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A dinâmica da agricultura familiar no Vale do Jequitinhonha mineiro e aspectos contemporâneos: uma análise a partir dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017

The dynamics of family farming in the Jequitinhonha Valley of Minas Gerais and contemporary aspects: an analysis of the 2006 and 2017 Agricultural Censuses

Resumo

Este artigo analisa características e mudanças na agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha nas primeiras décadas do século XXI, tendo como parâmetros a relação desse grupo com a economia rural da região e suas estratégias de reprodução ao longo do período, observando aspectos agropecuários contemporâneos na região. Utiliza-se, para isso, da conciliação de informações colhidas na pesquisa bibliográfica e nos dados censitários. Os resultados apontam para uma queda relativa no número de estabelecimentos da agricultura familiar, acompanhada por uma grande diversidade de estratégias para obtenção de meios de vida, marcadas pela produção, autoconsumo e venda de produtos alimentícios, assim como por estratégias coletivas de ocupação e acesso a programas públicos. Percebe-se, também, a diminuição da participação da renda oriunda da produção vegetal e o aumento da participação da aposentadoria rural no portfólio de receitas das famílias.

Palavras-chave:
Vale do Jequitinhonha; Censo Agropecuário; agricultura familiar; meios de vida

Abstract

This article analyzes characteristics and changes in family farming in the Jequitinhonha Valley in the first decades of the 21st century, having as parameters the relationship of this group with the rural economy of the region and its reproduction strategies over the period, observing aspects of the contemporary rural area in the region. For this, it is used the conciliation of information collected in the bibliographic research and in the census data. The results point to a relative decrease in the number of family farming establishments, accompanied by a great diversity of strategies for obtaining livelihoods, marked by the production, self-consumption and sale of food products, as well as collective strategies of occupation and access to programs. public. We can also see a decrease in the share of income from vegetable production and an increase in the share of rural retirement in the income portfolio of families.

Keywords:
Jequitinhonha Valley; Census of Agriculture; family farming; livelihood

1. Introdução

Os estudos sobre sociedades rurais têm mostrado novas formas de organização do meio rural diante das mudanças observadas nas últimas décadas, como o processo de mecanização das atividades produtivas do campo, a intensificação das relações campo-cidade e a institucionalização de políticas para a agricultura familiar. Os camponeses, aqui tratados como agricultura familiar, estão no centro das mudanças econômicas, demográficas e ambientais que dão corpo a essas transformações em curso, o que evidencia a necessidade de compreender as relações, práticas e arranjos institucionais que constituem o “novo” rural; as estratégias que são estabelecidas pela agricultura familiar diante dessas mudanças e os desafios que são colocados perante os potenciais e os gargalos evidenciados pelos estudos (Silva, 2002Silva, J. G. (2002). O novo rural brasileiro (2ª ed.). Campinas: UNICAMP. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://www.eco.unicamp.br/colecao-pesquisa/o-novo-rural-brasileiro#:~:text=O%22novo%20rural%22%2C%20como,que%20gira%20em%20torno%20da
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; Aquino et al., 2018Aquino, J. R., Gazolla, M., & Schneider, S. (2018). Dualismo no campo e desigualdades internas na Agricultura Familiar Brasileira. Revista de Economia e Sociologia Rural, 56(1), 123-142.; Leite & Bruno, 2019Leite, S. P., & Bruno, R. (2019). O rural brasileiro na perspectiva do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://institucional.ufrrj.br/portalcpda/files/2019/11/LEITE-SP_BRUNO-R_2019_O_Rural_brasileiro_ebook.pdf
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). A partir da noção dos meios de vida (Candido, 2017Candido, A. C. (2017). Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. São Paulo, SP: Editora USP.), é possível identificar as conexões entre as pluriatividades (Schneider, 2009Schneider, S. (2009). A pluriatividade na agricultura familiar (2ª ed.). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Silva & Galizoni, 2020Silva, W., & Galizoni, F. (2020). Educação do campo e a construção de trajetórias de jovens rurais no Alto Jequitinhonha, MG. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação, 2(1), 185-200. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://periodicos.unifesspa.edu.br/index.php/ReDiPE/article/view/1267
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; Nascimento et al., 2022Nascimento, C. A., Aquino, J. R., & Delgrossi, M. E. (2022). Tendências recentes da agricultura familiar no Brasil e o paradoxo da pluriatividade. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(3), e240128.), a multifuncionalidade (Camargo & Oliveira, 2012Camargo, R. A. L., & Oliveira, J. T. A. (2012). Agricultura familiar, multifuncionalidade da agricultura e ruralidade: interfaces de uma realidade complexa. Ciência Rural, 42(9), 1707-1714.), a educação no campo, a sucessão rural (Vieira et al., 2019Vieira, J. P. L., Bahiense, D. V., & Silva, S. M. (2019). Produção acadêmica sobre sucessão rural e agricultura familiar: uma análise do contexto brasileiro do período (2003-2018). Extensão Rural, 26(2), 89-103.; Oliveira et al., 2021Oliveira, M. F., Mendes, L., & Van Herk Vasconcelos, A. C. (2021). Desafios à permanência do jovem no meio rural: um estudo de caso em Piracicaba-SP e Uberlândia-MG. Revista de Economia e Sociologia Rural, 59(2), e222727.) e a importância das mulheres na promoção da segurança alimentar (Loli et al., 2019Loli, D. A., Lima, R. S., & Silochi, R. M. H. Q. (2019). Mulheres em contextos rurais e segurança alimentar e nutricional. Segurança Alimentar e Nutricional, 27, e020008.), sendo todos aspectos que permeiam as estratégias de vida da população do “novo” rural, o que nos auxilia na compreensão do fenômeno.

Sob esta perspectiva, o Vale do Jequitinhonha, região localizada a nordeste do estado de Minas Gerais, mostra-se emblemático para o conhecimento das características das mudanças no campo. No meio rural da região, a agricultura familiar é presente na maioria da população, cria a maior parte das ocupações e é a base da produção de alimentos e bens culturais. No entanto, percebe-se que esse público raramente foi priorizado nos programas de desenvolvimento conduzidos para a região. Nos marcos da “Revolução Verde”, foram dadas as bases para que os governos militares movessem subsídios fiscais e creditícios para transformar o erroneamente chamado “Vale da Miséria” no destino de empresas de eucalipto, café e bovinos, pois acreditava-se que o desenvolvimento da região exigia industrialização do campo e exploração patronal. Ignorando a realidade dos territórios, esses investimentos acentuaram contradições naquela sociedade.

As contradições estimularam o fortalecimento das organizações sociais da região. Entre o final da ditadura e as duas primeiras décadas do século XXI, sindicatos, associações e conselhos comunitários dedicaram-se a buscar programas públicos que assegurassem a reprodução social das famílias da região. Gradativamente, a agricultura familiar do Jequitinhonha passou a ser reconhecida como relevante para a produção de alimentos, para o dinamismo dos mercados locais e para a manutenção da biodiversidade, dos costumes e da cultura. Por outro lado, contraditoriamente, muitos estudos mostraram agricultores familiares pressionados pela concentração de terra, pela oferta de água e pelos limites dos mercados (Calixto et al., 2013Calixto, J. S., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Macedo, R. L. G. (2013). Eucaliptais: trabalho, terra e geração de renda em três décadas de reflorestamentos no Alto Jequitinhonha. In E. M. Ribeiro (Org.), Sete estudos sobra a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha (pp. 91-108). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Lima, 2013Lima, V. M. P. (2013). Secas e s’águas: alterações na dinâmica da água no alto Jequitinhonha. In: F. M. Galizoni (Org.), Lavradores, águas e lavouras (pp. 163-184). Belo Horizonte: Editora UFMG.).

Diante dessas circunstâncias, o artigo analisa persistências e mudanças na agricultura familiar da Mesorregião do Jequitinhonha, nas primeiras duas décadas do século XXI, compreendendo as estratégias de reprodução da agricultura familiar e suas relações com a economia dos territórios. Para isso, busca-se identificar as dinâmicas e as estratégias adotadas para assegurar meios de vida a partir dos dados do Censos Agropecuários de 2006 e 2017, tendo em vista que o intervalo entre Censos delimita um período marcado por fenômenos da maior relevância. Em primeiro lugar, houve redução da capacidade de atendimento das políticas públicas, pois, a partir de 2015, programas de desenvolvimento territorial desapareceram, programas de compras institucionais perderam fôlego e arrefeceram as iniciativas de ampliação da clientela do crédito rural. Em segundo lugar, a “grande seca” de 2011 a 2019 calou fundo na agropecuária da região, e foi seguramente a pior estiagem já verificada no Semiárido brasileiro e nas suas bordas (Silva et al., 2020Silva, J. L., Ribeiro, E. R., Lima, V. M. P., & Heller, L. (2020). As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no Semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 22, e202013.). Terceiro, o ímpeto de crescimento econômico, verificado no período de 2004 a 2010, foi tragado pela recessão que se seguiu, com fortes efeitos sobre a dinâmica do rural, da ocupação e da renda.

Assim, apesar de questões metodológicas que dificultam a plena comparação entre os dados, o intervalo censitário oferece rara oportunidade para analisar o desempenho, a evolução e a dinâmica de uma região marcada pela agricultura familiar, com limites temporais que conciliam uma conjuntura peculiar da política, da economia e de fenômenos socioambientais. Portanto, é esta conjunção entre conceitos, circunstâncias, dados e fenômenos que o artigo investiga, apropriando-se de dados censitários para compor o pano de fundo que, além disso, é ilustrado pelos estudos produzidos sobre a região nessas duas décadas, permitindo identificar nesse cenário as estratégias que transpiram nos estudos de caso e conectam as informações censitárias às particularidades da realidade analisada.

2. Considerações metodológicas

Uma primeira consideração metodológica a ser levantada diz respeito aos dados fornecidos pela pesquisa do Censo Agropecuário e a delimitação do conceito de agricultura familiar. O termo agricultura familiar é adotado em decorrência do seu uso pelos produtores rurais do Jequitinhonha e pelo emprego corrente feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Lei 11.326/2006 (Brasil, 2006Brasil. (2006). Lei Nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm
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), que define a categoria de estabelecimentos familiares, e com um regulamento atualizado pelo Decreto Nº 9.064/2017 (Brasil, 2017Brasil. (2017). Decreto Nº 9.064, de 31 de maio de 2017. Dispõe sobre a Unidade Familiar de Produção Agrária, institui o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar e regulamenta a Lei Nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da política Nacional da Agricultura Familiar e empreendimento familiares rurais. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9064.htm
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), enquadra na categoria agricultura familiar os seguintes estabelecimentos: com até 4 (quatro) módulos fiscais; ter pelo menos a metade da força de trabalho familiar; a atividade agrícola do estabelecimento deve compor, no mínimo, metade da renda familiar; a gestão deve ser estritamente familiar.

