Acessibilidade / Reportar erro

Fondaparinux versus Enoxaparina - Qual o Melhor Anticoagulante para Síndrome Coronariana Aguda? - Dados de um Registro Brasileiro

Resumo

Fundamento:

Estudos recentes têm apresentado superioridade do fondaparinux em relação à enoxaparina em pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA) sem supradesnivelamento de ST, principalmente relacionada à redução de sangramentos. A descrição desse achado em registro brasileiro ainda não foi documentada.

Objetivo:

Comparar fondaparinux versus enoxaparina no prognóstico intrahospitalar em SCA sem supradesnivelamento de ST.

Métodos:

Estudo retrospectivo, multicêntrico e observacional. Foram incluídos 2.282 pacientes (335 no grupo fondaparinux e 1.947 no grupo enoxaparina) entre maio de 2.010 e maio de 2.015. Foram obtidos dados demográficos, medicações utilizadas e tratamento coronariano adotado. O desfecho primário foi mortalidade por todas as causas. O desfecho secundário foi eventos combinados (choque cardiogênico, reinfarto, morte, acidente vascular cerebral e sangramentos). A comparação entre os grupos foi realizada por meio de Q-quadrado e teste-T. A análise multivariada foi realizada por regressão logística, sendo considerado significativo p < 0,05.

Resultados:

Em relação ao tratamento, observou-se realização de intervenção coronária percutânea em 40,2% no grupo fondaparinux e 35,1% no grupo enoxaparina (p = 0,13). Na análise multivariada, observaram-se diferenças significativas entre os grupos fondaparinux e enoxaparina em relação a eventos combinados (13,8% vs. 22%, OR = 2,93, p = 0,007) e sangramentos (2,3% vs. 5,2%, OR = 4,55, p = 0,037), respectivamente.

Conclusão:

Semelhante aos dados recentemente publicados na literatura mundial, fondaparinux mostrou-se superior à enoxaparina para a população brasileira, com redução significativa de eventos combinados e sangramentos.

Palavras-chave:
Síndrome Coronariana Aguda; Anticoagulantes / uso terapêutico; Enoxaparina / uso terapêutico; Infarto do Miocárdio; Intervenção Coronária Percutânea; Hemorragia

Abstract

Background:

Recent studies have shown fondaparinux's superiority over enoxaparin in patients with non-ST elevation acute coronary syndrome (ACS), especially in relation to bleeding reduction. The description of this finding in a Brazilian registry has not yet been documented.

Objective:

To compare fondaparinux versus enoxaparin in in-hospital prognosis of non-ST elevation ACS.

Methods:

Multicenter retrospective observational study. A total of 2,282 patients were included (335 in the fondaparinux group, and 1,947 in the enoxaparin group) between May 2010 and May 2015. Demographic, medication intake and chosen coronary treatment data were obtained. Primary outcome was mortality from all causes. Secondary outcome was combined events (cardiogenic shock, reinfarction, death, stroke and bleeding). Comparison between the groups were done through Chi-Square test and T test. Multivariate analysis was done through logistic regression, with significance values defined as p < 0.05.

Results:

With regards to treatment, we observed the performance of a percutaneous coronary intervention in 40.2% in the fondaparinux group, and in 35.1% in the enoxaparin group (p = 0.13). In the multivariate analysis, we observed significant differences between fondaparinux and enoxaparin groups in relation to combined events (13.8% vs. 22%. OR = 2.93, p = 0.007) and bleeding (2.3% vs. 5.2%, OR = 4.55, p = 0.037), respectively.

Conclusion:

Similarly to recently published data in international literature, fondaparinux proved superior to enoxaparin for the Brazilian population, with significant reduction of combined events and bleeding.

