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Um resgate histórico-epistemológico do átomo de Bohr: uma gênese nem sempre contada e suas implicações ao ensino de ciências

A historical-epistemological rescue of Bohr’s atom: a genesis not always told in science Teaching

Resumos

Um resgate histórico-epistemológico e conceitual dos caminhos trilhados por Niels Bohr quando do desenvolvimento de sua trilogia – Sobre a constituição de átomos e moléculas apresentada em 1913 – suscita distintas questões que, quando contextualizadas, podem ser levadas à educação científica. O que o fez transitar da teoria eletrônica dos metais, objeto de sua tese, para a quantização do átomo de Rutherford? Que pressupostos ele tinha que permitem combater uma visão empírico-indutivista quando de sua dedução e uso da fórmula de J.J Balmer? Que possíveis influências John W. Nicholson causou em Bohr? Nesse sentido, este artigo detém-se na primeira parte da trilogia bohriana visando esclarecer essas questões e contribuir para discussões de e sobre a ciência no ensino de ciências.

Palavras-chave:
Niels Bohr; Átomo; História e Filosofia da Ciência; Ensino de Ciências


A historical-epistemological and conceptual rescue of the paths trodden by Niels Bohr when developing his Trilogy – “On the Constitution of Atoms and Molecules” presented in 1913 – raises different questions that, when contextualized, can be taken into science education. What made Bohr move from the electronic theory of metals, the focus of his thesis, to Ernest Rutherford’s quantization of the atom? What assumptions did he have that allow him to combat an empirical-inductivist view when deducing and using J.J Balmer’s formula? What possible influences did John W. Nicholson have on Bohr? In this sense, this article focuses on the first part of the Bohrian trilogy in order to clarify these issues and contribute to discussions in and about science in science teaching.

Keywords:
Niels Bohr; Atom; History and Philosophy of Science; Science teaching


1. Introdução

Em 1913, Niels Henrik David Bohr (1885–1962) publica seu épico trabalho “Sobre a constituição de átomos e moléculas”, dividido em três partes, nos meses de julho, setembro e novembro no Philosophical Magazine. Na primeira parte da trilogia, Bohr apresenta os fundamentos de seu modelo para o átomo à luz do quantum de ação de Max Planck (1858–1947) e impõe condições ao átomo de Ernest Rutherford (1871–1937) [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2.].

O que levou Bohr ao átomo rutherfordiano foi, justamente, o motivo pelo qual muitos dos físicos se afastaram dele; a sua instabilidade. O modelo nuclear que Rutherford desenvolveu, proposto no final de 1910, visava explicar os grandes espalhamentos de partículas alfa pela matéria. Ele consistia em um núcleo carregado positivamente (que abrange parte substancial da massa do átomo e com dimensões extremamente pequenas), circundado por elétrons ligados a ele por forças atrativas; sendo que a carga total dos elétrons negativos seria igual a carga positiva central [2[2] J.L. Heilbron, Ernest Rutherford: and the explosion of atoms (Oxford University Press, New York, 2003)., 3[3] L.O.Q. Peduzzi, Do átomo grego ao átomo de Bohr (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015).]. Bohr admitiu que os elétrons, nesse modelo, estariam distribuídos simetricamente em torno do núcleo em anéis circulares concêntricos [4[4] L. Rosenfeld, em: Dicionário de biografias científicas, editado por C.C. Gillispie (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007).]. Todavia, somente com a ação das forças eletrostáticas não se podia manter a estabilidade dessa configuração. À luz do eletromagnetismo, uma partícula acelerada deveria emitir energia. Assim, a força centrípeta necessária para manter um elétron em sua órbita circular faria com que ele irradiasse energia; deste modo, entraria em colapso com o núcleo rapidamente.

Por um percurso que encanta os olhos de quem aprecia a história da ciência, Bohr liberta os elétrons, a partir do quantum de ação, de sua imperiosa necessidade de irradiar enquanto se movimentam em círculos. “Ele tinha apenas que permitir órbitas adicionais (ou, como ele as chamava, ‘estados estacionários’) para elétrons em átomos. Essas órbitas satisfaziam a condição de que o produto da massa do elétron, da velocidade e da distância do núcleo fosse igual a dois, três, quatro ou mais quanta” [2[2] J.L. Heilbron, Ernest Rutherford: and the explosion of atoms (Oxford University Press, New York, 2003)., p. 71]. Assim, um elétron não irradiaria em um estado estacionário.

Cabe destacar que, ao adotar o átomo de Rutherford, Bohr reconheceu ainda grandes e importantes implicações. Uma delas refere-se à separação entre propriedades químicas e radioativas, isto é, entre aqueles elétrons periféricos e as propriedades do próprio núcleo. A tabela periódica de Dmitri Ivanovich Mendeleev (1834–1907), publicada em 1869 [5[5] C.S. Lorenzetti, F. Damasio e A.C. Raicik, Experiências em Ensino de Ciências 15, 188 (2020).], já apresentava algumas irregularidades na sequência dos pesos atômicos, e essa constatação de Bohr sugeriu uma ligação entre o número atômico, que indica a posição de um elemento na tabela mendeleeviana, e o número dos elétrons (a carga nuclear), que seria mais fundamental que o peso atômico. Bohr admite núcleos atômicos de igual carga, mas de massas diferentes. “Ou seja, era possível existir mais de uma espécie de átomo ocupando o mesmo lugar na tabela periódica. Um pouco mais tarde foi adotado o nome de isótopo para designar essas espécies atômicas quimicamente indistinguíveis, mas de pesos diferentes” [4[4] L. Rosenfeld, em: Dicionário de biografias científicas, editado por C.C. Gillispie (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007)., p. 292].