Assim, a identificação da agricultura familiar realizada pelos Censos se dá por meio da exclusão, ou seja, retira-se os estabelecimentos que não atendem aos requisitos da Lei. Além disso, as limitações do algoritmo para a identificação da agricultura familiar não enumeram adequadamente alguns públicos específicos, como povos tradicionais e estabelecimentos em terras indígenas, como discute Grossi (2019)Grossi, M. (2019). Algoritmo para a delimitação da Agricultura Familiar no Censo Agropecuário 2017, visando a inclusão de variável no banco de dados do censo, disponível para ampla consulta. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://sidra.ibge.gov.br/Content/Documentos/CA/Metodologia%20Agricultura%20familiar%20(IBGE)%20DelGrossi%20final%205jun2019.pdf
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. Desse modo, com as mudanças nos estabelecimentos agropecuários familiares geradas pelas políticas públicas e pelas estratégias de diversificação dos meios de vida, reduziu-se em mais de 402 mil os estabelecimentos agropecuários enquadrados na categoria de agricultura familiar, sendo parte considerável dos excluídos constituída por pequenos produtores (Grossi et al., 2019Grossi, M., Florido, A. C. S., Rodrigues, L. F. P., & Oliveira, M. S. (2019). Comunicação de pesquisa: delimitando a agricultura familiar nos censos agropecuários brasileiros. Revista do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense, 8(16), 40-45.; Nascimento et al., 2022Nascimento, C. A., Aquino, J. R., & Delgrossi, M. E. (2022). Tendências recentes da agricultura familiar no Brasil e o paradoxo da pluriatividade. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(3), e240128.). Conforme Grossi et al. (2019), oGrossi, M., Florido, A. C. S., Rodrigues, L. F. P., & Oliveira, M. S. (2019). Comunicação de pesquisa: delimitando a agricultura familiar nos censos agropecuários brasileiros. Revista do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense, 8(16), 40-45. grupo de pequenos produtores não enquadrados na agricultura familiar aumentou mais de 50%.

Rendas obtidas fora do estabelecimento estão, certamente, entre os principais responsáveis pela exclusão de estabelecimentos familiares no Censo de 2017 (Grossi et al., 2019Grossi, M., Florido, A. C. S., Rodrigues, L. F. P., & Oliveira, M. S. (2019). Comunicação de pesquisa: delimitando a agricultura familiar nos censos agropecuários brasileiros. Revista do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense, 8(16), 40-45.). Resultam da expansão das pluriatividades da agricultura familiar, que é resultado das estratégias de diversificação dos meios de vida desse grupo, mas impedem que parte expressiva das famílias de pequenos produtores e de conta própria sejam classificadas como agricultura familiar (Nascimento et al., 2022Nascimento, C. A., Aquino, J. R., & Delgrossi, M. E. (2022). Tendências recentes da agricultura familiar no Brasil e o paradoxo da pluriatividade. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(3), e240128.). Nascimento et al. (2022)Nascimento, C. A., Aquino, J. R., & Delgrossi, M. E. (2022). Tendências recentes da agricultura familiar no Brasil e o paradoxo da pluriatividade. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(3), e240128. mostram que há tendência à diversificação ocupacional da agricultura familiar e proliferação de residentes rurais em atividades não agropecuárias, o que tem tornado as famílias mais pluriativas, combinando atividades agrícolas e não-agrícolas, no estabelecimento e fora do estabelecimento. Com essa tendência, muitos estabelecimentos familiares passaram a obter rendimento fora do estabelecimento maior do que se obtém dentro, o que faz com que sejam excluídos da categoria de agricultura familiar.

Além disso, ressalta-se que, como informa a nota técnica do Censo de 2017 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2019a). Censo Agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3096/agro_2017_resultados_definitivos.pdf
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), as mudanças na legislação e em variáveis do questionário inviabilizam a comparação direta com as informações do Censo de 2006 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012a). Censo Agropecuário 2006. Segunda apuração. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv61914.pdf
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). É necessária a adaptação no algoritmo dos dados para realizar comparação direta (Grossi, 2019Grossi, M. (2019). Algoritmo para a delimitação da Agricultura Familiar no Censo Agropecuário 2017, visando a inclusão de variável no banco de dados do censo, disponível para ampla consulta. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://sidra.ibge.gov.br/Content/Documentos/CA/Metodologia%20Agricultura%20familiar%20(IBGE)%20DelGrossi%20final%205jun2019.pdf
https://sidra.ibge.gov.br/Content/Docume...
). No entanto, essa adaptação ainda não foi atualizada nos dados disponíveis pelo Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), endereço utilizado para acessar as informações utilizados nesta pesquisa (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019bInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2019b). SIDRA – Censo Agropecuário 2017: resultados definitivos. Recuperado em 10 de agosto de 2022, de https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-agropecuario/censo-agropecuario-2017
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). Menciona-se, também, a redução de estabelecimentos de produtores sem área no Censo de 2017 em relação aos Censos anteriores. Para o Censo de 2017, não se abriu questionário para esse tipo de morador, sendo toda a produção/criação integrada ao questionário do estabelecimento agropecuário (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019aInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2019a). Censo Agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3096/agro_2017_resultados_definitivos.pdf
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).

Dessa forma, a análise comparativa dos dados censitários deve ser acompanhada por esta ressalva metodológica, e as implicações sobre os resultados não são plenamente reconhecidas. Contudo, a partir dos vários estudos empíricos feitos na região, é possível associar os dados à realidade analisada, cotejando as informações dos Censos sobre a dinâmica regional com as informações primárias e secundárias levantadas por essas pesquisas. É uma forma de suavizar os limites dos dados censitários, o que permite diagnosticar as dinâmicas e tendências a partir das informações do IBGE.

Uma segunda consideração metodológica diz respeito à categoria dos meios de vida, aqui tratada como uma dimensão de análise social que contempla a lógica de reprodução da agricultura de base familiar. O conceito de meios de vida foi usado por Candido (2017)Candido, A. C. (2017). Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. São Paulo, SP: Editora USP., em meados do século XX, para estudo da população rural dos parceiros rurais do município de Rio Bonito. Pela definição do autor, os meios de vida englobam a existência de necessidades humanas, de materialidades (relações humanas com a natureza) e de sociabilidades (relações sociais) responsáveis por suprirem essas necessidades. É uma categoria que remete ao vínculo metabólico entre humano e natureza, responsável pelo equilíbrio entre a satisfação das necessidades humanas, os recursos disponíveis e as relações que as organizam. É também uma categoria processual, em constante mudança, sendo alterada à medida em que as necessidades são renovadas e multiplicadas.

A partir da década de 1990, com as discussões sobre o desenvolvimento rural sustentável, o termo livelihoods (que pode ser traduzido como meios de vida) também passou a ser utilizado como categoria de análise da sociedade rural, referindo-se às formas de “ganhar a vida” (Chambers & Conway, 1992Chambers, R., & Conway, G. R. (1992, Outubro 1). IDS discussion paper 296. Sustainable rural livelihoods: pratical concepts for the 21st century. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://opendocs.ids.ac.uk/opendocs/handle/20.500.12413/775
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). Em sua estrutura categórica, a dimensão livelihoods compreende pessoas, capacidades e recursos que atendem às necessidades materiais, como renda, comida e ativos (ibid.), mas também, deve compreender dimensões não materiais como reciprocidades, cultura e sociabilidade (Garcia Júnior, 1991Garcia Júnior, A. R. (1991). O sul, caminho do roçado. São Paulo: Marco Zero.; Woortmann & Woortmann, 1997Woortmann, E. F., & Woortmann, K. (1997). O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília: Editora UnB.). Ellis (1999)Ellis, F. (1999). Rural livelihood diversity in developing countries: evidence and policy implications. Natural Resource Perspectives, 40, 1-10. destaca a importância da diversificação dos meios de vida na construção de estratégias variadas, que podem resultar na interação entre distribuição de renda, expansão da produção agrícola, conservação ambiental, equidade de gênero e, enfim, desenvolvimento.

Desse modo, este artigo fundamenta-se na literatura consolidada sobre estratégias camponesas, que apresenta muitos pontos de convergência. Além da literatura que interpreta a reprodução das famílias rurais como articulação de processos multidimensionais da realidade (Chambers & Conway 1992Chambers, R., & Conway, G. R. (1992, Outubro 1). IDS discussion paper 296. Sustainable rural livelihoods: pratical concepts for the 21st century. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://opendocs.ids.ac.uk/opendocs/handle/20.500.12413/775
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; Scoones, 1998Scoones, I. (1998, Janeiro 1). IDS working paper 72. Sustainable rural livelihoods: a framework for analysis. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://www.ids.ac.uk/publications/sustainable-rural-livelihoods-a-framework-for-analysis/
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; Ellis, 1999Ellis, F. (1999). Rural livelihood diversity in developing countries: evidence and policy implications. Natural Resource Perspectives, 40, 1-10.), outros autores enfatizam a combinação de possibilidades abertas pelo mercado e produção de autoconsumo (Garcia Júnior, 1983Garcia Júnior, A. R. (1983). Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos produtores. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 1991Garcia Júnior, A. R. (1991). O sul, caminho do roçado. São Paulo: Marco Zero.), ou valorizam regimes peculiares de conhecimento e sociabilidade como base de estratégias peculiares (Woortmann & Woortmann, 1997Woortmann, E. F., & Woortmann, K. (1997). O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília: Editora UnB.); mas, em síntese, esse conjunto de autores destaca a importância da concepção econômica substantiva voltada para a reprodução social da vida (Polanyi, 2012Polanyi, K. (2012). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto.; Coraggio, 2000Coraggio, J. L. (2000). Da economia dos setores populares à economia do trabalho. In G. Kraychete, F. Lara & B. Costa (Orgs.), Economia dos setores populares: entre a realidade e a utopia (pp. 91-133). Petrópolis: Vozes.).

Nesse sentido, os meios de vida e a reprodução social têm alcance multidimensional, pois amplificam as perspectivas do estudo sobre grupos sociais. Assim, é necessário analisar a complexidade das estratégias utilizadas pelas famílias para diversificar seus meios de vida, uma vez que a diversificação contribui para agregar resiliência às populações rurais diante de impactos causados pela exclusão social e pela falta de renda e recursos. Por isso, o instrumental metodológico utilizado no artigo apoia-se na exploração das pistas que apontam para estratégias e para diversificação de focos da unidade familiar. Isso exige formas peculiares de pesquisa bibliográfica, que deve reunir fundamentos culturais e éticos (no sentido antropológico), geralmente abordados pela sociologia e antropologia, acrescidos aos fundamentos socioeconômicos e históricos. Esta mescla de abordagens torna possível compreender as lógicas que dão sentido às estratégias específicas desses grupos.

