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CELEBRAÇÃO DO JUBILEU DE OURO DA ENFERMAGEM NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Este é um editorial que pretende resgatar um fato notável: a Celebração do Jubileu de Ouro da Enfermagem na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Muito me honra o convite para participar desta celebração. Meu coração transborda de gratidão pela oportunidade de reviver em minha memória os ideais, valores, desafios e conquistas, que oportunizaram meu crescimento pessoal e profissional junto aqueles personagens que, entusiasticamente, deram o melhor de si para que a sociedade catarinense pudesse alcançar o direito de ter serviços de saúde de melhor qualidade.

Mais de cinquenta anos se passaram desde que um grupo de enfermeiras e médicos, membros atuantes no Hospital Infantil Edith Gama Ramos - hospital pioneiro em Santa Catarina na constituição de um serviço de enfermagem organizado segundo os modernos padrões e conceitos da administração hospitalar - movidos por forte intenção de oferecer ao Estado de Santa Catarina a possibilidade da oferta de melhores serviços profissionais, uniram-se e desenharam, junto às suas respectivas associações profissionais, estratégias para a criação de um Curso de Graduação de Enfermagem da UFSC.

Naquela época, o crescimento populacional e a condição sociossanitária e de saúde demandavam ações concretas para a formação de enfermeiras. A situação nos serviços de saúde em Santa Catarina era precária; para o público em geral, qualquer pessoa que, mesmo sem preparo prévio, realizasse atendimento aos pacientes era denominada enfermeira. Até 1962 o número de enfermeiras com curso superior em todo o Brasil era de 6.756 e de auxiliares de enfermagem 7.315. Em Santa Catarina havia apenas 26 enfermeiras, das quais 18 eram religiosas e oito leigas, sendo que destas, quatro estavam inativas. A iniciativa da criação da Associação Brasileira de Enfermagem - secção Santa Catarina (ABEn-SC) em 13 de março de 1962, liderada pela Irmã Cacilda Hammes, contando com a participação ativa de Úrsula Engel e Flérida Cardoso, foi um exemplo de liderança compartilhada e atuação política eficiente, fundamentada na visão de oferecer à sociedade melhor qualidade de assistência à saúde. A ABEn-SC funcionava como uma família que cultivava valores perenes, como cordialidade, dignidade, respeito, coragem, lealdade, solidariedade, companheirismo, comprometimento e amor à profissão. E, foi através do esforço de Irmã Cacilda Hammes junto ao médico Fernando Oswaldo de Oliveira, então Secretário de Saúde do Estado de Santa Catarina, que houve a reclassificação do Enfermeiro como profissional de nível universitário. Esta iniciativa possibilitou a contratação das cinco enfermeiras que iniciaram as atividades no Hospital Infantil Edith Gama Ramos, algumas das quais foram posteriormente contratadas como professoras no Curso de Enfermagem da UFSC.11. Neves EP. A Associação Brasileira de Enfermagem- Seção Santa Catarina e a repercussão na criação do Curso de Graduação em Enfermagem na UFSC. In: Zago AT, editor. Contribuições da ABEn-SC para a enfermagem catarinense. Florianópolis (SC): Associação Brasileira de Enfermagem-Seção Santa Catarina; 2010. p. 21-46.

A primeira ação, dentre as estratégias preconizadas pelo grupo visando a criação da Faculdade de Enfermagem na UFSC, aconteceu em 1965, quando a ABEn-SC, na pessoa de sua Presidente Maria Marlene Bernardes Medeiros, elaborou uma exposição de motivos justificando a necessidade da formação de enfermeiras para fazer face às demandas de saúde da sociedade, a qual foi encaminhada ao Magnífico Reitor João David Ferreira Lima. Nessa mesma oportunidade foi solicitada a colaboração da Professora Glete de Alcântara, Presidente da ABEn-Nacional, no sentido de se buscar uma pessoa experiente que desejasse assumir o cargo de Diretora. Foi indicada a Professora Zaira Bittencourt, aposentada da Universidade de São Paulo (USP), que veio a Florianópolis, tal feito não se concretizou.

Em 1966, a ABEn-SC, então presidida por mim, prosseguiu em suas ações. Desta feita, estrategicamente, aconteceu uma audiência com o médico Professor Polydoro Ernani de São Thiago, que atuava como Reitor em exercício e que já vislumbrava a criação do Hospital Universitário e sabia que seriam necessários recursos humanos qualificados para assumir tal empreendimento. Assim, entusiasticamente, ele acolheu a ideia e designou através da Portaria Nº. 364, de 7 de novembro de 1966, uma comissão para proceder aos estudos necessários para a implantação da Faculdade de Enfermagem junto a UFSC. Esta comissão foi presidida pelo Professor Roberto Mundel Lacerda (Vice-Reitor), secretariada pelo Dr. Aloisio Blasi (Secretário Geral da UFSC) e integrada pelo Professor Henrique Manoel Prisco Paraiso (Presidente da Associação Catarinense de Medicina) e por mim (Presidente da ABEn-SC).

