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Adsorção de nitrato em caulinita a partir de rejeito de caulim modificado com uréia

Adsorption of nitrate on kaolinite from kaolin waste modified with urea

Resumos

Este estudo avalia a eficiência, viabilidade e espontaneidade de processos de adsorção do íon nitrato em caulinita sem tratamento e modificada com uréia, empregando como material de partida o rejeito de processamento de caulim do rio Jari. Os materiais foram caracterizados por difração de raios X, fluorescência de raios X e espectroscopia IV (DRX, FRX e FTIR). As medidas de pH de equilíbrio foram efetuadas por potenciometria e as concentrações de equilíbrio (Ce) de nitrato medidas por cromatografia iônica. Quantidades adsorvidas no equilíbrio (qe), constantes de distribuição (Kd=qe/Ce), fator de separação (R L) e variação de energia livre de Gibbs (ΔGº), foram calculados com base nos dados experimentais de adsorção. Os resultados de DRX e FTIR confirmaram a formação do complexo caulinita-uréia a partir do tratamento efetuado no rejeito de caulim. Os seguintes dados foram obtidos nos processos de adsorção de nitrato, no rejeito de caulim natural e tratado com uréia: q max= 18,17 e 14,1 mmol kg-1; Kd=0,7-2,2 e 0,45-1,5 L Kg-1; R L= 0,35-0,85 e 0,25-0,80; ΔGº= -9,3 a -5,8 e -9,1 a -5,4 kJ mol-1, respectivamente. Os valores de Kd, ΔGº e R L são típicos de processos de adsorção física (fisissorção), viáveis e espontâneos e os de q max indicam que a retenção de nitrato em rejeito de caulim natural é mais eficiente do que em rejeito modificado com uréia.

caulinita; uréia; nitrato; equilíbrio; termodinâmica


This study evaluates the the efficiency, feasibility and spontaneity of the adsorption of nitrate ion in natural and modified kaolinite with urea, using as starting material kaolin waste processing from Jari River. The materials were characterized by X-ray diffraction, X-ray fluorescence, Fourier transform IR spectroscopy (XRD, XRF and FTIR, respectively). The equilibrium pH measurements were performed by potentiometry and the equilibrium concentrations (Ce) nitrate was measured by ion chromatography. Amounts adsorbed at equilibrium (qe), distribution constant (Kd = qe / Ce), separation factor (R L) and variation of Gibbs free energy (ΔG °) were calculated based on experimental data adsorption. The results of XRD and FTIR confirmed the formation of the kaolinite-urea from treatment carried out on kaolin waste. The following data were obtained from the adsorption of nitrate on natural kaolin waste and treated with urea: qmax = 18.17 and 14.1 mmol kg-1; Kd = 0.7 to 2.2 and 0.45 - 1.5 L kg-1; R L = 0.35 to 0.85 and 0.25 to 0.80; ΔG ° = -9.3 to -5.8 and -9.1 to -5.4 kJ mol-1, respectively. The values of Kd , ΔGº and R L are typical of physisorption processes, feasible and spontaneous and those qmax indicate that the retention of nitrate on natural kaolin waste is more efficient than on kaolin waste modified with urea.

kaolinite; urea; nitrate; equilibrium; thermodynamic


L. C. TavaresI; V. P. LemosI, II; M. H. T. PinheiroII; H. A. D. FilhoII; K. G. FernandesII

IInstituto de Geociências, Cidade Universitária Prof. José Silveira Netto, Setor Básico, R. Augusto Corrêa 01, Campus Guamá, Belém, PA, Brasil 66075-110

IIFaculdade de Química, Universidade Federal do Pará, Cidade Universitária Prof. José Silveira Netto, Setor Básico, R. Augusto Corrêa 01, Campus Guamá, Belém, PA, Brasil 66075-110 mhtp@ufpa.br

