 Areeudomwong P, Oapdunsalam K, Havicha Y, Tantai S, Buttagat V. Effects of shoulder taping on discomfort and electromyographitc responses of the neck while texting on a touchscreen smartphone. Saf Health Work. 2018;9(3):319-25.,2828 Queiroz LB, Lourenço B, Silva LE, Lourenço DM, Silva CA. Musculoskeletal pain and musculoskeletal syndromes in adolescents are related to electronic. J Pediatr (Rio J). 2018;94(6):673-9., no presente estudo a associação entre dor cervical e dependência do uso do celular não teve maior porcentagem no sexo feminino do que no masculino. Foi encontrada uma associação estatística entre a dependência do uso de celulares com a incapacidade leve a moderada nas habilidades das atividades diárias. Estudo2929 Shah P P, Sheth MS. Correlation of smartphone use addiction with text neck syndrome and SMS thumb in physiotherapy students. Int J Community Med Public Health. 2018;5(6):2512-6. mostrou que a dor cervical pode ser observada em alunos viciados em smartphones, o que pode posteriormente levar à incapacidade de longo prazo.

O presente estudo apresentou como limitação o pequeno número de participantes, fato este que pode ter dificultado a análise das correlações encontradas. Ademais, os estudantes universitários participantes do estudo estão majoritariamente matriculados em cursos da área de saúde (medicina, enfermagem, fisioterapia). Ta l dado abre o questionamento sobre a presença prévia de conhecimento sobre o assunto, o que também pode estar interferindo nas correlações.

Novos estudos visando à comparação de diferentes cursos universitários poderiam permitir melhor análise do impacto do uso de eletrônicos nesses jovens, validando-se, assim, a hipótese de que estudantes de cursos na área da saúde teriam maior controle sobre suas ações e hábitos. Além disso, a escassez de trabalhos na literatura limita uma comparação quantitativa adequada. Porém, com base nos resultados obtidos, torna-se ainda mais visível a suposição de um impacto no uso de eletrônicos na vida dos universitários, o qual pode acarretar complicações no cotidiano e em consequências na vida adulta, como, o desenvolvimento de dores crônicas na coluna.

