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A hipoglicemia silenciosa é parte do controle glicêmico ideal em pacientes com DM1? - tempo de hipoglicemia pelo CGMS versus média glicêmica

Is silent hypoglycemia part of ideal glycemic control in DM1 patients? - hypoglycemic state by CGMS vs. glycemic average

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o impacto do tempo de hipoglicemia silenciosa no controle glicêmico de pacientes diabéticos tipo 1 (DM1) sob monitorização contínua de glicose (CGMS). MÉTODOS: Oitenta e sete pacientes DM1 (45%M/55%F), divididos em quatro grupos, submetidos à CGMS 72 horas. Foram analisados: hipoglicemia silenciosa (HS) (< 70 mg/dL); tempo de hipoglicemia pelo CGMS, sendo os pacientes classificados em G1 (< 5%), G2 (5-10%), G3 (10% a 20%) e G4 (> 20%); níveis de A1c e médias glicêmicas. RESULTADOS: A HS foi detectada em 64,5% dos casos, sendo mais duradoura (mín.) durante a noite versus o dia (p < 0,001). Quanto ao tempo de HS, 41,4% dos pacientes ficaram < 5%, 21,8% entre 5% a 10%, 23% entre 10% a 20% e 13,8% com > 20% do CGMS 72 horas. Verificou-se menor média glicêmica quanto maior o tempo de hipoglicemia (p = 0,006). CONCLUSÃO: A hipoglicemia silenciosa é freqüente em pacientes com DM1, no período noturno. Observou-se tempo de 10% a 20% de hipoglicemia silenciosa para a média glicêmica entre 120 a 160 mg/dL.

Hipoglicemia silenciosa; A1c; Média glicêmica; Diabetes melito tipo 1


BACKGROUND: To evaluate the impact of silent hypoglycemic state in glycemic control in type 1 diabetic patients (DM1) by CGMS. METHODS: 87 DM1 patients (45%M/55%F) submitted to a 72h CGMS profile were classified in 4 groups. It was analyzed: unrecognized hypoglycemia (<70mg/dL); duration time of silent hypoglycemia in which patients were classified into G1 (<5%), G2 (5-10%), G3 (10-20%) and G4 (>20%) of hypoglycemic state by CGMS; A1c and mean capillary glucose (MCG) in each group. RESULTS: The silent hypoglycemia was detected in 64.5% of patients and nighttime episodes of hypoglycemia lasted longer (min) than daytime episodes in all groups (p<0.001). It was verified 41.4% of patients under than 5% of time in hypoglycemic state, 21.8% between 5-10%, 23% between 10-20% and 13.8% with more than 20% of CGMS in silent hypoglycemia. This data showed significant decreased in MCG when the duration time of silent hypoglycemia was longer (p=0.006). CONCLUSION: The silent hypoglycemia is common in DM1 patients and most frequently in night time period. To take an average glycemia of 120-160mg/dL in these patients, it was necessary a 10-20% of CGMS period in silent hypoglycemia in these patients.

Silent hypolgycemia; A1c; Average glycemia; Diabetes mellitus type 1


ORIGINAL

A hipoglicemia silenciosa é parte do controle glicêmico ideal em pacientes com DM1? - tempo de hipoglicemia pelo CGMS versus média glicêmica

Is silent hypoglycemia part of ideal glycemic control in DM1 patients? - hypoglycemic state by CGMS vs. glycemic average

Frederico Fernandes Ribeiro Maia; Levimar R. Araújo

Departamento de Fisiologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG); Clínica de Endocrinologia e Metabologia do Hospital Universitário São José da FCMMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Frederico Fernandes Ribeiro Maia Rua Nunes Vieira, 299, apto.702 - Santo Antônio 30350-120 Belo Horizonte, MG E-mail: fredfrm@hotmail.com/ frederico@diabetes.med.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o impacto do tempo de hipoglicemia silenciosa no controle glicêmico de pacientes diabéticos tipo 1 (DM1) sob monitorização contínua de glicose (CGMS).

MÉTODOS: Oitenta e sete pacientes DM1 (45%M/55%F), divididos em quatro grupos, submetidos à CGMS 72 horas. Foram analisados: hipoglicemia silenciosa (HS) (< 70 mg/dL); tempo de hipoglicemia pelo CGMS, sendo os pacientes classificados em G1 (< 5%), G2 (5-10%), G3 (10% a 20%) e G4 (> 20%); níveis de A1c e médias glicêmicas.

