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Múltiplos espaços da lingüística aplicada A trajetória de John Schmitz

APRESENTAÇÃO

Múltiplos espaços da lingüística aplicada A trajetória de John Schmitz

Angela Kleiman; Paulo Ottoni; Silvana Serrani

(Unicamp)

Para prestar nossa homenagem ao colega John Schmitz, recentemente aposentado, nós, seus colegas de Departamento, escolhemos tratar das suas múltiplas entradas nos espaços da Lingüística Aplicada, tal qual ele as deixou registradas no seu Memorial, elaborado por ocasião de seu concurso para professor titular na Unicamp, realizado nos dias 18 e 19 de maio de 1998.

Nascido em Nova York, "local onde várias culturas co-existem", cedo em sua vida acadêmica, já manifestou preferência pela diversidade e abertura a múltiplas perspectivas e interesses. Sua primeira escolha acadêmica, o estudo de espanhol, é por ele considerada, segundo relata no memorial, "como uma abertura para o mundo externo que realmente possibilitou confrontos e comparações" que atendiam a uma vontade própria de lidar com a diversidade: "Em nosso caso, essa mudança na leitura de mundos diferentes e a aceitação de outras "ideologias" ocorreram espontaneamente e plenamente de acordo com a nossa vontade".

A atuação profissional de John Schmitz na área de línguas estrangeiras teve suas origens na sua aprendizagem de uma outra língua, nos seus questionamentos sobre o papel da linguagem na formação identitária. Como ele diz em seu Memorial1 1 Todas as citações sem indicação de autor foram retiradas do Memorial. :

O estudo de espanhol em nível de graduação nos marcou profundamente. Na realidade trocamos, no nível intelectual, Dickens por Galdós e Shakespeare por Calderón e num nível popular, Elvis Presley e os Beatles por pasodobles e boleros. Na verdade o estudo sério de uma língua estrangeira, em certos casos, pode modificar a própria visão do mundo e a própria identidade do aprendiz (p.5).

Em conseqüência dessa primeira formação, questões que estão em debate atualmente na pedagogia de línguas estrangeiras _ como a relação literatura-língua nos cursos _ têm sido uma presença constante na trajetória de John, embora a época em que deu seus primeiros passos no campo não propiciasse um enfoque integrador no processo de aquisição de uma língua estrangeira. Essa abordagem ele acabou construindo em decorrência da sua paixão pela língua espanhola, que o mobilizava:

Outro fato que nos marcou profundamente foi (...) estudar junto à Universidade Nacional Autônoma do México (...). Foi um verdadeiro "despertar" (...). Fizemos cursos sobre a literatura mexicana intitulados "La Novela de la Revolución", ( ) "Historia de la Conquista Española" e ainda outra disciplina voltada para a situação política e cultural de México frente aos Estados Unidos. O curso de graduação se nos apresentou com uma direção firme na vida. O nosso destino estava ligado com as línguas estrangeiras, especificamente, a língua e cultura espanhola e hispano-americana (p. 5).

Para John, o estudo da língua já se perfilava também como uma dimensão fundamental para sua procura de um marco institucional que favorecesse uma construção pessoal no seu processo de formação, o que achou ter encontrado nos estudos de pós-graduação em Princeton:

A única opção naquela época foi a de continuar os estudos na área de literatura. O estudo do idioma em si, isto é, o estudo da sua estrutura sintática e semântica não foi possível, pois os estudos pós-graduados nesse período (1957) estavam voltados somente para os estudos literários. Quem tinha mais interesse no idioma não ia ser atendido, pois o estudo de língua espanhola significava o estudo de fato da literatura. Não havia naquela época uma ênfase nos estudos lingüísticos e Brooklyn College não tinha sequer uma área de lingüística e nem muito menos um departamento. Somente a Columbia University contava com a presença do lingüista Uriel Weinreich. Este estado de coisas nos encaminhou para a nossa segunda principal etapa na carreira: a Universidade de Princeton (p. 6).