Keywords:
Acute Coronary Syndrome; Anticoagulants / therapeutic use; Enoxaparin / therapeutic use; Myocardial Infarction; Percutaneous Coronary Intervention; Hemorrhage

Introdução

O uso de agentes anticoagulantes em síndrome coronariana aguda (SCA) é fundamental, com impacto em redução de eventos e mortalidade. No entanto, a escolha da melhor terapia anticoagulante em pacientes com SCA ainda é alvo de debate e, atualmente, tema de grande discussão. Seguindo a lógica, quanto mais efetivo o anticoagulante, maior o risco de sangramentos, e vice-versa.11 Simoons ML, Bobbink IW, Boland J, Gardien M, Klootwijk P, Lensing AW, et al; PENTUA Investigators. A dose-finding study of fondaparinux in patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes: the Pentasaccharide in Unstable Angina (PENTUA) Study. J Am Coll Cardiol. 2004;43(12):2183-90.,22 Schiele F. Fondaparinux and acute coronary syndromes: update on the OASIS 5-6 studies. Vasc Health Risk Manag. 2010;6:179-87.

Estudos recentes têm apresentado superioridade do fondaparinux em relação à enoxaparina em pacientes com SCA sem supradesnivelamento de ST (SCASSST), principalmente relacionada à redução de sangramentos.33 Schiele F, Meneveau N, Seronde MF, Descotes-Genon V, Dutheil J, Chopard R, et al; Reseau de Cardiologie de Franche Comte. Routine use of fondaparinux in acute coronary syndromes: a 2-year multicenter experience. Am Heart J. 2010;159(2):190-8.

4 Yusuf S, Mehta SR, Chrolavicius S, Afzal R, Pogue J, Granger CB, et al; Fifth Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators. Comparison of fondaparinux and enoxaparin in acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2006;354(14):1464-76.
-55 Szummer K, Oldgren J, Lindhagen L, Carrero JJ, Evans M, Spaak J, et al. Association between the use of fondaparinux vs low-molecular-weight heparin and clinical outcomes in patients with non-ST-segment elevation myocardial infarction. JAMA. 2015;313(7):707-16. A descrição desse achado, em registro brasileiro, ainda não foi documentada.

Dessa forma, desenvolvemos este estudo com o objetivo de comparar fondaparinux versus enoxaparina no prognóstico intrahospitalar em SCASSST na população brasileira.

Métodos

População do estudo

Trata-se de estudo retrospectivo, multicêntrico e observacional. Incluíram-se 2.282 pacientes com SCASSST admitidos entre maio de 2.010 e maio de 2.015 no setor de emergência. Os pacientes foram divididos em dois grupos: uso de fondaparinux (N = 335) e uso de enoxaparina (N = 1.947). Presença de supradesnivelamento do segmento ST foi o único critério de exclusão utilizado. Todos os pacientes foram submetidos à cineangiocoronariografia.

A presença de SCA foi considerada em todos os pacientes que preencheram os critérios estabelecidos pela última diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da American Heart Association.66 Nicolau JC, Timerman A, Marin-Neto JA, Piegas LS, Barbosa CJ, Franci A; Sociedade Brasileira de Cardiologia. [Guidelines of Sociedade Brasileira de Cardiologia for Unstable Angina and Non-ST-Segment Elevation Myocardial Infarction (II Edition, 2007) 2013-2014 Update]. Arq Bras Cardiol. 2014;102(3 Suppl.1):1-61.,77 Jneid H, Anderson JL, Wright RS, Adams CD, Bridges CR, Casey DE Jr, et al; American College of Cardiology Foundation; American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2012 ACCF/AHA focused update of the guideline for the management of patients with unstable angina/non-ST-elevation myocardial infarction (updating the 2007 guideline and replacing the 2011 focused update): a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on practice guidelines. Circulation. 2012;126(7):875-910. SCA sem supradesnível de ST foi definida como presença de dor torácica associada a alterações eletrocardiográficas ou elevação/queda de troponina na internação ou, na ausência dessas, quadro clínico e fatores de risco compatíveis com angina instável (dor torácica ao repouso ou ao mínimo esforço, severa ou ocorrendo em padrão em crescendo). Sangramento maior foi definido pelo escore de BARC88 Mehran R, Rao SV, Bahht DL, Gibson M, Caixeta A, Eikelboom J, et al. Standardized bleeding definitions for cardiovascular clinical trials: a consensus report from the Bleeding Academic Research Consortium. Circulation. 2011;123(23):2736-47. tipos 3 e 5 e sangramento menor pelos tipos 1 e 2. Reinfarto foi considerado quando da recorrência de dor torácica associada à nova elevação de troponina. Acidente vascular encefálico isquêmico (AVCi) foi considerado na presença de novo déficit neurológico focal motor confirmado por meio de tomografia computadorizada de crânio. Pacientes em uso de fondaparinux receberam dose adicional de heparina não-fracionada endovenosa quando submetidos à intervenção coronária percutânea (60 UI/kg quando em uso de inibidores de glicoproteína IIbIIIa ou 85 UI/kg, caso não fizessem uso do medicamento).