As partes II e III da trilogia, embora publicadas posteriormente, já haviam sido essencialmente desenvolvidas antes da primeira. Na segunda, ele atribui configurações definidas de anéis a diferentes átomos químicos, abordando também a radiação e a radioatividade, “tornando público pela primeira vez aquele quadro qualitativo do átomo nuclear, regulado pelos princípios da isotopia e do número atômico” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 283]. Há, ainda, como uma seção adicional, um esboço sobre o Magnetismo. Na Parte III, ele desenvolve a teoria molecular e, para encerrar, como notas finais, ele recapitula e explicita “as principais hipóteses1 1 Bohr usa o termo assumptions (nas versões em inglês), embora não seja incomum encontrar na literatura nacional a utilização da palavra ‘postulados’; o que não parece ser a mais adequada. ” utilizadas em sua investigação, a saber [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 874]:

  1. Que a energia radiada não é emitida (ou absorvida) da maneira contínua admitida pela eletrodinâmica clássica, mas apenas durante a passagem dos sistemas de um estado estacionário para outro diferente.

  2. Que o equilíbrio dinâmico dos sistemas nos estados estacionários é governado pelas leis da mecânica clássica, não se verificando estas leis nas transições dos sistemas entre diferentes estados estacionários.

  3. Que é homogênea a radiação emitida durante a transição de um sistema de um estado estacionário para outro, e que a relação entre a frequência υ e a quantidade total de energia emitida é dada por E=hυ, sendo h a constante de Planck.

  4. Que os diferentes estados estacionários de um sistema simples constituído por um elétron que gira em volta de um núcleo positivo são determinados pela condição de ser igual a um múltiplo inteiro de h/2 a razão entre a energia total emitida durante a formação da configuração e a frequência de revolução do elétron. Admitindo que a órbita do elétron é circular, esta hipótese equivale a supor que o momento angular do elétron em torno do núcleo é h/2π.

  5. Que o estado permanente de um sistema atômico – isto é, o estado no qual a energia emitida é máxima – é determinado pela condição de ser igual a h/2π o momento angular de cada elétron em torno do centro da sua órbita.

Não é incomum, na literatura, que a teoria atômica de Bohr seja associada a uma história empiricista e simplista [7[7] F.L. Silveira e L.O.Q. Peduzzi, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 23, 26 (2006)., 8[8] S.S. Vasconcelos e T.C.M. Forato, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 35, 851 (2018).]. De forma descontextualizada, enfatiza-se que ele objetivou explicar teoricamente o espectro do hidrogênio a partir da conhecida fórmula empírica de J. J. Balmer. Isto é, ele teria partido indutivamente de um problema empírico à sua base teórica. Não obstante, a preocupação inicial e alicerce de Bohr era a instabilidade do modelo rutherfordiano. Consequentemente, em relatos dessa natureza, distintos e importantes aspectos de e sobre a ciência deixam de ser refletidos e compreendidos. Esse episódio da história é tão rico que, quando devidamente resgatado, não permite compactuar com uma visão empírico-indutivista.

Por certo, a partir de uma extensa pesquisa em história e filosofia da ciência, defende-se há bastante tempo a necessidade de materiais históricos adequados para subsidiar, em distintos níveis de ensino, reflexões e aprendizagens significativas, não apenas conceituais, mas relativos à própria natureza da ciência e do trabalho científico [9[9] L.O.Q. Peduzzi, em: Ensino de física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepção integradora, editado por M. Pietrocola (Editora da UFSC, Florianópolis, 2005)., 10[10] R.A. Martins, em Estudos de história e filosofia das ciências: subsídios para aplicação no ensino, editado por C.C. Silva (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2006)., 11[11] A.F.P. Martins, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 24, 112 (2007)., 12[12] T.C.M. Forato, M. Pietrocola e R.A Martins, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 27 (2011)., 13[13] B.A. Moura, Revista Brasileira de História da Ciência 7, 32 (2014)., 14[14] D.A. Boaro e N.T. Massoni, Investigações em Ensino de Ciências 23, 110 (2018)., 15[15] L.O.Q. Peduzzi e A.C. Raicik, Investigações em Ensino de Ciências 25, 19 (2020)., 16[16] A.C Raicik, Experiências em Ensino de Ciências 15, 164 (2020).].

Um resgate histórico-epistemológico e conceitual dos caminhos trilhados por Bohr levanta alguns pontos que merecem ser contextualizados, sobretudo visando a educação científica. O que o fez transitar da teoria eletrônica dos metais, objeto de sua tese, para a quantização do átomo de Rutherford? Que pressupostos ele tinha que permitem combater uma visão empírico-indutivista quando de sua dedução e uso da fórmula de Johann. J. Balmer (1825–1898)? Que possíveis influências John W. Nicholson (1881–1955) causou em Bohr? Nesse sentido, este artigo detém-se na primeira parte da trilogia bohriana visando esclarecer essas questões e contribuir para discussões de e sobre a ciência no ensino de ciências.

2. Um Prelúdio Bohriano à Quantização do Átomo: Entrelinhas de 1911 a 1912

Em maio de 1911 Bohr defende sua tese, intitulada Studier over metallerners elektrontheori (“Estudos sobre a teoria eletrônica dos metais”), pela Universidade de Copenhague, sob orientação do físico Christian Christiansen (1843–1917) [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 291]. Ela é um desdobramento de sua dissertação, concluída em 1909. Este é um trabalho “minucioso e erudito; cada página mostra o poder crítico de seu autor, sua flexibilidade matemática e sua firme compreensão dos princípios físicos” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 214]. Dado o nível avançado de seu trabalho, sua defesa envolveu poucos questionamentos e ocorreu em um tempo relativamente curto; não era qualquer membro da comunidade que teria capacidade para julgá-lo [18[18] J.L. Heilbron, Nature 498, 27 (2013a).]. Isso não a eximiu, por certo, de receber inúmeros elogios e ponderações daqueles que a estavam avaliando.