A análise histórica é importante para compreender a formação dos territórios e grupos sociais analisados, além de destacar a centralidade do meio rural no desenvolvimento da região (Candido, 2017Candido, A. C. (2017). Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. São Paulo, SP: Editora USP.; Garcia Júnior, 1991Garcia Júnior, A. R. (1991). O sul, caminho do roçado. São Paulo: Marco Zero.). A revisão bibliográfica foi feita em estudos que permitem destacar as características territoriais e o contexto de vida das famílias, atentando-se para os sistemas de produção, relações de troca, relações com recursos naturais e conflitos existentes nos territórios. É com base nesses fundamentos e contextos que, à luz da definição dos meios de vida, o artigo coteja a bibliografia recente sobre a região com dados dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017 e das pesquisas de produção (Produção Agrícola Municipal e Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura), buscando investigar a realidade do Jequitinhonha no período considerado. A análise buscou a complementaridade entre informações, pois o conceito de meios de vida dialoga com aspectos microscópicos da realidade em questão, e o Censo oferece dados agregados que retratam características macrossociais. A revisão bibliográfica permite conectar as duas escalas de análise pela inserção dos dados censitários em um quadro social preciso, permitindo melhor compreensão do objeto analisado e dos aspectos regionais associados à agricultura familiar e ao rural contemporâneo.

Obviamente, por todas as ressalvas levantadas, é natural que a análise apresente lacunas, em especial sobre as mudanças na produção e no portfólio de renda das famílias. No entanto, mesmo diante das limitações impostas pela pandemia em curso no período da pesquisa, que impediu detalhamento maior das informações a partir de pesquisa de campo, os dados e métodos utilizados tornam-se importantes instrumentos para compreender permanências e mudanças que ocorreram na Mesorregião do Jequitinhonha entre os anos 2006 e 2017.

3. O Vale do Jequitinhonha

A Mesorregião mineira do Jequitinhonha (segundo a definição do IBGE), popularmente conhecida como Vale do Jequitinhonha, é marcada por diferentes estratégias de ocupação e reprodução dos grupos sociais, em especial de famílias rurais e agricultoras, estratégias estas que são influenciadas pela diversidade de biomas: Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. Por isso, divisões por territórios e microrregiões são consideradas escalas necessárias para análise dos dados censitários. A Figura 1 divide a região entre os territórios do Alto Jequitinhonha e Baixo Jequitinhonha, escala adotada em Ribeiro (2013a)Ribeiro, E. M. (2013a). Sete estudos sobre a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha. Porto Alegre: Editora da UFRGS. e pela Fundação João Pinheiro (2017), aFundação João Pinheiro – FJP. (2017). Plano de desenvolvimento para o Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://www.ufmg.br/polojequitinhonha/material/plano-de-desenvolvimento-para-o-vale-do-jequitinhonha/
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partir de fatores históricos, culturais e fundiários. A Figura 2 usa a regionalização do IBGE, que divide o Jequitinhonha em cinco microrregiões1 1 Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios. : Diamantina, Capelinha, Araçuaí, Pedra Azul e Almenara. O bioma Cerrado domina o território do Alto Jequitinhonha, correspondente às microrregiões de Diamantina, Capelinha e parte de Araçuaí. A Caatinga predomina na área central, formada pelas microrregiões de Pedra Azul e porção de Araçuaí. Já a Mata Atlântica se concentra a leste, em partes da Microrregião de Pedra Azul e Almenara. O Baixo Jequitinhonha fica inteiramente no domínio do Semiárido Legal.

Figura 1
- Mapa da Mesorregião do Jequitinhonha por território. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2015). Malha municipal. IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/malhas-territoriais/15774-malhas.html?edicao=27415&t=acesso-ao-produto
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; Ribeiro, 2013aRibeiro, E. M. (2013a). Sete estudos sobre a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha. Porto Alegre: Editora da UFRGS.; elaboração própria dos autores
Figura 2
- Mapa da Mesorregião do Jequitinhonha por microrregião. Fonte:Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2015). Malha municipal. IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/malhas-territoriais/15774-malhas.html?edicao=27415&t=acesso-ao-produto
https://www.ibge.gov.br/geociencias/orga...
; elaboração própria dos autores

Sem desconsiderar a existência de uma população nativa no território, há registros de ocupação da terra do Jequitinhonha por lavradores desde o período da mineração de ouro e diamantes, no século XVIII. A atividade da mineração se concentrou em grande parte no território do Alto Jequitinhonha, e o crescimento demográfico gerou uma série de atividades acessórias, como a produção de alimentos e de bens artesanais. No século XIX, a decadência da mineração estimulou a mobilidade espacial da população em direção ao leste, ao Baixo Jequitinhonha, na busca por áreas novas para plantio, lavra de pedras preciosas e captura e escravização de índios, que durou até meados do século XX e foi concluída com a derrubada da Mata Atlântica (Ribeiro, 2013aRibeiro, E. M. (2013a). Sete estudos sobre a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha. Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Enquanto o Alto Jequitinhonha foi ocupado por sitiantes que se instalavam nas poucas áreas agricultáveis disponíveis nas terras baixas das “grotas”, no Baixo rio encontram-se lavradores, posseiros e fazendeiros, configurando uma forte presença do latifúndio pecuarista. A agregação tornou-se uma relação muito difundida no Jequitinhonha, principalmente no Baixo, e caracterizou a sociedade rural da região. No Alto Jequitinhonha, o sítio familiar foi predominante, marcado pela escassez de terras agricultáveis e a migração sazonal e definitiva (Ribeiro, 2013bRibeiro, E. M. (2013b). Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.).

A partir da segunda metade do século XX, a “Revolução Verde” gerou mudanças no uso dos recursos e nas estratégias de obtenção dos meios de vida das famílias rurais. A industrialização do campo, o crédito subsidiado, a privatização de terras públicas, a unificação dos mercados nacionais e as mudanças nos níveis de preços e na estrutura produtiva tiveram consequências sobre o preço das terras da região. Intensificaram os conflitos fundiários, ocorreu a decadência do regime do agrego, empresas de grande porte ocuparam áreas comuns, fundamentais para a reprodução dos sitiantes, provocando a deterioração das fontes de água e o crescimento da emigração do campo; esses aspectos marcam a inflexão da região na segunda metade do século XX (Moura, 2019Moura, M. M. (2019). Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais (2ª ed.). Curitiba: Brazil Publishing.).

No Alto Jequitinhonha, os impactos da modernização se manifestaram com grande força nas áreas de Cerrado das chapadas, com o reflorestamento de eucaliptos. Além da topografia do local, o estímulo da silvicultura relacionou-se ao crescimento industrial do Brasil, já que a siderurgia era setor prioritário, especialmente pela produção de insumos para bens duráveis (Calixto et al., 2013Calixto, J. S., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Macedo, R. L. G. (2013). Eucaliptais: trabalho, terra e geração de renda em três décadas de reflorestamentos no Alto Jequitinhonha. In E. M. Ribeiro (Org.), Sete estudos sobra a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha (pp. 91-108). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Ribeiro, 2013aRibeiro, E. M. (2013a). Sete estudos sobre a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha. Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Moura, 2019Moura, M. M. (2019). Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais (2ª ed.). Curitiba: Brazil Publishing.). No Baixo Jequitinhonha, a especialização produtiva foi mais intensa na pecuária, por meio do melhoramento genético do zebu, estimulando a expansão das fazendas de gado.

As políticas de modernização do campo agudizaram contradições nessa sociedade, favorecendo a oligarquia composta por grandes fazendeiros e empresas. Ribeiro (2013a, pRibeiro, E. M. (2013a). Sete estudos sobre a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha. Porto Alegre: Editora da UFRGS.. 239) aponta que “a verdadeira revolução operada no campo no Nordeste de Minas não foi técnica nem produtiva: foi fundiária”. A gestão da terra se dava de maneira compartilhada, ainda que por diferentes hierarquias, costumes, normas de uso, acordos e explorações, tendo no uso da terra pelo trabalhador despossuído sua principal forma de acesso (Ribeiro, 2013aRibeiro, E. M. (2013a). Sete estudos sobre a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha. Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Moura, 2019Moura, M. M. (2019). Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais (2ª ed.). Curitiba: Brazil Publishing.). As mudanças fundiárias geradas pela Revolução Verde fizeram com que as terras se tornassem passíveis de aquisição pela mediação mercantil da compra e venda, fenômeno característico da acumulação capitalista (Polanyi, 2012Polanyi, K. (2012). A subsistência do homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto.), fazendo com que a privatização se tornasse “antitética da posse, instituto provisório a ser transformado em propriedade” (Moura, 2019, pMoura, M. M. (2019). Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais (2ª ed.). Curitiba: Brazil Publishing.. 32). Nesse sentido, o discurso do progresso e da modernização atuou em favor da apropriação e concentração de terras e renda, tendo como reflexo o aumento das desigualdades e ampliação dos conflitos com os modos e meios de vida costumeiros.

Com a redemocratização, os movimentos sociais emergiram com forte representatividade na região, fazendo com que suas estratégias de reprodução e acesso aos meios de vida fossem instituídas como aspectos centrais dos modelos de desenvolvimento pensados para o território. Os lavradores, que não possuíam voz diante das políticas de Estado e da apropriação de terras por parte de grandes empresas e fazendas, passaram a organizar-se em grupos sindicais e religiosos, estimulando a descentralização das ações de desenvolvimento rural. Nos anos de 1980, ascendeu a organização social em busca de cidadania. Assim, o capital social se tornou um dos principais instrumentos da rede de ativos das famílias para buscar uma trajetória de desenvolvimento que levasse em conta os recursos e estratégias em torno dos meios de vida historicamente construídos nos territórios (Assis, 2005Assis, T. R. P. (2005). Organizações locais e desenvolvimento territorial em Minas Gerais (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Lavras, Lavras.).

A partir dos anos 2000, é perceptível o crescimento da importância da agricultura familiar no Jequitinhonha. Cresceram a representação sindical (Assis, 2005Assis, T. R. P. (2005). Organizações locais e desenvolvimento territorial em Minas Gerais (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Lavras, Lavras.), a participação nos mercados locais (Cruz et al., 2020Cruz, M. S., Ribeiro, E. M., Perondi, M. A., Oliveira, D. C., & Costa, H. M. (2020). Agricultura familiar, feiras livres e feirantes do Alto Jequitinhonha. Revista Campo-Território, 15(35), 90-120.), e a afirmatividade nas disputas por recursos (Pereira & Ribeiro, 2014Pereira, V. G., & Ribeiro, E. M. (2014). Novos padrões de migração entre agricultores familiares reassentados do alto Jequitinhonha, MG. Organizações Rurais & Agroindustriais, 16, 62-75.). Segundo dados do Censo Demográfico de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012bInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2012b). Censo demográfico. Sobre. Famílias e domicílios. IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=14881&t=sobre
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
), quase 40% da população do Jequitinhonha habitava no meio rural, percentual bem mais elevado que a média de 22,5% de Minas Gerais. Mesmo observando diversas mudanças durante as primeiras décadas do século XXI e os conflitos que as envolvem, os estabelecimentos da agricultura familiar eram massivamente representativos na região, abrangendo cerca de 75% dos estabelecimentos agropecuários, segundo os dados do Censo Agropecuário de 2017, o que revela a importância fundiária e demográfica do grupo.

