Resumos
FUNDAMENTO: O tempo para 1,0 mm de depressão do segmento ST (T-1,0 mm), adotado para caracterizar o precondicionamento isquêmico (PCI) em testes ergométricos sequenciais, é consistente e reprodutível, porém, possui várias limitações. OBJETIVO: Aplicar um escore eletrocardiográfico de isquemia miocárdica em testes ergométricos sequenciais, comparando-o com o clássico índice T-1,0 mm. MÉTODOS: Avaliamos 61 pacientes, com idade média de 62,2 ± 7,5 anos, sendo 86,9% homens. Foram analisados 151 exames, sendo 116 de pacientes que completaram duas fases de avaliação. A primeira fase compreendia dois testes ergométricos sequenciais para documentação do PCI e a segunda fase, após uma semana, mais dois testes sob efeito de repaglinida. Dois observadores aplicaram o escore de forma cega. RESULTADOS: Observou-se concordância perfeita inter e intraobservador (Kendall Tau-b = 0,96, p < 0,0001, Kendall Tau-b = 0,98,p < 0,0001, respectivamente). Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo negativo, valor preditivo positivo e acurácia foram de 72,41%, 89,29%, 75,8%, 87,5% e 81,0%, respectivamente. CONCLUSÃO: O escore de isquemia é um método consistente e reprodutível para documentação do PCI, representando uma alternativa factível ao índice T-1,0 mm.
Precondicionamento isquêmico miocárdico; angina pectoris; infarto do miocárdio; ergometria
BACKGROUND: The time for 1.0 mm ST-segment depression (T-1.0mm) adopted to characterize ischemic preconditioning (IPC) in sequential exercise tests is consistent and reproducible; however, it has several limitations. OBJECTIVE: To apply an electrocardiographic score of myocardial ischemia in sequential exercise tests, comparing it to the conventional T-1.0 mm index. METHODS: Sixty one patients with mean age of 62.2 ± 7.5 years were evaluated; 86.9% were males. A total of 151 tests were analyzed, 116 of which were from patients who completed two assessment phases. The first phase comprised two sequential exercise tests for the documentation of IPC; the second phase, initiated one week later, comprised two more tests carried out under the effect of repaglinide. Two observers who were blind to the tests applied the score. RESULTS: Perfect inter and intraobserver agreement was found (Kendall tau-b = 0.96, p < 0.0001, and Kendall tau-b = 0.98, p < 0.0001, respectively). Values of sensitivity and specificity, negative predictive value, positive predictive value and accuracy were 72.41%, 89.29%, 75.8%, 87.5% and 81.0%, respectively. CONCLUSION: The ischemic score is a consistent and reproducible method for the documentation of IPC, and is a feasible alternative to T-1.0 mm.
Ischemic preconditioning myocardial; angina pectoris; myocardial infarction; ergometry
FUNDAMENTO: El tiempo para 1,0 mm de depresión del segmento ST (T-1,0 mm), adoptado para caracterizar el preacondicionamiento isquémico (PCI) en test ergométricos secuenciales, es consistente y reproducible, sin embargo, posee varias limitaciones. OBJETIVO: Aplicar un escore electrocardiográfico de isquemia miocárdica en test ergométricos secuenciales, comparándolo al clásico índice T-1,0 mm. MÉTODOS: Evaluamos 61 pacientes, con edad media de 62,2 ± 7,5 años, siendo 86,9% hombres. Fueron analizados 151 exámenes, siendo 116 de pacientes que completaron dos fases de evaluación. La primera fase comprendía dos test ergométricos secuenciales para documentación del PCI y la segunda fase, después de una semana, más dos test bajo efecto de repaglinida. Dos observadores aplicaron el escore de forma ciega. RESULTADOS: Se observó concordancia perfecta inter y intraobservador (Kendall Tau-b = 0,96, p < 0,0001, Kendall Tau-b = 0,98,p < 0,0001, respectivamente). Los valores de sensibilidad, especificidad, valor predictivo negativo, valor predictivo positivo y precisión fueron de 72,41%, 89,29%, 75,8%, 87,5% y 81,0%, respectivamente. CONCLUSIÓN: El escore de isquemia es un método consistente y reproducible para documentación del PCI, representando una alternativa factible al índice T-1,0 mm.
