Resumo
Moçambique tem um dos litorais mais extensos da África. Para historiadores, os exemplos mais óbvios das conexões que ligam Moçambique ao oceano Índico são a exportação de ouro, marfim e escravos, nem como a importação de têxteis indianos. Sem minimizar a importância dessas conexões, este artigo chama a atenção para diversos outros elementos que contribuíram e continuam a desempenhar um papel nas relações entre Moçambique e o oceano Índico. O artigo explora a cultura marítima dos habitantes da costa moçambicana, incluindo esforços contemporâneos para proteger o meio ambiente e desenvolver a indústria da pesca, destacando aspectos mais mundanos do comércio entre Moçambique e seus parceiros comerciais através do Canal de Moçambique. Finalmente, discutem-se as conexões humanas emaranhadas em todas essas redes econômicas.
Palavras-chave
Pesca; comércio e comerciantes no oceano Índico; Moçambique; cultura marítima; comércio de escravos
Abstract
Mozambique’s coastline is one of the longest in Africa. For historians, the most obvious examples of the connections linking Mozambique to the Indian Ocean are the export of gold, ivory and slaves, and the import of Indian textiles. Without minimizing the importance of these linkages, this article draws attention to several other elements that have contributed and continue to play a role in the relationship between Mozambique and the Indian Ocean. The article explores the maritime culture of the inhabitants of coastal Mozambique, including contemporary efforts to protect the environment and develop the fishing industry, also highlighting more mundane aspects of trade between Mozambique and its trading partners across the Mozambique Channel. Finally, we discuss the human connections that were enmeshed in all of these economic networks.
Keywords
Fishing; Indian Ocean trade and traders; Mozambique; maritime culture; slave trade
Moçambique tem um dos litorais mais extensos da África, medindo 2.770 quilômetros da foz do rio Rovuma, no norte, que assinala a fronteira com a Tanzânia, até a Ponta do Ouro, no sul, que marca a fronteira com a África do Sul. Geologicamente, o país está localizado na borda ocidental de uma fossa oceânica, o Canal de Moçambique, da qual Madagascar, que se separou da Índia há cerca de 88 milhões de anos, forma a margem oriental. O litoral moçambicano é marcado por vários hábitats, incluindo praias, recifes de coral, sistema de estuários de rios, manguezais, leitos de ervas marinhas, assim como muitas ilhas no alto mar, destacando-se o conjunto das ilhas Quirimba, do sul do Cabo Delgado até a baía de Pemba, a Ilha de Moçambique (conhecida também simplesmente com a Ilha, em Moçambique), e a ilha Bazaruto. Portanto, não deveria ser surpresa que ao longo de sua história os povos que habitaram o litoral do moderno Moçambique tenham experimentado um importante e contínuo relacionamento com oceano Índico.
Para historiadores, os exemplos mais óbvios das conexões que ligam Moçambique ao oceano Índico são a exportação de ouro, marfim e escravos e a importação de têxteis indianos. Politicamente, o fato da África Oriental Portuguesa ter sido uma unidade administrativa do grande Estado da Índia, do começo do século XVI até a metade do século XVIII, com um vice-reinado baseado em Goa, constituiu outra proeminente conexão com o oceano Índico. Sem minimizar a importância dessas ligações, neste artigo quero chamar a atenção para diversos outros elementos que contribuíram e continuam a desempenhar um papel nas relações entre Moçambique e o oceano Índico. Pretendo explorar mais especificamente a cultura marítima dos habitantes da costa moçambicana e destacar os itens mais cotidianos do comércio entre Moçambique e seus parceiros comerciais em todo o Canal de Moçambique. Além disso, quero reconhecer as conexões humanas que foram emaranhadas em todas essas redes econômicas.
Da pesca indígena à industrial
No nível mais básico, os habitantes da costa moçambicana compartilham uma antiga cultura de construção de barcos, produzindo uma variedade de canoas escavadas em troncos de árvores, algumas com estruturas de proteção, outras sem, que, inicialmente, teriam se limitado ao transporte marítimo para o litoral local e a comunicação ao longo de muitos rios vindos do interior que deságuam no oceano Índico. Ao norte do rio Zambezi, a inclusão das estruturas de proteção nas canoas reflete a influência da cultura austronésia de construção de barcos que acompanhou a colonização marítima de Madagascar durante um período, aproximadamente, de 400 d.C. até o fim do milênio.1 1 Para um conveniente e atualizado sumário, ainda que não esteja sem suas próprias contenções, ver: Randrianja e Ellis (2009, p. 17-43). O efeito estabilizador das estruturas de proteção permitiu comunicações oceânicas mais seguras ao longo da costa, enquanto a adição de velas melhorou ainda mais tais viagens e, provavelmente, facilitou o transporte em todo o Canal de Moçambique para as ilhas Comores e para o noroeste de Madagascar. As primeiras velas eram, provavelmente, retangulares e confeccionadas com junco trançado, como as de mtepe, da costa suaíli. Eventualmente, influenciado pela cultura árabe de navegação, foram substituídas por velas triangulares de pano, possivelmente já entre 900-1000 d.C. Escritores portugueses do século XVI nomearam essas canoas de almadias, a evidência de sua navegabilidade é testemunhada no ataque de 1505 ao barco de Francisco de Almeida ao largo da Costa de Madagascar (NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 7).
Canoas com estrutura de proteção e velas triangulares permitiram que os pescadores moçambicanos transitassem das redes de lançamento utilizadas na costa para a exploração dos ricos recursos oceânicos do Canal de Moçambique, embora seja provável que a maioria dos pescadores não tenham se aventurado para muito além da costa. Esse tipo de barco pequeno também facilitava a comunicação de curta distância com os povoados vizinhos ao longo da costa e o transporte marítimo de pequena escala persiste até o século atual.2
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Para uma exposição detalhada com excelentes ilustrações da variedade do funcionamento do ofício costeiro no final do período colonial ver Moura (1972).
Em tempos mais recentes, os pescadores passaram a utilizar grandes embarcações de madeira chamadas lanchas, que podem acomodar tripulação de vinte homens e ainda utilizam remos ou velas, embora algumas sejam motorizadas (BLYTHE et al., 2013BLYTHE, Jessica L. et al. Historical Perspectives and Recent Trends in the Coastal Mozambican Fishery. Ecology and Society, Wolfville, v. 18, n. 4, p. 1-10, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2WdiJLf>. Acesso em: 29 abr. 2014. doi: http://dx.doi.org/10.5751/ES-05759-180465.
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). Como observou um pescador “os barcos costumavam ser de um tamanho médio (6-7 metros). Agora os barcos têm 9-10 metros, e nós pescamos com redes de emalhar que vão ao fundo do oceano. No passado nós não tínhamos essas coisas”. Antigamente, os pescadores costeiros não se aventuravam no mar aberto, onde temerosos espíritos viviam. Cerimônias anuais costumavam ser realizadas “para pedir aos ancestrais boas condições de pesca” (BLYTHE et al., 2013BLYTHE, Jessica L. et al. Historical Perspectives and Recent Trends in the Coastal Mozambican Fishery. Ecology and Society, Wolfville, v. 18, n. 4, p. 1-10, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2WdiJLf>. Acesso em: 29 abr. 2014. doi: http://dx.doi.org/10.5751/ES-05759-180465.
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Lanchas foram provavelmente introduzidas pelos portugueses como embarcações mais leves utilizadas por estes, ao menos, até o começo do século XIX. Para uma ilustração de uma lancha em frente à Ilha de Moçambique na primeira década do século XIX, ver: SALT, Henry. A Voyage to Abyssinia in the Years 1809 and 1810. London: W. Bulmer and Co., 1814.
Embora registros arqueológicos sejam escassos, parece provável que a pescaria tenha proporcionado um valioso suplemento de proteína à dieta dos aldeões da costa moçambicana, assim como um item de comercialização útil quando o peixe era desidratado. Pesquisa arqueológica realizada em Chibuene, a 7 quilômetros ao sul de Vilanculos, na costa sul de Moçambique, indica que nas fases iniciais (600-900 d.C.) os recursos marinhos eram especialmente significativos, enquanto na última ocupação (1300-1400 até 1650-1700 d.C.) os frutos do mar assumiram maior importância, provavelmente como uma consequência do declínio da agricultura, causado por mudanças climáticas (EKBLOM et al., 2014EKBLOM, Anneli et al. Land use history and resource utilization from A.D. 400 to the present, at Chibuene, southern Mozambique. Vegetation History and Archaeobotany, New York, v. 23, p. 15-32, 2014.). Repousados em alto mar, a cerca de 20 quilômetros ao norte do cabo de São Sebastião, sítios arqueológicos na ilha de Bazaruto indicam conexões com colônias continentais contemporâneas, tais como Chibuene. Os primeiros relatos escritos sobre as cinco ilhas que abrangem o arquipélago de Bazaruto retratam uma rica área com diversas cidades povoadas por “mouros negros”, ligados a um sistema comercial mais amplo do oceano Índico. O arquipélago era a fonte de uma rica variedade de recursos marinhos incluindo frutos do mar, pequenas pérolas, cascos de tartaruga e dentes de dugongo (ROQUE; BRANDT, 2008ROQUE, Ana Cristina & BRANDT, Paul. Archaeology. In: EVERETT, B. I. et al. (ed.). A natural history of the Bazaruto archipelago, Mozambique . Durban: Oceanic Research Institute, 2008. (Oceanic Research Institute Special Publication, v. 8). Disponível em: <https://bit.ly/2NiXkMO>. Acesso em: 1 maio 2014.
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, p. 27; EKBLOM et al., 2014EKBLOM, Anneli et al. Land use history and resource utilization from A.D. 400 to the present, at Chibuene, southern Mozambique. Vegetation History and Archaeobotany, New York, v. 23, p. 15-32, 2014., p. 29). A costa norte de Moçambique também era rica em frutos do mar e peixes (DUARTE, 1993DUARTE, Ricardo Teixeira. Northern Mozambique in the Swahili Word: an archaeological approach. Uppsala: Uppsala University, 1993. (Studies in African Archaeology, v. 4)., p. 63, 68, 72).
Relatos portugueses do século XVI sobre a costa sul de Moçambique mencionam ostras e peixes como componentes das dietas locais. Além disso, dugongos e baleias eram caçados sazonalmente - os últimos por especialistas -, com a distribuição de ambos aparentemente envolvendo muitos membros dessas comunidades e fornecendo meses de carne seca e óleo (ROQUE, 2012ROQUE, Ana Cristina. Terra de Sofala: persistências e mudanças: contribuições para a história da costa sul-oriental de África nos séculos XVI-XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2012., p. 275, 277, 392-393, 396). A documentação sobre a pesca se tornou muito mais abundante no século XVIII; algumas vezes nomeando variedades de peixes, mas outras apenas fazendo referências passageiras (ANDRADE, 1955ANDRADE, António Alberto de. Relações de Moçambique setecentista. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1955., p. 148, 154, 156, 205, 235; MONTEZ, 1948MONTEZ, Caetano. Descobrimento e fundação de Lourenço Marques. Lourenço Marques: Minerva Central, 1948., p. 163). No século XIX, no entanto, descrições mais detalhadas sobre a pesca começam a ocorrer à medida que oficiais portugueses passam a se envolver mais com o desenvolvimento de uma colônia moderna.