Por fim, ressalta-se a necessidade de contextualizar os dados censitários no cenário da década analisada. Conforme Silva et al. (2020)Silva, J. L., Ribeiro, E. R., Lima, V. M. P., & Heller, L. (2020). As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no Semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 22, e202013., uma seca aguda assolou a região no período 2012 a 2019, e os dados da Produção Agrícola Municipal (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS). IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=774
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
) refletiram a variação e a queda na média histórica de precipitações nos municípios localizados nas partes central e leste da região, em especial em áreas de semiárido. Observou-se queda de volume das nascentes e rios, impactados pela estiagem e pelo assoreamento resultante da concentração da chuva em curtos períodos (Silva et al., 2020Silva, J. L., Ribeiro, E. R., Lima, V. M. P., & Heller, L. (2020). As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no Semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 22, e202013.).

4. Resultados

4.1 Estabelecimentos e distribuição fundiária

Segundo o Censo Agropecuário de 2017, dos 51.760 estabelecimentos agropecuários observados, 38.874 (75,1%) eram da agricultura familiar, estando 22.177 no território do Alto Jequitinhonha e 16.697 no Baixo Jequitinhonha. Na distribuição, a maior parte da agricultura familiar encontrava-se na área mais central – microrregiões de Capelinha e Araçuaí. Observa-se que, no período entre 2006 e 2017, os estabelecimentos familiares no Alto Jequitinhonha aumentaram em 3.355, enquanto no Baixo Jequitinhonha tem-se uma queda de 5.498, com relevância para a dinâmica observada na Microrregião de Araçuaí. Estas diferenças podem ser observadas a partir do número absoluto de estabelecimentos apresentados na Tabela 1. Em relação aos estabelecimentos não familiares, observa-se um aumento significativo, sendo que no Alto Jequitinhonha esse tipo de estabelecimento mais que dobra, em especial nas microrregiões de Capelinha e Diamantina. Assim, com as ressalvas metodológicas já mencionadas, percebe-se que, a partir do número total de estabelecimentos agropecuários, a participação percentual de estabelecimentos não familiares no Vale do Jequitinhonha salta de 15% em 2006 para 25% em 2017, aumento esse acompanhado pela queda percentual, de 85% para 75%, nos estabelecimentos familiares.

Tabela 1
Número de estabelecimentos agropecuários na Mesorregião do Jequitinhonha, participação familiar e não familiar, por territórios e microrregiões, 2006 e 2017

Analisando a relação de domínio das terras, nota-se que a condição de proprietário era hegemônica nos estabelecimentos agropecuários, representando entre 80% e 90% em todas as microrregiões. Destaca-se a exceção da Microrregião de Pedra Azul, em que 70% dos estabelecimentos eram dirigidos pelos proprietários das terras, sendo cerca de 20% dirigidos por comodatários. Além disso, conforme o Censo 2017, com a mudança metodológica já mencionada, a Mesorregião do Jequitinhonha passou de 2.573 estabelecimentos sem área em 2006 para 461 em 2017, sendo mais de 80% referentes à agricultura familiar.

A distribuição dos estabelecimentos, segundo o tamanho da área, mostra que, a partir da média entre Alto e Baixo Jequitinhonha, 48,61% dos estabelecimentos do Vale do Jequitinhonha eram da agricultura familiar e ocupavam uma área de até 20 hectares (ha), enquanto 22% eram familiares com área entre 21 e 100 ha, ou seja: mais de 70% dos estabelecimentos agropecuários da região são da agricultura familiar e com área inferior a 100 ha, sendo observada essa média em todas as microrregiões, conforme a Tabela 2. Os dados apontam para o fato de que mesmo com a expansão da agricultura não familiar entre 2006/2017, a agricultura familiar representa a maior parte dos estabelecimentos agropecuários, em especial aqueles de pequena área. Vale ressaltar que outros estabelecimentos geridos por famílias e com até 100 ha podem não ter sido classificados pelo Censo como familiares, uma vez que não tenham atendido um ou mais dos critérios legais exigidos. Isso implica que, embora alguns estabelecimentos sejam familiares e com uma lógica de reprodução social campesina, foram classificados como não familiares, o que se observa com mais intensidade no território do Alto Jequitinhonha.

Tabela 2
Número de estabelecimentos agropecuários segundo o tamanho da área (ha) e tipologia, por territórios e microrregiões da Mesorregião do Jequitinhonha, 2017, em termos percentuais (%)

No entanto, quando se analisa a área ocupada por cada tipologia, percebe-se que os estabelecimentos familiares não ocupavam área proporcionalmente expressiva, alertando para a concentração fundiária. Analisando os dados da Tabela 3, percebe-se que, mesmo contando quase 75% dos estabelecimentos, a agricultura familiar ocupava menos de 35% da área total. No Alto e no Baixo Jequitinhonha, a área ocupada por estabelecimentos não familiares chegou a quase 70% do total. Com exceção da Microrregião de Araçuaí, onde as diferenças foram menores, nas demais, observa-se concentração em estabelecimentos não familiares, em especial em Diamantina e Almenara.

Tabela 3
Área total ocupada por tipo de estabelecimento, por territórios e microrregiões da Mesorregião do Jequitinhonha, 2017, em termos percentuais (%)

A dinâmica fundiária observada no Jequitinhonha pode estar relacionada com um traço característico da região: a monocultura de eucalipto, instalada nos anos 1970 (Calixto et al., 2013Calixto, J. S., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Macedo, R. L. G. (2013). Eucaliptais: trabalho, terra e geração de renda em três décadas de reflorestamentos no Alto Jequitinhonha. In E. M. Ribeiro (Org.), Sete estudos sobra a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha (pp. 91-108). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Moura, 2019Moura, M. M. (2019). Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais (2ª ed.). Curitiba: Brazil Publishing.). A atividade é a principal marca da modernização agrícola no território, sendo responsável por diversos conflitos que surgiram desde então, a partir dos impactos causados na distribuição de recursos e na estrutura fundiária. As plantações de eucalipto concentram-se nas chapadas do território do Alto Jequitinhonha, em especial na Microrregião de Capelinha, local de maior presença de estabelecimentos familiares.

Entre 2006 e 2017, percebe-se o aumento no número de estabelecimentos com produção de eucalipto e na área total cortada, especialmente na Microrregião de Capelinha, onde estavam mais de 80% dos estabelecimentos e da área cortada. Na Microrregião, o número de estabelecimentos agropecuários com produção de eucalipto mais que dobrou entre 2006 e 2017, passando de 1.986 para 4.210. Desses estabelecimentos, 67% eram da agricultura familiar e 33% da agricultura não familiar. Porém, 87% do total de área cortada na região estava em estabelecimentos não familiares, cuja área cortada triplicou no período, alcançando 26.048 ha. O Censo captou o caráter especulativo da monocultura, manifesto na expansão periódica do corte. As empresas, às vezes durante anos, conservam o eucalipto em pé enquanto usufruem de renda da terra, para cortar a madeira em ciclos de alta do preço de carvão, como ocorreu no intervalo intercensitário (Calixto et al., 2013Calixto, J. S., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Macedo, R. L. G. (2013). Eucaliptais: trabalho, terra e geração de renda em três décadas de reflorestamentos no Alto Jequitinhonha. In E. M. Ribeiro (Org.), Sete estudos sobra a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha (pp. 91-108). Porto Alegre: Editora da UFRGS.; Silva, 2019Silva, E. F. (2019). As metamorfoses da chapada (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais/Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros.).

O fenômeno também pode ser observado a partir das informações sobre a área dos estabelecimentos por grupos de atividade econômica, que apontam para mudanças entre 2006 e 2017, como mostra a Tabela 4. Analisando a dinâmica que ocorreu no intervalo censitário, a partir das atividades que preponderantemente ocupam quase todas as terras que estão sendo utilizadas para a produção (lavoura temporária e permanente, pecuária e criação de outros animais, produção de florestas plantadas), percebe-se que o percentual de terra utilizada para a produção de florestas plantadas, que na região é majoritariamente silvicultura, teve um aumento considerável no território do Alto Jequitinhonha, em especial nas microrregiões de Diamantina e Capelinha, onde estão concentrados os grandes empreendimentos com essa atividade. Nota-se que, no território, a área percentual utilizada para produção de florestas plantadas saltou de 9% para 30% em dez anos, em relação ao total, sendo que, em Capelinha, esse percentual alcançou 45%. Por outro lado, percebe-se que a utilização de terras para florestas plantadas, por parte da agricultura familiar, manteve-se baixa, sendo que lavouras temporárias e criação de animais foram as principais atividades desempenhadas nas terras utilizadas por esse grupo. No Baixo Jequitinhonha, nota-se um aumento das terras utilizadas para a pecuária e criação de animais, sinalizando um aprofundamento dessa atividade econômica no território, algo que certamente pode ser associado à seca.

Tabela 4
Área dos estabelecimentos agropecuários por grupos de atividade econômica, por territórios e microrregiões da Mesorregião do Jequitinhonha, 2017, em termos percentuais (%)

Ainda analisando a atividade da silvicultura, dados da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS). IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=774
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
)4 4 Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios. apontam para um aumento da área total dos efetivos da silvicultura entre 2013 e 2020, como mostra o Gráfico 1. Percebe-se que, na Mesorregião do Jequitinhonha e na Microrregião de Capelinha, há um aumento da utilização de terras para a silvicultura, com uma significativa expansão após 2017, quando o último levantamento do Censo foi realizado. Nota-se que na Mesorregião a área da produção da silvicultura salta de 203.597 ha em 2017 para 267.346 ha em 2020, representando um aumento de mais de 30% em apenas 4 anos. A Microrregião de Capelinha continua sendo o principal lócus da produção na região, tendo-se observado um crescimento de quase 27% no período. Além disso, destaca-se que a Microrregião de Diamantina apresentou um aumento de 100% entre 2017 e 2020, e a Microrregião de Araçuaí um aumento de 90% entre 2013 e 2020, evidenciando a tendência de expansão da atividade no Vale do Jequitinhonha.