Preacondicionamiento isquémico miocárdico; angina pectoris; infarto de miocardio; ergometría
ARTIGO ORIGINAL
ERGOMETRIA
Escore eletrocardiográfico: aplicação em ergometria para avaliação do precondicionamento isquêmico
Augusto Uchida; Paulo Moffa; Whady Hueb; Luiz Antonio Machado Cesar; Beatriz Moreira Ayub Ferreira; Jose Antonio Franchini Ramires
Instituto do Coração - HCFMUSP, São Paulo, SP - Brasil
Correspondência Correspondência: Augusto Hiroshi Uchida Rua João Moura, 870/144 - Pinheiros 05412-002 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: augustohiroshi@cardiol.br, augusto.uchida@incor.usp.br
RESUMO
FUNDAMENTO: O tempo para 1,0 mm de depressão do segmento ST (T-1,0 mm), adotado para caracterizar o precondicionamento isquêmico (PCI) em testes ergométricos sequenciais, é consistente e reprodutível, porém, possui várias limitações.
OBJETIVO: Aplicar um escore eletrocardiográfico de isquemia miocárdica em testes ergométricos sequenciais, comparando-o com o clássico índice T-1,0 mm.
MÉTODOS: Avaliamos 61 pacientes, com idade média de 62,2 ± 7,5 anos, sendo 86,9% homens. Foram analisados 151 exames, sendo 116 de pacientes que completaram duas fases de avaliação. A primeira fase compreendia dois testes ergométricos sequenciais para documentação do PCI e a segunda fase, após uma semana, mais dois testes sob efeito de repaglinida. Dois observadores aplicaram o escore de forma cega.
RESULTADOS: Observou-se concordância perfeita inter e intraobservador (Kendall Tau-b = 0,96, p < 0,0001, Kendall Tau-b = 0,98,p < 0,0001, respectivamente). Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo negativo, valor preditivo positivo e acurácia foram de 72,41%, 89,29%, 75,8%, 87,5% e 81,0%, respectivamente.
CONCLUSÃO: O escore de isquemia é um método consistente e reprodutível para documentação do PCI, representando uma alternativa factível ao índice T-1,0 mm.
Palavras-chave: Precondicionamento isquêmico miocárdico, angina pectoris, infarto do miocárdio, ergometria.
Introdução
O precondicionamento isquêmico (PCI) é um fenômeno onde episódios curtos de isquemia, separados por períodos de reperfusão, determinam uma redução da necrose das células miocárdicas, quando estas são, posteriormente, submetidas a um episódio isquêmico mais prolongado1.
Evidências de PCI no miocárdio humano foram relatadas durante angioplastia coronariana2,3, na cirurgia de revascularização miocárdica4 e em estudos clínicos5,6. A expressão clínica do PCI é a ocorrência de angina pectoris precedendo o quadro de infarto agudo do miocárdio. Indivíduos que apresentam angina pectoris precedendo o infarto do miocárdio exibem redução do tamanho do infarto, independente da presença de circulação colateral ou uso de medicação prévia5.
Sabe-se que o PCI independe diretamente de fatores hemodinâmicos e está primordialmente relacionado a mecanismos metabólicos do miocárdio. A descoberta dos canais de potássio ATP-dependente promoveu uma série de investigações cujo objetivo foi confirmar o seu papel como mediador endógeno na proteção miocárdica, incluindo a correlação com o PCI7,8.
O fenômeno do PCI é transitório e, uma vez desencadeado, dura aproximadamente duas horas9. Todavia, uma segunda janela de proteção ou PCI tardio foi demonstrada, ocorrendo 24 horas após o mesmo estímulo precondicionante, e podendo durar até 48 horas10.
O modelo humano de documentação do PCI é baseado na avaliação do fenômeno do aquecimento que, na prática clínica, fundamenta-se na realização de testes ergométricos sequenciais (TES)11. A melhora dos parâmetros isquêmicos em coronariopatas submetidos ao TES permite um melhor entendimento do fenômeno do PCI e é consistente com os mecanismos de adaptação do miocárdio à isquemia12.