RESUMO

Este estudo avalia a eficiência, viabilidade e espontaneidade de processos de adsorção do íon nitrato em caulinita sem tratamento e modificada com uréia, empregando como material de partida o rejeito de processamento de caulim do rio Jari. Os materiais foram caracterizados por difração de raios X, fluorescência de raios X e espectroscopia IV (DRX, FRX e FTIR). As medidas de pH de equilíbrio foram efetuadas por potenciometria e as concentrações de equilíbrio (Ce) de nitrato medidas por cromatografia iônica. Quantidades adsorvidas no equilíbrio (qe), constantes de distribuição (Kd=qe/Ce), fator de separação (RL) e variação de energia livre de Gibbs (ΔGº), foram calculados com base nos dados experimentais de adsorção. Os resultados de DRX e FTIR confirmaram a formação do complexo caulinita-uréia a partir do tratamento efetuado no rejeito de caulim. Os seguintes dados foram obtidos nos processos de adsorção de nitrato, no rejeito de caulim natural e tratado com uréia: qmax= 18,17 e 14,1 mmol kg-1; Kd=0,7-2,2 e 0,45-1,5 L Kg-1; RL= 0,35-0,85 e 0,25-0,80; ΔGº= -9,3 a -5,8 e -9,1 a -5,4 kJ mol-1, respectivamente. Os valores de Kd, ΔGº e RL são típicos de processos de adsorção física (fisissorção), viáveis e espontâneos e os de qmax indicam que a retenção de nitrato em rejeito de caulim natural é mais eficiente do que em rejeito modificado com uréia.

Palavras-chave: caulinita, uréia, nitrato, equilíbrio, termodinâmica.

ABSTRACT

This study evaluates the the efficiency, feasibility and spontaneity of the adsorption of nitrate ion in natural and modified kaolinite with urea, using as starting material kaolin waste processing from Jari River. The materials were characterized by X-ray diffraction, X-ray fluorescence, Fourier transform IR spectroscopy (XRD, XRF and FTIR, respectively). The equilibrium pH measurements were performed by potentiometry and the equilibrium concentrations (Ce) nitrate was measured by ion chromatography. Amounts adsorbed at equilibrium (qe), distribution constant (Kd = qe / Ce), separation factor (RL) and variation of Gibbs free energy (ΔG °) were calculated based on experimental data adsorption. The results of XRD and FTIR confirmed the formation of the kaolinite-urea from treatment carried out on kaolin waste. The following data were obtained from the adsorption of nitrate on natural kaolin waste and treated with urea: qmax = 18.17 and 14.1 mmol kg-1; Kd = 0.7 to 2.2 and 0.45 - 1.5 L kg-1; RL = 0.35 to 0.85 and 0.25 to 0.80; ΔG ° = -9.3 to -5.8 and -9.1 to -5.4 kJ mol-1, respectively. The values of Kd , ΔGº and RL are typical of physisorption processes, feasible and spontaneous and those qmax indicate that the retention of nitrate on natural kaolin waste is more efficient than on kaolin waste modified with urea.

Keywords: kaolinite, urea, nitrate, equilibrium, thermodynamic.

INTRODUÇÃO

Atividades agrícolas e uso de combustíveis fósseis são os principais fatores responsáveis pela emissão de NH3, gases NOx e N2O, que retornam ao sistema terrestre, sofrem deposição por via úmida ou seca e aumentam de forma contínua o nitrogênio biologicamente [1]. Apesar da deposição se dar de duas formas, os questionamentos registrados sobre o aumento da concentração de nitrogênio são direcionados principalmente aos efeitos provocados pela deposição por via úmida, com foco especial para o aumento das concentrações de nitrato ou amônio que podem contaminar os solos e águas subterrâneas [2-4]. Outros fatores responsáveis pelo aumento das concentrações de nitrato e amônio em solos e águas são a mineralização da matéria orgânica nitrogenada por via aeróbica [5] e uso de fossas rudimentares [6]. Há traços de nitrato, praticamente em toda a água na natureza, cujo nível pode elevar com o aumento da poluição da matéria orgânica ou em razão do uso excessivo de fertilizantes que se infiltram no solo através das águas [7-9].

De acordo com a Portaria 518 de 2004 do Ministério da Saúde [10], a concentração de nitrato em água para consumo humano não deve exceder a 45 mg.L-1 (equivalente à 10 mg.L-1 de N). Concentrações de nitrato em águas superiores a 45 mg.L-1 podem causar sérios problemas à saúde humana e à vida aquática [5]. No organismo humano o nitrato é convertido a nitrito no estômago, conduzindo a formação de compostos nitrosos que são carcinogênicos. Em águas o íon nitrato, em concentrações elevadas, propicia a eutroficação e morte de peixes [11]. A remoção de nitrato, assim como de outros íons tóxicos, em águas, pode ser efetuada a partir de processos de eletrodiálise, osmose reversa, troca iônica, desnitrificação microbiológica, [5] e processos de adsorção em minerais de argila, como a caulinita [12] ou em outros materiais, como organoargilas [9, 13], resinas [11] e hidróxidos duplos lamelares [14, 15].