Gráfico 1
Área total existente dos efetivos da silvicultura em hectares, Mesorregião do Jequitinhonha, microrregiões de Diamantina, Capelinha, Araçuaí, 2013 a 2020. Fonte: IBGE, Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, 2020 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2020). Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS). IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=774
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)

A monocultura de eucalipto acarretou mudanças significativas nas estratégias de reprodução dos agricultores familiares em toda a região, em especial no Alto Jequitinhonha. Certamente, a principal foi a tomada e concentração de terras, uma vez que a ocupação das áreas de chapada pela monocultura privou as comunidades das áreas comuns para criação de gado na solta, coleta de frutas, lenha e ervas medicinais. Calixto et al. (2013)Calixto, J. S., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Macedo, R. L. G. (2013). Eucaliptais: trabalho, terra e geração de renda em três décadas de reflorestamentos no Alto Jequitinhonha. In E. M. Ribeiro (Org.), Sete estudos sobra a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha (pp. 91-108). Porto Alegre: Editora da UFRGS. analisaram os impactos fundiários: em 35 anos (1970-2005) o plantio de eucalipto expandiu o número dos estabelecimentos acima de 1.000 ha, e reduziu em quase 50% as áreas ocupadas por unidades familiares (menos de 100 ha), e estabelecimentos médios, de 101 a 1.000 ha. Municípios com até 10% de área ocupada por monocultura mantiveram estruturas agrárias quase inalteradas, enquanto aqueles com maior área percentual de monocultura apresentaram concentração ativa (Calixto et al., 2013Calixto, J. S., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Macedo, R. L. G. (2013). Eucaliptais: trabalho, terra e geração de renda em três décadas de reflorestamentos no Alto Jequitinhonha. In E. M. Ribeiro (Org.), Sete estudos sobra a agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha (pp. 91-108). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Os efeitos da concentração se manifestam de forma direta no uso da gleba: agricultores tradicionais dividem os agroecossistemas da região em áreas proporcionais de “campo”, “carrasco” e “cultura”, mas apenas esta última categoria é própria para cultivo (Ribeiro, 2013bRibeiro, E. M. (2013b). Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.). Assim, a combinação do sistema de cultivo baseado em fertilidade natural com décadas de partilha na herança e apropriação de terras de “campos” por empresas criou estrangulamentos fundiários sucessivos para a agricultura familiar, reduzida a áreas minúsculas de “cultura”, continuamente fragmentadas e de produtividade natural decrescente.

Outro efeito da monocultura aparece na disponibilidade de água. Respondendo pela supressão da fauna e flora nativas, e com alta demanda por água e nutrientes, áreas de eucalipto limitaram a recarga de lençóis e nascentes. Isso gerou redução drástica de fontes de abastecimento do lençol freático no Cerrado e Caatinga do Jequitinhonha. O fenômeno foi analisado por Lima (2013)Lima, V. M. P. (2013). Secas e s’águas: alterações na dinâmica da água no alto Jequitinhonha. In: F. M. Galizoni (Org.), Lavradores, águas e lavouras (pp. 163-184). Belo Horizonte: Editora UFMG., indicando que a quantidade da água drenada para o lençol na vegetação de cerrado (526 mm) é mais elevada que a água drenada nas áreas de reflorestamento (308 mm), o que representa um déficit de cerca de 219 litros de água por metro quadrado/ano para a recarga de nascentes em áreas da silvicultura na região.

A morte de nascentes contribuiu para aumentar o número de estabelecimentos que demandam serviços públicos de abastecimento: cisternas de captação de água de chuva, poços artesianos, caminhões pipa, bombas de captação e pequenas barragens se disseminaram na região (Silva et al., 2020Silva, J. L., Ribeiro, E. R., Lima, V. M. P., & Heller, L. (2020). As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no Semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 22, e202013.; Galizoni et al., 2020Galizoni, F. M., Ribeiro, E. M., Lima, V. M. P., Gomes, N. M., & Silva, E. P. F. (2020). Vozes da seca: lavradores, mediadores e poder público frente à estiagem no semiárido do Jequitinhonha mineiro. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 55, 54-74.). Dados censitários apontam para o aumento considerável de estabelecimentos com cisternas e poços artesianos no período entre 2006 e 2017. Por outro lado, o número de estabelecimentos que têm acesso à fonte de água de nascentes, considerada mais pura pela população rural, diminuiu no período. Em 2017, apenas na Microrregião de Capelinha, houve perda de nascentes em 640 estabelecimentos. Os dados também mostram que a maioria dos estabelecimentos com acesso a nascentes não são familiares; enquanto estabelecimentos com cisternas e poços são, em maior número, familiares, traduzindo a concentração da água, além da concentração fundiária.

Concentração de recursos representa a privação e supressão de meios de vida básicos, o que limita as condições de reprodução e permanência da agricultura familiar no campo, e sinaliza fortes obstáculos para a sucessão rural da região, tendo em vista que ela se relaciona com a condição econômica e social da família, e com as perspectivas e alternativas oferecidas pelo meio rural (Mendonça et al., 2013Mendonça, K. C., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Augusto, H. A. (2013). Formação, sucessão e migração: trajetórias de duas gerações de agricultores do Alto Jequitinhonha, Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos de População, 30(2), 445-463.; Oliveira et al., 2021Oliveira, M. F., Mendes, L., & Van Herk Vasconcelos, A. C. (2021). Desafios à permanência do jovem no meio rural: um estudo de caso em Piracicaba-SP e Uberlândia-MG. Revista de Economia e Sociologia Rural, 59(2), e222727.). Terra, natureza e água são essenciais nesses sistemas produtivos baseados no conhecimento e uso do patrimônio ecológico. Assim, o “encurralamento” dos sistemas produtivos, que aparece nos dados censitários, transforma-se em elementos da pauta sindical e social da agricultura familiar da região, que se organiza reivindicando as terras e águas perdidas para o latifúndio e a monocultura (Galizoni et al., 2008Galizoni, F. M., Ribeiro, E. M., Lima, V. M. P., Santos, I. F., Chiodi, R. E., Lima, A. L. R., & Ayres, E. C. B. (2008). Hierarquias de uso de águas nas estratégias de convívio com o semi-árido em comunidades rurais do Alto Jequitinhonha. Revista Economica do Nordeste, 45(2), 132-152.; Silva, 2019Silva, E. F. (2019). As metamorfoses da chapada (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais/Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros.).

4.2 Ocupação de pessoas

Em uma região onde a maioria das novas ocupações Aspecto importante dos estabelecimentos familiares está na quantidade de ocupações que geram na região – onde a maioria das novas ocupações surgidas nas pequenas cidades é na administração pública e comércio. Isso se revela no Censo: do total de 162.424 das ocupações em estabelecimentos agropecuários em 2017, 112.682 (69,4%) estavam em estabelecimentos familiares, e aqueles com área até 20 ha respondiam por quase 43% do pessoal ocupado, sendo 47,84% no Alto e 37,24% no Baixo Jequitinhonha; aqueles com áreas entre 21 e 100 ha criavam 21,4% das ocupações, sendo 18,87% no Alto e 23,37% no Baixo, conforme a Tabela 5.

Tabela 5
Pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários por área do estabelecimento (ha) e tipologia, por territórios e microrregiões da Mesorregião do Jequitinhonha, 2017, em percentual (%).

As principais atividades geradoras de ocupação foram lavouras temporárias (milho, feijão, mandioca e cana de açúcar, entre outros produtos) e criação de animais (bovinos, suínos e aves). Estas atividades responderam por 60,4% das ocupações geradas nos estabelecimentos da agricultura familiar do Jequitinhonha. Considerando a horticultura e a lavoura permanente, os percentuais chegaram a quase 70%. Em termos de produção de vegetais (lavoura temporária, lavoura permanente e horticultura), o Alto Jequitinhonha criou mais ocupações que o Baixo Jequitinhonha, correspondendo a 25,36% e 19,97%, respectivamente, do total das ocupações dos territórios. Em termos de criação animal, as ocupações geradas no Baixo Jequitinhonha foram relativamente superiores (36,99% e 43,76% do total). Destaca-se que nos dois territórios as ocupações geradas pela agricultura familiar foram superiores às geradas pela agricultura não familiar.

As microrregiões de Almenara e Pedra Azul apresentaram percentuais mais elevados de pessoas ocupadas em atividades de pecuária nos estabelecimentos não familiares, 24,4% e 21%, respectivamente. Tais resultados indicam a prevalência da pecuária extensiva no território do Baixo Jequitinhonha, porém, ainda que sejam relevantes para a geração de ocupações, o número de ocupações geradas pela atividade é substancialmente maior entre os estabelecimentos da agricultura familiar, que alcança, em média, 43% do total das ocupações geradas.

É importante destacar o efeito multiplicador das ocupações na agricultura familiar da região. A atividade agrícola e a moradia rural de grande parte da população geram um conjunto de ocupações derivadas no próprio meio rural e nas pequenas cidades que conformam o Jequitinhonha, exercidas em grande parte por membros das próprias famílias produtoras. Assim, serviços de apoio, transporte, educação, saúde e comércio são demandados no rural e criam redes de serviços que integram comunidades rurais e o meio urbano. O elevado número de aposentados ativos no rural, a grande frequência de programas distributivos e a regularidade de migrações sazonais criam fluxos de renda monetária que asseguram ocupações múltiplas que, na maioria das vezes, são invisibilizadas pela hegemonia da ocupação na agropecuária e, principalmente, pela autodefinição como agricultor(a).

Os estudos sobre a região têm revelado a frequência de ocupações multiespacializadas e simultâneas, compreendendo trabalhadores como a lavradora-professora, o agricultor-agente de saúde e o lavrador-motorista, tornando a multiocupação derivada de demandas rurais um fenômeno que chega a alcançar 25% dos adultos autodefinidos como agricultores/as (Correia, 2021Correia, P. O. (2021). Fontes, consumo e gestão de energia na produção de alimentos das unidades familiares do Alto Jequitinhonha (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais/Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros.). Desse modo, a diversificação das ocupações aponta para o fenômeno da pluriatividade (Schneider, 2009Schneider, S. (2009). A pluriatividade na agricultura familiar (2ª ed.). Porto Alegre: Editora da UFRGS.) como parte das estratégias da população da região para se adaptar às mudanças exógenas e endógenas ao território, sendo uma forma de mitigar os obstáculos que dificultam a permanência das gerações no campo, o que se relaciona com as perspectivas, possibilidades e alternativas oferecidas no meio rural (Oliveira et al., 2021Oliveira, M. F., Mendes, L., & Van Herk Vasconcelos, A. C. (2021). Desafios à permanência do jovem no meio rural: um estudo de caso em Piracicaba-SP e Uberlândia-MG. Revista de Economia e Sociologia Rural, 59(2), e222727.).

4.3 Produção, vendas e consumo

As estratégias das famílias que estão ligadas à produção do estabelecimento passaram por importantes mudanças no período entre 2006 e 2017. Entre 2012 e 2019, houve grande seca em boa parte da região, em especial na porção compreendida como Semiárido, que concentra a agricultura familiar (Silva et al., 2020Silva, J. L., Ribeiro, E. R., Lima, V. M. P., & Heller, L. (2020). As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no Semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 22, e202013.). Secas forçam agricultores a fazerem concessões nas estratégias associadas ao uso da água, impactando a produção de alimentos. Analisando a Produção Agrícola Municipal (PAM)6 6 Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios. , verifica-se que os principais produtos vegetais da região – cana-de-açúcar, feijão, mandioca e milho – responsáveis pela maior parte das vendas por meio do beneficiamento, os consumos humano e animal tiveram queda generalizada de produção, como se vê no Gráfico 2 7 7 Os valores do gráfico estão apresentados em percentuais, sendo dado à produção de 2010 o índice 100 e à produção dos outros anos o percentual relativo à produção do ano índice. A padronização facilita a visualização da tendência de produção, uma vez que os valores absolutos são distintos em termos de magnitudes. .

