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“Meu pai não parava um dia de trabalhar... E de fazer política”: O exílio de Miguel Arraes (1965-1979)

“My Father Never Stopped Working... And Doing Politics”: The Exile of Miguel Arraes (1965-1979)

Resumo

O artigo objetiva compreender o exílio de Miguel Arraes, governador de Pernambuco no momento do golpe civil-militar de 1964. Imediatamente foi preso e, em meados de 1965, conseguiu partir para a Argélia, então conhecida como “Meca da Revolução”. Lá ficou exilado até o retorno, em 1979. Aos poucos, foi aglutinando em torno de si um pequeno grupo de apoiadores, sobretudo vinculados ao seu governo deposto, assim como passou a atuar junto ao governo argelino. Durante o exílio, Arraes agiu, conjuntamente com outros militantes, para a elaboração de estratégias de resistência à ditadura, articulando frentes de oposição, publicando denúncias de alcance internacional, participando do Tribunal Bertrand Russel II, entre outros. Mesmo exilado, Arraes foi mantido sob vigilância da ditadura, sobretudo com a ação da embaixada brasileira. Utilizamos, para tanto, memórias acerca do exílio, boletins de denúncia, a documentação produzida pelos órgãos de informação da ditadura e a correspondência diplomática trocada entre a embaixada brasileira em Argel e o Itamaraty. Buscamos compreender como o exílio, além de uma estratégia utilizada para fazer com que saíssem do país aqueles considerados inimigos, foi também um espaço de rearticulação política e criação de outras formas de resistência.

Palavras-chave
Ditadura civil-militar; exílio; Miguel Arraes

Abstract

Thisstudy aims to understand the exile of Miguel Arraes, who was the governor of Pernambuco State during the 1964 civil--military coup d’état. In the aftermath of the coup, Arraes was arrested and left Brazil in mid-1965, seeking refuge in Algeria, which was known as the “Revolution Mecca” at that time. He remained in exile there until 1979. Meanwhile, he gathered a group of political supporters, which were mainly linked to his deposed government. Together, they developed strategies to resist the dictatorship in Brazil, such as coordinating opposition fronts, publishing complaints of international scope, and participating in the Bertrand Russell II Court. Despite being in exile, he remained under the surveillance of the dictatorial regime, particularly through the actions of the Brazilian embassy in Algiers. In order to do so, we examine memoirs of exile, whistleblowing bulletins published abroad, documents produced by the dictatorial government’s information agencies, as well as diplomatic correspondence exchanged between the Brazilian embassy and the Ministry of Foreign Affairs. Thus, we seek to understand how exile, although a strategy deployed to cast out those who were considered enemies, eventually became an opportunity for new strategies of resistance and insurgency to take hold.

Keywords
Civil-Military dictatorship; exile; Miguel Arraes

Considerações introdutórias

Entre 1964 e 1985, assim como em diferentes países da América Latina, permeados pelo contexto da Guerra Fria, o Brasil viveu sob uma ditadura de segurança nacional, que sistematicamente cerceou direitos, cassou mandatos, perseguiu, prendeu arbitrariamente, torturou, assassinou e desapareceu com centenas de cidadãos.1 1 Para uma compreensão ampla sobre o processo ditatorial brasileiro, consultar Alves (1984) e Napolitano (2014). Junto a isso fez com que saíssem do país milhares de pessoas:2 2 Não se sabe o número exato de brasileiros que saíram para o exílio. Machado (1979) estimou em cinco mil pessoas que aguardavam a anistia para poder retornar ao Brasil. Já Rollemberg (1999) apresentou a cifra de dez mil pessoas, também utilizada no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (BRASIL, 2014). É muito difícil precisar tal número, tendo em vista que muitos exilados não foram anistiados, embora seja esse número o utilizado para a contagem. eram os exilados.

O exílio, compreendido aqui como uma estratégia de “exclusão institucional” (SZNAJDER; RONIGER, 2013SZNAJDER, Mario; RONIGER, Luis. La política del destierro y el exilio en América Latina. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2013.), foi amplamente utilizado pelas ditaduras do Cone Sul, fazendo com que, em diferentes momentos,3 3 A historiadora Denise Rollemberg (1999), na pioneira obra sobre o exílio de brasileiros, criou a ideia de ondas de exílio, ou seja, momentos de saída mais intensos: a primeira teria acontecido pouco tempo depois do golpe, e o destino principal seria o Uruguai, pois se imaginava que o retorno ocorreria em breve; na segunda, as pessoas estavam vinculadas à luta armada e foram para o Chile; a terceira, após o golpe no Chile, teve como destino principal o continente europeu, sobretudo a França. pessoas saíssem do Brasil para preservar suas vidas e/ou, a partir do exterior, estabelecer outras estratégias de oposição. Durante algum tempo o exílio foi compreendido como um não lugar (JENSEN, 2011JENSEN, Silvina Inés. Exilio e Historia Reciente: Avances y perspectivas de un campo em construcción. Aletheia, v.1, n. 2, p. 1-21, maio 2011.). Ele não era objeto de reflexão historiográfica, pois se acreditava que as ações vinculadas à ditadura se haviam dado em território nacional. A partir do exílio, portanto, os sujeitos sairiam da esfera política.

Contudo, essa perspectiva se vem alterando, sobretudo com a utilização de novas fontes e perspectivas para a compreensão do período de exílio. Embora, num primeiro momento, tenha sido mais importante analisar o que ocorreu em território nacional, inclusive como perspectiva de denúncia da ditadura e com vistas à obtenção de verdade histórica e, posteriormente, justiça, precisamos compreender o exílio como um dos componentes da chave analítica repressão-resistência.4 4 Sabemos que existem matizes de cinza entre a repressão e a resistência. Nesta análise, optamos, contudo, por mobilizar esses dois elementos, tendo em vista que eles foram utilizados pela ditadura como estratégia de perseguição, mas também por diferentes sujeitos como movimento de oposição, sobretudo pelo viés da denúncia, feita a partir do exterior.