O seu objeto de estudo era as propriedades físicas dos metais – em particular, sua capacidade de conduzir calor e eletricidade com base na mecânica e eletrodinâmica clássicas – a partir dos elétrons livres nessas substâncias [19[19] C. Moller e M. Pihl, em: Niels Bohr His life and work as seen by his friends and colleagues, editado por S. Rozental (Interscience, New York, 1967).]. Bohr visa, na tese, em suas próprias palavras: “tentar realizar cálculos para os diferentes fenômenos que são explicados pela presença de elétrons livres nos metais, da maneira mais geral possível, consistente com os princípios da teoria de Lorentz” [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 299–300]. Uma passagem específica da tese evidencia, como colocam os historiadores da ciência John Heilbron (1934–) e Thomas Kuhn (1922–1996), a convicção bohriana da limitação da mecânica clássica na teoria atômica. Deve-se supor, diz Bohr:

que existam forças na natureza de um tipo completamente diferente daquelas da mecânica clássica; pois enquanto, por um lado, a teoria cinética dos gases obteve resultados extraordinários ao assumir que as forças entre as moléculas individuais são mecânicas, por outro lado, existem muitas propriedades dos corpos impossíveis de explicar se assumirmos que as forças que agem dentro das moléculas individuais (que de acordo com a visão comum consistem em sistemas contendo um grande número de elétrons ‘ligados’) também são mecânicas” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 215].

Não obstante, como esses historiadores apontam, apesar de uma leitura superficial ou geral da tese de Bohr indicar que ele já estava convencido de que para resolver problemas específicos da teoria elétrica dos metais uma ruptura fundamental com a mecânica clássica seria necessária – como comumente é colocado em resgates históricos –, essa questão precisa ser (minimamente) contextualizada. Ainda que na passagem acima possa se perceber uma espécie de prelúdio à ruptura com conceitos clássicos, importa salientar que “se o prelúdio prepara a tentativa, ele não explica sua origem nem sua natureza” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 212].

Os cálculos de Hendrik A. Lorentz (1853–1928), para a razão entre absorção e emissão de radiação por parte de um metal, concordavam muito bem para ondas longas, isto é, baixas frequências. Mas Bohr pensou que postulando uma interação mecânica apropriada entre elétrons e moléculas de um metal, ele pudesse estender os cálculos de Lorentz a comprimentos de onda mais curtos. No entanto, isso não ocorre. Como diz Bohr:

a causa da falha é muito provavelmente esta, que a teoria eletromagnética não concorda com as condições reais da matéria e só pode dar resultados corretos se for aplicada a um grande número de elétrons (como em corpos comuns) ou para determinar a velocidade média de um único elétron em um tempo comparativamente longo (como no cálculo do movimento dos raios catódicos), mas não pode [como na radiação de ondas curtas], ser usada para investigar o movimento de um único elétron em um curto espaço de tempo [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. xx].

O próprio Lorentz havia reconhecido o limite de sua teoria; o elétron acelerado deveria emitir radiações em todas as frequências [20[20] A. Villani, Revista Brasileira de Ensino de Física 7, 51 (1985).]. Juntamente a essa questão da eletrodinâmica, um outro ponto detectado por Bohr, relativo à teoria do físico francês Paul Langevin (1872–1946) – que aplica um modelo microscópio ao estudo do magnetismo –, embora pouco discutido em sua tese, mostra-se como norteador, posteriormente, de seus estudos.

Naquele momento, as teorias disponíveis acerca do diamagnetismo (relativo aos materiais repelidos por uma região de campo mais intenso) e do paramagnetismo (relativo aos materiais atraídos por uma região de campo mais intenso) atribuíam estes efeitos à modificação de trajetórias eletrônicas ocasionadas por um campo externo. J. J. Thomson (1856–1940), por exemplo, sugeriu que o diamagnetismo era ocasionado por elétrons livres que eram desviados em órbitas circulares ou helicoidais por um campo magnético externo, que produziam um momento oposto ao sentido da força indutora. Tendo já se posicionado contrário a esta explicação em sua dissertação – argumentando que um campo externo não altera a distribuição dos elétrons ou sua velocidade e não pode criar um momento – Bohr volta-se, agora, a uma teoria que se apresentava mais promissora; langeviniana [21[21] F. Aaserud e J.L. Heilbron, Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited (Oxford University Press, Oxford, 2013).].

Langevin admite, para o diamagnetismo, que um campo magnético não gera um momento quando as órbitas dos elétrons estão distribuídas dentro de uma molécula que não mostra magnetismo líquido. O efeito do campo magnético seria o de acelerar ou desacelerar os elétrons, dando origem a um campo magnético oposto em direção a ele. Para explicar o paramagnetismo, ele adota uma hipótese ad hoc de que os átomos e moléculas possuem um momento magnético intrínseco e permanente [22[22] J.M.F. Bassalo, Revista Brasileira de Ensino de Física 16, 63 (1994).]. “Se, no entanto, as moléculas possuíssem um momento magnético líquido, inicialmente distribuído aleatoriamente, elas se alinhariam sob um campo magnético, superando o efeito diamagnético e induzindo o paramagnetismo” [23[23] J.L. Heilbron, em: Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited, editado por F. Aaserud e J.L. Heilbron (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 131]. Não obstante, Bohr demonstra que, classicamente e à luz do átomo de Thomson, o paramagnetismo é incompatível com a mecânica e o eletromagnetismo clássico2 2 Bohr demonstra que as contribuições diamagnéticas e paradigmáticas no cálculo da suscetibilidade magnética se cancelavam, o que contrariava a lei de Curie. Esta lei, formulada em 1985, diz que “a suscetibilidade magnética x de um material paramagnético (oxigênio, por exemplo) varia na razão inversa de sua temperatura absoluta T” [25, p. 146]. A expressão de Langevin, por sua vez, concordava com a lei de Curie. [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., 21[21] F. Aaserud e J.L. Heilbron, Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited (Oxford University Press, Oxford, 2013).].

Parecia intuitivamente óbvio que o movimento helicoidal induzido de partículas carregadas tinha que dar origem a um efeito magnético. Bohr corrigiu essa intuição. É correto, ele admitiu, no que diz respeito aos elétrons livres que completam seus pequenos círculos em torno da direção do campo inteiramente dentro do metal. Mas aqueles cujos caminhos cruzam as paredes, onde, por hipótese, eles são refletidos, estabelecem uma corrente ao longo da parede cujo efeito magnético anula exatamente o dos elétrons que descrevem caminhos ininterruptos. Bohr ajudou na compreensão dessa descoberta inesperada com o único diagrama (Figura 1) em sua tese impressa, um padrão intrincado que lembra os azulejos de Isfahan [cidade do Irã] [23[23] J.L. Heilbron, em: Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited, editado por F. Aaserud e J.L. Heilbron (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 131–132].