RESULTADOS: A HS foi detectada em 64,5% dos casos, sendo mais duradoura (mín.) durante a noite versus o dia (p < 0,001). Quanto ao tempo de HS, 41,4% dos pacientes ficaram < 5%, 21,8% entre 5% a 10%, 23% entre 10% a 20% e 13,8% com > 20% do CGMS 72 horas. Verificou-se menor média glicêmica quanto maior o tempo de hipoglicemia (p = 0,006).

CONCLUSÃO: A hipoglicemia silenciosa é freqüente em pacientes com DM1, no período noturno. Observou-se tempo de 10% a 20% de hipoglicemia silenciosa para a média glicêmica entre 120 a 160 mg/dL.

Descritores: Hipoglicemia silenciosa; A1c; Média glicêmica; Diabetes melito tipo 1

ABSTRACT

BACKGROUND: To evaluate the impact of silent hypoglycemic state in glycemic control in type 1 diabetic patients (DM1) by CGMS.

METHODS: 87 DM1 patients (45%M/55%F) submitted to a 72h CGMS profile were classified in 4 groups. It was analyzed: unrecognized hypoglycemia (<70mg/dL); duration time of silent hypoglycemia in which patients were classified into G1 (<5%), G2 (5-10%), G3 (10-20%) and G4 (>20%) of hypoglycemic state by CGMS; A1c and mean capillary glucose (MCG) in each group.

RESULTS: The silent hypoglycemia was detected in 64.5% of patients and nighttime episodes of hypoglycemia lasted longer (min) than daytime episodes in all groups (p<0.001). It was verified 41.4% of patients under than 5% of time in hypoglycemic state, 21.8% between 5-10%, 23% between 10-20% and 13.8% with more than 20% of CGMS in silent hypoglycemia. This data showed significant decreased in MCG when the duration time of silent hypoglycemia was longer (p=0.006).

CONCLUSION: The silent hypoglycemia is common in DM1 patients and most frequently in night time period. To take an average glycemia of 120-160mg/dL in these patients, it was necessary a 10-20% of CGMS period in silent hypoglycemia in these patients.

Key-words: Silent hypolgycemia; A1c; Average glycemia; Diabetes mellitus type 1

INTRODUÇÃO

Apesar do aparecimento de novas drogas, novas técnicas de monitorização e melhor conhecimento da fisiopatologia do diabetes melito (DM), o controle metabólico permanece insatisfatório na maioria da população diabética. Dados americanos mostram que menos da metade (< 50%) dos diabéticos mantêm sua doença bem controlada e dados nacionais de 6.701 pacientes com DM (15% DM1/85% DM2) mostram A1c > 7% em 90% no DM1 e 73% no DM2 (1,2).

A American Diabetes Association (ADA) recomenda glicohemoglobina (A1c) < 6,5%, glicemia pré-prandial (FPG) < 110 mg/dL e glicemia pós-prandial (PPG) < 140 mg/dL, como alvos de controle satisfatório (1). Os grandes estudos, DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) e UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study), mostraram que a redução de 1% na A1c influi significativamente na proteção à microangiopatia e à neuropatia (3). No entanto, mesmo pacientes com níveis adequados de A1c experimentam episódios freqüentes de hipoglicemia noturna e hiperglicemia pós-prandial (HPP), possíveis complicadores da adesão ao tratamento intensivo e rígido (3,4).

Estudos diversos evidenciam o impacto da monitorização contínua de glicose (CGMS) na melhora do controle metabólico, detecção de excursões glicêmicas, HPP e hipoglicemia silenciosa (60% a 70%), em pacientes com DM1, DM2, idosos, brittle diabetes e crianças, inclusive menores de 7 anos (5-13). Em pacientes com DM1, a hipoglicemia noturna é a complicação freqüente do tratamento intensivo, visto que 55% dos episódios graves ocorreram durante a noite no DCCT (3).

Desde as publicações dos dados do DCCT e do UKPDS, ficou estabelecida a alta correlação entre os níveis de glicohemoglobina (A1c) e as futuras complicações, especialmente as microvasculares (3). A A1c tem sido utilizada no meio médico como marcador de controle glicêmico em pacientes diabéticos. A medida avalia a proporção de hemoglobina glicada em sua porção N-terminal da cadeia ß e reflete o controle glicêmico nos últimos três meses. Os dados de Rohlfing e cols. (14) estabeleceram a correlação entre a média glicêmica (glicemia capilar 7×/dia) com a A1c a partir dos dados de 1.439 pacientes do DCCT (Tabela 1).