Entre os minerais de argila que têm sido avaliados na adsorção de poluentes orgânicos e inorgânicos em distintos compartimentos, consta a caulinita, que é o mineral de argila de maior concentração mundial [16] é o mais utilizado em experimentos de adsorção, tais como, uso de caulinita natural e modificada com brometo de hexadeciltrimetilamônio na adsorção de nitrato [9, 13], caulinita tratada com soluções de ácidos inorgânicos na retenção de cromato [17], molibidato [18] e cátions de metais pesados [19-24].

Pesquisas envolvendo avaliações de adsorventes na retenção de nitrato devem propiciar grandes benefícios à população humana de vários locais, onde os teores de nitrato em águas são elevados, devido ao saneamento in situ a partir de fossas sépticas ou rudimentares, que são abastecidas por águas subterrâneas captadas de aqüíferos rasos, livres ou semiconfinados [6]. Neste estudo foram avaliados adsorventes com base na eficiência, viabilidade e espontaneidade de processos de adsorção do íon nitrato em caulinita natural e modificada com ureia, empregando como material de partida o rejeito de beneficiamento de caulim da região do Rio Jari (Monte Dourado, PA).

MATERIAIS E MÉTODOS

Materiais

O material de partida foi o rejeito de processamento de caulim da região do Rio Jari (Monte Dourado, PA), nomeado aqui como CRJN. A modificação do rejeito de caulim com a uréia foi feita com base em procedimentos [25] que consistem na preparação de suspensões aquosas com proporções crescentes de ureia em relação à caulinita, visando à organofuncionalização gradual até a transformação completa da caulinita no complexo caulinita-uréia [26]. Neste trabalho a modificação da caulinita foi feita, partindo-se da preparação de uma suspensão aquosa de caulinita mais ureia na razão 8:2. A suspensão aquosa foi agitada por 6 h e centrifugada a 2500 rpm por 3 min. A solução sobrenadante foi desprezada e o resíduo foi seco ao ar, obtendo-se o material nomeado como CRJU.

Métodos empregados na caracterização dos adsorventes

A caracterização da amostra natural e organofunciona-lizada com uréia foi feita a partir de análises por fluorescência de raios X (FRX), difração de raios X (DRX), espectroscopia IV com Transformada de Fourier (FTIR) e determinação de cargas superficiais. As análises por FRX foram realizadas em um espectrômetro PANalytical, sequencial Axios Minerals, com tubo de raios X cerâmico e anodo de Rh de 2,4 kW. A aquisição de dados foi feita com o software SuperQ Manager, e o tratamento dos dados com o software IQ+, PANalytical, sendo o resultado normalizado para 100%. Na preparação das amostras para análises foi utilizado 1 g de amostra, para 6 g do fundente tetraborato de lítio. Dado de perda ao fogo (PF) foi obtido a 1000 ºC.

As análises de DRX foram em difratômetro Panalytical XPERT-PRO (PW 3050/60), com fonte de radiação Cukα (1,540598 Å). O método do pó foi aplicado nas análises dos dois adsorventes, com varredura de 5° a 75° em 2θ. Análises em lâminas orientadas secas ao ar e aquecidas a 500 oC foram efetuadas a fim de verificar a presença de impurezas na amostra de rejeito de caulim sem tratamento.

Os espectros FTIR foram obtidos em um espectrômetro Nicolet iS10 com resolução espectral padrão de 0,4 cm-1 e precisão de número de onda melhor que 0,01 cm-1.