Figura 1:
“As órbitas dos elétrons livres em um fio exposto a um campo magnético. Elétrons próximos à parede ab não podem completar seus circuitos dentro do fio e são refletidos de volta para rastejar ao longo dele e criar uma corrente que anula o efeito magnético dos elétrons descrevendo círculos completos.” (Extraída de Bohr [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 381]).

Em síntese, o que se busca evidenciar é que Bohr começa a ver, por distintas frentes, a insuficiência da mecânica clássica. Ela mostrava dificuldades relacionadas tanto ao magnetismo quando à radiação; com a limitação da teoria de Lorentz para baixas frequências na absorção e emissão de radiação nos metais, com a catástrofe do ultravioleta, com o problema na teoria de Langevin. Embora a trilogia apresente resultados espetaculares e, até mesmo, inesperados, o problema do magnetismo, que Bohr fez ser seu problema, já tinha então uma influência importante na direção de seus pensamentos.

A partir de sua tese, e com os desdobramentos que ela trouxe, percebe-se uma postura epistemológica de Bohr diante de uma passagem preambular de um referencial teórico a outro; ainda que este último não estivesse desenvolvido. “Ficou claro, para ele, que as discrepâncias entre teoria e experimento não desapareceriam se apenas detalhes nos cálculos fossem alterados, mas que a própria base da teoria, a própria mecânica clássica, era [poderia ser] inadequada” [24[24] L. Rosenfeld e E. Rudinger, em: Niels Bohr His life and work as seen by his friends and colleagues, editado por S. Rozental (Interscience, New York, 1967)., p. 42].

Em setembro de 1911, Bohr chega a Cambridge para desenvolver seu pós-doutorado com J. J. Thomson, com uma bolsa da Fundação Carlsberg. Não familiarizado com o inglês, ele levou consigo uma tradução de sua tese; malfeita e desenvolvida às pressas por seu amigo, não físico, Carl Christian Lautrup [24[24] L. Rosenfeld e E. Rudinger, em: Niels Bohr His life and work as seen by his friends and colleagues, editado por S. Rozental (Interscience, New York, 1967).]. Em carta a seu irmão, o matemático Harald (1887–1951), Bohr explicita seu entusiasmo ao falar com Thomson: “expliquei a ele da melhor forma que pude minhas opiniões sobre radiação, magnetismo etc. Você deve saber o que foi para mim falar com um homem assim () Ele prometeu ler minha tese e me convidou para jantar com ele () Não posso dizer o quanto estou feliz e agradecido que [a tradução de] minha tese foi concluída e eu pude entregá-la a Thomson” [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 518].

Não sabia Bohr que seu envolvimento com Thomson não seria como o imaginado [26[26] A.C. Raicik, A Física na Escola, 21 (2023), não publicado.]. Sua pouca fluência na língua inglesa, em associação ao temperamento thomsoniano tão distinto do seu, influenciou, também, Bohr a encurtar sua estadia em Cambridge [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).]. Thomson não estava mais trabalhando com teoria eletrônica dos metais e não deu o devido crédito a Bohr; ele não se mostrou disposto a aceitar críticas e erros apontados em seu trabalho por um recém doutor que não conseguia se expressar em inglês adequadamente. Depois de algumas semanas de sua chegada, Bohr afirma: “ [Thomson] ainda não teve tempo de ler minha tese, e ainda não sei se ele concordará com minhas críticas. Ele só conversou comigo sobre isso algumas vezes e por alguns minutos” [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., out23, p. 256]. A frustração de Bohr, pelo fato de que Thomson nunca leu sua tese, nem abriu-se mais ao diálogo, aparece em várias cartas que ele escreve à noiva e ao irmão [24[24] L. Rosenfeld e E. Rudinger, em: Niels Bohr His life and work as seen by his friends and colleagues, editado por S. Rozental (Interscience, New York, 1967).]. “Foi uma decepção que Thomson não estivesse interessado em saber que seus cálculos não estavam corretos”, relembra Bohr [27[27] N. Bohr, Oral History – Sessions, disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/4517-1 (1962).
https://www.aip.org/history-programs/nie...
, p. II] anos mais tarde em entrevista.

Diante de sua atividade a ser desenvolvida no laboratório, relativas ao objeto de estudo de Thomson naquele momento, a saber, experiências com raios positivos (feixes de íons criados em tubos de descarga de gás), Bohr mostrou-se preocupado. Era difícil encontrar materiais em um laboratório tendo tanta dificuldade com a língua inglesa. “Acho que não vai correr tão bem”, diz ele em carta a sua mãe Ellen (1860–1930) [23[23] J.L. Heilbron, em: Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited, editado por F. Aaserud e J.L. Heilbron (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 138]. De qualquer forma, aquela seria uma oportunidade para adquirir experiência, sobretudo com o idioma. Nesse ínterim, Bohr tenta imprimir e publicar sua tese, devidamente traduzida para o inglês, pela Cambridge Philosophical Society.

Sob outros aspectos, Bohr estava muito estusiasmado e visou aproveitar seu tempo em Cambridge. Enquanto desenvolvia a tarefa experimental que Thomson havia lhe dado, ele trabalhava como podia na teoria eletrônica dos metais. Além disso, ele assistiu palestras de Joseph Larmor (1857–1942) e James H. Jeans (1877–1946) sobre eletricidade, além das de Thomson, foi a jantares e interagiu com vários colegas cientistas, participou de atividades esportivas e aproveitou passeios ao ar livre [24[24] L. Rosenfeld e E. Rudinger, em: Niels Bohr His life and work as seen by his friends and colleagues, editado por S. Rozental (Interscience, New York, 1967)., 26[26] A.C. Raicik, A Física na Escola, 21 (2023), não publicado.]. Aliás, foi em um desses jantares, em outubro de 1911, que conheceu Rutherford, sem ter contudo interagido com ele. Pouco tempo depois, no entanto, em uma viagem a Manchester, na casa de um amigo de seu pai (professor de fisiologia), Bohr conversa positiva e providencialmente com aquele que “iria influenciar sua carreira de forma tão decisica” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 233].