Os seguintes dados foram obtidos: idade, sexo, presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, dislipidemia, história familiar para doença coronária precoce, doença arterial coronária prévia (angioplastia ou cirurgia de revascularização miocárdica anterior), hemoglobina, creatinina, pico de troponina, classificação killip, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, medicações utilizadas nas primeiras 24 horas da internação e tratamento coronariano adotado.

O trabalho foi submetido e aprovado pelo comitê de ética e pesquisa. O termo de consentimento livre e esclarecido foi preenchido por todos os pacientes incluídos no estudo.

Análise estatística

O desfecho primário foi mortalidade intrahospitalar por todas as causas. O desfecho secundário foi eventos combinados (choque cardiogênico, reinfarto, morte, AVCi e sangramento maior). Análise descritiva foi realizada utilizando médias, valores mínimos e máximos. A comparação entre grupos foi realizada através de Q-quadrado para as variáveis categóricas. Para as variáveis contínuas, quando o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov mostrava distribuição normal, empregou-se o teste-T, sendo considerado significativo p < 0,05. Caso a distribuição não seguisse o padrão de normalidade, utilizamos o teste Mann-Whitney U. A análise multivariada foi realizada por regressão logística, sendo considerado significativo p < 0,05. Foram consideradas como variáveis na análise, todas as características basais apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características clínicas basais de pacientes em uso de fondaparinux versus enoxaparina na amostra estudada

Todos os cálculos foram realizados utilizando o programa SPSS v10.0.

Resultados

A média de idade foi de 61 anos e cerca de 63% eram do sexo masculino. O fator de risco mais prevalente foi hipertensão arterial sistêmica, em 71% dos casos. O escore de sangramento Mehran médio foi de 16,2 versus 15,7 nos grupos fondaparinux e enoxaparina, respectivamente. Em relação ao tratamento, observou-se realização de intervenção coronária percutânea em 40,2% no grupo fondaparinux e 35,1% no grupo enoxaparina (p = 0,13). Cirurgia de revascularização miocárdica foi realizada em 18,8% do grupo fondaparinux versus 17.6% nos pacientes que receberam enoxaparina (p = 0,031). Quanto ao padrão arterial coronário, não se observou diferença significativa entre os grupos fondaparinux e enoxaparina, sendo 45,2% versus 43,6% uniarteriais (p = 0,432), 20,1% versus 17,9% biarteriais (p = 0,567) e 22,3% versus 24,9% triarteriais (p = 0,871), respectivamente.

Quanto à ocorrência de complicações hemorrágicas, pseudoaneurisma de artéria femoral foi a mais frequente (56% dos casos), seguida por acidente vascular cerebral hemorrágico (18%) e hemorragia digestiva alta associada à instabilidade hemodinâmica e/ou queda de hemoglobina ≥ 3,0 g/dL (16%). Não se observaram diferenças importantes entre os tipos de sangramento relacionados à enoxaparina versus fondaparinux.