No entanto, a correlação entre média glicêmica e A1c ainda é tema de discussão. Em virtude das variações dos métodos laboratoriais para medida da A1c (mais de 30 disponíveis) e das variações genéticas da hemoglobina, a padronização e a comparação dos resultados tornam-se difíceis. Uma vez que a A1c reflete a glicemia média dos últimos três meses, estima-se que menor nível de A1c/média glicêmica esteja associado a maior período de hipoglicemia nesses pacientes. Segundo revisão em MedLine/PubMed nos últimos dez anos, o impacto do tempo de hipoglicemia silenciosa sobre a média glicêmica e A1c em pacientes com DM1 não é conhecido, o que motivou a realização deste estudo.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foi realizado estudo retrospectivo, transversal, com análise qualitativa e quantitativa, de pacientes com DM1, atendidos na Clínica de Endocrinologia do Hospital Universitário São José (CEM-HUSJ), no período de julho de 2005 a julho de 2007.

Pacientes

Foram avaliados 87 pacientes com DM1, divididos em quatro grupos, de acordo com o tempo de hipoglicemia silenciosa ao CGMS 72 horas: G1 (< 5%), G2 (5% a 10%), G3 (10% a 20%) e G4 (> 20%); sendo 45% do sexo masculino e 55% do sexo feminino. A idade variou de 1 a 40 anos, com média de 21,8 ± 11,5 anos. Não houve restrição quanto a idade, sexo ou tempo de diabetes. O tempo de diabetes foi de 9,4 ± 8,2 anos.

Sensor de glicose (CGMS)

A CGMS foi realizada pelo monitor Medtronic/Northridge, CA. A glicose é mensurada com base na reação eletroquímica da enzima glicose oxidase presente no sensor com a glicose do fluido intersticial. Os valores variam entre 40 e 400 mg/dL e são captados a cada 10 segundos, com o registro da média desses valores a cada 5 minutos, no total de 288 medidas ao dia e 864 medidas durante o exame (72 horas), conforme recomendação do fabricante. Sessenta minutos após a instalação, a corrente elétrica em nanoamperes gerada é convertida em glicose, após a inclusão de um valor de glicemia capilar no monitor. Ao final do registro, o sensor é descartado e os dados armazenados são transferidos ao software, para análise e interpretação.

MÉTODOS

Todos os pacientes foram submetidos previamente às orientações básicas de funcionamento do monitor, pelo mesmo examinador, técnica de manuseio (registro de eventos e glicemia no monitor), cuidados gerais e preenchimento do "diário do paciente". Os pacientes foram orientados a realizar e incluir, no mínimo, quatro valores de GC no monitor por dia, com intervalo de cerca de 6 horas entre as medidas. A medida noturna da GC foi orientada a todos os participantes, dentro de sua rotina de vida. A primeira GC foi realizada após 60 minutos do início da monitorização contínua.

As variáveis foram: glicemia capilar média (GCM); glicose média pelo sensor CGMS; coeficiente de correlação (%) entre GC e glicose pelo sensor; presença de hipoglicemia silenciosa (< 70 mg/dL) (freqüência e duração), durante o dia e noite; tempo de hipoglicemia, classificado entre < 5% (G1), 5% a 10% (G2), 10% a 20% (G3) e > 20% (G4) do registro de 72 horas; e níveis de A1c e médias glicêmicas, de acordo com o tempo de hipoglicemia estudado em cada grupo.

As excursões glicêmicas identificadas pela GC foram fundamentadas na informação ("diário") do paciente e análise do glicosímetro e comparadas com as excursões da glicose detectadas pelo sensor. Consideraram-se excursões glicêmicas valores de glicemia < 70 mg/dL (hipoglicemia) e > 140 mg/dL (hiperglicemia).

A presença de HPP foi definida para valores de glicemia superiores a 140 mg/dL duas horas após o almoço. A hipoglicemia noturna silenciosa foi definida por glicemia < 70 mg/dL no período entre 23 e 7 horas, sendo registrado em minutos durante o dia versus a noite, para efeito de comparação.

Os níveis de glicohemoglobina (A1c) foram determinados em cada grupo (G1 a G4), na semana de uso do CGMS. Os valores de A1c foram estabelecidos pelo método HPLC (cromatografia líquida de alta performance), com referência entre 4,3% e 6,9%. A média glicêmica pelo CGMS foi estratificada em cada grupo, comparativamente à A1c.