A conversa com Rutherford deixou Bohr impressionado; ele era “vigoroso, extrovertido, moderno, brilhante” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).] e logo em seguida trâmites iniciais começaram a ser desenvolvidos para a transferêcia de Bohr de Cambridge para Manchester. Não obstante, cabe ressalatar, Bohr não rompeu relações com Thomson, tampouco com Cambridge; ele visou buscar experiência nas duas frentes [26[26] A.C. Raicik, A Física na Escola, 21 (2023), não publicado.]. Em carta a sua noiva Margrethe Norlund (1890–1984), antes de partir, ele diz:

Rutherford é realmente um homem de primeira classe e extremamente capaz, em muitos aspectos mais capaz do que Thomson, embora talvez não seja tão talentoso. J.J. Thomson é um homem tremendamente notável, e aprendi muito com suas palestras; gosto tanto dele, e vou falar mais sobre ele antes de deixar Cambridge () eles [seus colegas] simplesmente não conseguem entender por que estou deixando Cambridge, mas tenho tanta inclinação para tentar, e terei condições maravilhosas em Manchester [24[24] L. Rosenfeld e E. Rudinger, em: Niels Bohr His life and work as seen by his friends and colleagues, editado por S. Rozental (Interscience, New York, 1967)., p. 45].

2.1. Interações com Rutherford em Manchester: Segunda Parte de seu Pós-doutorado

Em março de 1912, Bohr chega a Manchester. Rutherford estaria de férias no final de março e deveria ficar ausente a maior parte de abril. Mas, para receber Bohr, providenciou sua participação em um curso experimental de técnica radioativa3 3 Bohr fez um curso sobre radioatividade entre 16 de março e 3 de maio. Compreendidos em 47 páginas, estão desenhos, tabelas e cálculos cuidadosamente executados relativos à ionização de ar causada por diferentes fontes radioativas, a absorção de raios alfa e beta por folhas finas de alumínio [28]. [28[28] U. Hoyer, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912-1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2.]. Assim como com Thomson, essa atividade preliminar não o entusiasmou de imediato [26[26] A.C. Raicik, A Física na Escola, 21 (2023), não publicado.].

No mês de maio, a Cambridge Philosophical Society recusou publicar a tradução de sua tese, ao menos na versão em que se encontrava, muito extensa. Uma possibilidade seria a de reduzi-la a metade; algo que Bohr não aceitou [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).]. Mesmo em Manchester, Bohr se mantinha preocupado com a divulgação de sua tese em inglês. Afinal, ele continuava envolvido – ao menos em seus primeiros meses lá – com a teoria eletrônica dos metais enquanto desenvolvia atividades, aparentemente, pouco inspiradoras demandadas por seu pós-doutorado. Em uma carta a seu irmão, datada de 28 de maio, Bohr evidencia planos para o aperfeiçoamento final da sua teoria elétrica dos metais [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).].

Apesar disso, poucos dias depois, em 12 de junho, também em carta a Harald, Bohr mostra-se envolvido com questões rutherfordianas. Ele tomou, para si, um problema acerca da absorção de raios alfa pela matéria (aquelas finas lâminas de ouro metálicas). Um dos pontos elementares que o levou a se estimular por este novo trilhar foi a inconsistência, matemática e teórica, na teoria de C. G. Darwin (1887–1962) (neto de Darwin e pertencente ao gurpo de Rutherford) acerca da absorção de raios alfa. Assim, Bohr elabora sua própria compreensão acerca desta absorção que, em suas palavras, “embora modesta, talvez possa lançar um pouco de luz sobre algumas coisas relativas à estrutura dos átomos. Estou pensando em publicar um pequeno artigo sobre isso muito em breve” [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 555].

Importa ressaltar, por sua vez, que esse trecho evidencia o começo de uma transição, mas não uma conversão repentina. A questão com a absorção de raios alfa pela matéria foi, em princípio e neste momento, um “ponto fora da curva”. Bohr se mantinha envolvido, ainda que cada vez menos, com as questões deixadas por sua tese. Em continuação a carta acima citada, ele diz:

Eu ainda acho que (se minhas novas ideias sobre a teoria do elétron estiverem certas) elas talvez sejam importantes; mas não tenho tempo para pensar em publicá-las no pouco tempo que ainda tenho aqui, e tenho meu trabalho no laboratório. No que diz respeito à minha tese, como disse, estou fazendo meu último esforço para publicá-la, e se der errado terei que publicá-la eu mesmo [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 557].

Com efeito, na ciência, o cientista encontra distintas e plurais fontes de inspiração. Bohr, como um exemplo disso, passa a se fascinar gradativamente pela estrutura dos átomos, deixando de lado a teoria elétrica dos metais. Isso fica ainda mais evidente quando escreve a Harald já na semana seguinte4 4 Heilbron e Kuhn [6] atribuem a carta ao dia 19 de junho, Aaserud e Heilbron [21] a meados de junho, enquanto Rosenfeld e Rudinger [24] ao dia 19 de julho (possivelmente devido a um erro de digitação). : “Pode ser que eu talvez tenha descoberto um pouco sobre a estrutura dos átomos. Você não deve contar nada a ninguém sobre isso (). Tudo surgiu e se desenvolveu a partir de uma informação inicial que obtive da absorção de partículas α [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 559].

Como indagam Heilbron e Kuhn [16[16] A.C Raicik, Experiências em Ensino de Ciências 15, 164 (2020).], o que de tão decisivo Bohr deve ter visto no artigo de Darwin? O trabalho tinha por objetivo central investigar o modelo de Rutherford quando da desaceleração de partículas alfa durante sua passagem pela matéria, em especial, uma fina folha de metal. Importa lembrar que o modelo atômico rutherfordiano consistia em cargas positivas concentradas em um ponto muito pequeno e muito denso no centro, rodeadas de cargas opostas (elétrons), colocadas de alguma forma no espaço circundante [3[3] L.O.Q. Peduzzi, Do átomo grego ao átomo de Bohr (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015)., 29[29] L. Badash, em: Dicionário de biografias científicas, editado por C.C. Gillispie (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007).]. Darwin relacionou a desaceleração de partículas alfa a uma transferência de energia cinética das partículas para os elétrons atômicos. Bohr identifica, a partir de cálculos já estabelecidos em sua tese, uma falha crucial nos cálculos darwnianos: a negligência das forças coulombianas que ligam os elétrons ao átomo, isto é, ele tratava o elétron como uma partícula livre.