Na comparação entre os grupos, observaram-se diferenças significativas em relação à hipertensão (67,8% vs. 73,6%, p < 0,0001), tabagismo (24,2% vs. 30,5%, p = 0,007), história familiar de doença coronariana precoce (10,1% vs. 13,4%, p = 0,044), insuficiência cardíaca (10,7% vs. 8,8%, p = 0,039), classificação killip ≥ 2 2 (1,8% vs. 5,6%, p = 0,003), uso de B-bloqueadores (96,1% vs. 87,4%, p < 0,0001), clopidogrel (65,4% vs. 67,9%, p < 0,038), inibidores de glicoproteína IIbIIIa (5,8% vs. 16,1%, p < 0,0001) e estatinas (98,5% vs. 93,8%, p < 0,0001). As características basais da população estudada encontram-se na Tabela 1.

Na análise multivariada, observaram-se diferenças significativas entre os grupos fondaparinux e enoxaparina em relação a eventos combinados (13,8% vs. 22%, OR = 2,93, p = 0,007) e sangramentos (2,3% vs. 5,2%, OR = 4,55, p = 0,037), respectivamente. Os resultados da análise multivariada comparando diferentes desfechos intrahospitalares entre os grupos são apresentados na Tabela 2 e na Figura 1.

Tabela 2
Resultados da análise multivariada comparando diferentes desfechos intrahospitalares entre os grupos de pacientes em uso de fondaparinux versus enoxaparina

Figura 1
Avaliação comparativa de mortalidade, eventos combinados e sangramentos entre os grupos fondaparinux e enoxaparina.

Discussão

O estudo apresentado mostrou dados importantes reproduzidos na população brasileira, que condizem com os resultados de publicações recentes na literatura. Observou-se redução significativa de sangramentos e eventos combinados na evolução intrahospitalar. Em relação à mortalidade, não se demonstrou diferença significativa entre pacientes que usaram fondaparinux ou enoxaparina.

Em 2.006, foi publicado o estudo OASIS-5, trabalho randomizado com 20.078 pacientes com SCASSST que receberam fondaparinux 2,5 mg versus enoxaparina 1 mg/kg duas vezes ao dia, comparando-se efetivamente os dois anticoagulantes. Observaram-se resultados semelhantes quanto ao desfecho primário do estudo referente a eventos combinados durante a internação (morte e reinfarto). No entanto, após nove dias, as maiores taxas de sangramento com o uso de fondaparinux foram significativamente menores em comparação as de pacientes que receberam enoxaparina (2,2% vs. 4,1%, p < 0,001). Além disso, fondaparinux manteve sua superioridade em relação a sangramentos em longo prazo e mostrou-se melhor também em mortalidade no seguimento de 30 dias (2,9% vs. 3,5%, p = 0,02) e 180 dias (5,8% vs. 6,5%, p = 0,05).22 Schiele F. Fondaparinux and acute coronary syndromes: update on the OASIS 5-6 studies. Vasc Health Risk Manag. 2010;6:179-87.,44 Yusuf S, Mehta SR, Chrolavicius S, Afzal R, Pogue J, Granger CB, et al; Fifth Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators. Comparison of fondaparinux and enoxaparin in acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2006;354(14):1464-76.,99 Majure DT, Aberegg SK. Fondaparinux versus enoxaparin in acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2006;354(26):2829.