O trabalho que iniciou esse processo foi a tese de Denise Rollemberg, publicada em 1999. Outras reflexões se seguiram, entre as quais destacamos as pesquisas de Marques (2006MARQUES, Teresa Cristina Schneider. Ditadura, exílio e oposição: Os exilados brasileiros no Uruguai (1964-1967). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 2006.; 2011)MARQUES, Teresa Cristina Schneider. Militância política e solidariedade transnacionais: A trajetória política dos exilados brasileiros no Chile e na França (1968-1979). Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011., Cruz (2016)CRUZ, Fábio Lucas da. Brasileiros no exílio: Argel como local estratégico para a militância política (1965-1979). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., Dias (2019)DIAS, Cristiane Medianeira Ávila. Minha terra tem horrores: O exílio dos brasileiros no Chile (1970-1973). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019., Gomes (2019)GOMES, Paulo César. Liberdade Vigiada: As relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês. Do golpe à anistia. Rio de Janeiro: Record, 2019., Pezzonia (2019)PEZZONIA, Rodrigo. Guarda um cravo para mim: Os exilados brasileiros em Portugal (1974-1982). São Paulo: Alameda, 2019. e Kreuz (2020)KREUZ, Débora Strieder. Da “Meca da revolução” a “um país vazio”: O exílio brasileiro na Argélia (1965-1979). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.. É importante destacar que tais análises, além da compreensão do exílio e da dimensão da repressão no exterior, também buscaram discutir as estratégias de resistência. Ou seja, para além da exclusão e da perseguição que aconteceu no exterior,5 5 Em 1966, foi criado o Centro de Informações do Exterior (CIEX) para monitorar a movimentação dos exilados em diferentes países (BRASIL, 2014). A confirmação da existência de tal centro se deu apenas em meados dos anos 2000 (PENNA FILHO, 2008), embora relatos de perseguidos a afirmassem. É importante ressaltar, também, que as embaixadas e consulados muitas vezes agiram para cercear direitos dos exilados (BRASIL, 2014), conforme diretrizes vindas diretamente do Itamaraty (SETEMY, 2018). devemos compreender o exílio como um espaço de resistência, tendo em vista que se organizaram diferentes formas de denúncia do que ocorria em território nacional, assim como tentativas de estabelecer estratégias de retorno. Tais dimensões são de suma importância para que compreendamos as ações da ditadura no âmbito externo, pois, ao atuarem numa esfera política transnacional, os exilados ganharam visibilidade, o que a ditadura caracterizava como uma “campanha difamatória no exterior”. Já os exilados seriam “maus brasileiros”. Diferentemente de outros momentos históricos em que a relação exilar se dava entre o país expulsor, o exilado e o país receptor, com a Segunda Guerra Mundial e a emergência de organismos humanitários de caráter supranacional, estes são incluídos na equação, transformando o exílio em uma estrutura quádrupla. A questão dos exilados, portanto, passa a ser um assunto de interesse da comunidade internacional, e não mais somente dos Estados envolvidos (SZNAJDER; RONIGER, 2013SZNAJDER, Mario; RONIGER, Luis. La política del destierro y el exilio en América Latina. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2013.). Dessa forma, o exílio e as análises dele decorrentes não podem ser compreendidos somente pelo viés do Estado-Nação, pois sua própria dinâmica faz com que a observação das ações dos sujeitos, individuais e/ou coletivos, necessite o olhar supranacional.

Tendo em vista tais pressupostos, buscarei compreender o exílio de Miguel Arraes de Alencar,6 6 Nasceu em 1916 na cidade de Araripe, no Ceará. Após um tempo no Rio de Janeiro, onde iniciou os estudos em direito, foi aprovado em um concurso para o Instituto de Álcool e Açúcar (IAA), mudando-se assim para a cidade de Recife. Antes de ser governador do estado de Pernambuco, foi deputado estadual e prefeito do Recife. Com sua primeira esposa, Célia Moura, teve oito filhos. Casou-se novamente com Magdalena, com quem teve mais dois filhos. Para maiores informações sobre sua biografia, consultar: Rozowykwiat (2006). governador do estado de Pernambuco no momento do golpe, que teve que partir para a Argélia7 7 A Argélia, país do norte do continente africano, libertou-se da ocupação francesa em 1962 e, a partir de então, estabeleceu um sistema de governo denominado constitucionalmente de “socialismo árabe”. Desde esse momento, passou a receber exilados dos mais diferentes países, sobretudo do chamado Terceiro Mundo, e que lutavam por projetos revolucionários/reformistas nos seus locais de origem. Sobre a independência do país, consultar: Yazbek (2010). em 1965, e lá permaneceu até 1979, quando retornou ao Brasil após a aprovação da Lei da Anistia (Lei 6.683/79).8 8 É importante salientar que, mesmo com a aprovação da anistia, nem todos os que haviam sido condenados foram contemplados. A respeito dos não anistiados, ver: Ribeiro (2018). Saliento que tal investigação ainda não foi realizada pela historiografia brasileira, aparecendo de forma pontual nas teses de doutorado de Fábio Cruz (2016)CRUZ, Fábio Lucas da. Brasileiros no exílio: Argel como local estratégico para a militância política (1965-1979). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., que buscou situar o país africano como um lugar de destaque nas articulações para a denúncia da ditadura, e de Greyce Falcão do Nascimento (2021)NASCIMENTO, Greyce Falcão do. A resistência no exílio: Miguel Arraes e o boletim Frente Brasileira de Informações (1969-1973). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2021., que analisou detidamente o boletim Frente Brasileira de Informações, publicado inicialmente a partir da Argélia.

Miguel Arraes e o exílio

Inicialmente, é importante destacar que a frase que intitula esse texto, “Meu pai não parava um dia de trabalhar... e de fazer política”, foi proferida por um dos filhos de Arraes, Luiz Claudio Arraes de Alencar (2019)ARRAES DE ALENCAR, Luiz Claudio. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 15 jul. 2019.. Ela sintetiza, de maneira geral, o que foi o exílio para o líder pernambucano: a constante tentativa de articulação de diferentes estratégias de resistência à ditadura brasileira, as quais variaram no decorrer do tempo e também conforme as circunstâncias da política interna nacional e a conjuntura internacional.

Como mencionado, no momento do golpe, Arraes era governador de Pernambuco, sendo que, na sua gestão, foram feitos os primeiros acordos entre trabalhadores rurais e usineiros de açúcar, num estado em que a luta pela terra era elemento estruturante das relações sociais (BARROS, 2013BARROS, Júlio César Pessoa de. Conflitos e negociações no campo durante o primeiro governo de Miguel Arraes em Pernambuco (1963-1964). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.). Havia uma atenção especial dos golpistas para o desenrolar dos acontecimentos no Nordeste brasileiro, região que se poderia transformar em uma “nova Cuba”, tamanha era a tensão. Arraes se encontrava, assim, em um dos epicentros das lutas brasileiras pré-golpe.

Nos primeiros momentos após o golpe, foi preso e teve seus direitos políticos cassados em virtude da promulgação do Ato Institucional número 1 (AI-1).9 9 É importante salientar que a ditadura brasileira utilizou diferentes estratégias para a criação de uma suposta institucionalidade. A manutenção das eleições, mesmo que com apenas dois partidos, e o processo legislativo via atos institucionais são dois exemplos. Passou por diferentes prisões até que, no início de 1965, quando estava detido no Rio de Janeiro, conseguiu um habeas corpus para que pudesse responder aos processos em liberdade (ROZOWYKWIAT, 2006ROZOWYKWIAT, Tereza. Arraes. São Paulo: Iluminuras, 2006.). Ante a iminência de novo encarceramento, contudo, refugiou-se na embaixada da Argélia, que era uma das poucas que continuava na cidade, visto que várias já tinham sido transferidas para a nova capital federal, Brasília.

Assim, a partir de inúmeras tratativas, Miguel e sua esposa, Magdalena, viajaram em junho de 1965 para a Argélia, acompanhados de um representante do governo argelino, Tayebi Larbi.10 10 Seus filhos, nesse primeiro momento, ficaram no Brasil, de forma que aos poucos foram para o destino de exílio. Magdalena rememora a chegada: “Lá, primeiro ficamos alojados no Hotel Saint George e depois fomos para uma casa que os argelinos providenciaram. Ficamos sempre em lugares sob a supervisão do governo argelino, nunca escolhemos o lugar para morar, fomos sempre para onde eles determinavam” (ARRAES, citada por CAVALCANTI; COLARES, 2015CAVALCANTI, Lailson de Holanda; COLARES, Valda. Magdalena Arraes: A dama da história. Recife: Cepe, 2015., p. 87). Um elemento se destaca na sua fala: o fato de que sempre estiveram vinculados ao governo argelino.11 11 Poucos dias depois após a chegada de Arraes, o presidente argelino de então, Ahmed Ben Bella, sofreu um golpe e foi deposto por um grupo de militares, de forma que Houari Boumedienne assumiu a presidência, na qual permaneceu até 1978. Ou seja, o período de exílio de Arraes praticamente se confunde com a presença de Boumedienne na presidência. Esses 14 anos foram de relativa estabilidade no país, com a tentativa da Argélia de se consolidar no âmbito internacional com uma política externa não alinhada. Podemos pensar que, além da proteção oferecida pelo país receptor -Arraes recebeu um passaporte diplomático e realizava viagens frequentes ao continente europeu12 12 Sobretudo para a França, onde sua irmã, Violeta Arraes Gervaiseau, também estava exilada. -, esse aspecto pode estar relacionado com a preocupação das autoridades em manter certo controle sobre as suas ações, com o objetivo de não se indispor diplomaticamente com o governo ditatorial brasileiro, tendo em vista a manutenção das relações entre os dois países. Mesmo com a recepção, o processo de adaptação não foi simples, como menciona Rozowykwiat (2006, p. 97)ROZOWYKWIAT, Tereza. Arraes. São Paulo: Iluminuras, 2006.:

Miguel Arraes enfrentou na Argélia sérias dificuldades de adaptação. Como não possuía uma pronúncia perfeita do francês, somente três semanas depois de lá chegar começou a se comunicar. Ressentia-se da ausência dos filhos e da atividade política que havia norteado sua vida até então. Os contatos com o Brasil eram escassos, pois a censura instituída no país violava a correspondência e era preciso aguardar portadores que trouxessem cartas e notícias.

A partir de então, iniciou-se um trânsito de brasileiros entre o Brasil, a Argélia e países do continente europeu. Eram sobretudo figuras vinculadas ao governo pernambucano deposto, como Everardo Norões e Almeri Bezerra de Mello. Cruz (2016)CRUZ, Fábio Lucas da. Brasileiros no exílio: Argel como local estratégico para a militância política (1965-1979). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. afirma que as primeiras ações de Arraes estavam relacionadas ao suporte aos recém-chegados. Tais iniciativas eram observadas de perto pelos órgãos de informação da ditadura, como podemos depreender da leitura de documento originado no Ministério da Guerra e datado de 26 de outubro de 1965, e que deveria ser enviado para o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE):

Segundo informes de fonte fidedigna, organiza-se na Argélia, sob a liderança do Sr. MIGUEL ARRAIS (sic), um Governo Brasileiro no exílio, o qual, após o seu lançamento, seria imediatamente reconhecido pelos Países socialistas da linha Chineza (sic). Consta que todos os exilados do governo JG estão se encaminhando para aquele país africano a fim de constituírem a cúpula do referido Governo Brasileiro no Exílio. (...) Cabe ao governo uma ação imediata e decisiva fazendo nomear sem perda de tempo, um adido militar e mudar o nosso atual encarregado de negócios, que, segundo o informante que esteve na Argélia, é sem nenhuma expressão e completamente alheio a tudo o que ocorre presentemente em Argel.13 13 ARQUIVO NACIONAL (AN), Brasília. Ministério da Guerra. Organização de Governo Brasileiro no exílio, 26 out. 1965. BR_DFANBSB_Z4_SNA_OEP_0013_4p.

Alguns elementos se destacam no documento: primeiro, a preocupação com a movimentação dos exilados e a possível nomeação de um governo no exterior, tendo em vista que os eventos após o golpe ainda se estavam desenrolando, e a situação ditatorial não se havia consolidado. Segundo, a apreensão com a formação de uma frente ampla, pois inicialmente estavam previstas eleições para o ano de 1966. Ou seja, os “inimigos internos”14 14 Para a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), o conceito de “inimigo interno” deveria ser o mais maleável possível, tendo em vista a necessidade de sua adequação conforme a circunstância. Assim, qualquer forma de oposição, estudantil, sindical, camponesa, institucional, e, posteriormente, armada, era enquadrada no conceito. Para maiores informações sobre a DSN, consultar: Padrós (2005). da ditadura, nos primeiros anos, estavam relacionados com o governo deposto - concepção que foi variando no decorrer dos anos. O terceiro elemento se relaciona com o pedido de nomeação de um agente diplomático vinculado ao governo, que deveria ter entre suas funções a vigilância da comunidade exilada.

É importante fazer uma observação sobre a natureza da fonte analisada, pois, de acordo com Camargo (2002)CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Os arquivos da polícia política como fonte. Registro: Revista do Arquivo Público Municipal de Indaiatuba, v. 1, n. 1, p. 7-13, jul. 2002., devemos compreendê-la também a partir da lógica da entidade produtora, já que esta possuía interesses específicos. Podemos conjecturar que o Ministério da Guerra, ao propor a nomeação de um adido militar e solicitar a troca do encarregado de negócios, almejava colocar dois agentes próximos na embaixada. Ainda no mesmo ano, com a designação do embaixador José Jobim para atuar na Argélia, houve a recomendação para o monitoramento, discreto, do pequeno grupo exilado que lá se encontrava, além da movimentação sobre outros grupos de libertação africanos também presentes no país, sobretudo aqueles de língua portuguesa:

aspecto mais delicado da missão de Vossa Excelência, que é o de acompanhar com interesse, mas com discrição que lhe é própria, o desenvolvimento dessa política argeliana de apoio a ‘movimentos de libertação’, sobretudo no tocante aos territórios ultramarinos portugueses e à América Latina. Aspecto de máxima importância, que exigirá todo o tato de Vossa Excelência e uma atenção de todos os instantes, é o da presença, na Argélia, de um grupo de pouco mais de uma dezena de asilados brasileiros. Nos últimos meses, tiveram as autoridades brasileiras conhecimento de reuniões realizadas na Argélia entre esses asilados e outros políticos nacionais, que para ali viajaram especialmente. Toda movimentação desse tipo interessa, evidentemente, aos organismos encarregados da segurança nacional, havendo razões para que Vossa Excelência esteja sobretudo alerta para eventuais contactos (sic) dos asilados brasileiros com a Itália, ou através daquele país. De tudo deverá a Secretaria de Estado ser mantida minuciosamente informada.15 15 ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY (AHI), Brasília. Instruções para o embaixador do Brasil em Argel, 3 nov. 1966. Secretaria de Estado, Telegrama n. 25 (Secreto).

Nesses primeiros anos da ditadura, assim, a preocupação central dos órgãos de monitoramento se relacionava à articulação de oposicionistas que já atuavam no cenário institucional antes do golpe. Percebemos que há uma confusão de termos, tendo em vista que “asilado” se refere a um instituto jurídico de proteção a estrangeiros que não estava presente entre os exilados naquele país, com exceção de Arraes. Este, aos poucos, foi formando em torno de si um pequeno grupo e elaborando estratégias para que seus filhos menores chegassem à Argélia. Magdalena rememora: “Nos primeiros tempos eu não fazia muita coisa, me ocupava um pouco dos brasileiros que estavam lá exilados mais ou menos na mesma condição que nós, procurando sobreviver, procurando trabalhar, procurando encaminhar os filhos, essas coisas” (ARRAES, citada por CAVALCANTI; COLARES, 2015CAVALCANTI, Lailson de Holanda; COLARES, Valda. Magdalena Arraes: A dama da história. Recife: Cepe, 2015., p. 88). Percebe-se, ao menos nesse primeiro momento, uma nítida separação de gênero (SCOTT, 1995SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez.1995.) nas atividades realizadas, pois, enquanto Magdalena responsabilizava-se pelas tarefas consideradas da vida privada, Miguel atuava no espaço público. Sua casa, inclusive, era um local de acolhimentos aos exilados que chegavam e/ou estavam em trânsito pelo país.16 16 É importante salientar que a Argélia era um país de “trânsito revolucionário”, onde militantes passavam para fazer contatos ou até mesmo conseguir documentos falsos. Como Amílcar Cabral caracterizou: “a Meca da revolução” (CRUZ, 2016). Ela afirma, ainda, que tais atividades eram fundamentais para a manutenção da saúde do marido:

Eu não participava das reuniões políticas, mas elas eram muito boas para Miguel, pois ele encontrava pessoas que tinham posições semelhantes às dele e outras que nem tanto, mas fazia bem a ele participar de todas. Ele também passou a fazer alguns trabalhos para o governo da Argélia (ARRAES, citada por CAVALCANTI; COLARES, 2015CAVALCANTI, Lailson de Holanda; COLARES, Valda. Magdalena Arraes: A dama da história. Recife: Cepe, 2015., p. 91).