Em outras palavras, Darwin havia desprezado as forças intra-atômicas que agem sobre um elétron durante o curto período de interação com uma partícula em movimento rápido [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., 21[21] F. Aaserud e J.L. Heilbron, Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited (Oxford University Press, Oxford, 2013).] e Bohr havia encontrado aí “a atmosfera adequada à sua natureza sensível, e recuperado a paz de espírito que lhe permitia concentrar-se de novo numa investigação fundamental num campo praticamente” novo [30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2., p. 41].

Assim, em julho, tanto em carta ao seu irmão quanto à sua noiva – e antes de partir a Copenhague para seu casamento, que ocorreria no ínicio do mês seguinte – Bohr havia dito que estava para terminar uma pequena memória acerca da absorção dos raios alfa a fim de mostrá-la a Rutherford. Em agosto, o “Memorando” de seis páginas numeradas (que indicam a falta de uma folha), redigido em próprio punho, estava finalizado [30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2.].

O esboço inicial, o conhecido “Memorando de Rutherford”, está mantido em um envelope com a indicação manuscrita de Bohr [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 135]: “primeiro esboço das ideias contidas na memória ‘Sobre a constituição de átomos e moléculas’ (escritas para mostrar estas considerações ao Prof. Rutherford) (Junho e Julho de 1912)”. Nele, Bohr traz a preocupação da estabilidade atômica do modelo rutherfordiano com base na física clássica. No átomo de Thomson5 5 Embora não seja o foco do artigo discorrer especificamente acerca do átomo de Thomson, importa ressaltar que, diferentemente da analogia ao “pudim de passas” que muitos materiais didáticos costumam propagar, o átomo thomsoniano era dinâmico e organizado [32]. , de 1904, por exemplo, a estabilidade de anéis para um número de corpúsculos n até 5, se dava com anéis concêntricos e coplanares que circulavam, sem resistência, dentro de uma esfera neutralizante de eletricidade positiva. Não obstante, para a estabilidade de anéis contendo mais de seis corpúsculos, isto é, n6, a situação mudava. As condições de contorno desse sistema demandavam adicionar corpúsculos p ao centro da esfera e/ou novos anéis em planos paralelos. Assim, para n=7 e n=8, um único copúsculo no centro seria suficiente para sua estabilidade. Para casos em que n=9, deveria se adicionar três corpúsculos p ao centro, para que houvesse estabilidade dos anéis [31[31] J.J. Thomson, Philosophical Magazine 7, 237 (1904).].

Para grandes valores de n os valores de p são proporcionais a n3. Quando p for maior do que um, os corpúsculos internos necessários para produzir o equilíbrio não podem estar todos no centro da esfera, eles vão se separar até que suas repulsões sejam equilibradas pela atração da eletricidade positiva na esfera. Assim, quando houver dois corpúsculos internos, como quando n=9, esses dois se separarão e formarão um par com a linha que os une paralela ao plano do anel () Quando n=10, os corpúsculos internos devem ser em número de três; estes três vão se organizar nos cantos/vértices de um triângulo equilátero () [31[31] J.J. Thomson, Philosophical Magazine 7, 237 (1904)., p. 254].

Assim, como explicita Bohr, a estabilidade do modelo thomsiano baseava-se “materialmente na circustância de que a força atrativa aumenta quando cresce a distância ao centro” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2.]. Para Rutherford, a atração eletrostática entre o corpúsculo positivo e os elétrons negativos conferia ao seu sistema a força centrípeta necessária para sua estabilidade. Mas e quanto a emissão de radiação pelos elétrons acelerados? [3[3] L.O.Q. Peduzzi, Do átomo grego ao átomo de Bohr (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015).]. Os elétrons que, no modelo rutherfordiano, circulavam em anéis em torno do núcleo6 6 Em seu esboço Bohr utiliza o termo “Kern”, que em dinamarquês significa parte central, para denominar o núcleo. Pode-se supor, como enfatiza Rosenfeld [31], que Rutherford tenha se inspirado nisso. Por certo, Rutherford cunhou e utilizou o termo ‘núcleo’, pela primeira vez, em outubro de 1912 [3]. positivo, segunda a mecânica clássica, perderiam rapidamente sua energia por emissão de radiação e acabariam sendo capturados pelo núcleo7 7 Joseph Larmor, em 1897, havia concluído matematicamente que a perda de energia orbital de um elétron ocorria muito rapidamente, conforme a relação: d⁢Ed⁢t=23⁢(e2⁢v4c3⁢a2), onde c é a velocidade da luz no vácuo, a o raio da órbita, v a velocidade do elétron e e sua carga. O teorema de Larmor denunciava a limitação dos modelos de Thomson, Rutherford e Hantaro Nagaoka (1865–1950), por exemplo [33]. . A questão da estabilidade, deveria, portanto, ser considerada de um ponto de vista diferente, neste caso, daquela tratada thomsoniamente.

Bohr percebe que há uma diferença na estabilidade dos anéis a depender da sua quantidade de elétrons. Assim, ele demonstra que a soma das energias cinética e potencial relativa ao núcleo e aos elétrons será negativa se n7 e positiva se n>7, sendo n o número de elétrons por anel8 8 Há um erro nos cálculos de Bohr para chegar a este fator 7. De qualquer forma, é a ideia por trás do cálculo matemático que engrandece, ainda mais, sua investigação/resultado [6]. . Diante disso, é plausível, diz Bohr, que um átomo constituido por um só anel não possa conter mais do que sete elétrons, do contrário um dos elétrons poderia abandonar o átomo. Junto a isso, ele evidencia que, no modelo de Rutherford, os anéis e elétrons mais internos terão mínima, ou quase nenhuma, influência, em termos de estabilidade, em relação aos anéis externos. Dessa forma, parece começar a ficar claro, para ele, de que uma possível explicação recaía acerca da lei períodica das propriedades químicas dos elementos [34[34] H. Kragh, Phys. Today 66, 36 (2013).]. “Supõe-se”, diz Bohr, portanto, “que as propriedades químicas dependem da estabilidade do anel exterior, dos ‘elétrons de valência”’. E sinaliza, “a diferença a este respeito entre o modelo atômico considerado [rutherfordiano] e o modelo de J. J. Thomson é notabilissíma, parecendo impossível [para este último] dar uma explicação satisfatória da lei períódica” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 136].