Após a publicação do estudo principal, permaneceram dúvidas se os mesmos resultados poderiam ser reproduzidos na população como um todo, sem critérios específicos de seleção. Porém, o uso de fondaparinux se expandiu consideravelmente, principalmente na Europa, tornando-se indicação classe Ib pela Sociedade Europeia de Cardiologia em pacientes com SCASSST, ao passo que a enoxaparina permaneceu com indicação Ib pela mesma diretriz.1010 Roffi M, Patrono C, Collet J, Mueller C, Valgimigli M, Andreotti F, et al; Management of Acute Coronary Syndromes in Patients Presenting without Persistent ST-Segment Elevation of the European Society of Cardiology. 2015 ESC guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation: Task Force for the Management of Acute Coronary Syndromes in Patients Presenting without Persistent ST-Segment Elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2016;37(3):267-315. Dessa forma, foram publicados alguns bancos de dados mostrando resultados similares aos que o OASIS-5 apresentou, só que agora em vida real.33 Schiele F, Meneveau N, Seronde MF, Descotes-Genon V, Dutheil J, Chopard R, et al; Reseau de Cardiologie de Franche Comte. Routine use of fondaparinux in acute coronary syndromes: a 2-year multicenter experience. Am Heart J. 2010;159(2):190-8.,55 Szummer K, Oldgren J, Lindhagen L, Carrero JJ, Evans M, Spaak J, et al. Association between the use of fondaparinux vs low-molecular-weight heparin and clinical outcomes in patients with non-ST-segment elevation myocardial infarction. JAMA. 2015;313(7):707-16.,1111 Permsuwan U, Chaiyakunapruk N, Nathisuwan S, Sukonthasarn A. Cost-effectiveness analysis of fondaparinux vs enoxaparin in non-ST elevation acute coronary syndrome in Thailand. Heart Lung Circ. 2015;24(9):860-8.,1212 Kossovsky M, Keller PF, Mach F, Gaspoz JM. Fondaparinux versus enoxaprin in the management of acute coronary syndromes in Switzerland: a cost comparison analysis. Swiss Med Wkly. 2012;142:w13536.

De todos os registros, o mais impactante foi o registro sueco comparando fondaparinux à enoxaparina em cerca de 40.000 pacientes com SCASSST. Cerca de 36,4% do total foram tratados com fondaparinux e 63,6% com enoxaparina. Observaram-se menores taxas de sangramento comparativamente entre fondaparinux e enoxaparina (1,1% vs. 1,8%, OR = 0,54, IC 95% = 0,42 - 070). Isso refletiu-se, também, em menores taxas de mortalidade intrahospitalar nos pacientes que receberam fondaparinux (2,7% vs. 4,0%, OR = 0,75, IC 95% = 0,63 - 0,89). Após 30 e 180 dias, diferenças relacionadas à mortalidade e sangramentos foram mantidas entre os grupos. Tal achado refletiu, em parte, o que o estudo OASIS-5 havia demonstrado, agora, porém, em uma população real de uma amostra significativa.55 Szummer K, Oldgren J, Lindhagen L, Carrero JJ, Evans M, Spaak J, et al. Association between the use of fondaparinux vs low-molecular-weight heparin and clinical outcomes in patients with non-ST-segment elevation myocardial infarction. JAMA. 2015;313(7):707-16. Dessa forma, os resultados do nosso estudo condizem com o que a literatura tem apresentado mostrando menores taxas de sangramento e eventos combinados.