Cruz (2016)CRUZ, Fábio Lucas da. Brasileiros no exílio: Argel como local estratégico para a militância política (1965-1979). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. afirma que a principal função desenvolvida por Arraes durante seus primeiros anos de exílio foi a de consultor de negócios do governo argelino, tendo em vista que possuía inúmeros contatos na Europa e que a Argélia, na condição de país devastado pela guerra, necessitava todo tipo de apoio possível, desde técnico até humano. Tornou-se, assim, junto com outras pessoas, sócio de algumas empresas, cujos lucros eram parcialmente destinados à organização do Movimento Popular de Libertação (MPL) - o qual, em virtude de divergências entre os membros, durou até 1970 e teve poucas ações.

As entrevistas de Arraes para diferentes meios de comunicação eram constantes. Nelas, costumeiramente denunciava a situação brasileira, posicionamento acompanhado de perto pelos órgãos de informação. Em 1967, encontramos um telegrama da embaixada em Argel para o Itamaraty no qual se afirma que as normas sobre o asilo não estavam sendo respeitadas, pois o asilado se manifestava politicamente. Mais grave ainda, o ex-governador teria concedido entrevista ao jornal oficial do governo argelino, o que representaria o endosso das denúncias por parte daquele país:

Seria ocioso salientar a Vossa Excelência o caráter insólito e abusivo de que se reveste essa entrevista que contraria as normas universalmente consagradas em matéria de asilo político, com o agravante de haver sido concedida à agência noticiosa oficial e publicada em órgão da imprensa que é pura expressão do pensamento deste Governo.17 17 AHI, Brasília. Entrevista do Senhor Miguel Arraes à “Algerie Presse Service”, 7 abr. 1967. Embaixada do Brasil em Argel para Secretaria de Estado, Telegrama s.n..

Em 1969, todos os filhos pequenos de Arraes se encontravam em Argel, o que fez com que a família se reunisse novamente. Luiz Arraes rememora a saudade que sentia do pai: “Uma vez pequeno, eu recebia fotos da Argélia... eu morando aqui [no Brasil] ainda... E eu me dei conta que eu não me lembrava da voz dele. E isso me deu uma grande angústia. Ele soube disso e mandou uma fita, é... conversando comigo”.18 18 BESSA, Silvia; COLARES, Juliana. Filhos do Golpe (Webdocumentário). In.: Diário de Pernambuco. Disponível em: http://hotsites.diariodepernambuco.com.br/1964/filhosdogolpe.shtml. Acesso em: 8 dez. 2022.

No mesmo ano, iniciou-se um novo projeto de denúncia da ditadura brasileira: a Frente Brasileira de Informações, conhecida por Front ou pela sigla FBI. Ela se caracterizava por ser um boletim de denúncia da ditadura, de periodicidade variável e que congregava diferentes setores da resistência. A ideia era apresentar a realidade brasileira diferentemente daquela de que a ditadura fazia propaganda (CRUZ, 2010CRUZ, Fábio Lucas da. Frente Brasileño de Informaciones e Campanha: Os jornais de brasileiros exilados no Chile e na França (1968-1979). Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.). Inicialmente centralizada em Argel, com o tempo a FBI passou a ter diversas “antenas”, em países como Chile e França. Em 1970, o projeto recebeu o reforço de Yara Gouvêa19 19 Era próxima da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e estava exilada na Suíça. Em 1971, transferiu-se para Argel e estabeleceu laços com Arraes. Além de entrevista concedida à autora (GOUVÊA, 2019), pode-se consultar seu livro de memórias: Gouvêa e Birck (2007). e de representantes dos “40”20 20 Referência aos militantes que foram trocados após o sequestro do embaixador alemão no Brasil. Eles pertenciam a diversas organizações de luta armada e foram enviados para a Argélia. De maneira geral, permaneceram no país pouco tempo, partindo para Cuba para fazer treinamento de guerrilha (KREUZ, 2020). que haviam chegado à Argélia, embora divergências mais intensas acerca da condução do projeto também se iniciassem. Podemos atestar que um conflito geracional se estabeleceu, em virtude do fato de Arraes ser um representante da institucionalidade democrática pré-64 e os banidos, na sua ampla maioria, pertencerem a organizações revolucionárias que escolheram a luta armada como estratégia de resistência. Dessa forma, a centralização do projeto na sua pessoa e em seu grupo foi constantemente questionada. Também devemos salientar que, de acordo com relatos como os de Mello (2006)MELLO, Almeri Bezerra de. Para além dos verdes mares. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2006. e Knapp (2013)KNAPP, Carlos H.. Minha vida de terrorista. São Paulo: Prumo, 2013., Arraes teria ficado incomodado com o “barulho” realizado pelos militantes trocados, tendo em vista que a atenção dos órgãos de monitoramento se teria voltado completamente para o solo argelino, mesmo que essas instituições, embora de maneira menos intensa, vigiassem as ações do ex-governador.21 21 No sistema de busca do Arquivo Nacional, ao pesquisarmos pelo nome de Miguel Arraes no intervalo entre 1964 e 1979 encontramos 1.376 registros. Da mesma forma, o dossiê com suas ações continuou a ser a alimentado até 1987. Ou seja, havia uma constante preocupação dos órgãos de monitoramento com as ações do ex-governador. Ver, por exemplo: AN, Brasília. Miguel Arraes - Opção pela luta armada, 13 jan 1987. Centro de Informações da Aeronáutica, BR_DFANBSB_VAZ_0_0_34654_d0001de0001.

É importante salientar que Yara Gouvêa (2019)GOUVÊA, Yara Regina. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 18 fev. 2019. afirmou que recebeu a incumbência de Arraes de articular “antenas” da FBI no continente europeu, de forma que a circulação do boletim de denúncias alcançasse outro patamar. Ou seja, percebemos que as ações articuladas, sobretudo a partir da FBI, tinham um caráter de denúncia humanitária, visando informar à comunidade internacional os fatos que ocorriam no Brasil, diferentes da propaganda oficial.