As cargas superficiais dos adsorventes foram estimadas a partir de preparação de suspensões em água e em KCl 1 mol.L-1, com razões sólidos:líquidos = 1:2,5, e efetuadas medidas de pH das suspensões (pHH2O e pHKCl) por potenciometria direta. Com base nos valores de pHKCl e pHH2O, foram estimadas as cargas superficiais variáveis (dependentes do pH) das amostras de rejeito de caulim, conforme a equação [27]:

∆ pH= pHKCl - pHH2O (A)

De acordo com a equação acima a carga superficial é positiva se pHKCl >pHH2O As cargas superficiais dos solos são dependentes dos constituintes minerais e orgânicos dos solos. Os minerais de argila e matéria orgânica aumentam as cargas negativas, enquanto que os óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio contribuem para o aumento de cargas positivas [27-29].

Experimentos de adsorção

Nestes experimentos foram pesadas 10 amostras de 50 mg de CRJN e o mesmo para a CRJU. Estas amostras foram transferidas para frascos de polietileno e adicionados volumes de solução padrão de NO3- para cobrir as concentrações entre 8 a 85 mg.L-1. As suspensões aquosas foram agitadas por 2 h e centrifugadas. As medidas das concentrações de equilíbrio (Ce), assim como das concentrações iniciais (Ci) foram por cromatografia iônica, que é um método muito rápido, versátil e sensível para determinação de ânions e cátions em vários tipos de materiais. Esse método é ainda muito aplicado na determinação de N total em rochas e sedimentos após digestão [30]. As análises foram em um cromatógrafo DX-120 (Dionex), equipado com coluna para ânion e com detector de condutividade elétrica. O cálculo da capacidade de adsorção dos adsorventes, qe (mg.g-1), foi efetuado a partir das diferenças entre as concentrações Ci e Ce e com base nos valores das massas usadas na preparação das suspensões aquosas.

Isotermas de adsorção: a dinâmica dos processos de adsorção de espécies químicas em solução em materiais sólidos, como minerais de argila, depende da distribuição destas espécies entre as fases sólidas e líquidas. O equilíbrio de adsorção é avaliado a partir das isotermas de adsorção que são representadas pelas concentrações das espécies químicas nas fases sólidas em relação às das fases líquidas. Os dados experimentais de adsorção foram ajustados aos modelos de isotermas de adsorção de Langmuir e Freundlich, usando as equações não lineares, conforme indicadas em estudos anteriores [31, 32].

Parâmetros de equilíbrio e termodinâmicos das reações de adsorção

Fator de separação: o grau de desenvolvimento e da espontaneidade da reação de adsorção pode ser obtido a partir da avaliação do parâmetro de equilíbrio adimensional, fator de separação RL, que indica se a reação de adsorção é favorável ou desfavorável, por meio da relação [20, 22, 29]:

na qual Ci (mg.L-1) é a concentração inicial do íon e KL é a constante de afinidade estimada pela equação de Langmuir. O valor de RL entre 0 e 1 indica adsorção favorável. A adsorção é considerada favorável se (0 < RL < 1), desfavorável se (RL > 1), linear (RL= 1) e irreversível (RL = 0).

Constante de equilíbrio: a constante de equilíbrio de uma reação de adsorção pode ser calculada usando a constante de distribuição (Kd) como descrita pela equação [20, 29]:

Kd = qe/ Ce (C)

A unidade pode ser Kd é L g-1 se a de qe é expressa em mg g-1 e a de Ce em mg L-1. Neste trabalho qe foi expresso como mmol kg-1 a fim de comparar os dados obtidos com outros processos de adsorção de nitrato. Neste caso a unidade de Ce usada foi em mmol L-1, obtendo-se Kd em L kg-1.

Variação de energia livre: a relação geral entre a variação de energia livre padrão ΔGº, e a variação de energia livre sob quaisquer outras condições ΔG é dada pela expressão [20-22]:

ΔG = ΔGº + RTlnK (D)

na qual ΔG é a variação de energia livre de Gibbs (kJ.mol-1), R é a constante universal dos gases (8,314 J mol-1.K-1), T é a temperatura absoluta (K) e K é a constante aparente da reação de adsorção. No equilíbrio a variação de energia livre de um processo de adsorção é calculada pela equação:

ΔGo= -RTlnK (E)

na qual K é constante KL de Langmuir ou a constante de distribuição, conforme foi indicado em alguns estudos sobre adsorção do chumbo em caulinitas. O sinal de ΔGo indica se a reação é espontânea ou não, em um sistema fechado em determinada temperatura.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Composição química parcial dos materiais