Gráfico 2
Quantidade produzida de cana-de-açúcar, feijão, mandioca e milho nos estabelecimentos agropecuários da Mesorregião do Jequitinhonha, em termos percentuais, 2010 a 2019. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019c; elaboraInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2019c). Produção Agrícola Municipal (PAM). IBGE. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/tabelas
https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/t...
ção própria a partir dos dados da Produção Agrícola Municipal (PAM).

A queda é resultado também de estratégias familiares, como indica o Gráfico 3, onde se observa que a área plantada de lavouras temporárias também diminuiu, em especial no Baixo Jequitinhonha, território de maior incidência da seca. Esses dados aparecem também na Tabela 6, que aponta mudanças na atividade com maior peso nas receitas do estabelecimento. O maior peso nas receitas passa da produção vegetal em 2006, para a produção animal em 2017. Em 2006, 49,6% da renda com produção interna era proveniente da produção vegetal; em 2017, a participação caiu para 22,11%. Por outro lado, a participação da produção animal na receita obtida internamente, que era de 32,9% em 2006, passou para 55,4% em 2017. Essa tendência é observada no Alto e Baixo Jequitinhonha, com exceção apenas da Microrregião de Diamantina, na qual ocorre o inverso.

Gráfico 3
Área plantada de lavouras temporárias nos estabelecimentos agropecuários da Mesorregião do Jequitinhonha e nos territórios Alto e Baixo Jequitinhonha, 2010 a 2019. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019; Elaboração própria a partir dos dados da Produção Agrícola Municipal (PAM)
Tabela 6
Composição percentual das rendas da agricultura familiar oriundas de dentro do estabelecimento, por territórios e microrregiões do Jequitinhonha, 2006 e 2017, em termos percentuais (%).

Observa-se, também, que a renda de atividades não agrícolas teve participação aumentada no total das rendas obtidas com atividades no estabelecimento. A participação da agroindústria alcançou mais de 20% no Alto Jequitinhonha, com destaque para Diamantina, onde se observou mudança, de 7,68% para 21,81%, na participação dessa atividade no portfólio de renda das famílias. Na categoria “outras atividades”, percebe-se um aumento mais significativo no território do Baixo Jequitinhonha, com mudança relevante na Microrregião de Almenara. Segundo os dados do Censo, a mudança se dá, em especial, pelo aumento das atividades associadas à prestação de serviços para empresas integradoras e beneficiamento de alimentos para terceiros, revelando mais um aspecto da pluriatividade nas estratégias de geração de renda das famílias do Jequitinhonha.

Ao desagregar as atividades em suas diferentes categorias, aparecem importantes características das estratégias camponesas. Na produção vegetal, lavouras temporárias estiveram presentes em 29.488 (75,5%) dos estabelecimentos familiares da região. Ganha destaque o Alto Jequitinhonha, onde se localizava 18.808 desses estabelecimentos, o que representa 84,2% dos estabelecimentos familiares do território produzindo lavouras temporárias. Na Microrregião de Capelinha localizavam-se 61,7% desses estabelecimentos.

Dados do Censo Agropecuário também apontam que, anualmente, cerca de 125.000 toneladas8 8 Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios. de alimentos e outros produtos foram produzidos nas lavouras temporárias, sendo quase 80% dessa produção no território do Alto Jequitinhonha. Analisando quantidade vendida e não vendida, percebe-se a importância da lavoura temporária para a soberania e segurança alimentar das famílias9 9 Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios. . Pouco mais de 10% da produção de lavouras temporárias da região, no ciclo agrícola de 2017, foi à venda, sendo que, no Alto Jequitinhonha, este percentual alcançou 9,3%, e no Baixo chegou a 14%. Ainda que de 85% a 90% da produção possa não ter ido somente para consumo (pois ocorrem trocas, perdas e desperdícios da produção), os valores apontam para a relevância da produção para o autoconsumo, atividade garantidora da alimentação familiar.

Cana-de-açúcar, mandioca e milho em grãos são as culturas mais produzidas na região. Estes produtos são versáteis e asseguram diversificação da produção, pois são bases do beneficiamento de alimentos, dando origem à farinha, ao fubá, à rapadura e aguardente, além de fazer parte da nutrição animal. Essa característica pode ser observada nos dados do Censo Agropecuário de 2017. No Alto Jequitinhonha, 94,3% da cana-de-açúcar, 83% da mandioca e 88,4% do milho em grão não foram vendidos, enquanto no Baixo os percentuais alcançaram 88,4% da cana-de-açúcar, 86,5% da mandioca e 85,6% do milho em grão, que também não foram comercializados. Além desses, outros importantes alimentos foram produzidos nas lavouras temporárias e destinados em grande parte para consumo, como o arroz, os diferentes tipos de feijão, abóbora, moranga, alho, cebola, abacaxi e melancia.

Horticultura e lavoura permanente também são marcas da produção vegetal do Jequitinhonha. A primeira tem papel de extrema importância para consumo das famílias e grande relevo na comercialização. Em média, entre as 5.593 toneladas produzidas no ano agrícola, nos 3.968 estabelecimentos da agricultura familiar com essa atividade, 84,7% foram destinadas à venda. Cabe destacar que no território do Baixo Jequitinhonha a horticultura apresenta maior peso para o consumo das famílias, e cerca de 35% da produção é destinada ao consumo. No Alto Jequitinhonha quase 90% da produção é destinada às vendas, sendo que na Microrregião de Diamantina esse percentual alcança 95,8%. As principais culturas são alface, beterraba, cebolinha, cenoura, couve, milho verde, pimentão, quiabo e tomate.

Os dados não permitem observar a relação entre quantidade vendida e produzida nas lavouras permanentes; isso só pode ser feito para estabelecimentos com mais de 50 pés, o que abarca um percentual reduzido de agricultores familiares. Contudo, permitem observar a relevante presença dessa produção entre as famílias do Jequitinhonha. Um total de 26.994 (69% do total) estabelecimentos familiares da região possuem lavouras permanentes, sendo que 83% são estabelecimentos com menos de 50 pés. A presença dessa atividade é maior no Alto Jequitinhonha, onde se encontra quase 70% dos estabelecimentos da região com esse tipo de produção, em especial na Microrregião de Capelinha. Observa-se com mais frequência frutas como abacate, acerola, banana, goiaba, graviola, jabuticaba, jaca, laranja, limão, manga, mamão, maracujá, tangerina e urucum. Suscetíveis às estações do ano e com uma demanda de cuidados menor que a lavoura temporária e a horticultura, a produção das lavouras permanentes é parte importante da diversidade dos meios de vida das famílias, para o consumo direto, para o beneficiamento de alimentos e para a comercialização.

Analisando os dados relativos à produção animal, percebe-se que a criação de bovinos, suínos e aves também marca as estratégias de meios de vida das famílias da região, sendo também de extrema importância para a diversificação desses meios. Observou-se 35.210 estabelecimentos da agricultura familiar no Vale do Jequitinhonha (cerca de 90%) que criavam animais, sendo 54,8% criando bovinos, 37,8% suínos e 85,1% criando aves. Enquanto a produção de suínos segue a média para ambos os territórios e todas as microrregiões, percebe-se uma diferença na participação de aves e bovinos na criação animal das famílias dos dois territórios. Enquanto 49,9% da agricultura familiar com criação animal no Alto Jequitinhonha cria bovinos, no Baixo Jequitinhonha esse percentual chegou a 61,5%, com destaque para a Microrregião de Almenara, em que o percentual foi de quase 72%. Por outro lado, a criação de aves estava presente em 89,5% dos estabelecimentos da agricultura familiar com criação animal no Alto Jequitinhonha, enquanto no Baixo o percentual é de 79%. Isso se dá tanto pela formação econômica dos territórios, em que a pecuária se fez mais presente nas áreas do Baixo, quanto pela disponibilidade de terras e características das regiões, uma vez que no Alto se observa mais obstáculos físicos e comunitários para a criação de bovinos. Cabe ainda ressaltar que a produção animal é de extrema importância para a diversificação da produção, uma vez que, além do valor relativamente alto, os animais também fornecem carne, leite e ovos, que servem para o consumo direto e feitura de alimentos, como doces, pães e quitandas. Não à toa, a participação da renda oriunda da produção animal tornou-se a maior no portfólio de renda dos estabelecimentos familiares.

A relação entre produções e vendas da agroindústria, tendo em vista perecibilidade, clima e agregação de valor, faz do beneficiamento de alimentos uma importante estratégia de diversificação dos meios de vida, impactando o consumo de alimentos e a receita monetária, via comercialização nos mercados locais. O conhecimento para o beneficiamento de alimentos associa-se diretamente com o meio, que expande ou limita a reprodução de certas culturas de alimentos (Noronha, 2003Noronha, A. G. B. (2003). O tempo de ser, fazer e viver: modo de vida de populações rurais tradicionais do Alto Jequitinhonha, MG (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Lavras, Lavras.; Ribeiro, 2019Ribeiro, E. M. (2019). Do engenho à mesa: cultura material e indústria rural na agricultura familiar do Jequitinhonha mineiro. Belo Horizonte: Editora UFMG.). Segundo o Censo Agropecuário de 2017, 12.389 estabelecimentos da agricultura familiar (31,7%) produziram 34.439 toneladas/mil litros de produtos na agroindústria. Grande parte dessa produção agroindustrial estava na Microrregião de Capelinha, responsável por 84% do total produzido no Jequitinhonha. Lá, cerca de 42,5% dos estabelecimentos da agricultura familiar utilizaram a agroindústria doméstica como fonte de renda e sustento alimentar, sendo 80% da produção destinada à venda. Ainda que tenha relevância para a alimentação das famílias produtoras, cerca de 78% do total da produção da região foi comercializado. Em algumas microrregiões o peso do autoconsumo foi maior, como é o caso de Araçuaí, onde 35% da produção agroindustrial foi autoconsumida.

Farinha de mandioca, queijo e requeijão, rapadura e carne de porco foram os principais produtos beneficiados. No entanto, aguardente de cana, café torrado, doces e geleia, fubá de milho, pães, bolos e biscoitos, manteiga, melado, goma de tapioca, entre outros produtos, também foram recorrentes na produção agroindustrial. Alimentos como queijo e requeijão, doces e geleias foram, em cerca de 90%, produzidos para comercialização. Por outro lado, farinha de mandioca, rapadura e tapioca ocuparam grande espaço nas vendas, mas também foram muito utilizados para o consumo das famílias, cerca de 40% da produção desses alimentos. Já outros produtos tiveram a maior parte da produção voltada para o autoconsumo: cerca de 77,5% da produção de fubá, 85% da produção de café e 62% da produção de pães e bolos foram destinados ao consumo das famílias. Observa-se aqui a importância dos alimentos processados nas vendas, mas também na manutenção de costumes alimentares, trocas cerimoniais e reciprocidades comunitárias, que ocupam posição importante no autoabastecimento e na sedimentação de relações sociais (Correia, 2021Correia, P. O. (2021). Fontes, consumo e gestão de energia na produção de alimentos das unidades familiares do Alto Jequitinhonha (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais/Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros.).