A demonstração do PCI através de TES tem implicações clínicas importantes. Alguns estudos que adotaram o modelo de TES demonstraram que sulfonilureias13-15 e glinidas16 bloqueiam o PCI em diabéticos portadores de insuficiência coronariana obstrutiva. Esse bloqueio do PCI foi considerado como a explicação para o aumento de mortalidade cardiovascular observado em diabéticos sob tratamento com sulfonilureias no estudo UGDP17. Também poderia explicar o pior prognóstico observado em pacientes que estavam sob uso de sulfonilureias no momento do infarto agudo do miocárdio18.
Os parâmetros utilizados para a caracterização do PCI em TES são13-16,19-22:
Melhora do tempo para 1,0 mm de depressão do segmento ST (T-1,0 mm);
Melhora do duplo produto ou da frequência cardíaca no T-1,0 mm;
Melhora do tempo para angina pectoris;
Melhora do duplo produto ou da frequência cardíaca no momento da angina pectoris.
Tais parâmetros, comumente adotados para caracterizar o PCI em TES, são considerados consistentes e reprodutíveis, porém, possuem limitações23.
Os índices baseados na angina são limitados, pois ela ocorre em menos de 50,0% dos casos, além de ser um sintoma sujeito a grandes divergências de interpretação devido a sua natureza subjetiva16.
A melhora do T-1,0 mm é classicamente adotada para caracterização do PCI. O T-1,0 mm é um índice de tolerância do miocárdio à isquemia e é considerado somente para a depressão horizontal e descendente do segmento ST, no momento em que se atinge 1,0 mm de depressão do segmento ST.
Limitações do T-1,0 mm:
É sujeito a divergências inter e intraobservador;
Pode ser influenciado pelo efeito do treinamento ou adaptação à esteira;
Não considera a magnitude máxima de depressão do segmento ST, nem tampouco a pior morfologia que se documenta no exame;
Pode passar despercebido durante o exame;
Pode ser falsamente interpretado devido à presença de artefatos;
Não há valor diferencial definido na literatura para confirmar a documentação do PCI.
Não permite a documentação da expressão máxima do PCI, quando o segundo teste ergométrico resulta negativo.
Não permite a documentação do PCI, quando o teste ergométrico é positivo devido à alteração exclusiva do segmento ST na fase de recuperação.
O duplo produto ou frequência cardíaca no T-1,0 mm são considerados índices objetivos de limiar isquêmico, refletindo o consumo de oxigênio do miocárdio no início da isquemia. Como são parâmetros derivados do T-1,0 mm também estão sujeitos às mesmas limitações, além de serem influenciados diretamente pelos valores basais da pressão arterial e da frequência cardíaca.
As limitações acima descritas, além da falta de normatização e de uma codificação adequada da resposta isquêmica durante a realização de TES, motivaram a elaboração de um escore eletrocardiográfico de isquemia miocárdica24.
Objetivo
Aplicar um escore eletrocardiográfico de isquemia miocárdica em TES utilizados para avaliação do PCI em diabéticos, comparando com o clássico índice T-1,0 mm.
Casuística
A população estudada foi composta por diabéticos não insulino-dependentes, portadores de coronariopatia bi ou triarterial angiograficamente comprovada e função ventricular normal. Somente aqueles com teste ergométrico positivo foram selecionados para o estudo. Como critérios de inclusão, foram considerados os pacientes com angina estável, função ventricular esquerda preservada e diabete melito tipo 2 compensado.
Um total de 61 pacientes submeteu-se ao estudo para a realização de TES. A idade média foi de 62,2 ± 7,5 anos, sendo 86,9% do sexo masculino. Cerca de 41,0% dos pacientes já haviam apresentado quadro de infarto do miocárdio há mais de 6 meses, sendo que 4,9% apresentavam padrão obstrutivo biarterial. Foram analisados 151 exames, sendo 116 exames de pacientes que completaram duas fases de avaliação e 35 exames de pacientes que foram excluídos por falta de demonstração do PCI. Os critérios para não inclusão foram: angina instável, infarto do miocárdio nos últimos 6 meses, miocardiopatias dilatada ou hipertrófica, estenose aórtica, limitações motoras para realização do exercício e achados eletrocardiográficos que limitam a análise morfológica para definição de isquemia miocárdica.