Estatística

Os dados foram coletados em ficha-padrão e analisados pelo software Minitab, versão 14, por meio do teste qui-quadrado e teste t de Student. Os dados são apresentados como média/desvio-padrão. As variáveis foram comparadas entre os quatro grupos, considerando um p < 0,05 para significância estatística.

RESULTADOS

O número de leituras do sensor foi > 90% sem diferença significante. A GC média foi de 161,3 ± 60,5 mg/dL versus 163,2 ± 64,8 mg/dL detectada pelo sensor, sem diferença significante (p = 0,71). O CGMS detectou mais excursões glicêmicas em relação à GC média (12,1 ± 6,3 versus 8,4 ± 4,9; p < 0,001).

A HPP foi evidenciada em 57,1% dos casos, com valor médio de 140,6 ± 85,2 mg/dL (VR < 140 mg/dL). A hipoglicemia silenciosa foi detectada em 64,5% dos casos. A hipoglicemia silenciosa foi estatisticamente mais duradoura (mín.) durante o período noturno em relação ao diurno (189,5 ± 29,5 versus 80,3 ± 19,6; p < 0,001).

Quanto ao tempo de hipoglicemia (em 72 horas de CGMS), verificou-se que quase metade dos pacientes (41,4%) permaneceu por menos de 5% do registro da CGM e cerca de um quarto dos pacientes com duração de 10% a 20% do tempo em hipoglicemia silenciosa (Figura 1).


Observou-se menor média glicêmica quanto maior o tempo de hipoglicemia, com valor significante (p = 0,006), o que pode ser corroborado pelos valores de A1c de maneira semelhante (Tabela 2), não verificado no G4. A presença de A1c < 7% esteve associada à média glicêmica de 168,69 mg/dL (variação: 108 a 264 mg/dL).

Quanto ao tempo de hiperglicemia durante o dia, verificou-se que os pacientes permaneceram em média glicêmica elevada em quase 50% do tempo de registro (média: 36,7 h/exame/paciente) neste estudo.

Em 94,5% dos exames, não foram observadas complicações durante a utilização do CGMS. Não houve registro de trauma, infecção local ou sangramento em nenhum caso. Não houve nenhum caso de aversão psicológica, inoperabilidade técnica ou abandono do método, independentemente do tempo de CGMS.

DISCUSSÃO

O estudo realizado buscou demonstrar a correlação entre o tempo de hipoglicemia silenciosa pelo CGMS e o bom controle glicêmico (A1c versus média glicêmica) em pacientes com DM1. Verificou-se alto índice de hipoglicemia silenciosa captadas pelo sensor CGMS (65% dos pacientes), predominantemente noturna. Quanto maior foi o tempo de hipoglicemia silenciosa menor foi a média glicêmica detectada.

Quanto à eficácia do sensor CGMS na identificação de excursões glicêmicas, observou-se alta eficácia do CGMS em relação à GC (4 vezes ao dia) (p < 0,01), já comprovado pela literatura, inclusive em idosos institucionalizados (4,6,15). A HPP foi identificada em número significativo de pacientes neste estudo (60%).

A hipoglicemia silenciosa se mostra comum pela literatura, corroborado pelos dados apresentados, em cerca de 60% a 70% dos pacientes com DM1, principalmente no período noturno (4-7,9,12,13,16,17). Dados recentes de Weber e cols. (18) evidenciaram alta freqüência de hipoglicemia silenciosa em pacientes DM2 submetidos à CGM. Guillod e cols. (19) verificaram hipoglicemia noturna em 67% de 88 pacientes com DM1, com melhora após seis meses da realização do CGMS. Boland e cols. (8) comparam os efeitos do CGMS versus GC em 56 crianças com DM1, por 72 horas. Observou-se superioridade do CGMS na detecção de excursões glicêmicas e de hipoglicemia assintomática (70%), corroborado por Maia e Araújo (6). Observou-se maior tempo de hipoglicemia silenciosa durante a noite, de maneira significante, como encontrado por Jeha e cols. (20), em crianças DM1, por três dias. O tempo de hiperglicemia diurna elevado (metade do registro do CGMS em média) pode justificar os níveis médios de A1c e a média glicêmica nesse grupo, que pode ser mascarado pela presença da hipoglicemia noturna silenciosa.