Os resultados obtidos por FRX (Tabela I) mostram que as concentrações de Al2O3 e SiO2 na amostra CRJN estão próximas dos valores teóricos da caulinita (Al4(Si4O10) (OH) 8), indicando alta pureza para o rejeito de caulim. A amostra apresentou concentração de TiO2 bem próxima à da caulinita da Geórgia (CG) e bem distante à da caulinita Kerala. Índia (CKI) [33]. A concentração de Fe2O3 está muito acima às das caulinitas CG e CKI, o que justifica coloração rosada apresentada pela amostra de caulinita natural do Rio Jari. Valores elevados de óxidos de ferro e de titânio são comuns em depósitos de caulins sedimentares [34], como o da região do Rio Jari. Os resultados também mostram que a caulinita do Rio Jari apresenta teores de impurezas (TiO2 e Fe2O3) superiores aos da caulinita do Rio Capim (CNRC) [35].

Difração de raios X

Os difratogramas de raios X pelo método do pó (Fig. 1) indicam que a caulinita como mineral predominante nas amostras CRJN e CRJU e a goethita como impureza. Porém, no difratograma da amostra CRJN, em lâmina orientada seca ao ar e calcinada a 550 oC, foi possível identificar o anatásio (detalhe da Fig. 1).


Na amostra CRJU foi possível confirmar a ocorrência da intercalação da caulinita com a uréia (proporção de 20%) pelo aparecimento de um pico bem definido em 2θ = 8,21o (d=1,075 nm), correspondente à formação do complexo caulinita-uréia [25]. O segundo pico típico do complexo formado com excesso de ureia (proporção de 30%) pode aparecer em 2θ = 22,5o, como foi verificado em outra caulinita intercalada com uréia [25].

Espectros FTIR

Os espectros FTIR das amostras CRJN e CRJU (Fig. 2) se diferenciam de forma expressiva apenas na região com número de onda compreendido entre 1800 a 1300 cm-1. As bandas de absorção observadas nas outras regiões dos espectros das amostras são típicas da caulinita. As bandas em 3690 cm-1 são as de vibrações de estiramento simétrico e antissimétrico da molécula da água, que ficam muito próximas as das hidroxilas externas, referidas como OuOH. As bandas em 3620 cm-1 são das hidroxilas internas, referidas como InOH. As bandas em 913, 789 e 537 cm-1, correspondem às das ligações Al-OH, Si-O e Al-O-Si, respectivamente [36-38]. Na amostra CRJU a modificação da caulinita após tratamento com uréia é indicada pelo aparecimento de bandas de baixas intensidades em 1673, 1622, 1590 e 1475 cm-1. A quantidade de ureia utilizada no tratamento não foi suficiente para indicar no espectro FTIR o desaparecimento das bandas referentes ao grupo OuOH em 3652 e 3669 cm-1, que pode ocorrer pela interação da ureia com as hidroxilas externas da caulinita [25].


Dados estimados de carga superficial

Na Tabela II encontram-se os dados de cargas superficiais, estimados com base nas diferenças de pHKCl e pHH2O, para as amostras de rejeito de caulim, comparados com dados experimentais obtidos para duas amostras de solos (Am-S1 e Am-S2), com predomínio em minerais de argila em relação à hematita, e mais duas amostras (Am-S3 e Am-S4), com predomínio de hematita em relação à minerais de argila [27]. Estes dados indicam que as amostras de rejeito de caulim apresentam ΔpH negativos, assim como as amostras de solos Am-S1 e Am-S2, e tendem adsorver preferencialmente cátions. Por outro lado as amostras Am-S3 e Am-S4 apresentam ΔpH positivos e são mais adequada para adsorção de ânions. No entanto, deve ser também considerado o comportamento do pH das suspensões aquosas durante a adsorção, ou seja devem ser avaliados os valores correspondentes aos intervalos de pH inicial e final dos processos de adsorção.

Embora a estimativa para obtenção de cargas superficiais a partir de ΔpH seja muito utilizada os resultados nem sempre expressam se as cargas líquidas são positivas ou negativas, conforme foi questionado [39]. As falhas deste método ocorrem principalmente em materiais que apresentam cargas superficiais no limite entre pontos positivos e negativos. Neste caso é recomendável obter dados quantitativos a partir de cálculos de densidade de cargas [40].