No ensino de línguas, uma preocupação com os usos funcionais da língua levou-o, nas últimas décadas, a considerar que os textos literários teriam pouca aplicação em usos lingüísticos funcionais, especialmente em contextos da vida diária. Metodologicamente, nesses enfoques, preponderavam os procedimentos dialógicos na interação, com temáticas cotidianas, como compra-venda, pedidos de permissão para ações ou desculpas em interações do dia-a-dia e assim por diante. Dentre os materiais, recursos e textos tirados do discurso da mídia (jornais, revistas) têm sido vistos como um avanço frente ao enciclopedismo ou "literarismo" de outrora e, assim, nas aulas de línguas estrangeiras, os textos literários foram praticamente expulsos nos últimos anos. Essa polarização não afetou o nosso colega; a experiência de Princeton o ajudou a construir sua bagagem para o que seria sua primeira atuação profissional no ensino de língua estrangeira:

Fizemos vários cursos de literatura espanhola em Princeton: "Góngora y Quevedo y la Literatura Barroca", "La Novela Picaresca", "El Poema del Cid" e "Grandes Autores Latino-Americanos".(...). Mas a experiência na Princeton University nos mostrou que o nosso caminho ia ser outro. Queríamos utilizar os nossos conhecimentos do espanhol numa forma prática. Resolvemos fazer os cursos de didática de ensino e de educação com o intuito de ter uma habilitação na referida língua para poder lecionar nas escolas públicas do Estado (p. 5).

As posições funcionalistas estão sendo revistas hoje. A pesquisa com estudos de caso sobre a realização de oficinas de compreensão e produção discursivas, nas quais é fundamental a noção de gênero discursivo, mostra que as oficinas oferecem a possibilidade de escrever ou debater com colegas, com o professor e não meramente escrever ou falar para o professor. A relação com o contexto funciona na literatura de uma forma especial a ser bem aproveitada nas aulas de línguas. Os chamados hiatos culturais funcionam mais como um desafio na interpretação do que como hiatos frustrantes. Também é preciso pensar que o fato de proporcionar ao leitor prazer ou experiências singulares com a linguagem _ não vinculadas a objetivos funcionais específicos _ faz parte das condições de produção do discurso literário. Dado que prazer e interesse propiciam concentração, tais textos são pedagogicamente valiosos, sobretudo se abordados de uma perspectiva não-normativista.

No ensino de línguas John, encontrou o espaço para partilhar seu prazer e seu interesse na língua. Segundo ele indica no seu Memorial, a experiência no Ensino Médio (American Highschool), ensinando espanhol, "foi conclusiva, [...] sentimo-nos realizados com o trabalho de sala de aula e o nosso amor para com as línguas em geral cresceu muitíssimo".

Com uma formação na área de ensino de segunda língua fartamente alimentada pelos estudos literários, John partiu à procura de uma formação prática complementar, o que o conduziu aos estudos lingüísticos na Faculdade de Educação da Universidade de Columbia, para onde entrou, guiado pelo trabalho de influentes estruturalistas preocupados com a Lingüística Aplicada ao Ensino, como Robert Allen e Virginia French Allen _ pioneiros na área de Lingüística Aplicada _, e pela leitura de textos seminais da área por pesquisadores paradigmáticos, como H. A. Gleason e Robert Lado.

Testemunha da comoção que significou a publicação da obra de Chomsky e do questionamento das bases do estruturalismo e já tendo se tornado, como ele mesmo se autodenomina, "rato de biblioteca" (p.8), enveredou pelos estudos da teoria lingüística para conhecer o novo paradigma. Mas sua opção no curso de Doutorado, também na Universidade de Columbia, permaneceu no âmbito dos usos das línguas, acrescidos de uma dimensão sócio-política. Sua escolha recaiu no curso de Estudos Latinoamericanos, onde foi prontamente orientado a aprender mais línguas: conhecia já o espanhol, o italiano e o francês, faltava o português. Para melhor aprender a cultura e língua portuguesas, munido de bolsa, veio ao Brasil, indo, primeiro, a Canudos para conhecer o local da guerra e, depois, a Salvador para pesquisar sobre o conflito no Instituto de Geografia e História. Depois, começou os estudos a que viera, na USP: encantou-se com os estudos euclideanos e com a sociologia brasileira e continuou altamente motivado nos seus estudos literários, assistindo às aulas de professores como Antônio Cândido, Silveira Bueno, Alderaldo Castelo.