Neste estudo, todos os pacientes foram orientados a manter a GC dentro dos horários já usuais, no mínimo, 4 vezes ao dia. Foram orientados quanto à medida noturna da glicemia, que não foi obrigatória. Em estudo recente no Brasil (SP), a calibração da madrugada, em 30 pacientes com DM1, não interferiu na acurácia do CGMS (p < 0,0001), não sendo recomendada de rotina no que se refere à eficácia do método (21). O pequeno número de mensurações da madrugada neste estudo (uma vez que não foi obrigatória) não possibilitou análise desses dados.

Durante mudanças rápidas e bruscas da glicemia se estima menor eficácia do método CGMS, em virtude do tempo de 5 a 10 minutos para transmissão dos dados do sensor ao monitor. Uma análise recente de 50 pacientes DM1 (10 a 18 anos) utilizou freqüências variadas de GC de 3, 4, 6 e 7 vezes ao dia, em horários diversos, em períodos de maior e menor estabilidade glicêmica. Verificaram maior acurácia no grupo de maior inclusão de GC no monitor (7 vezes ao dia). No entanto, observaram que a freqüência de inclusão de GC no monitor parece ser menos importante que a realização e a sua inclusão em períodos de maior estabilidade glicêmica, antes de deitar e ao acordar (22).

As crises hipoglicêmicas são freqüentemente motivo de baixa insulinização intensiva em crianças e adolescentes com DM1, justificáveis por médicos e pacientes. Dados freqüentes da literatura estabelecem que a hipoglicemia leve a moderada não representa importante fator de déficit neurocognitivo motor em indivíduos diabéticos (23). Em cerca de metade das crianças com hipoglicemia não-diabética, com crises freqüentes de hipoglicemia grave, observou-se atraso de desenvolvimento leve e alterações discretas ao eletroencefalograma (24). Estima-se média de 0,2 eventos graves (coma hipoglicêmico ou crise convulsiva)/paciente/ano, não havendo recomendação para menor taxa de insulinização ou controle intensivo por causa do risco de complicações pela hipoglicemia em crianças e adolescentes com DM1 (23).

O seguimento de quase 20 anos de pacientes do DCCT/EDIC (n = 1.439) verificou cerca de duas vezes mais eventos hipoglicêmicos no grupo de tratamento intensivo versus convencional, evidenciando ser a hipoglicemia complicação natural do controle glicêmico ideal. Os autores demonstraram não haver déficit neurocognitivo em pacientes com DM1, mesmo com história de hipoglicemias graves, ao longo de 18 anos de seguimento. No entanto, o controle glicêmico inadequado (A1c > 7%) esteve associado a déficit psicomotor e velocidade motora (p < 0,001) (25). Evidenciou-se, neste estudo, a correlação entre maior tempo de hipoglicemia silenciosa e menor média glicêmica em pacientes com DM1, fato antes suposto pela literatura, mas desconhecido. Verificou-se tempo médio de 10% a 20% do registro de CGMS para se atingir média glicêmica satisfatória (120 a 160 mg/dL), corroborando os dados recentes do DCCT/EDIC de que o maior prejuízo para o DM1 parece ser a A1c/média glicêmica elevada e não o risco de hipoglicemias, uma vez que essa se mostra parte desse bom controle nesse grupo de pacientes (25).

A A1c representa o principal parâmetro de controle metabólico em pacientes com diabetes e representa a média glicêmica dos últimos três meses. Estima-se que cerca de 50% desse valor seja dado pelo último mês (30 dias), porquanto somente 10% é oriundo do controle prévio entre 90 a 120 dias, o que justifica modificações rápidas nos níveis de A1c após períodos curtos de ajuste de tratamento (14). Alguns fatores podem promover alterações dos resultados da A1c, como doenças genéticas e familiares hematológicas e técnica laboratorial inadequada. A beta talassemia minor não influenciou os resultados da A1c em indivíduos não-diabéticos (26). As presenças de hemoglobinopatias C e S também não estiveram relacionadas com alteração do método de análise da A1c, segundo a literatura (27).

De acordo com Kilpatrick e cols. (28), valores semelhantes de A1c em relação à média glicêmica podem ser influenciados pela população estudada (tratamento intensivo versus convencional). Ozmen e cols. (29) avaliaram 565 pacientes DM2 e verificaram alta correlação entre média glicêmica e A1c nos pacientes, tanto em jejum, pós-prandial e média de 7 pontos/dia (p < 0,001). Detectaram sensibilidade de 84,5% e especificidade de 80,4% para média glicêmica de 175 mg/dL, como parâmetro de bom controle metabólico (A1c < 7%) (29). Neste estudo, verificou-se média glicêmica de 168 mg/dL para A1c < 7%, em alta correlação com os dados de Rohlfing e cols. (14).