Não temos evidências da articulação do líder pernambucano com organizações de luta armada, embora ações de apoio individual fossem realizadas, sobretudo com os militantes em trânsito pelo país africano. Seu filho rememora: “Meu pai recebia muita gente. Seu escritório, à tarde, era reservado a conversas. Pessoas de todos os tipos. Algumas não queriam mostrar o rosto, saíam a passos apressados, a maioria com nome falso” (ARRAES, 2008ARRAES, Luiz. Tempo: O de dentro e o de fora. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008., p. 64). Alguns grupos, inclusive, nem queriam que Arraes soubesse da sua presença em solo africano. No ano de 1971, após o treinamento em Cuba, a organização de Daniel Aarão Reis Filho, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), instruiu seus militantes a voltarem para o Brasil. O trajeto era feito via Argélia e Chile. Quando chegou à Argélia, teve um problema com o passaporte e relata que Arraes foi consultado:

A segurança argelina foi lá no aeroporto e me autorizou... a entrar... na Argélia. É... evidentemente que o Arraes foi consultado né, mas liberou. Foi uma falha de segurança, porque o Arraes ficou sabendo que eu tinha entrado na Argélia. Não precisava ter sabido disso. E outras pessoas devem ter sabido lá... espiões quaisquer né... sei lá quem habitava aquele aeroporto né (AARÃO REIS FILHO, 2017AARÃO REIS FILHO, Daniel. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 22 mar. 2017.).

Novamente, percebemos uma relação próxima entre Arraes a as autoridades argelinas, assim como uma desconfiança de membros da luta armada em relação ao político. Isso mostra o quão complexas foram as diferentes estratégias de resistência à ditadura, de forma que a análise não as deve observar como fenômeno histórico único. Embora o objetivo fosse o mesmo - a derrubada da ditadura brasileira -, os meios para tal fim diferiam conforme a análise de conjuntura realizada. Yara Gouvêa (2019)GOUVÊA, Yara Regina. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 18 fev. 2019. afirma que uma das suas tarefas foi fazer o “meio de campo” entre Arraes e as organizações armadas, fato que, no momento presente, compreende como uma “loucura”:

E qual que foi meu papel junto a Miguel Arraes? Eles disseram... você vai servir de meio de campo entre o doutor Arraes e as organizações armadas. Hoje eu disse “você era louca”. Porque o doutor Arraes, ele tinha uma visão muito clara da luta democrática e ele não aceitava nenhum tipo de organização armada. Mas ele aceitava todos os companheiros da onde viessem... e eu servindo de meio de campo entre o pensamento do Arraes e o pensamento dos companheiros das organizações armadas.

Contudo, a partir de 1973, com a dizimação de praticamente todos os grupos de luta armada e o posterior golpe no Chile, que derrubou o governo do socialista Salvador Allende, o trânsito pela Argélia diminuiu consideravelmente. Essa mudança também foi observada pela embaixada brasileira em Argel, a qual constantemente buscava desqualificar as ações realizadas, minimizando as relações de Arraes com as autoridades, embora encontrasse contradições entre o que o governo argelino afirmava e o status a ele conferido. Em um telegrama direcionado ao Itamaraty, lê-se:

Quanto aos “refugiados brasileiros”, ouço e leio que se incluem nesse último escalão, e que dispõem somente de um “bureau de coordenação” chefiado pelo Senhor Miguel Arraes. Essa versão, aliás, é também a corrente nos meios oficiais argelinos, que invariavelmente dizem ou deixam entrever que a presença dos “refugiados” em apreço é destituída de maior significado, que o Governo Boumediene estaria hoje convencido de que os mesmos não representam um “movimento de libertação” autêntico e sim pessoas empenhadas numa simples luta pelo poder no Brasil, que os “refugiados” estão abandonando o país à procura de outra base de operações mais propícia, etc. na verdade, não pude ainda recolher elementos de informação que me facultem subscrever essa versão. Se, ao que parece, a ação desses brasileiros se concentra hoje mais em Paris do que em Argel, há outros dados, contraditórios, que indicariam ser sua vinculação e influência com a Argélia maior do que esta admite diante de nós: v.g., o tratamento “diplomático” conferido ao Senhor Arraes, o status de “consultor” ou “conselheiro” para assuntos brasileiros de que desfruta junto a este Governo, as aulas de guerrilha ministradas na Argélia a brasileiros adversários do regime de Brasília. Pontos esses que deverão ser esclarecidos antes de que se chegue a uma conclusão sobre o crédito que merece o propalado “esfriamento” de Boumediene para com os brasileiros em questão.22 22 AHI, Brasília. “Movimentos de libertação” instalados na Argélia. Refugiados brasileiros, 20 set. 1972. Embaixada do Brasil em Argel para Secretaria de Estado, Telegrama n. 160 (Secreto)

Novamente, podemos pensar que a estratégia do governo argelino fosse a de minimizar as ações de Arraes com o objetivo de manter as relações diplomáticas com o Brasil, tendo em vista o comércio crescente entre os dois países. De toda forma, as evidências apontam que havia uma proximidade entre ele e as autoridades, sobretudo, como já mencionado, como consultor de negócios (CRUZ, 2016CRUZ, Fábio Lucas da. Brasileiros no exílio: Argel como local estratégico para a militância política (1965-1979). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.).

Percebemos novamente a importância de Arraes na definição da entrada de exilados brasileiros na Argélia quando ele foi o responsável pela ida de alguns brasileiros que já se encontravam na Argentina após saírem do Chile.23 23 Até 1973, o Chile era uma referência para os exilados brasileiros. Contudo, com o golpe militar, milhares de pessoas tiveram que sair do país para evitar a perseguição. Para maiores informações, consultar: Dias (2019). Segundo o relato de João Carlos Bona Garcia (2016)GARCIA, João Carlos Bona. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 3 maio 2016.:

E aí, quando apertou o cerco eu liguei pro Arraes. Digo “Arraes, eu preciso sair daqui [da Argentina] e nenhum país me aceita”. E é verdade isso. (...) Nenhum país me aceitava, porque nós tínhamos o carimbo de terroristas e sequestradores. Bom, aí o Arraes disse: “Pode deixar, daqui a 3 dias tu vai no consulado, eu vou conseguir um laissez passer pra você entrar na Argélia”. E foi assim que a gente foi pra Argélia.

Na sequência, certos exilados conseguiram entrar e se estabelecer profissionalmente no país africano, já que alguns possuíam nível superior e, como já mencionado, havia carência de técnicos. Essa intermediação para a inserção profissional de exilados também foi uma marca das ações de Arraes no decorrer do tempo.

Entre 1974 e 1976, ocorreu o Tribunal Bertrand Russel II,24 24 A ideia do tribunal foi do filósofo que o nomeia, de forma que a primeira sessão aconteceu em 1967, em Estocolmo, e foi concebida para julgar, simbolicamente, os crimes de guerra cometidos pelos EUA no Vietnã. A segunda sessão, intitulada “Tribunal Russell II pela repressão no Brasil, no Chile e América Latina”, aconteceu entre 1974 e 1976 e foi presidida pelo senador italiano socialista Lelio Basso, amigo de Arraes. no qual Arraes foi convidado por Lelio Basso para ser um dos assistentes de acusação da ditadura brasileira. Durante a sessão, foram ouvidos testemunhos de exilados que haviam sido torturados e publicizados dossiês produzidos pela FBI. Nesse momento, podemos ver de maneira explícita a ação de Arraes no que Sznajder e Roniger (2013)SZNAJDER, Mario; RONIGER, Luis. La política del destierro y el exilio en América Latina. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2013. caracterizaram como a estrutura quádrupla do exílio, pois, além do indivíduo exilado, do país expulsor e do país receptor, temos a ação em uma arena transnacional, com denúncias de caráter humanitário. Jensen (2011, p. 2)JENSEN, Silvina Inés. Exilio e Historia Reciente: Avances y perspectivas de un campo em construcción. Aletheia, v.1, n. 2, p. 1-21, maio 2011. afirma: “Pelo menos desde a segunda metade do século XX, os exílios permitem pensar em um espaço público supranacional e na constituição de solidariedades coletivas, redes intelectuais internacionais, proteção universal de direitos e culturas políticas supranacionais”.25 25 Trad. livre da autora: “Al menos desde la segunda mitad del siglo XX, los exilios permiten pensar en un espacio público supranacional y en la constitución de solidaridades colectivas, redes intelectuales internacionales, protección universal de derechos y culturas políticas supranacionales”.