Sem dúvida alguma, o grande ponto que diferencia fondaparinux de enoxaparina é o menor risco de sangramento associado ao seu uso. Mesmo quando realizada a intervenção coronária percutânea ou associado ao uso de inibidores de glicoproteína IIbIIIa, o fondaparinux apresenta menores taxas de sangramento comparativamente à enoxaparina.1313 Mehta SR, Granger CB, Eikelboom JW, Bassand JP, Wallentin L, Faxon DP, et al. Efficacy and safety of fondaparinux versus enoxaparin in patients with acute coronary syndromes undergoing percutaneous coronary intervention: results from the OASIS-5 trial. J Am Coll Cardiol. 2007;50(18):1742-51.,1414 Jolly SS, Faxon DP, Fox KA, Afzal R, Boden WE, Widimsky P, et al. Efficacy and safety of fondaparinux versus enoxaparin in patients with acute coronary syndromes treated with glycoprotein IIb/IIIa inhibitors or thienopyridines: results from the OASIS 5 (Fifth Organization to Assess Strategies in Ischemic Syndromes) trial. J Am Coll Cardiol. 2009;54(5):468-76. Em 2.009, Budaj et al.1515 Budaj A, Eikelboom JW, Mehta SR, Afzal R, Chrolavicius S, Bassand JP, et al; OASIS 5 Investigators. Improving clinical outcomes by reducing bleeding in patients with non-ST-elevation acute coronary syndromes. Eur Heart J. 2009;30(6):655-61. publicaram uma subanálise do estudo OASIS-5 mostrando que a redução acontece em quase todos os tipos de sangramento quando se utiliza fondaparinux, só não apresentando diferenças em relação ao sangramento intracraniano e àquele relacionado à cirurgias. Além disso, justificando a importância do sangramento na evolução dos pacientes e sua correlação com os outros desfechos, os autores mostraram mortalidade de 8,4% vs. 2,7% (p < 0,0001), respectivamente, entre pacientes que apresentaram ou não sangramentos maiores.1616 Sculpher MJ, Lozano-Ortega G, Sambrook J, Palmer S, Ormanidhi O, Bakhai A, et al. Fondaparinux versus Enoxaparin in non-ST-elevation acute coronary syndromes: short-term cost and long-term cost-effectiveness using data from the Fifth Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators (OASIS-5) trial. Am Heart J. 2009;157(5):845-52. Apesar de em nosso estudo não mostrarmos diferenças significativas em relação à mortalidade, o aumento de sangramento impactou em maior número de eventos combinados.

A justificativa para a menor taxa de sangramentos se dá, em parte, pelo uso de uma dose reduzida de anticoagulante quando administrado o fondaparinux. No entanto, tal dose de 2,5 mg ao dia foi validada anteriormente mostrando que em vigência de dupla antiagregação plaquetária, a dose de anticoagulante necessária para bloqueio completo do sistema deva, talvez ser reduzida. Além disso, o fondaparinux é um inibidor do fator Xa extremamente específico e reversível, o que faz com que, teoricamente, uma dose menor se amplifique em termos de efeito anticoagulante.11 Simoons ML, Bobbink IW, Boland J, Gardien M, Klootwijk P, Lensing AW, et al; PENTUA Investigators. A dose-finding study of fondaparinux in patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes: the Pentasaccharide in Unstable Angina (PENTUA) Study. J Am Coll Cardiol. 2004;43(12):2183-90.

Por último, devido à redução de sangramentos e à consequente menor taxa de mortalidade e eventos decorrentes do uso de fondaparinux, inúmeros estudos demonstraram melhor custo-benefício de sua utilização em relação à enoxaparina.1616 Sculpher MJ, Lozano-Ortega G, Sambrook J, Palmer S, Ormanidhi O, Bakhai A, et al. Fondaparinux versus Enoxaparin in non-ST-elevation acute coronary syndromes: short-term cost and long-term cost-effectiveness using data from the Fifth Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators (OASIS-5) trial. Am Heart J. 2009;157(5):845-52.

17 Huber K, Bates ER, Valgimigli M, Wallentin L, Kristensen SD, Anderson JL, et al. Antiplatelet and anticoagulation agents in acute coronary syndromes: what is the current status and what does the future hold? Am Heart J. 2014;168(5):611-21.

18 Ross Terres JA, Lozano-Ortega G, Kendall R, Sculpher MJ. Cost-effectiveness of fondaparinux versus enoxaparin in non-ST-elevation acute coronary syndrome in Canada (OASIS-5). BMC Cardiovasc Disord. 2015;15(1):180.
-1919 Pepe C, Machado M, Olimpio A, Ramos R. Cost-effectiveness of fondaparinux in patients with acute coronary syndrome without ST-segment elevation. Arq Bras Cardiol. 2012;99(1):613-22. Subanálise do estudo OASIS-5 mostrou, ao final de 180 dias, redução média de custo de até 547 dólares por paciente no grupo que usou fondaparinux, ressaltando, ainda mais, a superioridade do medicamento.1616 Sculpher MJ, Lozano-Ortega G, Sambrook J, Palmer S, Ormanidhi O, Bakhai A, et al. Fondaparinux versus Enoxaparin in non-ST-elevation acute coronary syndromes: short-term cost and long-term cost-effectiveness using data from the Fifth Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators (OASIS-5) trial. Am Heart J. 2009;157(5):845-52.