Entre agosto e setembro de 1809, durante sua viagem de quinze dias à Ilha de Moçambique e aos povoados portugueses nas terras continentais em frente à ilha, o diplomata britânico Henry Salt comentou sobre a vasta variedade de “músculos [sic], caranguejos e outros frutos do mar”, assim como pepinos do mar, que estavam disponíveis na costa. À noite, “um grande número de escravos, homens, mulheres e crianças, eram sempre vistos em águas rasas, ocupados com a coleta de frutos do mar, e o produto de seus trabalhos representa seu principal meio de subsistência”, embora pareça mais provável que esses frutos do mar complementassem uma dieta de mandioca, a qual era amplamente cultivada no continente. Salt também observou que “alguns dos pescadores usam cestas de vime, parecidas com nossas cestas de enguias, as quais são deixadas um pouco além da marca da água rasa durante o fluxo da maré, e na retirada destas eles raramente falham em fornecer uma ampla quantidade de pequenos peixes”.4 4 SALT, op. cit., p. 50-51.
Em setembro de 1829, o xeique do povoado continental de Cabaceira Pequena reclamou ao governador-geral português que os pescadores do continente estavam começando a sofrer assédio no comércio da Ilha. Dois anos depois, durante uma severa fome que devastou o sul da África, acusações foram feitas contra um comerciante de peixes na Ilha por vender apenas para clientes preferenciais.5 5 SANTANA, Francisco (ed.). Documentação Avulsa Moçambicana do Arquivo Histórico Ultramarino, v. 1. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1964, p. 1170; op. cit., v. 3, 1974, p. 121; op. cit., v. 2, 1967, p. 576 (para regulação do mercado de peixe da Ilha). No final do século, peixe fresco, salgado e frito foram observados entre os itens à venda em Mossuril, no continente, em frente à Ilha de Moçambique.6 6 MOÇAMBIQUE (Governo do distrito). Indicações Gerais sobre a Capitania-Mór do Mossuril: appendice ao relato de 1 de janeiro de 1901. Maputo: Imprensa Nacional, 1901, p. 8.
Durante a frustrada tentativa dos portugueses de estabelecer uma colônia em Pemba, na baía de Fernão Veloso, um oficial relatou “uma extraordinária abundância de peixes”, mas apenas alguns suaílis desidratavam o peixe para a venda.7 7 SANTANA, op. cit., v. 3, p. 515, 521. Meio século depois da breve visita de Salt, o governador do Cabo Delgado, Jeronymo Romero, escreveu a primeira análise séria dos recursos marítimos ao longo da costa: “em diferentes portos ao longo da costa e nos rios do distrito encontra-se uma grande abundância de bons, variados e deliciosos peixes, e os nativos do país estão regularmente envolvidos com muito sucesso nessa indústria muito importante”.8 8 ROMERO, Jeronymo. Supplemento à memória descriptiva e estatistica do districto de Cabo Delgado com uma Notícia acerca do Estabelecimento da Colonia de Pemba. Lisboa: Typographia Universal, 1860, p.135.
Ele explica os diferentes métodos utilizados para pescar, tais como por meio de anzol e linha, armadilhas, e redes, incluindo os materiais de que eram fabricados, assim como os barcos empregados. Grande parte da atividade era feita pelos escravos dos habitantes livres da cidade de Ibo, mas a pesca estava livremente acessível para qualquer um ao longo da costa. Romero também nomeou uma grande variedade de peixes e frutos do mar pegos nas águas do distrito, incluindo robalo, perca, peixe-espada, dourado, camarão, lagosta, mexilhões e ostras. Ele observou também vários mamíferos marinhos, mas afirma que estes não eram caçados ao longo da costa norte.9 9 Ibid., p. 135-138. No final do século, quando a responsabilidade administrativa pelo Cabo Delgado começou a ser transferida da Coroa Portuguesa para a Companhia do Niassa, a pesca foi novamente vista como um rico recurso, ainda que não fosse considerada desenvolvida técnica e economicamente. Um escritor elogiou os habitantes locais por serem bons pescadores e marinheiros, embora sua descrição pareça ter sido feita a partir do relato de Romero.10 10 CAMARA, Perry da. Descripção dos territórios do distrito de Cabo Delgado que fazem parte da concessão feita à Companhia do Nyassa. Lisboa: Adolpho Modesto, 1893, p. 18; COUTINHO, João d’Azevedo. Do Nyassa a Pemba: os territórios da Companhia do Nyassa. Lisboa: Typographia da Companhia Nacional, 1893, p. 173-182. A costa sul de Moçambique continuou a ser reconhecida como uma área rica para pesca no século XIX, mesmo que não fosse igualmente desenvolvida.11 11 FERRERI, Alfredo Brandão Cró de Castro. Apontamentos de um ex-Governador de Sofalla. Lisboa: Typographia Mattos Moreira, 1886, p. 16, 196.
Além da pesca para a alimentação, outros produtos marítimos atraíram a atenção dos portugueses por conta do seu potencial valor comercial: casco de tartaruga, cauris, pérolas e âmbar cinza. A ilha de Quirimba e a costa de Sofala eram igualmente reconhecidas como importantes fontes desses produtos no fim do século XVIII. Um relato do período também menciona uma remessa de “boas pérolas e uma quantidade de pérolas arroz” de Sofala para Goa, em 1696, enquanto outro relato afirma que a qualidade delas era igual à das mais conhecidas como pérolas do Ceilão (ANDRADE, 1955ANDRADE, António Alberto de. Relações de Moçambique setecentista. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1955., p. 154, 216, 371). Os cauris eram um importante item de exportação tanto para a Índia (Bengala e Surate eram identificados especificamente) quanto para a África Ocidental, sendo a maioria adquirida na ilha de Quirimba e ao longo da costa.12 12 Ibid., p. 150, 214, 216, 352, 377. No século XIX, os comerciantes indianos da ilha Chiloane colaboraram com os mergulhadores africanos de pérolas na ilha de Bazaruto para fornecer pérolas e pérolas arroz para a Índia. Durante a fome da década de 1880, essa indústria possibilitou que os pescadores sobrevivessem com a negociação de suas pérolas por comida (RITA-FERREIRA, 1999RITA-FERREIRA, António. African kingdoms and alien settlements in central Mozambique (c. 15th - 17th). Coimbra: Universidade de Coimbra, 1999.).13 13 Ver também: Ferreri, op. cit., p. 98-99, 197. Na década de 1830, oficiais portugueses ficaram preocupados com a atividade costeira dos baleeiros estrangeiros, especialmente os americanos, sobretudo ao redor da baía de Delagoa.14 14 SANTANA, op. cit., v. 1, p. 473; v. 2, p. 221, 440, 751; v. 3, p. 119. A exportação de cauris permaneceu como uma importante fonte de receita para a alfândega portuguesa em Ibo no meio do século, enquanto o casco de tartaruga e as pérolas eram considerados possíveis fontes de renda nos primeiros dias da Companhia do Niassa.15 15 ROMERO, op. cit., p. 130; CAMARA, op. cit., p. 5, 7, 18-19; COUTINHO, op. cit., p. 178-181. Ver FERRERI, op. cit., p. 196, para tartarugas em Sofala, e p. 50-51, 197, 205, onde ele observa a manufatura e o comércio continental de Bazaruto de um adorno local chamado mujenas ou chudos, que combinava alternadamente pequenos pedaços de madeira e o interior de pequenas conchas.
Embora a indústria da pesca tenha começado a atrair certo grau de atenção durante o período colonial moderno, ela não se desenvolveu (UNITED KINGDOM, 1969UNITED KINGDOM. A handbook of Portuguese Nyasaland. New York: Negro Universities Press, 1969, p. 68-69, p. 68-69; FREITAS, 1931FREITAS, António J. de. L’industrie: Moçambique. Paris: Exposition Colonial International, 1931., p. 10-11). Um geógrafo sul-africano observou no começo da década de 1960:
Como em todo país com uma extensa costa, o peixe é um item importante na alimentação das populações costeiras e a pesca, por esse motivo, proporciona meio de subsistência para centenas de nativos. Esse tipo de atividade, entretanto, dificilmente merece o título de “indústria”. (SPENCE, 1963SPENCE, C. F. Moçambique: east African province of Portugal. Cape Town: Howard Timmins,1963., p. 119)16 16 Para notas sobre pescadores durante a viagem pela costa de Cabo Delgado até Lumbo, oposto à Ilha, ver Balsan (1960, p. 260, 269-270, 274, 286, 288-289).
Fato é, com certeza, que os relatos coloniais tentavam diminuir o potencial dos pescadores africanos na esperança de que a robusta indústria de pesca portuguesa pudesse se desenvolver (BOLÉO, 1966BOLÉO, Oliveira. Moçambique: pequena monografia. Lisboa: Agência Geral do Ultramar , 1966., p. 120-125). Durante a década de 1960, apenas 433 pescadores (menos que 5% da população total da Ilha) eram registrados em Moçambique e a maioria desses indivíduos também trabalhava como marinheiros nas embarcações costeiras. De acordo com Rui Falcão (1988, p. 23)FALCÃO, Rui Manuel. Notas Gerais sobre a actividade da pesca na ilha de Moçambique. Arquivo: Boletim do Arquivo Histórico de Moçambique, Maputo, n. 4, p. 23-29, 1988., “A pescaria na Ilha, assim como na maioria dos países costeiros, era caracterizada pela fragilidade técnica e tecnológica em virtude de uma política econômica colonial que fez de Moçambique um potencial consumidor do peixe produzido na metrópole, e, depois, em Angola”. A conquista da independência, em 1975, mas sobretudo o fim da guerra civil (1977-1992), marcou uma mudança fundamental em como o governo passou a ver a pesca marítima.
Em 2013 a pesca artesanal, como hoje é oficialmente designada a pescaria local, produziu aproximadamente 222 mil toneladas de peixes e contabilizou 87% de toda a produção nacional de peixes (ARTISANAL…, 2014ARTISANAL fishing in Mozambique accounts for 87 PCT of overall fishing production. Macauhub, Macau, 14/04/2014. Disponível em: <https://bit.ly/2WeSggd>. Acesso em: 25 out. 2019.
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). Historicamente, a zona mais rica em pesca de toda a costa moçambicana é o Banco de Sofala, o qual constitui a maior parte da plataforma continental. Pescadores contemporâneos baseados na praia de Zalala, 30 quilômetros ao norte de Quelimane, utilizam redes de emalhar, redes de arrasto e linhas de mão para assegurar a captura dos peixes, dos quais cerca de 70% são desidratados, salgados ou defumados e o restante congelado ou vendido fresco. Muitos dos peixes são comercializados por intermediários para distritos vizinhos ou consumidos pelas próprias famílias dos pescadores (BLYTHE et al., 2013BLYTHE, Jessica L. et al. Historical Perspectives and Recent Trends in the Coastal Mozambican Fishery. Ecology and Society, Wolfville, v. 18, n. 4, p. 1-10, 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2WdiJLf>. Acesso em: 29 abr. 2014. doi: http://dx.doi.org/10.5751/ES-05759-180465.
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). Nas últimas duas décadas, no entanto, a adoção de reformas de livre mercado e a pressão demográfica resultante do deslocamento interno das pessoas do interior para a costa durante a guerra civil se associaram à redução, tanto no tamanho médio do peixe disponível perto da costa quanto no número anual de peixes apanhados. Como um pescador da praia de Zalala lamentou “eu tenho que viajar cada vez mais longe para capturar o peixe que quero com minha rede de [arrasto]. Aqui, ao longo da orla da praia, você não consegue pegar mais nenhum peixe grande. Para pescar peixes grandes você precisa ir para o mar aberto com uma rede de emalhar” (BLYTHE et al., 2013). Já em 1987, uma história similar de sobrepesca parece ter resultado na diminuição da pesca anual e, consequentemente, da população de habitantes costeiros na baía de Pemba, ao norte de Moçambique, que buscavam na pesca seu meio de subsistência. De acordo com relatos de historiadores locais registrados no começo da década de 1990, “a intensiva exploração ao longo dos tempos dentro e ao largo da baía, tornaram os recursos marinhos mais escassos” (ALVARINHO, 1992ALVARINHO, Luís. Pemba, sua gente, mitos e a história, 1850 a 1960. Pemba: Consultoria e Estudos de Desenvolvimento, 1992., p. 21). Esse mesmo lamento foi reiterado duas décadas depois por Lucas António Matibe, pescador de camarão na costa da província de Inhambane por mais de 40 anos, que comentou sobre o declínio dos peixes disponíveis naquelas águas.