Métodos
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa (CAPPesq 0701/05) e todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.
Os pacientes foram submetidos a testes ergométricos limitados por sintoma, adotando-se o protocolo de Bruce. Registros eletrocardiográficos de 12 derivações pelo sistema Mason-Likar foram realizados de forma padronizada no pré-esforço, no momento do T-1,0 mm, no pico do exercício, no momento de pior alteração eletrocardiográfica e a cada minuto da recuperação, que se prolongou por 6 minutos. A melhora de pelo menos 30 segundos no segundo teste definiu arbitrariamente a presença de PCI.
Os critérios de interrupção do exame e os de positividade adotados seguiram as recomendações das Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia25 e do American College of Cardiology/American Heart Association26.
Interpretação eletrocardiográfica
Durante o exercício, a confirmação do T-1,0 mm era realizada por consenso entre dois cardiologistas experientes. A aplicação do escore de isquemia miocárdica foi realizada por outros dois cardiologistas experientes (observador 1 e observador 2) de forma independente, um mês após o término das duas fases do estudo. Ambos observadores foram cegos para a interpretação final do PCI. Todos os exames foram reavaliados pelo observador 1, 30 dias após o término do estudo para avaliação da variação intraobservador.
O escore
O escore classifica os diversos padrões da resposta eletrocardiográfica com base em três aspectos: magnitude, morfologia e momento dos desvios do segmento ST. Cada aspecto é graduado de 0 a 4 pontos (Tabelas 1, 2 e 3), resultando numa escala que varia de 0 a 12 pontos.
Análise morfológica
Consideram-se 4 padrões morfológicos de depressão e um tipo morfológico de elevação do segmento ST:
1. Depressão ascendente do segmento ST. Os padrões ascendentes rápido ou lento são categorizados nesse item. O ponto de referência para a medida da depressão do segmento ST no tipo ascendente foi o ponto Y, a 80 ms do ponto J.
2. Depressão convexa do segmento ST. A presença de uma convexidade no segmento ST caracteriza esse padrão morfológico. Foi mensurado no ponto Y, a 80 ms do ponto J.
3. Depressão horizontal do segmento ST. Esse padrão morfológico foi mensurado no ponto Y, a 80 ms do ponto J.
4. Depressão descendente do segmento ST. Esse padrão morfológico foi mensurado no ponto J.
5. Elevação do segmento ST. Esse padrão morfológico deve ser mensurado no ponto Y, a 40 ms do ponto J.
Definição da magnitude dos desvios do segmento ST
A medida foi realizada conforme o padrão morfológico dos desvios do segmento ST, adotando-se a derivação com a maior alteração para a pontuação. Para a composição do escore, classificou-se a magnitude dos desvios em 5 categorias:
1. Ausência de desvios do segmento ST. O ponto de referência encontra-se na linha de base PQ ou mantém a mesma magnitude da situação basal.
2. Desvio do segmento ST de pequena magnitude. Depressão ou elevação do segmento ST inferior a 1,0 mm.
3. Desvio do segmento ST de 1,0 a 1,5 mm. Depressão ou elevação do segmento ST entre 1,0 mm e 1,5 mm.
4. Desvio do segmento ST de 1,6 a 2,0 mm. Depressão ou elevação do segmento ST superior a 1,5 mm e inferior ou igual a 2,0 mm.
5. Desvio do segmento ST superior a 2,0 mm. Depressão ou elevação do segmento ST de grande magnitude.
Momento e duração das alterações
Para a pontuação deste componente, consideram-se 5 padrões:
1. Pico transitório. Quando o desvio do segmento ST ocorre exclusivamente na fase de exercício, aparecendo após 12 minutos do protocolo de Bruce. A resolução total do desvio do segmento ST deve ocorrer antes do primeiro minuto da recuperação.