CONCLUSÃO

A dependência do uso do celular apresentou relação com dores na região cervical e incapacidade nas habilidades das atividades diárias.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Damasceno GM, Ferreira AS, Nogueira LAC, Reis FJJ, Andrade ICS, Meziat-Filho N. Text neck and neck pain in 18-21-year-old young adults. Eur Spine J. 2018;27(6):1249-54.
  • 2
    Cuéllar JM, Lanman TH. “Text neck”: an epidemic of the modern era of cell phones? Spine J. 2017;17(6):901-2.
  • 3
    Neupane S, Ali U, Matheus A. Text neck syndrome – systematic review. Imperial J Interdiscip Res. 2017(7):141-8.
  • 4
    AlAbdulwahab SS, Kachanathu SJ, AlMotairi MS. Smartphone use addiction can cause neck disability. Musculoskeletal Care. 2017;15(1):10-2.
  • 5
    Xie Y F, Szeto G, Madeleine P, Tsang S. Spinal kinematics during smartphone texting - A comparison between young adults with and without chronic neck-shoulder pain. Appl Ergon. 2018;68:160-8.
  • 6
    Lau K T, Cheung KY, Chan KB, Lo KY, Chiu TT. Relationships between sagittal postures of thoracic and cervical spine presence of neck pain, neck pain severity and disability. Man Ther. 2010;15(5):457-62.
  • 7
    Fejer R, Kyvik KO, Hartvigsen J. The prevalence of neck pain in the world population: a systematic critical review of the literature. Eur Spine J. 2016;15(6):834-48.
  • 8
    Hoy D, March L, Woolf A, Blyth F, Brooks P, Smith E, et al. The global burden of neck pain: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis. 2014;73(7):1309-15.
  • 9
    Meziat Filho N, Azevedo e Silva G, Coutinho ES, Mendonça R, Santos V. Association between home posture habits and neck pain in High School adolescents. J Back Musculoskellet Rehabil. 2017;30(3):467-75.
  • 10
    Correia IM, Ferreira AS, Fernandez J, Reis FJ, Nogueira LAC, Meziat-Filho N. Association Between Text Neck and Neck Pain in Adults. Spine (Phila Pa 1976). 2021;46(9):571-8.
  • 11
    Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9.
  • 12
    Lin YH, Lin YC, Lee YH, Lin PH, Lin SH, Chang LR, et al. Time distortion associated with smartphone addiction: identifying smartphone addiction via a mobile application (App). J Psychiatr Res. 2015;65:139-45.
  • 13
    Kawamura T. Interpretação de um teste sob a visão epidemiológica: eficiência de um teste. Arq Bras Cardiol. 2002;79(4):437-41.
  • 14
    Vernon H, Mior S. The Neck Disability Index: A study of reliability and validity. J Manipulative Physiol Ther. 1991;14(7):409-15.
  • 15
    Falavigna A, Teles AR, Braga GL, Barazzeti DO, Lazzaretti L, Tregnago AC. Instrumento de avaliação clínica e funcional em cirurgia da coluna vertebral. Coluna/Columna. 2011;10(1):62-7.
  • 16
    Lauridsen HH, Hestbaek L. Development of the young spine questionnaire. BMC Musculoskelet Disord. 2013;14:185.
  • 17
    Agência Nacional de Saúde Suplementar. Manual de Diretrizes para o enfrentamento da Obesidade na Saúde Suplementar Brasileira. Rio de Janeiro, 2017.
  • 18
    Penha PJ, João SMA, Casarotto RA, Amino CJ, Penteado DC. Postural assessmentof girls between 7 and 10 years of age. Clinics. 2005;60(1):9-16.
  • 19
    Penha PJ, Baldini M, João SMA. Spinal Postural alignment variance according to sex and age in 7- and 8-year- old children. J Manipulative Physiol Ther. 2009;32(2):154-9.
  • 20
    Vos T, Barber RM, Bell B, Bertozzi-Villa A, Biryukov S, Bolliger I, et al. Global, regional, and national incidence, prevalence, and Years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2015;386(9995):743-800.
  • 21
    Jones GT, Silman AJ, Power C, Macfarlane GJ. Are common symptoms in childhood associated with chronic widespread body pain in adulthood? Results from the 1958 British Birth Cohort Study. Arthritis Rheum. 2007;56(5):1669-75.
  • 22
    Xie Y, Szeto G, Dai J. Prevalence and risk factors associated with musculoskeletal complaints among users of mobile handheld devices: a systematic review. Appl Ergon. 2017;59(Pt A):132-42.
  • 23
    Bonney RA, Corlett EN. Head posture and loading of the cervical spine. Appl Ergon. 2002;33(5):415-7.
  • 24
    Silva AG, Punt TD, Sharples P, Vilas-Boas J P, Johnson MI. Head posture and neck pain of chronic nontraumatic origin: a comparison between patients and pain-free persons. Arch Phys Med Rehabil. 2009;90(4):669-74.
  • 25
    Edmondston SJ, Chan HY, Ngai GC, Warren ML, Williams JM, Glennon S, et al. Postural neck pain: an investigation of habitual sitting posture, perception of ‘good’ posture and cervicothoracic kinaesthesia. Man Ther. 2007;12(4):363-71.
  • 26
    Areeudomwong P, Oapdunsalam K, Havicha Y, Tantai S, Buttagat V. Effects of shoulder taping on discomfort and electromyographitc responses of the neck while texting on a touchscreen smartphone. Saf Health Work. 2018;9(3):319-25.
  • 27
    Saueressig IB, Oliveira VM, Xavier MK, Santos LRA, Silva KM, Araújo RC. Prevalence of musculoskeletal pain in adolescents and its association with the use of electronic devices. Rev Dor. 2015;16(2):129-35.
  • 28
    Queiroz LB, Lourenço B, Silva LE, Lourenço DM, Silva CA. Musculoskeletal pain and musculoskeletal syndromes in adolescents are related to electronic. J Pediatr (Rio J). 2018;94(6):673-9.
  • 29
    Shah P P, Sheth MS. Correlation of smartphone use addiction with text neck syndrome and SMS thumb in physiotherapy students. Int J Community Med Public Health. 2018;5(6):2512-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2021
  • Aceito
    20 Abr 2022
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br