Desse modo, observa-se que as produções vegetal, animal e da agroindústria estão interligadas e estimulam-se mutuamente, gerando diversificação sustentada na produção de alimentos, que se destinam ao autoconsumo, à circulação comunitária e à venda. Esses dados também jogam luz ao papel das mulheres na promoção da segurança e soberania alimentar da região, sendo fundamentais para a manutenção das tradições culturais, a preservação de sementes crioulas para o cultivo de alimentos, a manutenção da sabedoria camponesa sobre a medicina popular e a preservação de laços de solidariedade (Tubaldini & Diniz, 2011Tubaldini, M. S., & Diniz, R. (2011). Gênero, agricultura familiar e (re)organização do espaço rural em comunidades quilombolas de Minas Novas e Chapada do Norte – Vale Do Jequitinhonha/MG/Brasil. Revista Geográfica de América Central, 2(47E), 1-18. Recuperado em 10 de outubro de 2022, de https://www.revistas.una.ac.cr/index.php/geografica/article/view/2321
https://www.revistas.una.ac.cr/index.php...
). Assim, além de estimular o desenvolvimento pela promoção da soberania e segurança alimentar das famílias, as atividades dos estabelecimentos da agricultura familiar fortalecem sistemas de produção que estão inseridos nos agroecossistemas dos territórios, fortalecendo atributos para um desenvolvimento ambientalmente sustentável. Além disso, a produção gera renda para famílias e diversifica meios de vida, sendo importante indução para o desenvolvimento, uma vez que permite aos consumidores urbanos contribuir na sustentação dos sistemas de produção das famílias e, assim, fortalecem a economia e as redes locais (Cruz et al., 2022Cruz, M. S., Ribeiro, E. M., Perondi, M. A., Araujo, A. M., & Maltez, M. A. P. F. (2022). Comprando qualidade: costume, gosto e reciprocidade nas feiras livres do Vale do Jequitinhonha. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(Spe), e245926.). Por esse motivo, ganham destaque as relações comerciais da agricultura familiar.

Essas transações se materializam sobretudo nas feiras livres, uma representação de negócio e sociabilidade regional presente em todo o Jequitinhonha, onde, além de mercadorias, há circulação de “pessoas e culturas, lugares de encontro social e negociação política”, sendo assim “retratos dessas sociedades rurais” (Ribeiro, 2013b, pRibeiro, E. M. (2013b). Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.. 130). As feiras livres da região são circuitos curtos de comercialização entre agricultores e consumidores urbanos que fortalecem a segurança e soberania alimentar com base em atributos da identidade territorial e estimulam a criação de novos produtos e entrada em novos circuitos de comercialização, como no comércio urbano (Servilha, 2008Servilha, M. M. (2008). As relações de trocas materiais e simbólicas no mercado municipal de Araçuaí. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.; Cruz et al., 2022Cruz, M. S., Ribeiro, E. M., Perondi, M. A., Araujo, A. M., & Maltez, M. A. P. F. (2022). Comprando qualidade: costume, gosto e reciprocidade nas feiras livres do Vale do Jequitinhonha. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(Spe), e245926.). Em 2018, as feiras do Jequitinhonha absorviam 50% da despesa com alimentos de cerca de 50% da população urbana, ocupando 10 mil pessoas em 4,5 mil estabelecimentos familiares e respondendo por algo próximo de 35% do total do PIB da Agropecuária regional (Cruz et al., 2022Cruz, M. S., Ribeiro, E. M., Perondi, M. A., Araujo, A. M., & Maltez, M. A. P. F. (2022). Comprando qualidade: costume, gosto e reciprocidade nas feiras livres do Vale do Jequitinhonha. Revista de Economia e Sociologia Rural, 60(Spe), e245926.).

A comercialização de verduras, legumes, frutas, ervas, doces, farinhas, bebidas, carnes, produtos artesanais e outros produtos de origem rural representa importante relação na troca entre famílias do campo e da cidade. A produção vegetal é o “carro chefe” dos produtos comercializados nas feiras. No período chuvoso, tem-se uma comercialização maior de produtos que saem da lavoura, como milho, feijão e frutos da época – pequi, jatobá, mangaba, entre outros –, enquanto no período de seca, tem-se uma participação maior dos produtos produzidos nas hortas (Ribeiro, 2013bRibeiro, E. M. (2013b). Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.; Borges et al., 2020Borges, D. M. L., Araujo, V. M., Ribeiro, E. M., Cruz, M. S., & Santos, L. R. (2020). A comercialização de produtos do agroextrativismo em feiras livres do Alto Jequitinhonha. Revista Campo-Território, 15(36), 325-356.). Por outro lado, como complemento da produção familiar, os feirantes demandam produtos comercializados nas cidades, como alimentos não perecíveis e utensílios industriais. As dinâmicas das feiras representam bem a complementaridade no consumo entre os produtos da cidade e do campo, sendo para muitos feirantes, a principal renda das famílias (Ribeiro, 2013bRibeiro, E. M. (2013b). Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.).

Portanto, a agricultura familiar, embora marginalizada ao longo da história, é uma das principais atividades econômicas da região. Cria ocupações e produtos em situações muito adversas de oferta de terra, água e recursos, e responde pela dinamização das trocas entre agricultores, comércio e consumidores urbanos (Ribeiro, 2013bRibeiro, E. M. (2013b). Estradas da vida: terra e trabalho nas fronteiras agrícolas do Jequitinhonha e Mucuri, Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG.).

4.4 Programas públicos e geração de rendas

Desde o começo dos anos 1990, os programas de aposentadorias e pensões, e depois o Programa Bolsa Família, passaram a ter importância no portfólio de renda das famílias agricultoras do Jequitinhonha (Ribeiro et al., 2014Ribeiro, E. M., Ayres, E. B., Galizoni, F. M., Almeida, A. F., & Pereira, V. G. (2014). Programas sociais, mudanças e condições de vida na agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha mineiro. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(2), 365-386.). Por isso, é importante destacar o papel de rendas oriundas de fontes externas ao estabelecimento, que ocupam lugar relevante nas estratégias de diversificação dos meios de vida dessas famílias, em especial as rendas oriundas de programas públicos.

Os dados da Tabela 7 permitem observar a estrutura do portfólio de renda das famílias e suas mudanças no período 2006 a 2017. Primeiramente, ressalta-se o aumento do número de estabelecimentos da agricultura familiar que obtinha recursos financeiros de origem diversa, seja originária de atividades desempenhadas no estabelecimento ou de fontes externas a este. Observa-se um aumento médio de cerca de 3 mil novos estabelecimentos obtendo renda a partir de atividades internas, e 5 mil obtendo renda por meio de fontes externas no Alto e Baixo Jequitinhonha. Assim, em 2017, 27.142 estabelecimentos da agricultura familiar no Vale do Jequitinhonha geraram receitas a partir de produções vegetal, animal, da agroindústria ou do artesanato (15.341 no Alto e 11.801 no Baixo), o que representa 69,5% dos estabelecimentos familiares10 10 Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios. ; e 31.396 obtiveram renda a partir de Bolsa Família, aposentadoria rural, trabalho realizado fora do estabelecimento, Plano Safra, e/ou outras fontes externas (18.396 no Alto e 13.027 no Baixo), representando cerca de 80% dos estabelecimentos da agricultura familiar.

Tabela 7
Número de estabelecimentos da agricultura familiar segundo origem da receita, valor da receita por estabelecimento, valor da receita por salário mínimo, valor da receita com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por territórios e microrregiões da Mesorregião do Jequitinhonha, 2006 e 2017

Comparando dados de 2006 e 2017, percebe-se uma expansão dos estabelecimentos que passaram a obter renda de fontes externas. Isso pode ser atribuído à expansão das pluriatividades, ao envelhecimento da população rural, à expansão da aposentadoria rural e ao fortalecimento dos programas de transferência de renda. Soma-se a isso a queda de renda, relacionada à seca observada na região, que diminuiu a produção vegetal. A mudança no portfólio de renda das famílias pode ser percebida pelo valor médio obtido mensalmente por estabelecimentos. Dados da Tabela 7 mostram que, enquanto em 2006 a renda obtida com produção interna chegava a 1,22 salário-mínimo (s.m.) por mês nos estabelecimentos do Alto Jequitinhonha, e 1,43 s.m. nos estabelecimentos do Baixo; em 2017, essa renda passou a ser de 0,93 s.m. no Alto e 0,95 s.m. no território do Baixo. Em contrapartida, os valores médios mensais de rendas obtidas por fontes externas passaram de 0,87 s.m. no Alto e 0,98 s.m. no Baixo para 1,23 s.m. e 1,13 s.m. nos estabelecimentos da agricultura familiar dos respectivos territórios. A variação das receitas, a partir da correção dos valores pelo IPCA/IBGE, também aponta para um aumento superior do poder de compra nas receitas obtidas fora do estabelecimento. Na média, receitas dessa natureza mais que dobraram a capacidade de compra dos estabelecimentos, enquanto as receitas obtidas dentro do estabelecimento tiveram uma variação bem menor, em alguns casos, como no Baixo Jequitinhonha, ocorrendo uma desvalorização.

Analisando as rendas originadas de fontes fora dos estabelecimentos, algumas mudanças consideráveis são observadas e explicam a alteração dos padrões de receita total. As informações da Tabela 8 mostram a composição do portfólio de receitas obtidas fora do estabelecimento. Percebe-se que, de 2006 para 2017, a participação dos recursos obtidos com aposentadorias e pensões aumentou, saltando de 73% para 87,9% no grupo de estabelecimentos que possuem receitas adquiridas externamente, considerando o valor médio entre as microrregiões.

Tabela 8
Origem das receitas oriundas de fora dos estabelecimentos agropecuários da agricultura familiar por territórios e microrregiões da Mesorregião do Jequitinhonha, 2006 e 2017, em termos percentuais em relação ao valor total das receitas dessa natureza.

Por outro lado, caíram a participação da renda adquirida por atividades desempenhadas fora do estabelecimento que, passou de 17,2% para 6,9%; e a renda provinda dos programas dos governos federal, estadual e municipal, de 7,87% para 4,73%. Os dados mostram que as rendas obtidas por pensões e aposentadorias ocupam posição isolada como principal fonte de renda obtida fora do estabelecimento, o que também fez com que rendas de natureza externa superassem as rendas de receita interna no total de renda das famílias. Complementarmente, o percentual de estabelecimentos da agricultura familiar que receberam esse tipo de receita e o valor que essas receitas possuem na receita total dos estabelecimentos da categoria apontam para a importância das receitas externas ao estabelecimento na diversificação do portfólio de renda e nas estratégias de meios de vida das famílias agricultoras da região, como indica a Tabela 9.

Tabela 9
Quantidade de estabelecimentos da agricultura familiar e valores das receitas oriundas de fora dos estabelecimentos agropecuários por territórios e microrregiões da Mesorregião do Jequitinhonha, 2017, em termos percentuais em relação ao total da agricultura familiar.