Dessa forma, o uso de fondaparinux em SCASSST tem se expandido no Brasil e no mundo. Nesse contexto, a demonstração dos mesmos benefícios em um registro brasileiro é fundamental para dar maior segurança e confiabilidade ao país.

Limitações

Apesar da grande casuística, este estudo é retrospectivo e apresenta um número muito maior de pacientes em uso de enoxaparina do que em de fondaparinux. Acreditamos que tais diferenças se baseiem na maior experiência dos médicos responsáveis pelo atendimento a pacientes em uso de enoxaparina, até mesmo pelo maior tempo de uso desse medicamento, pela população brasileira quando comparado ao de fondaparinux. Além disso, não temos descrição do tipo de acesso vascular utilizado, algo que pode influenciar a taxa de sangramento associada à intervenção coronária percutânea. A taxa de intervenção coronária percutânea é considerada relativamente baixa, provavelmente devido ao perfil de pacientes de alta complexidade envolvidos no estudo. Por último, o uso de inibidores de glicoproteína IIbIIIa foi maior no grupo enoxaparina, o que pode, em parte, elevar a taxa de sangramento nesse grupo.

Conclusão

Semelhante aos dados recentemente publicados na literatura mundial, fondaparinux mostrou-se superior à enoxaparina quando ministrado na população brasileira, com redução significativa de eventos combinados e sangramentos.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação

References

  • 1
    Simoons ML, Bobbink IW, Boland J, Gardien M, Klootwijk P, Lensing AW, et al; PENTUA Investigators. A dose-finding study of fondaparinux in patients with non-ST-segment elevation acute coronary syndromes: the Pentasaccharide in Unstable Angina (PENTUA) Study. J Am Coll Cardiol. 2004;43(12):2183-90.
  • 2
    Schiele F. Fondaparinux and acute coronary syndromes: update on the OASIS 5-6 studies. Vasc Health Risk Manag. 2010;6:179-87.
  • 3
    Schiele F, Meneveau N, Seronde MF, Descotes-Genon V, Dutheil J, Chopard R, et al; Reseau de Cardiologie de Franche Comte. Routine use of fondaparinux in acute coronary syndromes: a 2-year multicenter experience. Am Heart J. 2010;159(2):190-8.
  • 4
    Yusuf S, Mehta SR, Chrolavicius S, Afzal R, Pogue J, Granger CB, et al; Fifth Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators. Comparison of fondaparinux and enoxaparin in acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2006;354(14):1464-76.
  • 5
    Szummer K, Oldgren J, Lindhagen L, Carrero JJ, Evans M, Spaak J, et al. Association between the use of fondaparinux vs low-molecular-weight heparin and clinical outcomes in patients with non-ST-segment elevation myocardial infarction. JAMA. 2015;313(7):707-16.
  • 6
    Nicolau JC, Timerman A, Marin-Neto JA, Piegas LS, Barbosa CJ, Franci A; Sociedade Brasileira de Cardiologia. [Guidelines of Sociedade Brasileira de Cardiologia for Unstable Angina and Non-ST-Segment Elevation Myocardial Infarction (II Edition, 2007) 2013-2014 Update]. Arq Bras Cardiol. 2014;102(3 Suppl.1):1-61.
  • 7
    Jneid H, Anderson JL, Wright RS, Adams CD, Bridges CR, Casey DE Jr, et al; American College of Cardiology Foundation; American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2012 ACCF/AHA focused update of the guideline for the management of patients with unstable angina/non-ST-elevation myocardial infarction (updating the 2007 guideline and replacing the 2011 focused update): a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on practice guidelines. Circulation. 2012;126(7):875-910.
  • 8
    Mehran R, Rao SV, Bahht DL, Gibson M, Caixeta A, Eikelboom J, et al. Standardized bleeding definitions for cardiovascular clinical trials: a consensus report from the Bleeding Academic Research Consortium. Circulation. 2011;123(23):2736-47.
  • 9
    Majure DT, Aberegg SK. Fondaparinux versus enoxaparin in acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2006;354(26):2829.
  • 10
    Roffi M, Patrono C, Collet J, Mueller C, Valgimigli M, Andreotti F, et al; Management of Acute Coronary Syndromes in Patients Presenting without Persistent ST-Segment Elevation of the European Society of Cardiology. 2015 ESC guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation: Task Force for the Management of Acute Coronary Syndromes in Patients Presenting without Persistent ST-Segment Elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2016;37(3):267-315.
  • 11
    Permsuwan U, Chaiyakunapruk N, Nathisuwan S, Sukonthasarn A. Cost-effectiveness analysis of fondaparinux vs enoxaparin in non-ST elevation acute coronary syndrome in Thailand. Heart Lung Circ. 2015;24(9):860-8.
  • 12
    Kossovsky M, Keller PF, Mach F, Gaspoz JM. Fondaparinux versus enoxaprin in the management of acute coronary syndromes in Switzerland: a cost comparison analysis. Swiss Med Wkly. 2012;142:w13536.
  • 13
    Mehta SR, Granger CB, Eikelboom JW, Bassand JP, Wallentin L, Faxon DP, et al. Efficacy and safety of fondaparinux versus enoxaparin in patients with acute coronary syndromes undergoing percutaneous coronary intervention: results from the OASIS-5 trial. J Am Coll Cardiol. 2007;50(18):1742-51.
  • 14
    Jolly SS, Faxon DP, Fox KA, Afzal R, Boden WE, Widimsky P, et al. Efficacy and safety of fondaparinux versus enoxaparin in patients with acute coronary syndromes treated with glycoprotein IIb/IIIa inhibitors or thienopyridines: results from the OASIS 5 (Fifth Organization to Assess Strategies in Ischemic Syndromes) trial. J Am Coll Cardiol. 2009;54(5):468-76.
  • 15
    Budaj A, Eikelboom JW, Mehta SR, Afzal R, Chrolavicius S, Bassand JP, et al; OASIS 5 Investigators. Improving clinical outcomes by reducing bleeding in patients with non-ST-elevation acute coronary syndromes. Eur Heart J. 2009;30(6):655-61.
  • 16
    Sculpher MJ, Lozano-Ortega G, Sambrook J, Palmer S, Ormanidhi O, Bakhai A, et al. Fondaparinux versus Enoxaparin in non-ST-elevation acute coronary syndromes: short-term cost and long-term cost-effectiveness using data from the Fifth Organization to Assess Strategies in Acute Ischemic Syndromes Investigators (OASIS-5) trial. Am Heart J. 2009;157(5):845-52.
  • 17
    Huber K, Bates ER, Valgimigli M, Wallentin L, Kristensen SD, Anderson JL, et al. Antiplatelet and anticoagulation agents in acute coronary syndromes: what is the current status and what does the future hold? Am Heart J. 2014;168(5):611-21.
  • 18
    Ross Terres JA, Lozano-Ortega G, Kendall R, Sculpher MJ. Cost-effectiveness of fondaparinux versus enoxaparin in non-ST-elevation acute coronary syndrome in Canada (OASIS-5). BMC Cardiovasc Disord. 2015;15(1):180.
  • 19
    Pepe C, Machado M, Olimpio A, Ramos R. Cost-effectiveness of fondaparinux in patients with acute coronary syndrome without ST-segment elevation. Arq Bras Cardiol. 2012;99(1):613-22.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2016
  • Data do Fascículo
    Set 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2016
  • Revisado
    15 Jun 2016
  • Aceito
    06 Jul 2016
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br