2. Pico e/ou recuperação. Corresponde ao exame onde o desvio do segmento ST aparece entre o 9º e o 12º minuto do protocolo de Bruce. Desvios do segmento ST que ocorreram exclusivamente na recuperação também foram considerados nesse padrão.
3. Precoce com reversão rápida. É definido quando o desvio do segmento ST ocorre entre o 3º e o 9º minuto do protocolo de Bruce, com resolução total do desvio do segmento ST ocorrendo antes do terceiro minuto da recuperação.
4. Precoce com reversão lenta. É definido quando o desvio do segmento ST ocorre entre o 3º e o 9º minuto do protocolo de Bruce, com resolução total do desvio do segmento ST ocorrendo após o terceiro minuto da recuperação.
5. Muito precoce. Quando o desvio do segmento ST ocorre até o terceiro minuto do exercício, com até 5 MET, correspondendo a alteração que ocorre no primeiro estágio do protocolo de Bruce.
Situações específicas
Quando houve piora do padrão morfológico na recuperação, foi considerada a pior morfologia e sua magnitude correspondente, desconsiderando a alteração da fase de exercício e, para a pontuação do momento do desvio, preservou-se o instante de início do desvio do segmento ST no exercício.
Delineamento do estudo
Após uma semana de suspensão de medicamentos cronotrópicos negativos e antidiabéticos orais, os pacientes foram encaminhados para o estudo em duas fases:
Fase I. Os pacientes foram submetidos a dois TES (T1 e T2), com intervalo de 30 minutos entre os exames. Aqueles que demonstraram o PCI foram encaminhados para a segunda fase.
Fase II. Os pacientes iniciaram uso de repaglinida com dose diária de 2 mg, 3x por dia, durante 7 dias. Então, os pacientes foram submetidos novamente aos dois testes (T3 e T4) mantendo o intervalo de 30 minutos entre os exames.
Análise estatística
O coeficiente Kappa, ponderado com respectivo intervalo de confiança de 95%, foi utilizado como medida para avaliar a concordância inter e intraobservador para cada um dos três componentes do escore27. Para a interpretação dos resultados de análises baseadas nas estatísticas Kappa e/ou índice de correlação intraclasse (ICC), adotou-se a seguinte classificação:
a) quase perfeita, para valores de 0,81 a 1,00;
b) substancial, para valores de 0,61 a 0,80;
c) moderada, para valores entre 0,41 e 0,60;
d) regular, para valores entre 0,21 e 0,40;
e) discreta, para valores de 0 a 0,20; e
f) pobre, para valores negativos.
Para avaliar a concordância inter e intraobservador no escore total, definido como a soma dos três componentes da escala de isquemia miocárdica, utilizou-se o índice de Kendall-tau e o ICC. Os coeficientes de Kendall-tau e Kappa, bem como ICC, têm valores que variam de "- 1" a "+ 1", sendo que "- 1" significa completa discordância e "+ 1" concordância perfeita28.
Dado o número de categorias observado no escore total, adotou-se também o coeficiente de concordância de Lin para avaliar o grau de concordância entre os dois observadores. Para esse coeficiente, excelente concordância foi definida como valor superior a 0,90, satisfatório como valores entre 0,6 a 0,9 e insatisfatório como valor inferior a 0,629.
As análises de correlação linear foram efetuadas utilizando-se coeficiente de correlação de Pearson (r) e o coeficiente de correlação de Spearman (rho), quando as premissas para aplicação de correlação de Pearson não foram satisfeitas30. Forte correlação linear foi definida como |r| > 0,7. Para 0,4 < |r| < = 0,7 foi definida correlação moderada. Para 0,2 < |r| < = 0,4 foi definida correlação fraca e para |r| < = 0,2 foi definida correlação muito fraca.
Os valores de sensibilidade, especificidade, valores preditivo positivo e preditivo negativo foram calculados considerando-se a documentação de PCI, quando houve uma melhora de pelo menos 30 segundos no índice T-1,0 mm. Quando houve empate ou aumento na pontuação do escore, considerou-se ausência de PCI.