Eu não consigo explicar por que eles se foram, mas a cada ano nós pescamos cada vez menos. Eu não sei o que faremos se o peixe desaparecer - a pesca é como alimentamos nossas famílias. Temos orgulho de nossa tradição, mas precisamos de ajuda. Hoje existem muitos pescadores porque não há empregos, apenas aqueles que são competitivos conseguem sobreviver. (MOZAMBIQUE…, 2008MOZAMBIQUE: commercial overfishing threatens coastal livelihoods. Irin News, Geneva, 06/02/2008. Disponível em: <https://bit.ly/2JmKN9D>. Acesso em: 27 maio 2014.
https://bit.ly/2JmKN9D... )
Uma história de pesca de subsistência, igualmente longa, existe para o arquipélago de Bazaruto, onde, no começo do século XXI, biólogos marinhos relataram que “a pesca artesanal com métodos tradicionais é a principal atividade econômica para mais de 70% da população local” de cerca de 2 mil pessoas (EVERETT et al., 2008EVERETT, B. I. et al. (ed.). A natural history of the Bazaruto archipelago, Mozambique. Durban: Oceanic Research Institute, 2008. (Oceanic Research Institute Special Publication, v. 8). Disponível em: <https://bit.ly/2NiXkMO>. Acesso em: 1 maio 2014.
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). Remanescentes dos procedimentos descritos por Salt e Romero, no século XIX, esses métodos incluem:
o uso de linha de pesca feita de ráfia e outras plantas, redes fixas com estaca que permitem a captura passiva do peixe com a mudança das marés, a desidratação do peixe em estruturas trançadas de vegetação nativa e o uso de canoas feitas de troncos ocos de árvores. (VAN DER ELST; AFONSO, 2008VAN DER ELST, Rudy & AFONSO, Paula Santana. Fish and fisheries. EVERETT, B. I. et al. (ed.). A natural history of the Bazaruto archipelago, Mozambique . Durban: Oceanic Research Institute, 2008, p. 93-112. (Oceanic Research Institute Special Publication, v. 8). Disponível em: <https://bit.ly/2NiXkMO>. Acesso em: 1 maio 2014.
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Pesquisadores reportam que “a atividade de pesca mais comum envolve a simples coleta da vida marinha feita por mulheres e crianças nas planícies de entremarés e nos prados de ervas marinhas”, onde ostras com pérolas, pepinos-do-mar, ouriços-do-mar e caranguejos são encontrados. “A pesca na praia com rede de cerco é uma atividade pesqueira comum, especialmente durante as marés vivas nas costas ocidentais protegidas” e redes fixas com estadas são consideradas “meio eficaz para a pesca passiva” (VAN DER ELST; AFONSO, 2008VAN DER ELST, Rudy & AFONSO, Paula Santana. Fish and fisheries. EVERETT, B. I. et al. (ed.). A natural history of the Bazaruto archipelago, Mozambique . Durban: Oceanic Research Institute, 2008, p. 93-112. (Oceanic Research Institute Special Publication, v. 8). Disponível em: <https://bit.ly/2NiXkMO>. Acesso em: 1 maio 2014.
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, p. 97-98). Tartarugas marinhas costumavam ser um recurso oceânico diferente para os habitantes costeiros de Moçambique; cinco espécies desses animais habitam as águas moçambicanas até hoje. No arquipélago de Bazaruto, a atividade pesqueira tradicional incluía formalmente “a temporada de coleta de tartarugas e seus ovos” (VAN DER ELST; AFONSO, 2008VAN DER ELST, Rudy & AFONSO, Paula Santana. Fish and fisheries. EVERETT, B. I. et al. (ed.). A natural history of the Bazaruto archipelago, Mozambique . Durban: Oceanic Research Institute, 2008, p. 93-112. (Oceanic Research Institute Special Publication, v. 8). Disponível em: <https://bit.ly/2NiXkMO>. Acesso em: 1 maio 2014.
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, p. 98). sem dúvida essa prática foi seguida em outros lugares. Embora tenham sido caçadas, principalmente por sua carne e ovos ou por seus cascos, as tartarugas marinhas são consideradas nos dias atuais espécies ameaçadas de extinção e protegidas por lei contra a caça ilegal. O esforço de preservação pode engajar comunidades locais e a observação da tartaruga marinha, assim como o mergulho e pesca esportiva, se tornaram uma atração turística nos resorts nas ilhas de Quirimba e Bazaruto (COSTA et al., 2007COSTA, Alice et al. Marine turtles in Mozambique: towards an effective conservation and management program. Marine Turtle Newsletter, [s. l.], v. 117, p. 1-3, 2007. Disponível em: <https://bit.ly/31O57Y1>. Acesso em: 2 maio 2014.
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; GARNIER et al., 2012GARNIER, Julie et al. Status and community-based conservation of marine turtles in the northern Querimbas Islands (Mozambique). Oryx, Cambridge, v. 46, n. 3, p. 359-367, 2012. Disponível em: <https://bit.ly/2BLerRX>. Acesso em: 25 out. 2019. doi: http://dx.doi.org/10.1017/S0030605311001566.
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).
No fim de 2010 o World Wildlife Federation (WWF) e o Ministério Moçambicano da Pesca assinaram um memorando de entendimento para trabalharem juntos na proteção da vida marinha e para ajudar a pescaria a alcançar a sustentabilidade (WWF…, 2010WWF and Mozambique government join forces to protect marine resources. WWF Global, Gland, 07/12/2010. Disponível em: <https://bit.ly/2BHH1U2>. Acesso em: 25 out. 2019.
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). No culminar da iniciativa moçambicana da Aliança Care-WWF, dois anos após a referida assinatura, o governo de Moçambique declarou o conjunto de dez pequenas ilhas conhecido como Primeiras e Segundas, localizadas na costa entre Angoche, ao norte, e Pebane, ao sul, como uma “Área de Proteção Ambiental”. Além disso, para envolver diversas agências governamentais, esse ambicioso projeto é gerenciado pela Aliança Care-WWF e envolve o International Coral Reef Action Network (Icran), a UN Foundation, o United Nations Environment Programme e o Conservation International. De acordo com o WWF, cobrindo uma área de mais de 10.410 quilômetros quadrados, essa reserva marinha é a maior na África. Nas palavras de Florêncio Marerua, diretor do WWF em Moçambique. “Essa é a grande resposta ao apelo das comunidades locais para ajudá-las a proteger seus recursos” (MOZAMBIQUE…, 2012MOZAMBIQUE creates Africa’s largest coastal marine reserve”. WWF Global, Gland, 06/11/2012. Disponível em: <https://bit.ly/2JmY3LA>. Acesso em: 4 jun. 2014.
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). De fato, uma das características declaradas desse projeto multifacetado é a colaboração próxima entre seus gestores e os moradores da costa, para os primeiros aprenderem com os últimos e obterem sua cooperação na proteção dos recursos marinhos, de modo que as famílias costeiras possam prosperar no futuro. De acordo com um pescador local chamado Dino Francisco, que comanda uma tripulação de doze homens na pesca com rede de arrasto, “Hoje, o clima está mudando, e nós não sabemos qual tipo de pesca podemos esperar… Quando eu era novo, havia muito mais peixes. Não sei o porquê de existirem menos hoje” (MACLENNAN, 2013MACLENNAN, Alex. Primeiras e segundas. World Wildlife Magazine, Gland, 2013. Disponível em: <https://wwf.to/32NC9IY>. Acesso em: 24 out. 2019.
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).
Para além da mudança climática, parte do problema causado pela pesca excessiva está associada ao movimento das pessoas do interior para as regiões costeiras depois da guerra civil, mencionado anteriormente. Como observado por um pescador ancião chamado Ishmael, que trabalhou como tradutor para a equipe do Care-WWF nas ilhas, “O número de pescadores vem crescendo nos últimos anos, então precisamos aprender como proteger o oceano, desta forma as pessoas podem sobreviver” (MACLENNAN, 2013MACLENNAN, Alex. Primeiras e segundas. World Wildlife Magazine, Gland, 2013. Disponível em: <https://wwf.to/32NC9IY>. Acesso em: 24 out. 2019.
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). A chave para o sucesso desse ambicioso projeto repousa na habilidade de seus gestores em obter a colaboração das comunidades locais e das associações de pescadores em recuperar “os direitos exclusivos dos pescadores de controlar suas terras e a pesca local tradicional”; em comunicar essas preocupações aos oficiais governamentais locais e nacionais; e em conseguir “seu comprometimento em pôr os benefícios de longo prazo em pé de igualdade com as pressões cotidianas” (MACLENNAN, 2013). Com certeza, ainda teremos que aguardar para ver se esses objetivos articulados pelo gestor do projeto Primeiras e Segundas, John Guernier, serão efetivamente atingidos, mas o projeto parece ser uma clara evidência que Moçambique está hoje prestando mais atenção nos seus recursos marinhos que no passado.
Dois problemas específicos apresentam um desafio para a proteção da rica pesca moçambicana. O primeiro deles diz respeito à pesca ilegal de tubarões que supre o, aparentemente, insaciável mercado chinês de barbatanas de tubarão. Encontram-se nas águas de Moçambique mais de 120 tipos de tubarão e raias (espécies da subclasse elasmobranchii), 20% dos quais são listados como ameaçados de extinção. Esses peixes estão entre aqueles que atraem a atenção dos turistas do sul de Moçambique. Alguns tubarões sempre foram um subproduto da pesca industrial de camarão, mas uma preocupação particular é o crescimento da pesca artesanal de tubarão. Embora os dados sejam poucos e virtualmente inexistentes no norte de Moçambique, pesquisa recente reportou um acampamento ao norte de Vilanculos que capturava e desidratava barbatanas de tubarão que eram vendidas para os chineses em Vilanculos. Nos arredores de Pomene, na costa, a cerca de 170 quilômetros ao sul de Vilanculos, desde 2003 vêm ocorrendo diversos conflitos motivados pela pesca de tubarão. “A tensão entre esses pescadores se deve à falta de consulta aos seus líderes tribais e ao desrespeito às leis tribais, além disso, a comunidade local acaba por expulsar esses pescadores” (PIERCE et al., 2008PIERCE, Simon et al. Shark fishing in Mozambique: a preliminary assessment of artisanal fisheries. Maputo: Eyes on the Horizon, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/31ObcDP>. Acesso em: 25 out. 2019.
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, p. 6).17
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Balsan (1960, p. 297) relatou que o pepino do mar (localmente chamado de macajojo) é desidratado e vendido para o mercado chinês.
O segundo problema foca a pesca do atum. A questão sobre como essa pesca ocorre e qual a melhor forma de explorar e proteger esse recurso em Moçambique traz à tona questões importantes relacionadas ao financiados de grandes projetos de desenvolvimento e à existência de reservas de gás natural em alto mar. A pesca do atum chamou a atenção internacional quando circulou, em 2012, um rumor de que tinha sido assegurado a Oceanfresh Seafood Division, do grupo Lonrho, exclusividade nos direitos de pesca do atum tanto nas 12 milhas de águas territoriais, quanto nas 200 milhas da Zona Econômica Exclusiva (EEZ) de Moçambique (REG: LONRHO…, 2012REG: LONRHO PLC: Mozambique tuna quota awarded to Oceanfresh. Reuters, London, 12/09/2012. Disponível em: <http://uk.reuters.com/article/2012/09/12/idUS47064+12-Sep-2012+RNS20120912>. Acesso em: 6 jun. 2014.