Equilíbrio químico nas interfaces sólidas-soluções

Influência do pH no equilíbrio dos processos de adsorção: os valores de pH no equilíbrio ao longo do processo de adsorção do íon nitrato em CRJN e CRJU são superiores aos respectivos valores de pHKCl (Tabela II), enfatizando que as cargas superficiais dos adsorventes são negativas, sendo portanto mais adequadas para adsorção de cátions. No caso do processo de adsorção do íon nitrato em CRJN, o intervalo de pHequilíbrio é 6,20 a 6,91 que corresponde ao intervalo de carga superficial estimado: Δ pH= pHKCl- pHequilíbrio= -0,92 a -0,63. No CRJU, o intervalo de pHequilíbrio é 8,12 a 8,53 que corresponde ao intervalo de carga superficial estimado: ΔpH= pHKCl- pHequilíbrio = -2,51 a -2,93. Portanto, a repulsão eletrostática entre o íon nitrato e a carga líquida superficial é menos expressiva em CRJN do que em CRJU. Esta característica pode ser explicada a partir das seguintes relações entre densidade de carga da caulinita e valores de pHKCl e pHequilíbrio de processos de adsorção: o aumento de pHequilíbrio propicia redução na densidade de carga positiva nas bordas da caulinita, resultando no decréscimo de adsorção de ânions.

Relações entre concentrações de equilíbrio, quantidades adsorvidas e pH

A repulsão eletrostática, indicada no item anterior, entre o íon nitrato e a carga líquida nos adsorventes investigados, é refletida pelos baixos valores das quantidades adsorvidas. Apesar disso, os valores de qe são ainda significativos nas concentrações mais baixas dos processos de adsorção, conforme avaliação feita de qe em relação às concentrações de equilíbrio (Fig. 3), onde se verifica aumento gradual de qe com o aumento de Ce no rejeito de caulim natural (CRJN). No rejeito de caulim modificado com ureia (CRJU) há diferenças no padrão de distribuição de qe em relação à Ce, que deve ser refletida pelas variações de pH no equilíbrio do processo de adsorção (Fig. 4).



Verifica-se que quando decrescem os valores de pH das suspensões aquosas dos adsorventes CRJN e CRJU, as quantidades adsorvidas de nitrato aumentam, tanto no rejeito de caulim natural como modificado com a uréia. As quantidades adsorvidas são aproximadamente iguais nas duas primeiras concentrações iniciais dos processos de adsorção de nitrato nas amostras CRJN e CRJU. Com o aumento das concentrações iniciais de nitrato há um aumento gradual das quantidades adsorvidas, sendo este aumento mais pronunciado para a adsorção no rejeito de caulim natural. Este aspecto reforça o questionamento feito em estudo anterior [39] e enfatiza a recomendação sobre a avaliação da carga superficial de forma quantitativa por meio de cálculo de densidade de cargas que envolve [40]: a carga estrutural (carga dependente do pH dos componentes minerais dos solos), representada como σ0, carga de prótons adsorvidos (∆pH) e carga por adsorção iônica q+ + q- = Δq .

Isotermas de adsorção

A Fig. 5 mostra que os modelos de isotermas de Langmuir e de Freundlich são adequados para descrever o equilíbrio de adsorção de nitrato em amostras de rejeito de caulim. Os valores parâmetros de adsorção (Tabela III), como as constantes KL são bem inferiores a unidade, assim como as obtidas na adsorção de nitrato em vários tipos de adsorventes [9, 13-15], indicando baixa afinidade entre o íon nitrato e os sítios de adsorção dos adsorventes. No modelo de Freundlich, o parâmetro nF indica a reatividade dos sítios energéticos do material. Quanto mais nF se aproxima da unidade, maior será a tendência de ajuste dos dados experimentais a este modelo teórico. Nos processos de adsorção com nF≠ 1, a distribuição dos sítios energéticos tende a variar com a densidade de adsorção. Neste estudo foram obtidos valores de nF >1, que sugerem heterogeneidade relacionada aos sítios de adsorção das amostras. Quanto maior o valor de nF obtido, mais heterogêneo é o processo de adsorção [29]. Como nF de CRJU é maior do que nF CRJU, então o processo de adsorção em CRJU é mais heterogêneo do que em CRJN. Este aspecto é justificado pela presença do complexo caulinita-uréia na amostra CRJU. A avaliação dos valores de qmax na de adsorção de nitrato nas amostras de rejeito de caulim (Tabela III), em relação aos obtidos em outros adsorventes (Tabela IV), com transformações de unidades de alguns resultados publicados (transformações resultantes entre parênteses), permitiu observar que as eficiências de adsorção de NO3- nas amostras de rejeito de caulim são superiores as das caulinita investigadas [9], próximas da organoargila HDTA-caulinita [14] e muito inferiores as obtidas em hidróxidos duplos lamelares HDL-Zn-Al-Cl [15], HDL-Mg-Fe e HDL-Mg-Al [16] e em resina de troca iônica (resina Indion NSSR) [11].