Resultados
Variabilidade interobservador
Na análise da pontuação total do escore de isquemia para todos os testes ergométricos sequenciais avaliados (n = 151 exames), observou-se concordância perfeita entre os dois observadores (Kendall Tau-b = 0,96, p < 0,0001 e coeficiente de concordância de Lin = 0,9767 com IC 95%, 0,968 a 0,9831). O índice de correlação intraclasse demonstrou concordância quase perfeita entre os observadores (ICC = 0,98).
Documentou-se uma excelente concordância interobservador para a interpretação do escore de isquemia quando avaliados os exames dos pacientes submetidos exclusivamente às duas fases do protocolo (n = 116 exames). O coeficiente de concordância de Lin calculado foi de 0,97 (IC 95%, 0,96 a 0,98).
Quando avaliados somente os exames dos pacientes que foram excluídos na primeira fase do protocolo, ou seja, aqueles que não demonstraram melhora dos índices de PCI (n = 35 exames), mais uma vez demonstrou-se excelente concordância entre os observadores 1 e 2. O coeficiente de concordância de Lin calculado foi de 0,99 (IC 95%, 0,98 a 0,99).
Considerando-se cada componente da escala de isquemia miocárdica, documentou-se entre os dois observadores:
para o parâmetro magnitude, concordância quase perfeita Kappa = 0,99 (IC 95%, 0,97 a 1,0);
para o parâmetro morfologia, concordância quase perfeita (Kappa = 0,88 (IC 95%, 0,77 a 0,94); e
para o parâmetro momento, concordância perfeita Kappa = 1 (IC 95%, 1,0 a 1,0).
Variabilidade intraobservador
Considerando a pontuação total do escore para todos os 151 exames, observou-se concordância perfeita entre as duas análises (Kendall Tau-b = 0,98, p < 0,0001 e coeficiente de concordância de Lin = 0,995 com IC 95%, 0,994 a 0,997). O índice de correlação intraclasse demonstrou concordância quase perfeita entre as duas análises (ICC = 0,99).
Quando avaliados os três componentes do escore separadamente, o índice Kappa ponderado demonstrou concordância quase perfeita entre as duas análises, conforme ilustra a Tabela 4.
Acurácia
Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo negativo, valor preditivo positivo e acurácia foram, respectivamente, de 72,41%, 89,29%, 75,8%, 87,5% e 81,0%. Esses cálculos foram baseados na Tabela de contingência 5.
Índice T-1,0 mm
O coeficiente Kappa também foi adotado para avaliar a concordância entre o escore de isquemia miocárdica e o índice T-1,0 mm para caracterização do PCI. O valor calculado foi de 0,615 (concordância substancial).
Considerando a amostra que completou ambas as fases (n = 116), o coeficiente de correlação entre T-1,0 mm e o duplo produto do momento do T-1,0 mm foi de r = 0,1024, com p = 0,27 (IC 95%, -0,08 a 0,27). Portanto, não observamos uma correlação linear significativa entre os índices classicamente adotados para definição do PCI (Figura 1).
Discussão
Na avaliação do PCI através de TES, ainda não há um consenso sobre como caracterizar a presença ou ausência desse fenômeno por meio do clássico índice T-1,0 mm. Embora muitos autores considerem que a melhora do T-1,0 mm no segundo teste seja considerada uma expressão do PCI13-16,19,20,21,31, ainda não se definiu qual o diferencial mínimo de melhora.
Como a interpretação morfológica do eletrocardiograma é subjetiva e há uma grande quantidade de informações que necessitam de ponderação, a aplicação do escore de isquemia vem suprir uma necessidade do uso de sistemas mais inteligentes, simplificados e organizados para definir melhor o grau de positividade do teste ergométrico. Todos os aspectos do escore são facilmente avaliados, facilitando a integração de informação entre clínicos e especialistas.
O escore de isquemia miocárdica foi idealizado de modo análogo ao escore de perfusão miocárdica, que definiu os parâmetros e a pontuação de forma empírica32,33.