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). Seja qual for o caso, no começo de 2014 o governo moçambicano negou categoricamente que a Lonrho tenha possuído esses direitos (GOVERNMENT…, 2014GOVERNMENT denies granting Lonrho tuna rights. AllAfrica, Cape Town, 03/02/2014. Disponível em: <https://bit.ly/365exSj>. Acesso em: 27 maio 2014.
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). De fato, em agosto de 2013 o governo criou uma nova agência estatal chamada Empresa Moçambicana de Atum S.A. (Ematum) ou Mozambique Tuna Company, para organizar “a atividade de pesca do atum e outros recursos pesqueiros”. Conforme o ministro da Pesca, Victor Borges, a razão por trás dessa decisão era o fato de que a “pesca do atum em Moçambique está atualmente dominada por companhias estrangeiras”. De 130 navios empregados na pesca do atum, ele informou que “apenas um é moçambicano” (FELIMAO, 2013FELIMAO, William. Mozambique targets $90 million income as it starts tuna fleet. Bloomberg, New York, 28/11/2013. Disponível em: <https://bloom.bg/2MLbc3e>. Acesso em: 27 maio 2014.
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). Um mês depois, a Ematum obteve o primeiro empréstimo governamental “financiando a compra de infraestrutura, composta de 27 embarcações, um centro operacional e treinamento relacionado às atividades”(SULAIMAN, 2013SULAIMAN, Tosin. Mozambique sell $500 MLN bond to fund tuna fishing. Reuters, London, 5 set. 2013. Disponível em: <https://yhoo.it/2qLeCdL>. Acesso em: 27 maio 2014.
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). Inicialmente o investimento seria de US$500 milhões, mas seu valor foi posteriormente elevado para US$850 milhões. De acordo com o primeiro ministro, Alberto Vaquina, “a atividade da companhia permitirá ao nosso país, pela primeira vez, aproveitar o acesso ao atum fresco com os quais os moçambicanos podem se alimentar, contribuindo para melhorar a alimentação e a segurança nutricional das famílias”. Para ter certeza, esse investimento permitiu que a EMATUM comprasse 24 traineiras de atum e 6 embarcações de patrulha da Constructions Mécaniques de Normandie, a maior construtora de barcos francesa, pelo valor de cerca de US$270 milhões. Essa frota, como o Primeiro Ministro destacou “destina-se a dotar Moçambique com a capacidade de explorar um de seus próprios recursos, para beneficiar seu próprio povo e economia” (MOZAMBIQUE, 2013).
Uma vez que o preço da frota de atum representou menos de um terço do valor total do investimento realizado, inúmeros questionamentos têm sido feitos a respeito do seu real propósito. Doadores internacionais, em particular, questionam se a proposta inicial era igualmente um meio para a aquisição de navios armados para a fraca marinha moçambicana proteger sua costa da pirataria ou da invasão da EEZ por frotas estrangeiras de pesqueiros, ou mais amplamente para a compra de outros equipamentos militares (KORBY et al., 2013KORBY, Boris et al. Mozambique Tuna Bonds Fund Anti-Pirate Fleet in Surprise. Bloomberg , New York, 12 nov. 2013. Disponível em: <https://bloom.bg/2Pisfew>. Acesso em: 24 out. 2019.
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; MOZAMBIQUE…, 2013aMOZAMBIQUE attempts to placate donors about $850m bond. Mail & Guardian, Johannesburg, 14/11/2013a. Disponível em: <https://bit.ly/2qMeOcx>. Acesso em: 28 out. 2019.
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).18
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No final, embora alguns dos doadores tenham reduzido sua contribuição anual a Moçambique, em sua maioria, eles mantiveram seus pacotes de ajuda. Ver: Mozambique News Reports & Clippings (2014). Para reportagem mais recente, acessar: <http://www.open.ac.uk/technology/mozambique/mozambique-reports-and-documents>.
Outras preocupações estão relacionadas à falta de alinhamento entre o declarado foco na pesca e o Documento de Estratégia Moçambicana de Redução da Pobreza (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2011INTERNATIONAL MONETARY FUND. Republic of Mozambique: poverty reduction strategy paper. Washington, DC: IMF, 2011., p. 6, 9). Uma futura complicação é a descoberta de enormes reservas de gás natural na EEZ moçambicana. Como Laura Henson comenta em um recente blog.
A maioria das descobertas de reservas moçambicanas de hidrocarboneto estão em alto mar, e a infraestrutura necessária para a extração e exportação do gás, como o encanamento de drenagem, mudará aspectos físicos do litoral, enquanto a prospecção por novos campos pode afetar a migração do atum. (HENSON, 2014HENSON, Laura. Natural gas and albacore: what tuna says about the future of Mozambique. New Security Beat, Washington, 13/01/2014. Disponível em: <https://bit.ly/31MsNfg>. Acesso em: 24 out. 2019.
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Em seu artigo, por sua vez, ela observa astutamente:
Se justamente gerenciado, o desenvolvimento de uma indústria nacional da pesca de atum mais ampla e organizada poderia aumentar a estabilidade dos meios de subsistência e a prosperidade econômica de muitas daquelas pessoas [pescadores artesanais] enquanto mantém os recursos marinhos e as riquezas dentro do país.
Como o governo equilibrará o desenvolvimento da indústria nacional do atum e seus campos de gás em alto mar - que se sobrepõe as rotas de migração de atum, será um importante teste para a florescente nação costeira. (HENSON, 2014HENSON, Laura. Natural gas and albacore: what tuna says about the future of Mozambique. New Security Beat, Washington, 13/01/2014. Disponível em: <https://bit.ly/31MsNfg>. Acesso em: 24 out. 2019.
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De fato, a maior questão é com esses planos ambiciosos de desenvolver a indústria moçambicana da pesca do atum e as reservas nacionais de gás natural podem em longo prazo afetar o plano ambiental de proteger o litoral e a trajetória da pesca artesanal em Moçambique.
Redes no oceano Índico: bens, pessoas, ideias
Deixando a presente e a futura situação da indústria pesqueira moçambicana, permanecem diversos outros elementos nessa longa história que merecem discussão. No momento em que os portugueses entraram no oceano Índico, no fim do século XV, a construção de barcos moçambicana tinha se desenvolvido para além das canoas. Embora mais largos que os dhows, descritos como zambucos, os barcos eram provavelmente construídos ou no golfo ou na Índia Ocidental, versões menores utilizadas no mar, chamadas de bangwas ou pagaios, de certo eram feitas localmente (LIESEGANG, 1986LIESEGANG, Gerhard. A first look at the import and export trade of Mozambique, 1800-1914. In: LIESENGANG, Gerhard et al. (ed.). Figuring African trade. Berlin: Dietrich Reimer, 1986, p. 451-523., p. 494).19 19 Para uma descrição do século XVI de uma viagem feita em um pangaio da Ilha de Moçambique até Sofala, ver: Santos (1891, p. 191-196). Há outras pequenas descrições da navegação ao longo da costa no Livro 3 desse trabalho. Como seus modelos maiores, essas embarcações eram construídas em “carvel”, ou seja, com as tábuas uma ao lado da outra fixadas com fibra da casca do coco ou corda de junco e seladas com material vegetal. Elas eram capazes de carregar grandes quantidades de carga ao longo da costa e através do canal de Moçambique. Na era pré-portuguesa eram os grandes dhows que transportavam os bens entre os maiores portos de Moçambique e aqueles do mundo mais amplo do oceano Índico.
Anteriormente, no século IX, fontes árabes indicam que os portos comerciais mais importantes do oceano Índico nesse período estavam localizados em Sofala, quase ao sul da foz do rio Buzi. Para os comerciantes, entretanto, a “terra de Sofala” incluía todo o sul da costa de Moçambique de Buzi, cruzando o rio Sabi e, possivelmente, mais ao sul em Bazaruto. Embora haja uma indústria local produzindo ferro para exportar para a Índia, assim como cativos escravizados, Sofala reivindica a fama de ser a principal saída do ouro das minas do planalto do Zimbabwe. Era conhecida entre os árabes como “Sofala do ouro (sufãlat adh-dhanab)” (WINK, 2002WINK, André. At-hind: the making of the Indo-Islamic world, v. 1. Leiden: Brill, 2002., v. 1, p. 31, 39, 54). Segundo o grande estudioso persa al-Biruni (973-1048), o famoso centro marítimo hindu de Somnath, em Saurashtra, na Península de Gujarate no ocidente da Índia “era um porto para os navegantes, e uma estação para aqueles que iam e vinham entre Sofãla, o país de Zanje e China”. Durante o mesmo período, quando a dinastia Buída (932-1044) estava no poder na Pérsia, barcos de Siraf (o porto dominante no Golfo) também frequentavam Sofala (WINK, 2002, v. 1, p. 307-355). Apesar do intrépido viajante marroquino Ibn Battuta não ter viajado na costa sul da África Oriental para além de Kilwa Kisiwani, quando ele visitou a região sob o domínio da cidade-estado da costa suaíli, em 1331, relatou, “Foi dito por um comerciante que a cidade de Súfala está a quinze dias de jornada [sul] de Kulwá, e que o ouro é trazido para Súfala [do interior]” (IBN BATTUTA, 1983IBN BATTUTA. Travels in Asia and Africa 1325-1354. Translation and selection H. A. R. Gibb. London: Darf, 1983., p. 112). Não é coincidência que um dos mais famosos escritos do principal navegador árabe do século XV, Ahmad b. Majid al-Najdi, é o longo poema intitulado al-Sofãlīya, que descreve a rota da Índia até Sofala.
No século XIV, Sofala era controlada pelos governantes de Kilwa, que um século depois também estabeleceram um posto avançado intermediário na Ilha de Moçambique, onde uma vibrante indústria de construção de barcos florescia. Um século mais tarde, em parte pela discórdia entre políticos rivais em Kilwa, imigrantes suaílis e árabes estabeleceram novas cidades em Angoche e Quelimane para obter vantagens nas mudanças de rota do transporte do ouro do interior para a costa (NEWITT, 1975, p. 10-12). No período da primeira exploração portuguesa de Sofala, um governante muçulmano havia se autodeclarado independente de Kilwa. Na primeira década do século XVI, entretanto, os portugueses tomaram o controle de Sofala, substituindo o então governante muçulmano por outro mais de seu agrado, e iniciaram a construção do forte perto da principal cidade muçulmana e a comercialização de ouro. Entre 1506 e 1513 eles mandaram quase 82 quilos de ouro para Índia, onde, em 1510, Afonso de Albuquerque estabeleceu, na costa ocidental de Karnataka, em Goa, a sede administrativa do Estado português na Índia (DISNEY, 2009DISNEY, A. R. A history of Portugal and Portuguese Empire, v. 2: the Portuguese Empire. Cambridge: Cambridge University Press , 2009., p. 129-134; NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 20). Durante esse período, entretanto, o comércio de ouro em Sofala já estava perdendo lugar para a rota do Zambeze para Quelimane e Angoche, de modo que o verdadeiro valor total da exportação de ouro de Moçambique para a Índia foi sem dúvida mais alto que a remessa oficial portuguesa. Por fim, as reservas de ouro do planalto do Zimbabwe eram limitadas e, no segundo quarto do século XVI, o marfim substituiu o ouro como o mais importante item de exportação de Moçambique.