Os resultados mostram que, na média, 60% dos estabelecimentos familiares da região recebem recursos de aposentadorias ou pensões. Além disso, 12,28% no Alto e 7,43% no Baixo Jequitinhonha possuem renda advinda de atividades desempenhadas fora do estabelecimento, e cerca de 24% possuem recursos oriundos de programas do governo, como parte do portfólio de renda. Em termos de participação no valor total das receitas da agricultura familiar, destaca-se, como já mencionado anteriormente, o papel dos recursos de aposentadorias ou pensões, responsável por um percentual médio de 40% a 60% da receita total desse segmento na região.

Essa mudança pode ser justificada pela análise de um outro dado, referente à quantidade de estabelecimentos agropecuários, segundo a idade do responsável pelo estabelecimento. Os dados da Tabela 10 apontam para uma mudança demográfica nas famílias dos estabelecimentos da região. Observa-se no Jequitinhonha uma diminuição do número de responsáveis pelos estabelecimentos agropecuários nas faixas etárias abaixo de 25 anos, de 25 a menos de 35 anos e de 35 a menos de 45 anos, independente da tipologia. Em contrapartida, o número de responsáveis nas faixas etárias entre 45 e menos de 55 anos, 55 e menos de 65 anos ou mais de 65 anos aumentou. Entre os produtores da faixa etária acima de 45 anos, 80% estão nos estabelecimentos da agricultura familiar. Entre aqueles acima de 65 anos, a porcentagem chega a 88,4%. Por outro lado, entre os grupos de pessoas com menos de 25 anos até menos de 45 anos de idade o percentual presente nos estabelecimentos da agricultura familiar é de 60%.

Tabela 10
Estabelecimentos agropecuários por grupos de idade do responsável na Mesorregião do Jequitinhonha, anos de 2006 e 2017

Percebe-se, assim, que a mudança demográfica observada entre 2006 e 2017 se dá com maior impacto nos estabelecimentos da agricultura familiar, o que justifica, em parte, a maior participação de aposentadorias e pensões na receita total desses estabelecimentos. Vale ressaltar que as políticas de aposentadoria rural fortaleceram-se no período e expandiram-se para um número maior de pessoas que não tinham acesso aos benefícios públicos.

Desse modo, a nova dinâmica demográfica também é um dos fatores que impactam diretamente nas estratégias de reprodução, no portfólio de ativos e em outras escolhas em torno dos meios de vida das famílias. Essa mudança, no entanto, tem poucos efeitos aparentes sobre a dinâmica produtiva. Augusto (2003)Augusto, H. A. (2003). Aposentadorias rurais e desenvolvimento local: o caso de Medina, no médio Jequitinhonha (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Lavras, Lavras. mostrou que aposentados do Baixo Jequitinhonha permanecem ativos na lida rural, investindo na unidade produtiva e influindo nas vendas do comércio urbano. Na mesma direção, Mendonça et al. (2013)Mendonça, K. C., Ribeiro, E. M., Galizoni, F. M., & Augusto, H. A. (2013). Formação, sucessão e migração: trajetórias de duas gerações de agricultores do Alto Jequitinhonha, Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos de População, 30(2), 445-463. analisaram processos sucessórios nas unidades familiares do Alto Jequitinhonha e perceberam que, comparando gerações, a incorporação de sucessores tornara-se mais tardia e incluía período longo de trabalho conjunto de pais e filho(s), estes, sempre com maior tempo de escolaridade. Por fim, Ribeiro et al. (2014)Ribeiro, E. M., Ayres, E. B., Galizoni, F. M., Almeida, A. F., & Pereira, V. G. (2014). Programas sociais, mudanças e condições de vida na agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha mineiro. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(2), 365-386. investigaram o efeito multiplicador das aposentadorias e pensões que, combinadas à produção de autoconsumo e ao acesso aos mercados locais, asseguravam reprodução estável e de qualidade melhorada aos agricultores idosos.

5. Considerações Finais

Os dados e estudos apresentados no trabalho auxiliam na compreensão das estratégias de reprodução utilizadas pela agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha e dos aspectos dessas estratégias que representam dimensões constituidoras do rural contemporâneo. A realidade descrita pelos estudos da região é também representada pelos dados dos Censos Agropecuários. Os estabelecimentos agropecuários do Jequitinhonha são marcados por uma agricultura familiar forte e pujante, tanto em termos de superioridade na quantidade de estabelecimentos, quanto na superioridade de ocupações geradas, em especial em estabelecimentos de pequenas áreas. Além disso, a produção de alimentos e de outros produtos de origem vegetal da agricultura familiar evidencia o potencial garantidor da soberania e da segurança alimentar e nutricional aos territórios do Jequitinhonha

Nesse contexto, a multifuncionalidade se faz presente em estratégias que se baseiam no uso e conservação de recursos naturais e paisagens, principalmente terra, água e vegetação, que dão a base da produção agrícola (lavouras temporárias, lavouras permanentes, horticultura e agroextrativismo), da criação animal (bovinos, suínos e aves) e da agroindústria doméstica, que sustenta o domicílio via o consumo e a venda de alimentos. As pluriatividades se expressam na diversidade de ocupações do produtor e nas possibilidades geradas pelo acesso a outras fontes oriundas de fora do estabelecimento, como aposentadoria rural e Programa Bolsa Família, que também ocupam importantes proporções do portfólio de renda das famílias. Além disso, as políticas públicas de transferência de renda possuem um papel preponderante para a manutenção dos produtores no campo, diversificando o portfólio de renda e contribuindo para a maior resiliência, em especial para a população idosa que permanece ativamente nos estabelecimentos rurais da região.

Portanto, percebe-se que a agricultura familiar do Jequitinhonha possui estratégias diversas, expressando a presença de pluriatividades, multifuncionalidades e sociabilidades que garantem o acesso e a diversificação dos meios de vida. É perceptível que as práticas e normas que cercam as estratégias de reprodução das famílias fazem parte de um processo social marcado pela diversidade produtiva e das fontes de renda, que funcionam mediante a necessidade de garantir a disponibilidade de recursos naturais para a reprodução da vida. São estratégias que também passam pelo vínculo entre humano e natureza, presente na necessária adaptação do produtor ao meio, o que faz com que as estratégias de reprodução da agricultura familiar sejam repletas de potencialidades sustentáveis responsáveis pela resiliência ambiental da região, estando integradas aos aspectos ecológicos que envolvem a reprodução social e material.

A expansão e diversificação desses meios de vida garantem a expansão de oportunidades e capacidades (Sen, 2000Sen, A. K. (2000). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.) necessárias à reprodução da vida, sendo fundamentais para a valorização de diversos modos de vida presentes no território. Seja na conservação de recursos naturais, na provisão de alimentos para as cidades ou na geração de renda por meio do comércio urbano, as práticas e estratégias de reprodução dos agricultores familiares apresentam importantes formas de governança do espaço, que combinam costumes e sistemas de conhecimento capazes de promover o desenvolvimento regional por meio da inclusão socioeconômica e da conservação ambiental.

No entanto, as novidades do rural no Jequitinhonha também são marcadas pelo fenômeno da concentração fundiária e a persistente expansão da monocultura de eucalipto. São processos que ilustram essa realidade, em que a reprodução das famílias está inserida em um campo de constantes conflitos, sendo que, nos anos recentes, fortaleceram-se mediante os interesses patronais e o enfraquecimento das políticas públicas distributivas e voltadas para a agricultura familiar. Também são responsáveis pela supressão dos espaços produtivos, do acesso aos recursos naturais e alimentos, configurando a redução dos estabelecimentos familiares e das nascentes de água, resultando na expropriação dos meios de vida da população rural.

Por fim, ressalta-se que a conjunção entre conceitos, circunstâncias, dados e fenômenos, utilizada no presente estudo, também propõe abrir possibilidades de compreensão da agricultura familiar e do rural a partir da dimensão dos meios de vida. A supressão ou expansão dos meios de vida está diretamente conectada às diversas questões que permeiam o “novo” rural brasileiro, tais como: as condições de permanência da juventude no campo, uma vez que representa diretamente as possibilidades dessa população obter qualidade de vida no meio rural; a valorização das questões de gênero, atentando-se para o papel das mulheres na manutenção, fortalecimento e expansão dos meios de vida, como também na governança das estratégias que os organizam; o maior reconhecimento das pluriatividades como marca da diversificação dos meios de vida, pluriatividades influenciadas por fatores negativos e positivos, exógenos e endógenos ao território, mas que modificam as formas pelas quais a população rural consegue suprir suas necessidades e garantir sua qualidade de vida; e a multifuncionalidade, uma vez que os meios de vida fazem parte de um ecossistema amplo, que envolve diversos aspectos sociais e naturais constituídos no espaço construído.

Portanto, compreende-se que a análise dos dados censitários, contextualizada na realidade da região, permite compreender os aspectos que caracterizam as dinâmicas da agricultura familiar do Vale do Jequitinhonha, durante os anos de 2006 a 2017, período de importantes mudanças conjunturais no cenário político e econômico brasileiro, assim como de particularidades no ambiente da região. Os limites metodológicos da pesquisa, que impedem uma comparação direta entre os anos de 2006 e 2017, não tiram a importância das tendências que são apontadas pelos resultados, em especial com o aporte da pesquisa bibliográfica e das bases de dados complementares. No entanto, ressalta-se a importância de construir metodologias que permitam a comparação dos dados, facilitando uma leitura mais próxima das transformações em curso na realidade rural brasileira, e uma compreensão mais clara das questões sociais, econômicas e ambientais presentes nesse processo.

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    Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios.
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    Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios.
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    Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios.
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    Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios.
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    Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios.
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    Os valores do gráfico estão apresentados em percentuais, sendo dado à produção de 2010 o índice 100 e à produção dos outros anos o percentual relativo à produção do ano índice. A padronização facilita a visualização da tendência de produção, uma vez que os valores absolutos são distintos em termos de magnitudes.
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    Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios.
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    Em 2017, o IBGE passou a adotar a definição de Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas no lugar de Mesorregiões e Microrregiões. No presente trabalho preferiu-se manter a divisão microrregional, tendo em vista que essa divisão dialoga com os dados censitários. Na nova divisão, alguns municípios das microrregiões do Jequitinhonha passaram a fazer parte de Regiões Imediatas do Vale do Mucuri, como Itaobim, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso. Destaca-se também que os dados censitários estão disponíveis para todos os recortes territoriais que têm o município como unidade de análise estatística, sendo a escala microrregional uma escolha derivada das características regionais da região do Vale do Jequitinhonha, tendo em vista que expressam a possibilidade de uma análise média dos municípios.
  • Como citar: Balbino, T. F., Ribeiro, E. M., & Shiki, S. F. N. (2023). A dinâmica da agricultura familiar no Vale do Jequitinhonha mineiro e aspectos contemporâneos: uma análise a partir dos censos agropecuários de 2006 e 2017. Revista de Economia e Sociologia Rural, 61(4), e258921. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.258921
  • JEL Classification: R11; Q12; R59

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2021
  • Aceito
    10 Out 2022
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