As faixas de magnitude da escala eletrocardiográfica de isquemia foram baseadas no clássico estudo de Diamond-Forrester34, onde foi demonstrada a correlação entre os graus de magnitude da depressão do segmento ST com a probabilidade de coronariopatia.
O somatório dos desvios do segmento ST não foi adotado como parâmetro dentro da escala de isquemia, pois já é sabido que este aspecto não possui boa correlação com extensão de isquemia ou de coronariopatia35.
Os diferentes padrões morfológicos de depressão do segmento ST do escore eletrocardiográfico de isquemia foram hierarquizados com base em dados da literatura25,26.
O aspecto momento do escore de isquemia foi idealizado com base no fato comprovado de que a precocidade dos desvios do segmento ST define maior gravidade da isquemia miocárdica36.
Em nossa amostra, apesar da gravidade do padrão obstrutivo coronariano, não observamos nenhum caso de déficit inotrópico intraesforço, o que sugere que a interpretação da resposta eletrocardiográfica por si só tem maior valor prático na avaliação da gravidade da isquemia.
A validade e reprodutibilidade do escore de isquemia miocárdica foi referendada pelas diversas análises que demonstraram excelente concordância inter e intraobservador, além de valores consistentes de sensibilidade, especificidade, valores preditivo positivo e preditivo negativo.
Para os cálculos da sensibilidade, especificidade e dos valores preditivo positivo e preditivo negativo, como não há um padrão-ouro de referência para definição de PCI no teste ergométrico, adotaram-se as seguintes premissas:
O T-1,0 mm foi o padrão de referência para análise e a melhora de pelo menos 30 segundos no segundo exame caracterizou a presença do PCI;
A melhora na pontuação do escore de isquemia, com redução de pelo menos um ponto no escore total definiu a presença de PCI;
Manter a mesma pontuação do escore de isquemia, ou aumentar pelo menos um ponto no escore total, definiu ausência de PCI.
Mesmo quando cada componente do escore de isquemia miocárdica foi avaliado separadamente, houve uma concordância de perfeita a quase perfeita entre os dois observadores.
Além disso, a concordância entre o escore de isquemia miocárdica e o índice T-1,0 mm para caracterização do PCI foi considerada substancial.
Quando o coeficiente de correlação entre T-1,0 mm e o duplo produto do momento do T-1,0 mm foram avaliados, não houve uma correlação linear significativa entre os mesmos, que são os índices classicamente adotados para definição do PCI.
A população de diabéticos coronariopatas derivou do estudo MASS II37, incluindo pacientes comprovadamente coronariopatas confirmados por estudos angiográficos eliminando resultados falso-positivos.
No presente estudo, a repaglinida modificou negativamente não só o fenômeno do aquecimento como também os índices de tolerância ao exercício e a resposta eletrocardiográfica no pós-exercício16. Sulfonilureias e glinidas, por bloquearem os canais K-ATP das células betapancreáticas, podem também atuar nos canais K-ATP miocárdicos abolindo o PCI3,13-18. A ação da repaglinida, por abolir esse fenômeno de proteção miocárdica, é admitida como deletéria com potencial efeito nocivo ao miocárdio quando frente a um evento isquêmico.
A falta de uma forma para caracterizar o grau de positividade do teste ergométrico acaba gerando relatos mal estruturados, que, comumente, resultam em ambiguidades e desentendimentos entre o ergometrista e o clínico, além de determinar uma comparação inapropriada de resultados pelos diversos estudos.
Conclusão
Do ponto de vista eletrocardiográfico, o escore de isquemia é consistente e reprodutível, podendo ser considerado uma alternativa factível ao índice clássico tempo para 1,0 mm de depressão do segmento ST para avaliação do precondicionamento isquêmico.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Este artigo é parte de tese de Doutorado de Augusto Uchida pelo INCOR-HCFMUSP.
Artigo recebido em 04/10/09; revisado recebido em 09/05/10; aceito em 13/05/10.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Set 2010 -
Data do Fascículo
Out 2010
Histórico
-
Revisado
09 Maio 2010 -
Recebido
04 Out 2009 -
Aceito
13 Maio 2010