Nos primeiros 250 anos da presença portuguesa na África Oriental, os portugueses dependiam de Goa, onde estava o vice-reinado que governava a talassocracia portuguesa no oceano Índico. Os governantes portugueses na Ilha de Moçambique se reportavam ao vice-rei e, dessa forma, toda a correspondência oficial ia para Goa antes de ser mandada para Lisboa. Além disso, como todas as outras formas de remessa no oceano Índico, as comunicações entre Moçambique e Goa eram reguladas pelas monções. A Carreira da Índia, como a frota real era denominada, não somente conectava Moçambique a Portugal e à Índia, mas também a outros postos avançados da administração portuguesa no mundo índico (BOXER, 1961BOXER, Charles R. Moçambique island and the Carreira da Índia. Studia, Lisboa, v. 8, p. 95-132, 1961., p. 95-132; MATOS; THOMAZ, 1998MATOS, Artur Teodoro de & THOMAZ, Luís Filipe R. (ed.). A carreira da Índia e as rotas dos estreitos: actas do VIII Seminário Internacional de História Indo-portuguesa. Angra do Heroísmo: Universidade Católica Portuguesa, 1998.). Um efeito peculiar dessa realidade, ao menos para historiadores, é que havia uma agitação anual todo mês de agosto, quando a frota portuguesa se preparava para zarpar da Ilha de Moçambique para Goa, assim a correspondência oficial costuma ter a mesma data em diferentes cartas. O impacto mais significativo era o desembarque regular da frota portuguesa, o qual podia dobrar a população da ilha, criando grande tensão nos seus escassos recursos (NEWITT, 2004NEWITT, Malyn. Mozambique Island: the rise and decline of an East African coastal city, 1500-1700. Portuguese Studies, Cambridge, v. 20, p. 21-37, 2004., p. 17).
Como no caso do comércio de ouro, os portugueses buscaram controlar a exportação de marfim com o estabelecimento de postos avançados na costa, onde poderiam, ao menos em teoria, taxar o comércio, controlado por fornecedores africanos e comerciantes do oceano Índico, em sua maioria indianos. Em 1545 a exportação anual de marfim de Sofala subiu para 26 mil quilogramas, o que representa a matança de mais de mil elefantes (NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 25).20 20 Minha estimativa rudimentar do número de elefantes mortos para produzir essa quantidade de presas tem como base o peso médio da presa de 23 quilogramas, muito embora presas grandes possam chegar a sessenta quilogramas. Um século depois, o comerciante inglês Nicholas Buckeridge observou pouca quantidade de marfim à venda em Sofala, o que ele descreve como o começo do declínio, mais proeminente em Inhambane (JENSON, 1973JENSON, John R. (ed.). Journal and letter book of Nicholas Buckeridge, 1651-1654. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1973., p. 32, 43, 54, 66). O sul de Moçambique permaneceu como uma importante fonte de marfim para exportação, ao longo do século XVIII, para Índia, muito embora Sofala tenha sido suplantada como o principal porto ao longo daquela parte da costa após o estabelecimento de uma colônia portuguesa em Inhambane entre 1729 e1730 (LIESEGANG, 1972LIESEGANG, Gerhard. Archaeological Sites on the Bay of Sofala. Azania: Archaeological Research in Africa, Abingdon, v. 7, n. 1, p. 147-159, 1972., p. 152).21 21 Para o marfim como o principal item de exportação de Inhambane na década de 1760, ver Newitt (1975, p. 164-165). Três décadas depois, no entanto, o mais importante mercado de marfim estava nas terras continentais, em frente à Ilha de Moçambique, o qual, na década de 1760, produziu cerca de dois terços de todo o marfim que passou pela alfândega portuguesa na ilha (ALPERS, 1975ALPERS, Edward A. Ivory and slaves in East Central Africa. London: Heinemann, 1975., p. 104-105). Do fim do século XVIII até o século XIX o marfim foi substituído pela exportação de mão de obra escrava e o primeiro quarto do último século presenciou o declínio da exportação de marfim de Moçambique. Diversos fatores causaram esse declínio: o surgimento de Zanzibar como o principal mercado de marfim da África Oriental, ao norte, combinado com a expansão do Estado de Gaza Nguni, no interior sul de Moçambique, e a penetração pelo Highveld sul-africano de caçadores europeus, ao sul (LIESEGANG, 1986, p. 503; MACHADO, 2005MACHADO, Pedro Alberto da Silva Rupino. Gujarati Indian merchant networks in Mozambique, 1777-c.1830. Tese de doutorado em Estudos Orientais e Africanos, University of London, London, 2005.; NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975.; SHERIFF, 1987SHERIFF, Abdul. Slaves, spices & ivory in Zanzibar. Athens: Ohio University Press, 1987.).
Embora o marfim tenha sido por mais de dois séculos o item de exportação mais importante que conectava economicamente Moçambique ao oceano Índico, foi a comercialização do trabalho escravo que dominou o século XIX. Inhambane e a Ilha de Moçambique foram os primeiros lugares de estabelecimento do comércio de exportação de escravos e o principal destino dos africanos cativos. A partir desses portos ocorreu o desenvolvimento das plantations nas colônias francesas das ilhas Mascarenhas, ilha de Bourbon e ilha de França (ALPERS, 1970ALPERS, Edward A. The French slave trade in East Africa (1721-1810). Cahiers d’Études Africaines, Paris, v. 10, n. 37, p. 80-124, 1970.; CAPELA; MEDEIROS, 1989CAPELA, José & MEDEIROS, Eduardo. La traite au départ du Mozambique vers les îles françaises de l’Océan Indien: 1720-1904. In: BISSOONDOYAL, U. & SERVANSING, S. B. C. (ed.). Slavery in South West Indian Ocean. Moka: Mahatma Gandhi Institute, 1989, p. 247-309.; FILLIOT, 1974FILLIOT, J.-M. La traite des esclaves vers les Mascareignes au XVIIIe siècle. Paris: Orstom, 1974.). Durante as últimas décadas do século XVIII as ilhas Quirimba contribuíram para esse comércio, enviando cativos para a Ilha de Moçambique, ao sul, para serem transferidos aos barcos destinados às Mascarenhas, e recepcionando traficantes franceses de escravos em seus diversos pequenos portos. Ao mesmo tempo, os escravos comprados pelos árabes e suaílis eram transportados para o norte para o paulatino desenvolvimento do comércio escravo em Zanzibar, de onde eles eram novamente despachados para o golfo.
Emergindo de seu passado sonolento sob a anulação portuguesa, após a separação administrativa da África Oriental Portuguesa da Índia, em 1752, a nova administração moçambicana buscou reforçar sua presença oficial nas ilhas Quirimba, concluindo um forte em Ibo, na década de 1770, e uma alfândega, em 1786 (NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 192). Ibo agora se juntou a Inhambane e à Ilha de Moçambique como um importante mercado de exportação de trabalho escravo para as Mascarenhas. Uma ramificação bem menor do comércio escravo no oceano Índico conectava Moçambique à Cidade do Cabo (HARRIES, 2005HARRIES, Patrick. Making Mozbiekers: history, memory and the African diaspora at the Cape. In: ZIMBA, Benigna et al. (ed.). Slave routes and oral tradition in Southeastern Africa. Maputo: Filsom Entertainment, 2005, p. 91-123., 2014HARRIES, Patrick. Middle passages of the Southwest Indian Ocean: a century of forced immigration from Africa to the Cape of Good Hope. The Journal of Africa History, Cambridge, v. 55, n. 2, p. 173-190, 2014.).
Nas três primeiras décadas do século XIX, Moçambique desenvolveu também um vigoroso comércio de escravos com o Rio de Janeiro, do qual comerciantes da Ilha de Moçambique e Inhambane participavam. Foi, no entanto, o porto de Quelimane, no Zambezi, que dominou esse comércio com o Atlântico Sul (ALPERS, 2005ALPERS, Edward A. “Mozambiques” in Brazil: another dimension of the African Diaspora in the Atlantic World. In: CURTO, José C. & SOULOUDRE-LAFRANCE, Renée (ed.). Africa and the Americas: interconnection during the slave trade. Trenton, NJ: Africa World Press, 2005, p. 43-68.). A maior parte de Quelimane tinha pouco contato com mundo índico, com exceção de alguns traficantes brasileiros de escravos que incluíam Mascarenhas em suas atividades comerciais no sudoeste do oceano Índico, ramificação do comércio escravo que não afetou diretamente o mundo índico.
A derrota da França nas Guerras Napoleônicas resultou na divisão da ilha de France, em 1810, e sua total transferência para a Grã-Bretanha, com o Tratado de Paris, em 1815. Renomeada como Maurício, sob o governo britânico o comércio de escravos na ilha foi declarado ilegal, mas ainda assim a escravidão continuou das mais diversas formas até sua efetiva emancipação, em 1835 (ALLEN, 1999ALLEN, Richard. Slaves, freedmen, and indentured laborers in colonial Mauritius. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.; BARKER, 1996BARKER, Anthony. Slavery and antislavery in Mauritius, 1830-33: the conflict between economic expansion and humanitarian reform under British rule. Houndsmills: Macmillan, 1996.). Devolvida para a França pelo mesmo tratado, a ilha de Bourbon permaneceu o destino de africanos escravizados de Moçambique, assim de Madagascar, até a abolição, em 1848, quando passou a se chamar ilha da Reunião. Enquanto, na pós-emancipação, a Grã-Bretanha já era capaz de atender às necessidades de mão de obra da crescente plantation de açúcar nas ilhas Maurício com trabalho contratado na Índia, a França não era capaz de atender às necessidades de mão de obra da Índia, onde agora mantinha apenas um pequeno ponto de apoio em Pondicherry. Consequentemente, os produtores franceses da ilha da Reunião, aos quais se juntavam os compatriotas das pequenas ilhas de Nosy Be, na costa noroeste de Madagascar, e Maiote, localizada perto de Madagascar no arquipélago das Comores, buscaram montar uma forma legalizada de comércio de escravos, chamando então o esquema de libres engagés ou “emigração de trabalho livre” (CHAILLOU, 2009CHAILLOU, Virginie. L’engagisme africain à la Réunion: entre ruptures et résurgences d’un système condamné. In DORIGNY, Marcel & ZINS, Max-Jean (ed.). Les traites négrières coloniales: histoire d’un crime. Paris: Cercle d’Art, 2009, p. 126-139.; GERBEAU, 1986GERBEAU, Hubert. Engagees and coolies on Réunion Island: slavery’s masks and freedom’s constraints. In: EMMER, P. C. (ed.). Colonialism and migration: indentured labour before and after slavery. Dordrecht: Martinus Nijhoff Publishers, 1986, p. 209-236.; MONNIER, 2006MONNIER, Jehanne-Emmanuelle. Esclaves de la Canne à Sucre: engagés et planteurs à Nossi-Bé, Madagascar 1850-1880. Paris: L’Harmattan, 2006.). Entre as décadas de 1850 e 1870, Ibo foi o mais importante ponto de saída dos indivíduos infelizes o bastante para serem pegos pelo sistema. Na década de 1880, a França fez uma tentativa final de revigorar esse sistema de migração de trabalho forçado de Moçambique para Nosy Be e Maiote. Em junho de 1881, o governo português declarou sua aprovação oficial a esse arranjo, o qual foi então estendido para a ilha da Reunião, em 1887. Para simplificar a complicada história, a tentativa francesa de recrutar esses trabalhadores em Ibo falhou completamente e um empurrão final para a expansão do sistema para Inhambane teve apenas um breve e limitado sucesso (ALPERS, 2018ALPERS, Edward A. Le caractère d’une traite d’esclaves déguisée (the nature of a disguised slave trade)? Labor recruitment for La Réunion at Portuguese Mozambique, 1887-1889. Ufahamu, Berkeley, v. 40, n. 1, p. 1-32, 2018.).