De acordo com o grupo de Rohlfing, a avaliação dos pacientes do DCCT (n = 1.439), submetidos à glicemia capilar 7 vezes ao dia com a medida de A1c, a correlação entre glicemia média e A1c foi mais evidente no período pós-prandial e no noturno versus diurno/jejum. A medida da A1c foi realizada por HPLC, e uma estimativa de variação de 11% da glicemia capilar em relação à glicemia plasmática. Concluíram haver alta correlação entre média glicêmica e A1c em pacientes com DM1, com elevação de 35,6 mg/dL para cada 1% na A1c (Tabela 1). A variação intra-individual foi menor nos pacientes quando avaliados pela A1c (9,7%) versus média glicêmica (29,8%) (14). Este estudo demonstrou ser a média glicêmica de 7 pontos, usada por 18 vezes por paciente, parâmetro importante de controle glicêmico (estimativa de A1c). Em outra análise parcial de dados do DCCT, observou-se que a média glicêmica e a variabilidade biológica (BV) exercem maior influência na A1c em relação à instabilidade glicêmica. A média glicêmica de dois a três meses foi considerada forte preditor de A1c. A instabilidade glicêmica só determinou 1/14 do impacto na média glicêmica e 1/10 na BV (30). Na análise dos dados apresentados, verificou-se maior nível de A1c no G4, mesmo na presença de menor média glicêmica, o que pode ter sido conseqüência do mau controle prévio ou maior tempo de hiperglicemia diurna, não diferenciada entre os grupos.

Segundo os dados de Kilpatrick e cols. (31), corroborados por Bolli (32), dos 1.441 pacientes do DCCT submetidos à GC de 7 a 8 vezes ao dia, concomitante à medida da A1c, a variabilidade glicêmica e os picos pré e pós-prandiais não foram preditores de complicações microvasculares (retino e nefropatias) em pacientes com DM1, sendo a média glicêmica o fator mais importante neste estudo (31,32).

Portanto, este estudo mostrou a presença marcante da hipoglicemia silenciosa em pacientes com DM1, predominante no período noturno, associada à média glicêmica tanto menor quanto maior o tempo de hipoglicemia silenciosa. Verifica-se a importância de abordar os pacientes em relação aos elevados níveis de A1c e média glicêmica versus hipoglicemia silenciosa, uma vez que essa parece ser parte integrante desse bom controle (Tabela 2). A segurança do baixo índice de efeitos neuropsicomotores pela hipoglicemia, ao longo de 20 anos evidenciados pelo DCCT/EDIC, reforça a importância de combater os altos níveis de A1c/média glicêmica em detrimento à preocupação com a hipoglicemia silenciosa, como barreira para insulinização mais intensiva.

Este trabalho representa a prática clínica real com essa nova terapia, com a percepção de que a hipoglicemia silenciosa é comum, ocorre mais à noite e é parte do bom controle desses pacientes, sendo a média glicêmica/A1c fora das metas possivelmente mais prejudicial aos pacientes, como verificado no estudo EDIC.

CONCLUSÕES

A hipoglicemia silenciosa é freqüente, mais duradoura à noite, e inversamente relacionada com a média glicêmica. Verificou-se tempo médio de hipoglicemia silenciosa de 10% a 20% do registro de CGMS para se atingir média glicêmica satisfatória (120 a 160 mg/dL), fato de enorme importância para o manejo do paciente DM1, orientação dos pacientes e dos familiares, na busca de atingir as metas ideais e menor taxa de complicações em longo prazo.

AGRADECIMENTOS

À Roche Diagnóstica Ltda., pela concessão das fitas de glicemias usadas durante o estudo. Conflito de interesse: Dr. Levimar R. Araújo é membro consultor (board advisory) da Sanofi-Aventis, Eli-Lilly e Pfizer e atua com speaker das empresas Schering Plough e Medtronic.

Recebido em 10/1/2008

Aceito em 9/5/2008

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  • Endereço para correspondência:

    Frederico Fernandes Ribeiro Maia
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      09 Maio 2008
    • Recebido
      10 Jan 2008
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