Em conjugação com o problema da estabilidade, surge a dificuldade de discriminação entre os diferentes raios dos anéis e os tempos de vibração (relacionados não com o tempo de rotação, mas à frequência). Assim, Bohr apresenta uma hipótese ad hoc de que para qualquer anel estável nos átomos tem de haver uma razão definida entre a energia cinética de um elétron no anel e a sua frequênica de revolução; para que o átomo não irradie nem sucumba a oscilações instáveis [18[18] J.L. Heilbron, Nature 498, 27 (2013a).].

Esta hipótese, para a qual não será dada qualquer tentativa de justificação mecânica (pois que parece destinada a fracassar), é escolhida como a única que parece poder explicar todo o conjunto de resultados experimentais, que abrange e parece confirmar concepções do mecanismo de radiação como as propostas por Planck e Einstein [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 137].

Ao final do curto “Memorando”, a fórmula da hipótese bohriana é expressa como E=Kω9 9 No “Memorando”, e em cartas subsequentes até fevereiro de 1913, Bohr usa o símbolo υ para representar a frequência de rotação de um elétron. Não obstante, a partir de março, no qual assume explícita e completamente o quantum de ação de Planck, ele muda os símbolos, assumindo υ como a frequência de radiação e ω como sendo a frequência de rotação. Aqui, para que não haja possível dificuldade no processo de contextualização e de diferenciação das ideias bohrianas, optou-se por assumir, desde o “Memorando”, o símbolo ω para representar a frequência de rotação. , na qual a razão entre a energia cinética E de um elétron do anel e sua frequência de rotação ω é dada por K. Cabe ressaltar que a hipótese pela qual os anéis estáveis são determinados não faz menção explícita ao quantum de ação de Planck. Não há nenhuma descrição da relação entre K e a constante planckiana h; embora essa constante de proporcionalidade seja uma fração de h. Como coloca Léon Rosenfeld (1904–1974) [30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2.], pode ser que na página perdida do “Memorando” algo nesse sentido pudesse estar presente. De qualquer forma, tudo indica que é com a interpretação do espectro do hidrogênio, objeto da primeira parte da trilogia (feita posteriormente), que Bohr definitivamente vai se basear em um conceito de transição quântica completamente distinto de qualquer consideração clássica [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., 30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2.]. Isso não exime o “Memorando” de ter um valor inestimável. Ele aborda vários pontos que estão contidos em duas partes de sua trilogia, trazendo um princípio não mecânico que fixa os estados estacionários dos sistemas atômicos.

Em continuidade, Bohr considera um caso simples de estabilidade, com a molécula de hidrogênio, H2. Primeiro, em termos gerais, Bohr afirma que a força radical líquida para qualquer anel pode ser expressa por: Fr=e.ea2X, sendo X dependente do número de elétrons por anel, a o raio do anel e e a carga do elétron. Para a condição de equilíbrio Fr=Fcentrí peta, ou seja: Xe2a2=mw2a. Considerando a velocidade angular w=2πω, no qual ω é a frequência de rotação de um elétron em um anel, tem-se que:

(1) X e 2 a 2 = m a ( 2 π ω ) 2

Tendo em vista que W é o trabalho, ou a energia, para remover um elétron de um anel, isto é, W=-E, e considerando que E é o somatório da energia cinética e da energia potencial elétrica, tem-se que: Ec=mv22. Sendo que v=wa e w=2πω, segue que: a) Ec=m(2πωa)22 e; b) Ep=-e2aX. Assim: W=-E=m(2πωa)22-e2aX.

Retomando (1), obtém-se que Xe22a-e2aX; disso resulta:

(2) W = - E = - e 2 2 a X

Utilizando a hipótese de que E=Kω, admitindo (1) e 2, e o módulo de E enquanto a energia necessária para retirar um elétron do anel, isola-se a equação em termos do raio da órbita a. Logo: E=Kω, então, ω=Ek=e22aKX. Substituindo isso em (1), tem-se que Xe2a2=ma(2πe22aKX)2. Assim Xe2a2=ma4π2e44a2K2X2, logo:

(3) a = K 2 m π 2 e 2 X

Agora, substituindo (3) em 2, isola-se E. Isto é: E=e22X(mπ2e2XK2). Assim:

(4) E = e 4 X 2 m π 2 2 K 2

Admitindo que E=Kω, isola-se ω, logo:

(5) ω = e 4 X 2 m π 2 2 K 3

Bohr assume, de (4), que: E=e4X2mπ22K2=-nX2A, ou seja:

(6) A = e 4 m π 2 2 K 2

Esses são os cálculos subjacentes ao que Bohr apresenta no Memorando.

Em setembro de 1912, em uma palestra proferida na Physical Society, em Copanhague, Bohr apresenta sucintamente partes iniciais de sua teoria acerca da constituição atômica da matéria. No trecho a seguir, que finaliza sua fala, fica nítida a sua preocupação em expor uma teoria – contemporaneamente falando –, ancorada em valores epistêmicos.

O tempo limitado para a palestra certamente não me permitiu entrar em detalhes, mas espero ter conseguido apresentar os pontos de vista em que se baseou a investigação e mostrar como a teoria não apenas nos permite explicar qualitativamente as características dos fenômenos, mas que também está quantitativamente em concordância completamente satisfatória com a experiência. Além disso, eu quis mostrar, embora aqui tenha sido apenas uma questão sugestiva, como, por meio de um estudo experimental e teórico dos fenômenos em questão, podemos esperar aprofundar nosso conhecimento da estrutura interna da matéria. Se, para concluir, eu devesse tentar descrever em poucas palavras a diferença característica entre as informações que obtemos do estudo do espalhamento e da absorção dos raios α, talvez eu pudesse dizer que o primeiro fenômeno [espalhamento] nos fala sobre o comportamento estático dos átomos indicando a intensidade e a natureza dos campos de força no interior dos átomos, isto é, os números e cargas das partículas presentes, enquanto o segundo fenômeno [absorção] nos fala sobre o comportamento dinâmico dos átomos, já que a absorção – que depende do movimento dos elétrons – fornece informações sobre suas frequências [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 44, grifo nosso].