O tráfico de africanos cativos de Moçambique não foi, claro, limitado às plantations francesas no sudoeste do oceano Índico. Durante o século XIX um comércio restrito de escravos para Comores teve continuidade e um novo, muito maior, floresceu nos reinos de Sakalava, no ocidente de Madagascar (CAMPBELL, 1988CAMPBELL, Gwyn. Madagascar and Mozambique in the slave trade of the western Indian Ocean, 1800-1861. Slavery and Abolition, Abingdon, v. 9, n. 3, p. 166-193, 1988., 1989CAMPBELL, Gwyn. The East African slave trade, 1861-1895: the “southern” complex. International Journal of African Historical Studies, Boston, v. 22, n. 1, p. 1-27, 1989.). A conexão marítima entre a África continental e essas ilhas em alto mar data de um período bem anterior durante o qual tanto Comores como Madagascar começaram a ser povoadas, seguido da introdução do islamismo. Durante as primeiras duas décadas do século XIX, tanto Comores como as ilhas Quirimba estavam expostas à pilhagem de escravos realizadas pelos betsimisaraka e sakalava de Madagascar. Esses saques devastaram Ibo e, ainda que nunca tenham ido para o sul, como na Ilha de Moçambique, os portugueses temiam que eventualmente eles pudessem atacar (ALPERS, 2009ALPERS, Edward A. East Africa and the Indian Ocean. Princeton: Markus Wiener, 2009., p. 131-146). Após o fim dos ataques a Madagascar, os reinos Sakalava, a oeste da ilha, começaram a experimentar um período de crescente atividade econômica e desenvolvimento da produção agrícola baseada no trabalho de africanos escravizados vindos de Moçambique. Não existe um testemunho claro da magnitude desse intenso período de migração forçada de trabalho escravo de Moçambique para o ocidente de Madagascar. Embora esses africanos diaspóricos tenham vivido em Madagascar por mais de um século e hoje falem malgaxe como sua primeira língua, um dialeto macua persiste ainda no século XX e permanece como língua ritual de muitos dos descendentes desses moçambicanos, que têm se mantido distantes das comunidades malgaxe (ALPERS, 2003ALPERS, Edward A. The African diaspora in the Indian Ocean: a comparative perspective. In: JAYASURIYA, Shihan de Silva & PANKHURST, Richard (ed.). The African diaspora in the Indian Ocean. Trenton: Africa World Press, 2003, p. 19-50., p. 35-36).22 22 Para o mais completo estudo sobre as comunidades macua no ocidente de Madagascar, veja Boyer-Rossol (2015). Ver também: Boyer-Rossol ( 2010, p. 189-199).
De fato, onde quer que os africanos de Moçambique tenham sido escravizados, eles eram inicialmente agrupados e identificados por quem os escravizaram como sendo “moçambiques”, independentemente de sua real etnia ou porto original de embarcação. Isso ocorreu nas plantations das ilhas francesas, em Madagascar e em Comores (ALPERS, 2001ALPERS, Edward A. Becoming “Mozambique”: diaspora and identity in Mauritius. In: TEELOCK, Vijayalakshmi & ALPERS, Edward A. (ed.). History: memory and identity. Port Louis: Nelson Mandela Centre for African Culture, 2001., p. 117-155). Nas ilhas Maurício essa denominação ainda carrega o estigma da escravidão, por esse motivo ser chamado ou se referir a alguém por esse nome é considerado uma ofensa pessoal. Ainda que os traficantes e proprietários de escravos percebessem que havia inúmeras diferenças étnicas, eles juntavam todos sob uma denominação comum de “moçambique”. No caso de Madagascar e Comores, no entanto, por causa da estreita conexão com os portos do norte de Moçambique e o fato da maioria dos cativos africanos no século XIX pertencerem a uma ou outra comunidade macua, essa identidade “macua” permaneceu. Já na ilha da Reunião, o nome “nyambane” era utilizado para identificar os africanos escravizados que tinham sido embarcados diretamente de Inhambane.23 23 Ver a litografia, de 1853, de Adolphe Martial Potémont, retratando um liberto “yambane” reproduzida em Conseil Général de la Réunion (1998, p. 247). Para a evidência da língua, ver: Chaudenson (1974, v. 2, p. 1093). De fato, a maioria desses indivíduos era, sem dúvida, tsonga expulsos e vítimas das conquistas de Gaza Nguni.
Com essa discussão sobre o comércio escravo entre os vários portos de Moçambique e as ilhas no sudoeste do oceano Índico, nota-se que os fatores econômicos que conectaram esses lugares distantes nos séculos XIX e XX ainda continuam a ter ramificações relacionadas às identidades e ao senso de nacionalidade dos descendentes desses escravizados. O mesmo conjunto de fatores permanece verdadeiro em variados graus para Zanzibar, Índia e o golfo, lugares que receberam cativos embarcados nas ilhas de Moçambique e Quirimba.24 24 No caso de Zanzibar, eu não incluo aqui os milhares de indivíduos originários do norte de Moçambique mas que foram forçados a marchar pelo território moçambicano até chegar ao domínio do porto escravista de Kilwa Kivinje, na costa sul do atual território da Tanzânia. O caso dos afro-indianos de origem moçambicana, que constituem um componente das comunidades siddis no sul de Gujarate e Karnataka, é especialmente interessante, porque seu número era pequeno e nos dias atuais eles tem se tornado intensamente conscientes de suas conexões diaspóricas como a África, incluindo Moçambique (CATLIN-JAIRAZBHOY; ALPERS, 2004CATLIN-JAIRAZBHOY, Amy & ALPERS, Edward A. (ed.). Sidis and scholars: essays on African Indians. Trento, NJ: Red Sea, 2004.).
As conexões econômicas e humanas que unem Moçambique ao oceano Índico não são, porém, de mão única. É bem conhecido que a mercadoria mais importante empregada como moeda na compra de marfim em Moçambique era o tecido indiano, em sua maioria de algodão, fabricado em Gujarate e Decão e embarcado nos dhows indianos de Diu e, com menos frequência, de Goa (ALPERS, 2017ALPERS, Edward A. A. Indian textiles at Mozambique island in the mid-eighteenth century. Textile History, Abingdon, v. 48, n. 1, p. 31-48, 2017.; MACHADO, 2009aMACHADO, Pedro. Awash in a Sea of Cloth: Gujarat, Africa, and the Western Indian Ocean, 1300-1800. In: RIELLO, Giorgio & PARTHASARATHI, Prasannan (ed.). The spinning world: a global history of cotton textiles, 1200-1850. Oxford: Oxford University Press, 2009a., 2009bMACHADO, Pedro. Cloths of a new fashion: Indian Ocean networks of exchange and cloth zones of contact in Africa and India in the eighteenth and nineteenth centuries. In: RIELLO, Giorgio & ROY, Tirthankar (ed.). How India clothed the world: the world of South Asian textiles, 1500-1850. Leiden: Brill, 2009b, p. 53-84.). A variedade de tecidos disponíveis no oeste da Índia e a sensibilidade de mercado dos comerciantes africanos que traziam o marfim para a comercialização combinaram para fazer desse nexo uma das mais intrincadas e exigentes conexões de Moçambique como o mundo índico. Até a introdução das moedas, principalmente na forma dos dólares espanhóis ou patacas, no fim do século XVIII e século XIX, para pagar a exportação de trabalho escravo para Mascarenhas e Brasil, os tecidos indianos dominavam a compra de bens nos portos e no interior de Moçambique. Quando algum infortúnio ocorria, como um naufrágio ou o desvio de um navio do comércio em Kilwa, causando uma queda anual no fornecimento de tecidos indianos, era inevitável o pânico na Ilha de Moçambique. Apenas a partir da metade do século XIX, quando um simples pano liso (chamado merikani por ser originalmente fabricado no norte dos Estados Unidos) se tornou o algodão preferido no interior da África Oriental, os tecidos indianos perderam o controle do mercado moçambicano. Ainda assim, eles se mantiveram no mercado, principalmente por conta do contínuo apelo do tecido tingido com índigo, chamado kaniki. Até 1876, um terço das importações moçambicanas vinha de Bombaim e mais de 57% de suas exportações foram para aquele porto colonial britânico. Por comparação, menos de 3% das importações e não muito mais que 4% de suas exportações conectavam Moçambique à Índia Portuguesa, que incluía Goa, Diu e Damão. Não surpreendentemente, os comerciantes indianos ainda dominavam o comércio de importação e exportação de Moçambique (NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 321).
Quando os traficantes franceses de escravos de Mascarenhas começaram a vir para a Ilha de Moçambique para obter trabalho, no século XIX, descobriram o quanto a colônia portuguesa dependia da importação de alimentos (ALPERS, 1975ALPERS, Edward A. Ivory and slaves in East Central Africa. London: Heinemann, 1975., p. 96). De fato, a inabilidade da Ilha de Moçambique de se sustentar era uma característica comum das cidades portuárias do Estado da Índia, as quais “dependiam de alimentos importados pelo mar” (DISNEY, 2009DISNEY, A. R. A history of Portugal and Portuguese Empire, v. 2: the Portuguese Empire. Cambridge: Cambridge University Press , 2009., p. 146). Embora isso fosse verdadeiro para o caso da Ilha de Moçambique, os portugueses buscavam provisões em suas limitadas possessões no interior do continente e no comércio com os macuas locais, a persistência de hostilidades regulares tornou vulnerável essa fonte de provisões. Até certo ponto, esse problema foi superado pelo comércio costeiro com a ilha de Ibo, assim como com os portos suaílis localizados ao norte de Cabo Delgado, porém ainda mais importante foi o desenvolvimento de um comércio regular de provisões com as ilhas Comores e o noroeste de Madagascar. Os comerciantes comorenses de Nzwani (Anjouan) carregavam regularmente arroz, sorgo, milheto e uma espécie de sagu utilizado exclusivamente para alimentar os escravos, caprinos e gado, assim como outros tipos de alimentos. Os comerciantes árabes de Zanzibar traziam arroz e carne salgada do porto de Bombetoka em Sakalava (na mesma baía da moderna Mahajanga). Algumas vezes, carne fresca era embarcada para Moçambique (ALPERS, 2009ALPERS, Edward A. East Africa and the Indian Ocean. Princeton: Markus Wiener, 2009., p. 28-30; NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 172-175). Uma evidência da vulnerabilidade alimentar portuguesa na ilha ocorreu durante a fome sul africana de 1831, quando o governador-geral Paulo José Miguel de Brito enviou um apelo aos governantes de Madagascar, Bombetoka, Nzwani e Ngazidja (Grande Comore) “para enviar seus pangaios com provisões e gado para Moçambique” (ALPERS, 2009ALPERS, Edward A. East Africa and the Indian Ocean. Princeton: Markus Wiener, 2009., p. 30). De acordo com o cônsul inglês em Moçambique, Lyons McLeod, que escreveu sobre Madagascar na década de 1850, “cerca de oito ou nove toneladas de arroz são exportadas anualmente, as quais geralmente são compradas pelos comerciantes portugueses para o mercado moçambicano e fornecidas ao governo do lugar a um dólar cada cem libras” (MCLEOD, 1865MCLEOD, Lyons. Madagascar and its people. London: Longman, Roberts & Green, 1865., p. 246). Outra evidência da contínua atividade dos barcos suaílis, árabes, indianos e malgaxes entre os portos de Moçambique e de Comores e do ocidente de Madagascar é revelada em numerosos salvo-condutos e documentos de movimentação marítima preservados nos extensos acervos referentes ao século XIX no Arquivo Histórico de Moçambique, em Maputo.25 25 Arquivo Histórico de Moçambique, Fundo do Século XIX, Governo Geral 8.21,M.1 (#3-5), M.2 (#5), Cabo Delgado, Códices 11-1560, 1655, 1676, 1681.