Ações no espaço público transnacional também ocorreram em agosto de 1976, quando Arraes participou da Conferência Internacional da Declaração dos Direitos Fundamentais dos Povos, realizada em Argel e na qual foi conferencista, quando suas palavras foram objeto de análise pela Divisão de Segurança e Informações (DSI/MRE): “O BRASIL mereceu citações ofensivas por parte da imprensa local, que proporcionou ampla cobertura ao encontro, e por ocasião da intervenção de MIGUEL ARRAES, intitulada a DEPENDÊNCIA NA AMÉRICA LATINA”.26 26 AN, Brasília. Divisão de Segurança e Informações/Ministério das Relações Exteriores. Argélia. “Conferência Internacional pela Declaração dos Direitos Fundamentais dos Povos”, 11 ago. 1976. BR_DFANBSB_Z4_DHU_0037_4p.

Aos poucos, contudo, os boletins da FBI foram sendo publicados com menos frequência, pois, de acordo com Gouvêa (2019)GOUVÊA, Yara Regina. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 18 fev. 2019., ela fazia o trabalho praticamente só. Esses boletins foram paulatinamente substituídos pela publicação de textos assinados por Arraes, sobretudo relacionados à análise da realidade brasileira. No mesmo período, em virtude do processo de “abertura”27 27 Para um panorama geral sobre o processo de abertura, consultar: Lemos (2018). prometido pelos militares, uma nova tentativa de organização de uma frente ampla se iniciou, com a aproximação com líderes políticos atuantes até 1964, como Leonel Brizola. Nesse sentido, em 1978, houve um tão aguardado encontro entre os dois em Lisboa. Durante seus anos no exílio, só haviam trocado correspondências. Contudo, mesmo com a euforia do momento, já que se tentava rearticular uma frente ampla de oposição à ditadura no exterior, o objetivo não foi alcançado, de forma que cada um seguiu sua estratégia: Brizola lançando as bases do futuro Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Arraes se aproximando do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Ou seja, novamente percebemos que as disputas políticas continuavam no exílio, dessa vez entre líderes representantes da institucionalidade democrática vigente antes do golpe e que se buscariam destacar na redemocratização.

Em 1978, outra iniciativa de Lelio Basso deu visibilidade para a pauta da anistia brasileira, com a realização de um Encontro pela Anistia na Itália. Nessa conjuntura, sobretudo a partir de 1975, dezenas de comitês foram criados em diversos países em que havia exilados brasileiros. Lemos (2018)LEMOS, Renato Luís do Couto e. Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979). Rio de Janeiro: Consequência, 2018. menciona que existiu um Grupo Brasileiro de Apoio na Argélia à Luta pela Anistia. Inferimos que, pelo pequeno número de exilados que lá se encontravam nesse momento, muito possivelmente Arraes estivesse à frente dessa iniciativa, de forma a não deixar invisível a sua presença no território argelino. Ainda na segunda metade dos anos 1970, encontramos a menção ao fato de Arraes ser proprietário de uma livraria em Paris, como remora José Maria Rabêlo (2001, p. 184-186)RABÊLO, José Maria; RABÊLO, Thereza. Diáspora: Os longos caminhos do exílio. São Paulo: Geração Editorial, 2001., que foi administrador do estabelecimento durante um período:

após algumas conversações, consegui convencer Miguel Arrais (sic) a comprar a firma dos portugueses e transformá-la em um grande centro de venda de livros de divulgação da cultura latino-americana na Europa. (...) Desempenhávamos também um papel político, denunciando os crimes das diversas ditaduras de nosso continente, a começar pela brasileira. Deixei o emprego em 31 de dezembro de 1978, por divergências com o grupo de Arrais (sic) e porque me preparava para a volta, que parecia iminente. Sob a direção do grupo ela continuaria até julho ou agosto, tendo sido vendida depois a uma firma francesa, que a descaracterizou por completo.

Com a promulgação da Lei de Anistia em 1979, ao que as evidências apontam, não houve hesitação da família Arraes em retornar ao Brasil. Dos filhos do ex-governador, apenas os dois mais jovens ainda residiam na Argélia. Antes do retorno, contudo, diante da incerteza do processo de abertura e temendo a reação de alguns setores das Forças Armadas, Miguel Arraes incumbiu Yara de fazer alguns contatos iniciais, com destaque para a articulação da sua entrada no MDB, após a reunião em Lisboa, que, como dito, não havia consolidado as expectativas da formação de uma frente ampla. Ela declara:

Na verdade eu vim... Miguel Arraes tinha muito receio de voltar... e ele queria saber das possibilidades dele retomar uma atividade política aqui no Brasil. Nós tínhamos feito uma reunião frustrada em Lisboa, com a presença de Marcio Moreira Alves, Leonel Brizola e Almino Afonso. A ideia de Miguel Arraes era criar uma frente, em que pelo menos esses homens políticos voltassem juntos. Não deu certo. (...) Com muito medo. Daí ele tinha pedido que eu tomasse contato com o MDB (GOUVÊA, 2019GOUVÊA, Yara Regina. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 18 fev. 2019.).

Magdalena Arraes (citada por CAVALCANTI; COLARES, 2015CAVALCANTI, Lailson de Holanda; COLARES, Valda. Magdalena Arraes: A dama da história. Recife: Cepe, 2015., p. 11) também reflete sobre o processo de retorno e a preocupação com o fato de não saber o que encontrariam no Brasil, pois já se haviam passado quase 15 anos desde a sua saída:

Não tínhamos uma ideia clara do que iríamos encontrar, tudo se baseava um pouco no que ouvíamos das pessoas que passavam pela Argélia. Mas o acúmulo de tudo o que tinha acontecido pesava muito, não é? As pessoas presas, mortas, isso pesava muito na nossa mente. A volta estava carregada de tudo isso, de tudo o que tinha acontecido nesse período e que nós tínhamos sofrido indiretamente porque estávamos proibidos de voltar, não podíamos contatar com as pessoas, foi bastante difícil, foi bastante pesado.

O processo de retorno também foi, portanto, carregado de dificuldades, pois o Brasil havia mudado e as marcas da ditadura - pessoas desaparecidas e assassinadas, crise econômica - eram grandes desafios. Outra dificuldade era a reinserção política da geração pré-1964, pois, no período que se passou, novos líderes de oposição haviam surgido e ocupado espaços dentro da institucionalidade então vigente.