Com a intenção de fortalecer a participação do conjunto das lideranças das instituições da Enfermagem que atuavam em Florianópolis, a ABEn-SC constituiu uma Comissão Especial para elaborar um Memorial contendo os padrões mínimos de funcionamento de uma Faculdade de Enfermagem. Fizeram parte desta comissão, por mim presidida e representando o Hospital Infantil Edith Gama Ramos, Irmã Áurea Schmitz (Diretora da Escola de Auxiliares de Enfermagem) e Irmã Agnes Erdtmann (Diretora de Enfermagem do Hospital Governador Celso Ramos). O relatório final desta Comissão foi concluído em novembro de 1967 e entregue ao Professor Roberto Mundel Lacerda, presidente da Comissão que estudava a implantação da Faculdade de Enfermagem.

A seguir, novamente houve a tentativa de trazer outra professora para assumir a direção. Desta vez compareceu na audiência com o Professor Roberto Mundel Lacerda, Reitor em exercício, a Professora Zélia Barbosa Machado, da USP-Ribeirão Preto, que declinou o convite dizendo:“Uma Universidade jovem precisa de uma diretora jovem e o Magnífico Reitor tem a pessoa com este perfil aqui bem perto”. Eu estava aguardando na sala do Chefe de Expediente e fui convidada a entrar. Não houve na verdade um convite, mas sim uma convocação. Eu já estava por demais envolvida na concretização deste propósito. E foi ali mesmo, no gabinete do Reitor, localizado na Chácara da Rua Bocaiúva, 1858, atualmente sede da 14ª Brigada de Infantaria Motorizada Silva Paesque, surpreendida com o convite e entre lágrimas, respondi que eu era muito jovem e não me sentia preparada para ocupar tal posto. O Magnífico Reitor perguntou: “O que precisa?”. E eu, assertivamente, expressei as necessidades prioritárias, tais como: visitar as melhores Escolas de Enfermagem do país e da América Latina; dispor de um local para trabalhar juntamente com uma secretária e concluir meu compromisso de trabalho no Hospital Infantil Edith Gama Ramos. Surpreendentemente, tudo foi resolvido ali mesmo, naquele instante, e fui imediatamente contratada e alocada em duas das salas da Biblioteca Central que funcionava em uma das casas de madeira, junto ao prédio da Reitoria; uma sala para a coordenação e uma para a secretaria. Imediatamente foi contratada a secretária Tânia Maria Gomes do Amaral e colocado à disposição o funcionário Sr. Vilson Hipólito da Costa, os quais incansavelmente colaboraram em tudo que foi necessário naquele período de implantação.

A proximidade com os vários setores da administração da Universidade, que funcionavam nas dependências da Reitoria, facilitou a integração e a calorosa acolhida da Enfermagem ao ambiente universitário. Imprescindível e inestimável foi a orientação recebida do Professor Roberto Mundel Lacerda e do Professor João Mackowieck, então Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, para a elaboração do processo para a autorização do funcionamento da Faculdade de Enfermagem da UFSC, o qual foi submetido ao Conselho Federal de Educação, tendo recebido parecer favorável em dezembro de 1968.

Assim, em 24 de janeiro de 1969, através da Resolução N.º 02/69, assinada pelo Magnífico Reitor João David Ferreira Lima, foi criado o Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC, anexo à Faculdade de Medicina, porém com ampla autonomia. E isto aconteceu porque já estava em estudo, pela Comissão de Implantação da Reforma Universitária (CIRU) - da qual eu fazia parte juntamente com representantes da medicina, farmácia e odontologia - uma nova estrutura de ensino constituída por Centros e Departamentos, sendo extintas as Faculdades e mantida apenas a denominação de cursos. Na primeira turma do Curso de Graduação em Enfermagem, após a aprovação em exame vestibular específico, ingressaram 24 alunos (20 mulheres e quatro homens). A aula inaugural foi proferida no dia 21 de março de 1969 pela Professora da USP, Doutora Amália Corrêa de Carvalho, então Presidente da ABEn-Nacional. A solenidade foi presidida pelo Reitor Roberto Mundel Lacerda, com a participação do Professor Ayrton Roberto de Oliveira - Diretor da Faculdade de Medicina, do Professor Antônio Moniz de Aragão - representante da Congregação daquela Faculdade, do Prof. Henrique M. Prisco Paraiso - Presidente da Associação Catarinense de Medicina e por mim, na condição de Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem.