Todas essas trocas econômicas envolveram não apenas a presença regular dos comerciantes e marinheiros da Ilha de Moçambique, mas, com o tempo, também dos povoados de comunidades específicas ou indivíduos de outras partes do mundo índico. A Ilha de Moçambique era, sem dúvida, o mais diversificado dos assentamentos costeiros, mas não foi o único. A mais proeminente comunidade estrangeira em Moçambique (não contando a portuguesa) foi a indiana, cuja presença, indubitavelmente, precedeu a chegada portuguesa no oceano Índico e mais tarde refletiu no predomínio dos tecidos indianos no comércio do marfim como resumi anteriormente. No século XVII, um pequeno grupo de indianos, identificados na documentação portuguesa como canarins (da região costeira de Kanara, nas imediações sul de Goa, mas eventualmente aplicado pelos portugueses também para designar indianos de Goa), se estabeleceu no Vale do Zambeze (NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 181-182; SHIRODKAR, 1998SHIRODKAR, Prakashchandra. Researches in Indo-Portuguese History, v. 1. Jaipur: Scheme, 1998., v. 1, p. 173-175). Em 1722 a população indiana do Zambeze era calculada em 178 indivíduos, na segunda metade do século XVIII os canarins e outros indianos foram computados entre os habitantes e comerciantes do Quelimane, Sena e Tete (NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 141-145, 227). Provavelmente, o mais poderoso chefe militar do Zambeze na segunda metade do século XIX era um goês nascido em Kanara chamado Manuel António de Sousa, que dominou todo o vale e seus acessos ao sul, colaborando com os oficiais portugueses ao ajudá-los a garantir a segurança do interior, o que ampliou sua fortuna pessoal e as propriedades da família.26 26 Para a vida de Sousa ver Newitt (1973, p. 312-340).
Em 1686, as autoridades portuguesas garantiram a uma organização indiana baseada em Diu e chamada de Companhia de Mazanes um monopólio de comércio entre o porto de Diu e Moçambique. Essa firma comercial era controlada por membros da guilda hindu vāniyã. Na década de 1750, a comunidade indiana na Ilha contava com cerca de 200 almas. Uma parte era gujarati e a outra vāniyã, porém havia alguns muçulmanos, assim como canarins. A dissolução da Companhia de Mazanes, em 1777, aparentemente abriu o mercado moçambicano para um grande grupo de comerciantes, principalmente vāniyã. No começo da década de 1780, a comunidade indiana cresceu para cerca de trezentos indivíduos, a maioria homens solteiros, ou pelo menos homens casados sem suas esposas, as quais permaneceram na Índia. Em 1830, a população diminuiu para duzentos, refletindo a perda de um grande número de muçulmanos. Nem todos esses homens eram comerciantes, entre eles havia caixeiros, artesãos e cozinheiros, e provavelmente todos eles estavam, de um modo ou de outro, ligados a alguma casa de comércio (ALPERS, 2009ALPERS, Edward A. East Africa and the Indian Ocean. Princeton: Markus Wiener, 2009., p. 17-20).27 27 Para mais detalhes sobre vāniyã, ver Machado (2005, p. 12-60). Ver também tese revisada de Machado (2014).
Claro que os indianos não foram os únicos não portugueses a migrar dos portos do oceano Índico para Moçambique durante esses séculos. Suaílis da costa de Cabo Delgado viviam entre os suaílis locais das ilhas Quirimbas, assim como alguns comorenses, que hoje são localmente conhecidos como mujojos (ALVARINHO, 1992ALVARINHO, Luís. Pemba, sua gente, mitos e a história, 1850 a 1960. Pemba: Consultoria e Estudos de Desenvolvimento, 1992., p. 17). Há também evidência de que ao menos alguns comorenses se estabeleceram em Angoche, onde um chefe local era chamado de Mujojo Bimo Damune (CAPELA, 1993CAPELA, José. O escravismo colonial em Moçambique. Porto: Afrontamento, 1993., p. 33). Além disso, um significativo número de muçulmanos do ocidente de Madagascar, conhecidos como antalaotra, fugiram de disputas políticas na Grande Île que caracterizaram a conquista imerina de Mahajanga e dos reinos Sakalava, vizinhos nas décadas centrais do século XIX. A maioria desses refugiados fugiu para a cidade de Zanzibar, onde eles estabeleceram um quarteirão malgaxe ao longo da enseada em Ng’ambo.28 28 Sou grato a Klara Boyer-Rossol por compartilhar comigo o rascunho de uma seção de sua tese, antes desta ser defendida, sobre esse assentamento. Ao que parece, pelo menos alguns malgaxes se assentaram em Pemba, ao sul das ilhas Quirimbas (ALVARINHO, 1992, p.17; MEDEIROS, 1997MEDEIROS, Eduardo da Conceição. História do Cabo Delgado e do Niassa (c. 1836-1929). Maputo: Central Impressora, 1997., p. 62). Em vista das estreitas conexões do comércio escravo na segunda metade do século XIX entre Angoche e Madagascar, também parece possível que alguns malgaxes tenham se estabelecido em Angoche ou nas redondezas, ao menos por um curto período (NEWITT, 1972NEWITT, Malyn. Angoche, the Slave Trade and the Portuguese c. 1844-1910. Journal of African History, Cambridge, v. 13, n. 4, p. 659-672, 1972.).
O que eu tenho agrupado sob a rubrica “Moçambique marítima” mudou significativamente com a imposição do efetivo governo colonial português. Os laços administrativos com a Índia Portuguesa há muito haviam expirado; de fato, com a declaração da independência brasileira em 1822, a África se tornou o foco do Império Português, que definitivamente não era mais uma talassocracia. Mesmo assim, os oficiais portugueses tiraram vantagem de suas colônias do oceano Índico Ocidental, Goa e Moçambique, despachando pessoas condenadas por crimes graves ou não, alguns como roubos insignificantes, para cumprir suas penas em outro território. Aparentemente, alguns dos criminosos da Índia Portuguesa decidiram até mesmo permanecer em Moçambique (SHIRODKAR, 1998SHIRODKAR, Prakashchandra. Researches in Indo-Portuguese History, v. 1. Jaipur: Scheme, 1998., p. 183).
Os portugueses deram pouca atenção aos recursos marítimos de Moçambique durante o século XX. A remoção, em 1902, do centro administrativo português da Ilha para Lourenço Marques (hoje Maputo), localizada no excelente porto de águas profundas da baía de Lagoa na extremidade sul de Moçambique, foi uma decisão consciente para conectar a economia moçambicana ao crescente setor mineiro da África do Sul. Consequentemente, ao invés do trabalho forçado circular apenas pelas águas do oceano Índico agora ele também se deslocava para interior nas minas de Rand, nas plantations dos colonos ao sul da Rodésia (hoje Zimbabwe), ao longo da fronteira com a Tanganica britânica (interior da Tanzânia) para trabalhar nas plantations de sisal, ou de coco em Zanzibar, ou era direcionado mais forçosamente para o cultivo de algodão no centro e norte de Moçambique.29 29 Para uma visão geral sobre a migração do trabalho para a África do Sul e Rodésia, ver Newitt (1975, p. 482-516; para mais detalhes sobre o fluxo de trabalho para a África do Sul e seu impacto no sul de Moçambique, ver FIRST (1983); para a conexão com a Tanganica, ver Alpers (1984, p. 367-388). Certamente, tanto a frota indígena quanto os barcos a vapor pilhavam as águas costeiras de Moçambique, o último carregando pessoas, correspondência e bens de Lourenço Marques para a Beira, Quelimane e o porto de águas profundas em Nacala (ao norte da Ilha de Moçambique), o qual foi desenvolvido somente no final do período colonial, mas talvez, exceto pelo emprego de trabalho marítimo moçambicano e trabalhadores portuários, a conexão com o oceano Índico tenha sido claramente reduzida sob o colonialismo.30 30 Para a importância do porto de Lourenço Marques para a história do trabalho em Moçambique, ver Penvenne (Portsmouth, 1995, p. 31-39, 78-90).
Um importante elemento de continuidade que ainda conectava a Índia a Moçambique era o emprego de cristãos goeses como funcionários públicos e professores coloniais na África Oriental Portuguesa (GUPTA, 2009GUPTA, Pamila. The disquieting of history: Portuguese (De)Colonization and Goan migration in the Indian Ocean. Journal of Asian and African Studies, Thousand Oaks, v. 44, n. 1, p. 19-47, 2009., p. 19-47). Além disso, outras comunidades hindus, notadamente os ismaelitas de Gujarate, mais os chineses de Macau, estabeleceram comunidades na Moçambique colonial, os indo-portugueses chegavam a 3.478, enquanto os indo-britânicos totalizavam 4.997 e “amarelos” (chineses) somavam 896 indivíduos (NEWITT, 1975NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975., p. 442). O tamanho relativo da comunidade de indo-britânicos não é surpresa, já que durante o curso do século XIX Bombaim emergiu como o centro comercial mais importante do oceano Índico Ocidental, sendo inclusive um centro de atividades religiosas. De fato, com base nisso, sabemos sobre as conexões religiosas entre Bombaim, Durban e África do Sul e parece ser razoável assumir que, tanto os muçulmanos da Índia quanto os parses em Lourenço Marques experimentaram influências similares do oceano transindiano (GREEN, 2011GREEN, Nile. Bombay Islam: the religious economy of the West Indian Ocean, 1840-1915. Cambridge: Cambridge University Press, 2011., p. 208-234). Hoje o total de indianos na população moçambicana, exclusivamente indianos nacionais, é calculado em cerca de 20 mil.31 31 http://www.theodora.com/wfbcurrent/mozambique/mozambique_people.html e http://www.hicomind-maputo.org/maputo.php?id=Indian%20Community. Acesso em: 22 maio 2014.
A maior parte dos muçulmanos prevalece mais no norte de Moçambique do que no sul, onde os cristãos estabeleceram um forte domínio. Essa distinção regional na convicção religiosa é em parte uma consequência da longa presença do islã nas comunidades suaílis costeiras, mas também reflete a expansão, durante século XIX e o começo do XX, de duas das principais vertentes do sufismo (turuq; singular tariqa) de Ngazija e Zanzibar para a Ilha de Moçambique, e a partir daí através das atividades missionárias muçulmanas na costa e no interior. A principal figura aqui foi Hadrami sharif Shaykh Muhammad Ma’ruf b. Shaykh Ahmed b. Abi Bakr (1853-1905) introduziu a vertente Yashruti dos shadhiliyya de Moroni, em Ngazija, na Ilha de Moçambique, em 1897. Menos de uma década depois, a vertente rival tariqa, o Qadiryya, foi introduzida na Ilha por Shayky Isa b. Ahmad, vindo de Zanzibar (ALPERS, 2000ALPERS, Edward A. East Central Africa. In: LEVTZION, Nehemia & POUWELS, Randall L. (ed). The history of Islam in Africa. Athens: Ohio University Press, 2000., p. 310-312).32 32 Para mais detalhes sobre estes homens, ver Martin (1976, p. 152-176). Ver também Kaarsholm (2014, p. 191-210).