De volta aos Estados Unidos para continuar seu curso, o seu primeiro emprego acadêmico, no Southern Connecticut State College, foi na área de Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas, formando professores de espanhol. Na disciplina Metodologia do Ensino de Línguas Estrangeiras, que ofereceu aos alunos do último semestre do curso, na sua primeira incursão como formador de professores de língua, proporcionou aos seus alunos _ antes de enviá-los a fazer o estágio _ as condições para uma reflexão sobre os problemas da aprendizagem de línguas firmemente ancorada no distribucionalismo americano e suas aplicações, porém acrescida de um sistemático componente contrastivo cultural e de uma abordagem prática, consistentes com as interpretações desse paradigma dos autores que privilegiou, Robert Lado e Wilga Rivers. O enfoque representava a inovação nos departamentos de Línguas Modernas (Modern Languages), até então nas mãos de educadores e pedagogos resistentes às propostas orientadas pela Lingüística e disciplinas afins. Como apontado pelo colega, no seu Memorial, há quarenta anos, ele recomendava "a inclusão de lingüística aplicada no currículo de letras nos EUA" e sugeria "que o curso de prática de ensino de língua estrangeira fosse ministrado por um professor de língua estrangeira e não exclusivamente por um professor de pedagogia geral, didática geral ou educação" (p. 12).

A identidade da Lingüística Aplicada como espaço e campo de aplicação da Lingüística, a única que imperou até a década de 70, não propiciava a reflexão e o questionamento da fragilidade de uma relação de poder entre a Lingüística e a Lingüística Aplicada que, em última instância, assentava-se na fé na capacidade da ciência para dar respostas às questões de ensino. Tal unidirecionalidade e unidisciplinaridade, próprias de um campo de aplicação, vêm sendo substituídas pela multidisciplinaridade do enfoque transdisciplinar, envolvido na constituição de novos objetos de pesquisa na área de ensino e aprendizagem de línguas.

Nesses primeiros anos de partilhada e entusiasta fé, além de ler Chomsky e Lado, John também incursionava pelos estudos comparativos da educação, o que atuava como um elemento de relativização das posições. Isso evitava os excessos behavioristas dos lingüistas aplicados da época que prometiam a resposta certa do sujeito aprendiz de língua estrangeira, se o estímulo fosse certo, ou a vulnerabilidade de um modelo que atribuía o sucesso ou fracasso na aprendizagem aos sistemas lingüísticos, à transferência positiva ou negativa de um sistema para o outro no contato, não do sujeito com as línguas, mas de duas línguas.

Com outras formações e interessado também na educação, os aspectos sociais ligados ao próprio contexto de ensino e aprendizagem ficavam em destaque na reflexão de John, que, numa resenha de sua autoria, elogiava o livro Educação Comparada de Lourenço Filho escrito em 1964, "pela metodologia utilizada para comparar a educação em diferentes sociedades e pela exposição cristalina dos sistemas educativos de várias sociedades" (p.14)2 2 Cf. Schmitz, John. Resenha Lourenço Filho, M.B. Educação Comparada, 1964. . São vários os livros em língua portuguesa, nessa área, resenhados na mesma época (de Lourenço Filho, Vieira Pinto), devido ao seu interesse pelos estudos luso-brasileiros. Aliás, a resenha é um dos gêneros mais produtivos no percurso do colega, que considera que "aprende-se muito com a elaboração de resenhas" (p.14) e que a resenha é um "brinquedo" que lhe permite continuar sua renovação (p.103).

Seu interesse pelo estudo do léxico também teve suas origens nessa primeira e determinante incursão pelo ensino de línguas. Os seus estudos comparativos do léxico de diferentes línguas tinham por objetivo elaborar material de ensino para o espanhol e o português. A metodologia da Análise Contrastiva o leva, novamente, a referenciar seu trabalho no modelo estruturalista americano, porém não o defendendo como a abordagem a ser aplicada ao ensino, mas avaliando sua utilidade para um trabalho contrastivo entre o português e o espanhol, em particular para a área de elaboração de dicionários contrastivos para o ensino (p.19).