É com grande emoção que relembro e revisito, em minha memória, os passos e estratégias bem-sucedidas que resultaram na criação do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC. Interessante destacar que o contexto sociocultural da época era extremamente favorável, manifestado especialmente pela cooperação interdisciplinar e respeito às ações de cada profissional, resultando em harmonia nas relações, o que era imprescindível para a concretização da missão a que nos propusemos. Por outro lado, é importante registrar os esforços das enfermeiras historiadoras em deixar, como legado para as futuras gerações, as inúmeras publicações que abordam as contribuições da ABEn-SC e da Enfermagem da UFSC na construção de suas imemoráveis trajetórias.22. Scarduelli P, Souza ML, Prado ML, Borenstein MS, Bernardes PPD. A Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina: uma história em movimento. Florianópolis (SC): Insular; 1997. -3. Borenstein MS, Althoff CR, Souza ML. Enfermagem da UFSC: recortes de caminhos construídos e memórias 1969/1999. Florianópolis (SC): Insular; 1999. 44. Kirchhof ALC, Zago AT, Paim L, editors. A trajetória da Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Santa Catarina: rememorações Cinquentenárias (1962-2012). Florianópolis (SC): Associação Brasileira de Enfermagem-Seção Santa Catarina; 2013. p.174-91.

E, nada mais justo que, na oportunidade de celebração do Jubileu de Ouro da Enfermagem da UFSC, sejam desenvolvidas atividades comemorativas que resgatem sua contribuição ao ensino, pesquisa e extensão, que certamente continua a ser oferecida em âmbito nacional e internacional, tanto em termos de processo como de produção e utilização dos conhecimentos.

Não posso deixar de manifestar minha alegria e realização ao contemplar dados recentes que me foram fornecidos pelos atuais coordenadores dos cursos de Graduação em Enfermagem, Professor Jeferson Rodrigues, e de Pós-Graduação, Professora Jussara Gue Martini, e que atestam a produtividade nestes 50 anos. No ensino de graduação foram formados 2.325 enfermeiros; no ensino em nível de Pós-Graduação em Enfermagem foram titulados 966 Especialistas, 752 mestres, 366 doutores, 46 pós-doutores.

Da mesma forma, é imprescindível reconhecer a participação da Enfermagem em inúmeros projetos de extensão, bem como a contribuição da Revista Texto & Contexto Enfermagem, que desde sua criação em 1992 até dezembro de 2018 publicou 2.498 artigos em 27 volumes e 103 números, dos quais 92 regulares e 11 especiais, tendo ampla circulação no Brasil e no exterior, com artigos publicados em português, inglês e espanhol, e indexada nas principais plataformas internacionais de disseminação do conhecimento.55. Andrade SR, Padilha MI. História e desafios do periódico Texto & Contexto Enfermagem. In: BlogRev@Enf. 2019 Mar 21 [cited 2019 Mar 25]. Available from: Available from: https://blog.revenf.org/2019/03/21/historia-e-desafios-do-periodico-texto-contexto-enfermagem/
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O que foi aqui exposto revela as lutas e conquistas de um grupo de profissionais capazes e dedicados que acolheram em seus corações a missão de plantar a semente em um maravilhoso jardim, regando-a com os nutrientes e os cuidados necessários para que dela nascesse uma linda árvore que foi pouco a pouco ofertando saborosos frutos e que se espera continue frondosa e produtiva, para continuar a missão de trazer amparo, proteção, cuidado e conforto a todos os que dela se aproximam.

References

  • 1. Neves EP. A Associação Brasileira de Enfermagem- Seção Santa Catarina e a repercussão na criação do Curso de Graduação em Enfermagem na UFSC. In: Zago AT, editor. Contribuições da ABEn-SC para a enfermagem catarinense. Florianópolis (SC): Associação Brasileira de Enfermagem-Seção Santa Catarina; 2010. p. 21-46.
  • 2. Scarduelli P, Souza ML, Prado ML, Borenstein MS, Bernardes PPD. A Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina: uma história em movimento. Florianópolis (SC): Insular; 1997.
  • 3. Borenstein MS, Althoff CR, Souza ML. Enfermagem da UFSC: recortes de caminhos construídos e memórias 1969/1999. Florianópolis (SC): Insular; 1999.
  • 4. Kirchhof ALC, Zago AT, Paim L, editors. A trajetória da Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Santa Catarina: rememorações Cinquentenárias (1962-2012). Florianópolis (SC): Associação Brasileira de Enfermagem-Seção Santa Catarina; 2013. p.174-91.
  • 5. Andrade SR, Padilha MI. História e desafios do periódico Texto & Contexto Enfermagem. In: BlogRev@Enf. 2019 Mar 21 [cited 2019 Mar 25]. Available from: Available from: https://blog.revenf.org/2019/03/21/historia-e-desafios-do-periodico-texto-contexto-enfermagem/
    » https://blog.revenf.org/2019/03/21/historia-e-desafios-do-periodico-texto-contexto-enfermagem/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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