Após o retorno e a inserção nos espaços políticos clássicos, os filhos menores do ex-governador também perceberam a mudança. Mariana Arraes (citada por CAVALCANTI; COLARES, 2015CAVALCANTI, Lailson de Holanda; COLARES, Valda. Magdalena Arraes: A dama da história. Recife: Cepe, 2015., p. 123) afirmou: “Era esquisito porque eu nunca tinha visto ele como político antes. Acho que foi uma sensação de perda. Nós tínhamos um convívio muito mais próximo na Argélia e aí perdemos isso. Foi bem pesado pra gente”. Devemos notar que, embora Luiz Arraes tenha dito que seu pai não parava um dia de fazer política, Mariana, pelo fato de que tudo acontecia no âmbito doméstico, não reconhecia seu pai como um agente político. A adolescente de então percebeu a diferença, tendo em vista que Arraes regressou e imediatamente as ações políticas voltaram a ser sua ocupação central. No comício de retorno, onde milhares de pessoas o aguardavam, ele afirmou que o período de exílio foi um aprendizado e que colocaria em prática no Brasil o que teria aprendido com povos de diferentes lugares do mundo:

Este momento é encruzilhada e confluência. Marca uma época e inicia outra. É saudade e deixar de ter saudade. É sentir-se mais velho e menos velho: a idade que avançou, o tempo que passou, idade e tempo que me pouparam para assistir, ver com meus próprios olhos, ouvir com meus próprios ouvidos, sentir na pele esse reencontro. Reencontro do povo com seu destino, forjado por ele mesmo. Estou mais moço porque reencontramos a História. E aqui, encruzilhada e confluência, deixo o exílio e me reincorporo como democracia, como homem do povo, ao seu destino. As armas que trago são poucas. São as mesmas. Talvez ampliadas pelo conhecimento da luta dos oprimidos de outras terras. São aquelas evocadas pelo poeta: Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo (ARRAES, citado por PEREIRA; CORREYA; CARRERO, 1997PEREIRA, Jair; CORREYA, Juareiz; CARRERO, Raimundo. Miguel Arraes: Pensamento e ação política. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997., p. 185).

As palavras que encerram o discurso foram proferidas por Carlos Drummond de Andrade e haviam sido utilizadas por Arraes quando assumiu o cargo de governador de Pernambuco em 1963. Percebemos a intenção de criar uma linha de continuidade entre os dois momentos, embora 15 anos se tivessem passado. Da mesma forma, ele se coloca como um democrata, inserindo-se com as mesmas armas no debate público, embora a experiência vivida no exílio fizesse com que elementos de outros repertórios fossem incorporados. O espaço político teria que ser também reconquistado. Em 1982, Arraes elegeu-se como deputado federal pelo estado de Pernambuco.28 28 Arraes foi deputado federal até 1987 e nos períodos de 1991-1995 e 2003-2005, mandato que foi interrompido por sua morte. Foi, ainda, governador entre 1987 e 1990 e 1995 e 1998.

Considerações finais

Ante o apresentado, podemos concluir que o exílio de Miguel Arraes foi marcado por constantes tentativas de elaboração de estratégias de denúncia da ditadura brasileira e apoio a outros exilados, ações que eram acompanhadas de perto pelos órgãos de monitoramento. Isso sugere que é preciso inserir o exílio na historiografia acerca do período, já que suas ações influenciaram ações do governo interna e externamente.

Não encontramos referências a tentativas de retorno antes da anistia, tendo em vista o fato de que possivelmente Arraes seria preso ao desembarcar, já que era considerado um inimigo interno. Ele também atuou, mesmo que de maneira informal, como consultor de negócios do governo argelino, intermediando contratos com diferentes empresas, inclusive algumas das quais era sócio.

Percebemos que o estudo sobre as ações dos exilados é fundamental para compreendermos a forma com que a ditadura atuou, interna e externamente, para reprimir os cidadãos em diferentes contextos, pois eles, ainda que fora do país, supostamente representavam uma ameaça, sobretudo em função das estratégias que estabeleciam em nível internacional. Este texto é uma tentativa inicial de compreensão sobre um desses sujeitos, importante no pré-golpe e após o retorno, visto que até a sua morte, em 2005, esteve ocupando cargos eletivos. Dessa forma, inserir os exilados na historiografia sobre o período fará com que complexifiquemos o olhar sobre a ditadura, as diferentes formas de repressão e de resistência, sobretudo pensando as ações para além das fronteiras do Estado nacional. É uma tarefa que se coloca para olharmos de diferentes perspectivas para a ditadura brasileira.