Abordagem termodinâmica

Coeficiente de separação (RL): de acordo com os dados de RL obtidos (Fig. 6), a maioria dos pontos correspondentes aos processos de adsorção apresenta valores inferiores a unidade. Se RL é muito inferior a unidade, a adsorção é muito favorável, conforme foi demonstrado em um processo de adsorção de íons chumbo em caulinita, onde foram obtidos RL= 0,001 a 0,0023 [19]. Quanto mais o valor de RL se aproxima da unidade, menos favorável é considerado o processo de adsorção e menos espontâneo é também este processo [27]. Comparando-se os valores de RL obtidos nos dois processos de adsorção (Fig. 6), verifica-se que a adsorção em CRJU é mais viável do que em CRJN.


Variação de energia livre em relação as constantes de distribuição

Os valores obtidos para ΔGº (Fig. 7) indicam baixa espontaneidade dos processos de adsorção de nitratos em CRJN e CRJU, com tendências a não espontaneidade em direção aos menores valores de Kd, que correspondem às quantidades adsorvidas mais elevadas de nitratos. De acordo com os valores de ΔGº podem ser indicados os tipos de adsorção: fisissorção se ΔGº é menor do que 20 kJ; quimissorção se ΔGº é superior a 80 kJ.mol-1 [40]. Neste estudo os valores de ΔGº são inferiores a 20 kJ.mol-1 e negativos, enfatizando que os processos de adsorção são de natureza física e espontâneos.


Quanto mais elevados forem os valores ΔGº, mais energética e favorável é o processo de adsorção. Foi observado que os valores de ΔGº decrescem nos adsorventes conforme o aumento das concentrações de NO3-, indicando que quanto maior o valor da energia livre, menor é a força de reação do nitrato pela superfície adsorvente, ou seja, maior a tendência para adsorção física .

CONCLUSÕES

O rejeito de caulim é constituído predominantemente por caulinita e contém anatásio e goethita como impurezas. O tratamento do rejeito de caulim com uréia propiciou a formação do complexo caulinita-uréia, caracterizado por DRX pela reflexão em 2θ = 8,28o, correspondente a d= 1,067 nm. Os resultados dos coeficientes de separação, constantes de distribuição e variação de energia livre indicaram que os processos de adsorção enquadram-se como viáveis, espontâneos e são do tipo fisissorção. Com base nos valores de qmax obtidos para as amostras CRJN e CRJU (qmax= 18,175 e 14,10 mmol.kg-1, respectivamente) foi indicado que o rejeito de caulim natural é mais eficiente na retenção de nitrato em meio aquoso do que o modificado com uréia.

AGRADECIMENTOS

À CAPES e ao CNPq pelas concessões de bolsa de mestrado à primeira autora e de produtividade PQ à terceira autora, respectivamente. À Vale pelos recursos financeiros do projeto (Edital 001-2010 FAPESP/FAPESPA/FAPEMIG/Vale S.A). Ao Dr. J. A. Martins pelo apoio e orientação dada durante as análises por cromatografia iônica. Aos Drs. M. L. da Costa e R. S. Angélica, Instituto de Geociências (UFPA), pelo apoio contínuo na coordenação de projetos de pesquisas com participação de alunos de graduação e pós-graduação do Instituto de Geociências e de outros institutos da UFPA.

Rec. 17/01/2013

Ac. 16/11/2013

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  • Adsorção de nitrato em caulinita a partir de rejeito de caulim modificado com uréia

    Adsorption of nitrate on kaolinite from kaolin waste modified with urea
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Jan 2013
    • Aceito
      16 Nov 2013
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