Considerações finais
Embora a historiografia de Moçambique colonial tenha focado majoritariamente o trabalho e seus abusos, enquanto os estudos do período pós-colonial desde a independência, em 1975, têm dado ênfase à batalha armada da libertação, à guerra civil,33 33 Várias autoridades afirmaram que a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) recebeu apoio logístico do apartheid sul-africano por meio das ilhas Comores durante auge da guerra civil, na década de 1980 (ALPERS, 1970, 2009, p. 166; CAPELA; MEDEIROS, 1989; FILLIOT, 1974). e ao desenvolvimento, Moçambique ainda mantém uma face voltada para o oceano Índico. No nível oficial, Moçambique foi um dos membros fundadores, em 1997, da Indian Ocean Rim Association for Regional Cooperation e estabeleceu também importantes conexões com as ilhas Maurício a fim de abordar as consequências humanas e culturais do comércio escravo.34 34 O acordo original foi assinado em 1993 e renovado em 2006. Ver Mozambique… (2006). Uma herança do oceano Índico totalmente diferente é a rápida emergência de Moçambique como atração turística conhecida por suas belas praias, mergulho e pesca esportiva. Não menos significativo, como discuti anteriormente, é o desenvolvimento paralelo da indústria nacional da pesca de atum, com a exploração das reservas de hidrocarboneto em alto mar. E são esses atributos geográficos do Moçambique marítimo, frequentemente negligenciados, que são importantes para as vidas dos habitantes da costa e do interior e para os visitantes de outras partes do mundo.
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Tradução de Elisangela Mendes Queiroz. Revisão de Juliana de Paiva Magalhães. Publicado originalmente com o título “Maritime Mozambique”, em Tsingy: Revue de l’OIES, Réunion, v. 18 (2015), p. 15-34 (Dossier: Le Mozambique). Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia.
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1
Para um conveniente e atualizado sumário, ainda que não esteja sem suas próprias contenções, ver: Randrianja e Ellis (2009, p. 17-43)RANDRIANJA, Sofolo & ELLIS, Stephen. Madagascar: a short history. Chicago: University of Chicago Press, 2009..
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Para uma exposição detalhada com excelentes ilustrações da variedade do funcionamento do ofício costeiro no final do período colonial ver Moura (1972)MOURA, Armando Reis. Barcos no litoral de Moçambique. Monumenta: Boletim da Comissão dos Monumentos Nacionais de Moçambique, Maputo, v. 8, p.7-39, 1972..
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Lanchas foram provavelmente introduzidas pelos portugueses como embarcações mais leves utilizadas por estes, ao menos, até o começo do século XIX. Para uma ilustração de uma lancha em frente à Ilha de Moçambique na primeira década do século XIX, ver: SALT, Henry. A Voyage to Abyssinia in the Years 1809 and 1810. London: W. Bulmer and Co., 1814.
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4
SALT, op. cit., p. 50-51.
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SANTANA, Francisco (ed.). Documentação Avulsa Moçambicana do Arquivo Histórico Ultramarino, v. 1. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1964, p. 1170; op. cit., v. 3, 1974, p. 121; op. cit., v. 2, 1967, p. 576 (para regulação do mercado de peixe da Ilha).
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6
MOÇAMBIQUE (Governo do distrito). Indicações Gerais sobre a Capitania-Mór do Mossuril: appendice ao relato de 1 de janeiro de 1901. Maputo: Imprensa Nacional, 1901, p. 8.
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7
SANTANA, op. cit., v. 3, p. 515, 521.
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8
ROMERO, Jeronymo. Supplemento à memória descriptiva e estatistica do districto de Cabo Delgado com uma Notícia acerca do Estabelecimento da Colonia de Pemba. Lisboa: Typographia Universal, 1860, p.135.
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9
Ibid., p. 135-138.
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10
CAMARA, Perry da. Descripção dos territórios do distrito de Cabo Delgado que fazem parte da concessão feita à Companhia do Nyassa. Lisboa: Adolpho Modesto, 1893, p. 18; COUTINHO, João d’Azevedo. Do Nyassa a Pemba: os territórios da Companhia do Nyassa. Lisboa: Typographia da Companhia Nacional, 1893, p. 173-182.
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11
FERRERI, Alfredo Brandão Cró de Castro. Apontamentos de um ex-Governador de Sofalla. Lisboa: Typographia Mattos Moreira, 1886, p. 16, 196.
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12
Ibid., p. 150, 214, 216, 352, 377.
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13
Ver também: Ferreri, op. cit., p. 98-99, 197.
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14
SANTANA, op. cit., v. 1, p. 473; v. 2, p. 221, 440, 751; v. 3, p. 119.
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15
ROMERO, op. cit., p. 130; CAMARA, op. cit., p. 5, 7, 18-19; COUTINHO, op. cit., p. 178-181. Ver FERRERI, op. cit., p. 196, para tartarugas em Sofala, e p. 50-51, 197, 205, onde ele observa a manufatura e o comércio continental de Bazaruto de um adorno local chamado mujenas ou chudos, que combinava alternadamente pequenos pedaços de madeira e o interior de pequenas conchas.
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16
Para notas sobre pescadores durante a viagem pela costa de Cabo Delgado até Lumbo, oposto à Ilha, ver Balsan (1960, p. 260, 269-270, 274, 286, 288-289)BALSAN, François. Terres vierges au Mozambique. Paris: Librairie Plon, 1960..
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Balsan (1960, p. 297)BALSAN, François. Terres vierges au Mozambique. Paris: Librairie Plon, 1960. relatou que o pepino do mar (localmente chamado de macajojo) é desidratado e vendido para o mercado chinês.
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18
No final, embora alguns dos doadores tenham reduzido sua contribuição anual a Moçambique, em sua maioria, eles mantiveram seus pacotes de ajuda. Ver: Mozambique News Reports & Clippings (2014). Para reportagem mais recente, acessar: <http://www.open.ac.uk/technology/mozambique/mozambique-reports-and-documents>.
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19
Para uma descrição do século XVI de uma viagem feita em um pangaio da Ilha de Moçambique até Sofala, ver: Santos (1891, p. 191-196)SANTOS, João dos. Ethiopia Oriental. Lisboa: Bibliotheca de Classicos Portuguezes, 1891.. Há outras pequenas descrições da navegação ao longo da costa no Livro 3 desse trabalho.
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Minha estimativa rudimentar do número de elefantes mortos para produzir essa quantidade de presas tem como base o peso médio da presa de 23 quilogramas, muito embora presas grandes possam chegar a sessenta quilogramas.
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Para o marfim como o principal item de exportação de Inhambane na década de 1760, ver Newitt (1975, p. 164-165)NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1975..
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22
Para o mais completo estudo sobre as comunidades macua no ocidente de Madagascar, veja Boyer-Rossol (2015)BOYER-ROSSOL, Klara. D’une rive à l’autre du canal du Mozambique: Histoire et mémoires des Makoa de l’Ouest de Madagascar (milieu XIXe-début XXIe siècle). Tese de doutorado em História, Université de Paris 7 Diderot, Paris, 2015.. Ver também: Boyer-Rossol ( 2010, p. 189-199)BOYER-ROSSOL, Klara. Les Makoa en pays sakalava: une ancestralité entre deux rives, Ouest de Madagascar, XIXe-XXe siècle. In: COTTIAS, Myriam et al. (ed.). Les traites et les esclavages: perspectives historiques et contemporaines. Paris: Karthala, 2010, p. 189-199..
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23
Ver a litografia, de 1853, de Adolphe Martial Potémont, retratando um liberto “yambane” reproduzida em Conseil Général de la Réunion (1998, p. 247)CONSEIL GÉNÉRAL DE LA RÉUNION. Île de La Réunion: regards croisés sur l’esclavage: 1794-1848. Paris: Somogy t, 1998.. Para a evidência da língua, ver: Chaudenson (1974, v. 2, p. 1093)CHAUDENSON, Robert. Le lexique du parler creole de la Réunion, v. 2. Paris: Librairie Honoré Champion, 1974..
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No caso de Zanzibar, eu não incluo aqui os milhares de indivíduos originários do norte de Moçambique mas que foram forçados a marchar pelo território moçambicano até chegar ao domínio do porto escravista de Kilwa Kivinje, na costa sul do atual território da Tanzânia.
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25
Arquivo Histórico de Moçambique, Fundo do Século XIX, Governo Geral 8.21,M.1 (#3-5), M.2 (#5), Cabo Delgado, Códices 11-1560, 1655, 1676, 1681.
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26
Para a vida de Sousa ver Newitt (1973, p. 312-340).
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Para mais detalhes sobre vāniyã, ver Machado (2005, p. 12-60)MACHADO, Pedro Alberto da Silva Rupino. Gujarati Indian merchant networks in Mozambique, 1777-c.1830. Tese de doutorado em Estudos Orientais e Africanos, University of London, London, 2005.. Ver também tese revisada de Machado (2014)MACHADO, Pedro. Ocean of trade: South Asian Merchants, Africa and the Indian Ocean, c.1750-1850. Cambridge: Cambridge University Press , 2014..
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Sou grato a Klara Boyer-Rossol por compartilhar comigo o rascunho de uma seção de sua tese, antes desta ser defendida, sobre esse assentamento.
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Para uma visão geral sobre a migração do trabalho para a África do Sul e Rodésia, ver Newitt (1975, p. 482-516; para mais detalhes sobre o fluxo de trabalho para a África do Sul e seu impacto no sul de Moçambique, ver FIRST (1983)FIRST, Ruth. Black gold: the Mozambique miner: proletarian and peasant. Brighton: Harvester Press, 1983.; para a conexão com a Tanganica, ver Alpers (1984, p. 367-388)ALPERS, Edward A. “To seek a better live”: the implications of migration from Mozambique to Tanganyika for class formation and political behavior. Canadian Journal of African Studies, Abingdon, v.18, n.2, p. 367-388, 1984..
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Para a importância do porto de Lourenço Marques para a história do trabalho em Moçambique, ver Penvenne (Portsmouth, 1995PENVENNE, Jeanne. African workers and colonial racism: Mozambican strategies for survival in Lourenço Marques, Mozambique 1877-1962. Portsmouth: Heinemann, 1995., p. 31-39, 78-90).
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Para mais detalhes sobre estes homens, ver Martin (1976, p. 152-176)MARTIN, B. G. Muslim brotherhoods in nineteenth-century Africa. Cambridge: Cambridge University Press , 1976.. Ver também Kaarsholm (2014, p. 191-210)KAARSHOLM, Preben. Zanzibaris or Amakhuwa? Sufi networks in South Africa, Mozambique, and the Indian Ocean. The Journal of African History, Cambridge, v. 55, n. 2, p. 191-210, 2014..
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Várias autoridades afirmaram que a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) recebeu apoio logístico do apartheid sul-africano por meio das ilhas Comores durante auge da guerra civil, na década de 1980 (ALPERS, 1970, 2009ALPERS, Edward A. East Africa and the Indian Ocean. Princeton: Markus Wiener, 2009., p. 166; CAPELA; MEDEIROS, 1989CAPELA, José & MEDEIROS, Eduardo. La traite au départ du Mozambique vers les îles françaises de l’Océan Indien: 1720-1904. In: BISSOONDOYAL, U. & SERVANSING, S. B. C. (ed.). Slavery in South West Indian Ocean. Moka: Mahatma Gandhi Institute, 1989, p. 247-309.; FILLIOT, 1974FILLIOT, J.-M. La traite des esclaves vers les Mascareignes au XVIIIe siècle. Paris: Orstom, 1974.).
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34
O acordo original foi assinado em 1993 e renovado em 2006. Ver Mozambique… (2006)MOZAMBIQUE And Mauritius Renew Cultural Agreement. AllAfrica, Cape Town, 03/10/2006. Disponível em: <https://bit.ly/2MVVdPG>. Acesso em: 28 out. 2019.
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Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Jun 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
28 Fev 2018 -
Aceito
25 Jun 2018