De volta ao Brasil, desta vez para ficar, logo ingressou como docente no pioneiro curso de Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas na PUC-SP, onde também elaborou sua tese de doutoramento, sobre ser e estar (A ocorrência de ser e estar em orações predicativas e o ensino de português para falantes de inglês), referenciada teoricamente pelo modelo de Lakoff para o tratamento sintático da regularidade e irregularidade lexical nas línguas naturais. Como Mary Kato aponta na epígrafe de sua contribuição para este volume, um dia John foi chomskiano. Segundo John, "a análise também é importante para o estudo de português como língua estrangeira. A análise da ocorrência de ser e estar em orações predicativas em quatro categorias se nos apresenta um agrupamento dos mesmos úteis no ensino" (p.36).

A classificação que Schmitz propõe na sua tese é por ele mesmo questionada hoje, pois apresenta os problemas típicos da metodologia do modelo gerativo transformacional, de "utilização de orações isoladas de qualquer contexto" com "exemplos que se originam da 'intuição'[...]". Hoje, ele se identifica muito mais com os enfoques sociais sobre o uso da linguagem, afirmando que "o contexto ou situação é imprescindível também [...] numa análise lingüística de uma determinada língua" e que "os falantes podem tranquilamente infringir, ignorar ou modificar as regras de acordo com seus próprios interesses e finalidades" (p. 30-31). É nessa nota que ele insiste num de seus trabalhos mais recentes, publicado na revista Superinteressante, humoristicamente intitulado "Vou estar defendendo o uso do gerúndio".

Desses trabalhos descritivos data seu interesse pela Lingüística Aplicada ao ensino de língua materna. Segundo relata, no programa de pós-graduação da PUC-SP na década de 70 e 80, "[...] ministramos cursos como 'Avaliação Lingüística do Livro Didático de Português' e 'Preparação de Material Didático de Português', atividade essa que se nos apresentou um contato muito enriquecedor com professores de língua portuguesa e com os problemas e dificuldades no ensino de português na escola" (p. 90). Falando da motivação para a pesquisa que surgia da interação com seus alunos, ele nos diz: "O fruto desse contato foi o fortalecimento de nosso interesse na descrição do português e também nos desafios quanto à renovação do ensino. Foram anos muito felizes [...], pois houve uma busca de subsídios para a renovação do ensino de língua portuguesa" (p. 90). Impulsionado por esse interesse, ele continua e alarga o escopo de seus estudos descritivos da língua portuguesa, visando contribuir para a elaboração de material didático.

O gênero que, prioritariamente, focaliza as descrições lingüísticas com o objetivo de ajudar o aprendiz da língua a se comunicar é a gramática pedagógica e é para esse gênero que, naturalmente, John se volta. Ele está preocupado com a divulgação científica para professores, alunos e outros agentes do ensino-aprendizagem quando afirma que

valeria a pena refletir sobre o tipo de termos técnicos que seriam utilizados na diferentes gramáticas pedagógicas. Para certos usuários de certos tipos de gramáticas pedagógicas, receio que termos tais como 'nódulo vazio', 'substantivo vazio', elementos vazios', regras de interpretação semântica', 'solicitação de verdade' e, inclusive, 'sintagma nominal' poderiam dificultar o ensino aprendizagem da mesma forma em que termos oriundos da Gramática Tradicional também dificultaram e ainda dificultam o ensino da língua (p.91).

Segundo John, o interesse pelos estudos tradutórios começou no ano de 1977 com o início do Curso de Tradução da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo onde ministrou várias disciplinas de Lingüística (morfologia, análise sintática, análise contrastiva e cultura dos povos). Mas foi a partir da Análise Contrastiva que John começou a refletir mais especificamente sobre tradução, como antes, pela mesma via, tinha refletido sobre lexicografia e ensino. Segundo ele: "Pode-se dizer que nossos primeiros trabalhos publicados na área de análise contrastiva foram 'a semente' que levou a reflexão mais específica no campo de tradução".

Dentre seus muitos trabalhos, passaremos a destacar alguns, com o intuito de dar uma idéia da diversidade e da inter/transdisciplinaridade que também fazem parte de suas reflexões.