  • 1
    Para uma compreensão ampla sobre o processo ditatorial brasileiro, consultar Alves (1984)ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis: Vozes, 1984. e Napolitano (2014)NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014..
  • 2
    Não se sabe o número exato de brasileiros que saíram para o exílio. Machado (1979)MACHADO, Cristina Pinheiro. Os exilados: 5 mil brasileiros à espera da anistia. São Paulo: Alfa Omega, 1979. estimou em cinco mil pessoas que aguardavam a anistia para poder retornar ao Brasil. Já Rollemberg (1999)ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999. apresentou a cifra de dez mil pessoas, também utilizada no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (BRASIL, 2014BRASIL. Relatório da Comissão Nacional da Verdade. 3 v.. Brasília: CNV, 2014.). É muito difícil precisar tal número, tendo em vista que muitos exilados não foram anistiados, embora seja esse número o utilizado para a contagem.
  • 3
    A historiadora Denise Rollemberg (1999)ROLLEMBERG, Denise. Exílio: Entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999., na pioneira obra sobre o exílio de brasileiros, criou a ideia de ondas de exílio, ou seja, momentos de saída mais intensos: a primeira teria acontecido pouco tempo depois do golpe, e o destino principal seria o Uruguai, pois se imaginava que o retorno ocorreria em breve; na segunda, as pessoas estavam vinculadas à luta armada e foram para o Chile; a terceira, após o golpe no Chile, teve como destino principal o continente europeu, sobretudo a França.
  • 4
    Sabemos que existem matizes de cinza entre a repressão e a resistência. Nesta análise, optamos, contudo, por mobilizar esses dois elementos, tendo em vista que eles foram utilizados pela ditadura como estratégia de perseguição, mas também por diferentes sujeitos como movimento de oposição, sobretudo pelo viés da denúncia, feita a partir do exterior.
  • 5
    Em 1966, foi criado o Centro de Informações do Exterior (CIEX) para monitorar a movimentação dos exilados em diferentes países (BRASIL, 2014BRASIL. Relatório da Comissão Nacional da Verdade. 3 v.. Brasília: CNV, 2014.). A confirmação da existência de tal centro se deu apenas em meados dos anos 2000 (PENNA FILHO, 2008PENNA FILHO, Pio. Os Arquivos do Centro de Informações do Exterior (CIEX): O elo perdido da repressão. Acervo, v. 21, n. 2, p. 79-92, jul./dez. 2008, p. 79-92.), embora relatos de perseguidos a afirmassem. É importante ressaltar, também, que as embaixadas e consulados muitas vezes agiram para cercear direitos dos exilados (BRASIL, 2014BRASIL. Relatório da Comissão Nacional da Verdade. 3 v.. Brasília: CNV, 2014.), conforme diretrizes vindas diretamente do Itamaraty (SETEMY, 2018SETEMY, Adrianna Cristina Lopes. Do Serviço de Estudos e Informações (SEI) ao Centro de Informações do Exterior (CIEX): A institucionalização das políticas de informação e repressão ao comunismo no Itamaraty. Locus, v. 24, n. 1, p. 149-171, jan./jun. 2018.).
  • 6
    Nasceu em 1916 na cidade de Araripe, no Ceará. Após um tempo no Rio de Janeiro, onde iniciou os estudos em direito, foi aprovado em um concurso para o Instituto de Álcool e Açúcar (IAA), mudando-se assim para a cidade de Recife. Antes de ser governador do estado de Pernambuco, foi deputado estadual e prefeito do Recife. Com sua primeira esposa, Célia Moura, teve oito filhos. Casou-se novamente com Magdalena, com quem teve mais dois filhos. Para maiores informações sobre sua biografia, consultar: Rozowykwiat (2006)ROZOWYKWIAT, Tereza. Arraes. São Paulo: Iluminuras, 2006..
  • 7
    A Argélia, país do norte do continente africano, libertou-se da ocupação francesa em 1962 e, a partir de então, estabeleceu um sistema de governo denominado constitucionalmente de “socialismo árabe”. Desde esse momento, passou a receber exilados dos mais diferentes países, sobretudo do chamado Terceiro Mundo, e que lutavam por projetos revolucionários/reformistas nos seus locais de origem. Sobre a independência do país, consultar: Yazbek (2010)YAZBEK, Mustafa. A revolução argelina. São Paulo: Ed. UNESP, 2010..
  • 8
    É importante salientar que, mesmo com a aprovação da anistia, nem todos os que haviam sido condenados foram contemplados. A respeito dos não anistiados, ver: Ribeiro (2018)RIBEIRO, Maria Claudia Badan. Legalidad dictatorial y violencia clandestina: Los límites de la política brasileña ante el regreso de los exiliados. Migraciones y Exilios, v. 17, p. 53-79, 2018..
  • 9
    É importante salientar que a ditadura brasileira utilizou diferentes estratégias para a criação de uma suposta institucionalidade. A manutenção das eleições, mesmo que com apenas dois partidos, e o processo legislativo via atos institucionais são dois exemplos.
  • 10
    Seus filhos, nesse primeiro momento, ficaram no Brasil, de forma que aos poucos foram para o destino de exílio.
  • 11
    Poucos dias depois após a chegada de Arraes, o presidente argelino de então, Ahmed Ben Bella, sofreu um golpe e foi deposto por um grupo de militares, de forma que Houari Boumedienne assumiu a presidência, na qual permaneceu até 1978. Ou seja, o período de exílio de Arraes praticamente se confunde com a presença de Boumedienne na presidência. Esses 14 anos foram de relativa estabilidade no país, com a tentativa da Argélia de se consolidar no âmbito internacional com uma política externa não alinhada.
  • 12
    Sobretudo para a França, onde sua irmã, Violeta Arraes Gervaiseau, também estava exilada.
  • 13
    ARQUIVO NACIONAL (AN), Brasília. Ministério da Guerra. Organização de Governo Brasileiro no exílio, 26 out. 1965. BR_DFANBSB_Z4_SNA_OEP_0013_4p.
  • 14
    Para a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), o conceito de “inimigo interno” deveria ser o mais maleável possível, tendo em vista a necessidade de sua adequação conforme a circunstância. Assim, qualquer forma de oposição, estudantil, sindical, camponesa, institucional, e, posteriormente, armada, era enquadrada no conceito. Para maiores informações sobre a DSN, consultar: Padrós (2005)PADRÓS, Enrique Serra. Como el Urugay no hay...: Terror de Estado e segurança nacional. Uruguai (1968-1985): Do Pachecato à Ditadura Civil-Militar. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005..
  • 15
    ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY (AHI), Brasília. Instruções para o embaixador do Brasil em Argel, 3 nov. 1966. Secretaria de Estado, Telegrama n. 25 (Secreto).
  • 16
    É importante salientar que a Argélia era um país de “trânsito revolucionário”, onde militantes passavam para fazer contatos ou até mesmo conseguir documentos falsos. Como Amílcar Cabral caracterizou: “a Meca da revolução” (CRUZ, 2016CRUZ, Fábio Lucas da. Brasileiros no exílio: Argel como local estratégico para a militância política (1965-1979). Tese (Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.).
  • 17
    AHI, Brasília. Entrevista do Senhor Miguel Arraes à “Algerie Presse Service”, 7 abr. 1967. Embaixada do Brasil em Argel para Secretaria de Estado, Telegrama s.n..
  • 18
    BESSA, Silvia; COLARES, Juliana. Filhos do Golpe (Webdocumentário). In.: Diário de Pernambuco. Disponível em: http://hotsites.diariodepernambuco.com.br/1964/filhosdogolpe.shtml. Acesso em: 8 dez. 2022.
  • 19
    Era próxima da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e estava exilada na Suíça. Em 1971, transferiu-se para Argel e estabeleceu laços com Arraes. Além de entrevista concedida à autora (GOUVÊA, 2019GOUVÊA, Yara Regina. Entrevistadora: Débora Kreuz. Acervo da autora, 18 fev. 2019.), pode-se consultar seu livro de memórias: Gouvêa e Birck (2007)GOUVÊA, Yara; BIRCK, Danielle. Duas Vozes. São Paulo: Cultura, 2007..
  • 20
    Referência aos militantes que foram trocados após o sequestro do embaixador alemão no Brasil. Eles pertenciam a diversas organizações de luta armada e foram enviados para a Argélia. De maneira geral, permaneceram no país pouco tempo, partindo para Cuba para fazer treinamento de guerrilha (KREUZ, 2020KREUZ, Débora Strieder. Da “Meca da revolução” a “um país vazio”: O exílio brasileiro na Argélia (1965-1979). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.).
  • 21
    No sistema de busca do Arquivo Nacional, ao pesquisarmos pelo nome de Miguel Arraes no intervalo entre 1964 e 1979 encontramos 1.376 registros. Da mesma forma, o dossiê com suas ações continuou a ser a alimentado até 1987. Ou seja, havia uma constante preocupação dos órgãos de monitoramento com as ações do ex-governador. Ver, por exemplo: AN, Brasília. Miguel Arraes - Opção pela luta armada, 13 jan 1987. Centro de Informações da Aeronáutica, BR_DFANBSB_VAZ_0_0_34654_d0001de0001.
  • 22
    AHI, Brasília. “Movimentos de libertação” instalados na Argélia. Refugiados brasileiros, 20 set. 1972. Embaixada do Brasil em Argel para Secretaria de Estado, Telegrama n. 160 (Secreto)
  • 23
    Até 1973, o Chile era uma referência para os exilados brasileiros. Contudo, com o golpe militar, milhares de pessoas tiveram que sair do país para evitar a perseguição. Para maiores informações, consultar: Dias (2019)DIAS, Cristiane Medianeira Ávila. Minha terra tem horrores: O exílio dos brasileiros no Chile (1970-1973). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019..
  • 24
    A ideia do tribunal foi do filósofo que o nomeia, de forma que a primeira sessão aconteceu em 1967, em Estocolmo, e foi concebida para julgar, simbolicamente, os crimes de guerra cometidos pelos EUA no Vietnã. A segunda sessão, intitulada “Tribunal Russell II pela repressão no Brasil, no Chile e América Latina”, aconteceu entre 1974 e 1976 e foi presidida pelo senador italiano socialista Lelio Basso, amigo de Arraes.
  • 25
    Trad. livre da autora: “Al menos desde la segunda mitad del siglo XX, los exilios permiten pensar en un espacio público supranacional y en la constitución de solidaridades colectivas, redes intelectuales internacionales, protección universal de derechos y culturas políticas supranacionales”.
  • 26
    AN, Brasília. Divisão de Segurança e Informações/Ministério das Relações Exteriores. Argélia. “Conferência Internacional pela Declaração dos Direitos Fundamentais dos Povos”, 11 ago. 1976. BR_DFANBSB_Z4_DHU_0037_4p.
  • 27
    Para um panorama geral sobre o processo de abertura, consultar: Lemos (2018)LEMOS, Renato Luís do Couto e. Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979). Rio de Janeiro: Consequência, 2018..
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    Arraes foi deputado federal até 1987 e nos períodos de 1991-1995 e 2003-2005, mandato que foi interrompido por sua morte. Foi, ainda, governador entre 1987 e 1990 e 1995 e 1998.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2022
  • Revisado
    08 Dez 2022
  • Aceito
    14 Dez 2022
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