Sua participação na área de lexicologia e na de análise contrastiva teve um desdobramento muito peculiar pela ligação que faz John com a área de ensino/apredizagem de língua estrangeira e o ensino de tradução. No artigo Palavras Homônimas e Formas Divergentes 'Doublets' no Ensino de Tradução, publicado nos XV Anais do GEL em 1987, ele exemplifica sua forma de atuação:

A utilização de formas divergentes, a nosso ver, facilitaria a aprendizagem de novos itens lexicais, pois o aluno teria a oportunidade de associar o item novo adamant com o item diamond. Com esta metodologia, o (a) aluno (a) de tradução aprenderia itens lexicais desconhecidos sempre ligados aos itens lexicais que ele/ela conhece. Desta forma o vocabulário do aprendiz poderia ser ampliado, pois um dos pares dos "doublets", mental/mettle, beaker/pitcher, guardian/warden seria aprendido por associação com o outro (p.74).

Em 1992, John discutiu a questão do ensino do humor na aula de língua, reflexão que o levou a pensar nos problemas vivenciados pelo tradutor na tradução de humor em forma de piada e chistes. Detectando os falsos cognatos na aprendizagem de línguas e especialmente na aula de tradução, realiza um trabalho interdisciplinar que mostra o forte cruzamento das áreas de análise contrastiva, lexicologia, tradução e ensino de LE, uma das características marcantes do seu trabalho acadêmico. Publica seus comentários em 1996 na revista TRADTERM, no texto "Humor: é possível traduzi-lo e ensinar a traduzi-lo?", no qual afirma:

O discurso humorístico, presente provavelmente em todas as culturas e sociedades, oferece problemas e dificuldades para o tradutor. O humor em muitas trocas conversacionais contribui para a solidariedade e aumenta o grau de envolvimento entre os locutores que participam da interação. O estudo do humor por parte de alunos de tradução, especialmente em cursos de graduação, possibilita o aprofundamento da sensibilidade lingüística e cultural dos mesmos (p.75).

O gênero escolhido para fazer sua contribuição nesta área foi uma coletânea de artigos do tipo estado da arte, com o objetivo de fazer um panorama atual das reflexões sobre a tradução no Brasil, que ele organizou em conjunto com a professora Maria Aparecida Caltabiano, em 2003. Na apresentação, os autores comentam a importância da publicação no volume especial da Revista DELTA, "Trabalhos de Tradução":

Acreditamos que a coletânea de artigos voltados para a teoria e prática de tradução, que ora apresentamos, reflete as diferentes dimensões do campo neste início do século vinte e um. Afiançamos também que este número especial da Revista DELTA, que oferecemos à comunidade de pesquisadores, estudiosos e discentes, espelha não somente os vários interesses de alguns especialistas brasileiros, em sete universidades, engajados na área de tradução, mas também a própria maturidade e independência intelectual da referida atividade no Brasil3 3 Cf. As Várias Dimensões dos Estudos da Tradução no Brasil, Revista DELTA, vol 19: Especial, 2003 - São Paulo, EDUC. .

Se procurarmos um eixo aglutinador da vasta e variada produção de nosso colega (ver Publicações do autor) foi o ensino _ e, lembremos, na sua concepção de ensino está imbricada a Lingüística Aplicada _ o que definitivamente organizou os roteiros na trajetória acadêmica de John. Exemplo disso é sua produção em torno do romance brasileiro O Coronel e o Lobisomen de José Cândido de Carvalho. Convidado a participar do Concurso Vestibular MAPOFEI como membro integrante da Banca Examinadora de Língua Portuguesa, em decorrência da escolha pela Banca desse romance, começou a leitura de toda a obra desse romancista: "Confessamos que realmente ficamos "apaixonados" por esse romance e por toda a obra de Carvalho". Dessa leitura prazerosa do antigo estudante de literatura foram produzidos dois artigos que descrevem a linguagem do romance, pelo seu interesse lingüístico e um trabalho no campo da tradução literária4 4 Cf. "Referências à Natureza no Romance O Coronel e o Lobisomem de José Cândido de Carvalho", nos VIII Anais do GEL em 1984; "A Linguagem D' O Coronel e o Lobisomen de José Cândido de Carvalho", nos IX Anais do GEL, também em 1984 e "Algumas Considerações sobre a Tradução francesa d' O Coronel e o Lobisomen de José Cândido de Carvalho", na Revista Trabalhos em Lingüística Aplicada, em 1988. .

Os diversos caminhos empreendidos por John na sua trajetória profissional, que recuperamos neste volume comemorativo, estão representados nos textos dos colaboradores que comentamos a seguir. Mary Kato, primeira colega lingüista da sua carreira no Brasil, em "A contribuição chomskiana para a compreensão da aprendizagem de L2" aborda um dos temas centrais do percurso do John, aprendizagem de segunda língua, numa perspectiva chomskiana; Linda Gentry El-Dash, primeira doutoranda do John no Programa de Lingüística Aplicada do IEL-UNICAMP, apresenta em "A questão de aspecto nos tempos verbais em inglês" uma análise contrastiva, na esteira dos trabalhos de seu orientador. Vinculados ao campo do ensino de segunda língua, mas dentro da uma outra área de concentração de nosso colega, a Lexicografia, Jean Binon, S. Verlinde e T. Selva, em "Influences internationales sur la lexicographie pédagogique du FLE", examinam as funções dos dicionários para aprendizes de língua estrangeira e discutem os requisitos necessários para a prática da lexicografia pedagógica, discutindo numerosos exemplos. Binon et al. e o autor do artigo seguinte, Philippe Humblé, trabalharam com John no V Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada e em reuniões de pesquisa na Université Catholique de Leuven, na Bélgica. Em "Os estudos da tradução e os dicionários", Humblé propõe que a relação Lexicografia/Estudos da Tradução seja pesquisada de maneira mais sistemática do que acontece atualmente, pois esses dois domínios são interdependentes. O autor discute exemplos que mostram funções tradutórias exercidas por lexicógrafos em diferentes dicionários. No campo da tradução, Francis Aubert, colega com quem John tem atuado longamente nessa área, discute, em "Dilemas da literalidade da vida juramentada", a relevância da interlíngua como espaço de conciliação das questões tradutórias. Encerra este volume o artigo de Marilda C. Cavalcanti, sua primeira aluna de Pós-graduação no Brasil, "'É, eu acho que esse livrinho vai ser muito interessante'. Vozes de professores indígenas em um curso de formação". Nele, a autora trata da relação linguagem _ construção da identidade, num contexto de interação intercultural em contexto indígena no Brasil, testemunhando, com isso, os frutos do primeiro e constante interesse do John, mencionado no início deste texto: o papel da linguagem na formação identitária.

Hoje, no mundo de saberes cada vez mais compartimentalizados, que praticamente exige a especialização antes da formação, tal trajetória é difícil de acontecer. John, querendo dar asas ao interesse à paixão pelo saber, procurou os espaços acadêmicos que não tentaram aprisioná-lo. Assim, como hoje ele se posiciona contra "a vontade geral de colocar o idioma numa redoma e não reconhecer que ele muda ao longo do tempo" (Schmitz, 2005)5 5 Cf. Schmitz, John. "Vou estar defendendo o uso do gerúndio. Superpolêmica. Revista Superinteressante, edição 211, março 2005. , ele escolheu, cedo na sua vida profissional, o direito de mudar e diversificar seus caminhos.

  • 1
    Todas as citações sem indicação de autor foram retiradas do Memorial.
  • 2
    Cf. Schmitz, John. Resenha Lourenço Filho, M.B.
    Educação Comparada, 1964.
  • 3
    Cf.
    As Várias Dimensões dos Estudos da Tradução no Brasil, Revista DELTA, vol 19: Especial, 2003 - São Paulo, EDUC.
  • 4
    Cf. "Referências à Natureza no Romance O Coronel e o Lobisomem de José Cândido de Carvalho", nos
    VIII Anais do GEL em 1984; "A Linguagem D' O Coronel e o Lobisomen de José Cândido de Carvalho", nos
    IX Anais do GEL, também em 1984 e "Algumas Considerações sobre a Tradução francesa d' O Coronel e o Lobisomen de José Cândido de Carvalho", na Revista
    Trabalhos em Lingüística Aplicada, em 1988.
  • 5
    Cf. Schmitz, John. "Vou estar defendendo o uso do gerúndio. Superpolêmica.
    Revista Superinteressante, edição 211, março 2005.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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