Por certo, se fazem presentes inúmeras características de uma boa teoria científica, como as elencadas por Kuhn [35[35] T.S. Kuhn, A tensão essencial (Editora Unesp, São Paulo, 2011).]: a) a concordância da teoria com resultados experimentais e observacionais – a precisão – salientada por Bohr; b) a sua fecundidade, ou seja, seu potencial de abrir portas para novos fenômenos ou relações, como na expectativa bohriana de aprofundar o estudo da matéria; c) a consistência, interna e externa, que implicitamente estão presente no trecho acima, no que se refere ao átomo rutherfordiano à luz de seu processo de quantização.

Embora não conste no “Memorando”, foi neste período e com essas ideias em mente que Bohr apresenta uma concepção do que, em seguida, vai ser nomeado como isótopos10 10 Em 1913, Frederick Soddy (1877–1956) utiliza o termo ‘isótopos não estáveis’ pela primeira vez a elementos radioativos. Austin generaliza para isótopos não radioativos. Mas essa ideia já vinha percorrendo as mentes até então. . A partir da adoção do modelo rutherfordiano, e suas implicações, Bohr evidenciou uma nítida sepação entre as propriedade químicas dos elementos, relativa aos elétrons periféricos e àquelas radioativas, referentes ao próprio núcleo [29[29] L. Badash, em: Dicionário de biografias científicas, editado por C.C. Gillispie (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007).].

A tabela periódica de Mendeleev apresentava os elementos por ordem de peso atômico. Mas, de fato, além de uma ou outra irregularidade na sequência dos pesos, o número de radioelementos recentemente descobertos já excedia os espaços disponíveis na tabela [5[5] C.S. Lorenzetti, F. Damasio e A.C. Raicik, Experiências em Ensino de Ciências 15, 188 (2020)., 6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).]. Thomson, por exemplo, entendia que a teoria atômica poderia explicar a variação das propriedades periódicas dos elementos químicos na tabela mendeleeviana. Desde a descoberta do elétron, em 1897, ele declarou que os corpúsculos de eletricidade negativa, a saber os elétrons, poderiam produzir esta periodicidade; a partir de seu número e distribuição no átomo.

Não obstante, os estudos de Bohr evidenciavam uma estreita ligação entre o peso atômico e o número de elétrons que seria, nessa perspectiva, mais fundamental que o peso atômico. Assim, essas anomalias advindas de radioelementos, “poderiam ser eliminadas admitindo-se a ocorrência de núcleos atômicos de igual carga, mas de massa diferente” [4[4] L. Rosenfeld, em: Dicionário de biografias científicas, editado por C.C. Gillispie (Contraponto, Rio de Janeiro, 2007)., p. 292]. Em outras palavras, elementos com diferentes pesos atômicos e propriedades radioativas, mas com características químicas aparentemente idênticas.

Bohr conhecia muitíssimo bem o átomo de Thomson e, além do nítido contraste com o modelo de Rutherford no que se refere ao espalhamento de partículas alfa pela matéria, agora ele traz à tona um outro contraste crucial. O átomo thomsoniano era impotente para lidar com esses novos radioelementos, pois suas propriedades químicas dependiam de todos os seus elétrons, tanto mais internos quando mais externos. Bohr viu uma resposta com o modelo rutherfordiano à luz do que ele sinaliza no “Memorando”, já supracitado, de que as propriedades químicas dos elementos dependem da estabilidade do anel mais externo.

Comparando os modelos de Thomson e de Rutherford (à luz, evidentemente, dos estudos bohrianos), pode-se sumarizar que, em ambos, os elétrons eram dispostos em anéis rotativos, e que, quando de um elemento químico complementar, elétrons eram adicionados um a um, até que houvesse instabilidade. Thomson verificou que para um anel se manter estável, o número de elétrons por anel deveria ser n<6. Para retomar a estabilidade para anéis com n6, era necessário uma carga adicional ao centro do anel. Nesse modelo, quanto maior o número de cargas internas, maior a estabilidade dos anéis. Em contrapartida, à luz do modelo rutherfordiano, Bohr constatou que, pelo contrário, a adição de elétrons dentro um anel reduziria sua estabilidade. Assim, uma vez alcançada a instabilidade (com n>7, como supracitado no “Memorando”), ele adicionava um novo anel externo, colocando elétrons um a um. Para o oxigênio, por exemplo, enquanto o modelo de Rutherford (visto a partir das colocações bohrianas) recebia oito elétrons, o de Thomson demandava sessenta e cinco [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).].

Com o término de seu pós-doutorado, Bohr deixa Manchester; já casado e assumindo o cargo de assistente do professor Martin Knudsen (1871–1949), na Universidade de Copenhague. Desta forma, seu trabalho com a estrutura atômica, embora não abandonado, acaba ficando secundarizado pela falta de tempo. Em carta a Rutherford, em novembro, Bohr se desculpa pela demora em encaminhar uma versão completa de sua investigação [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., 28[28] U. Hoyer, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912-1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., 30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2.].

As novas demandas de Bohr não permitiram que ele se dedicasse, como gostaria, à sua pesquisa. Assim, solicitou a Knudsen que o liberasse de suas funções e passou uma temporada no campo em Gottingen. Ainda que não se tenha registro de manuscritos desse período, há cartas trocadas com Rutherford entre novembro de 1912 e janeiro do ano seguinte, e as lembranças de Bohr explicitadas em uma entrevista cedida em 1962. Elas evidenciam, em suas entrelinhas, que ele estava reunindo e revisando seus estudos anteriores, para compor o que viria a ser as partes II e III de sua trilogia; inclusive incluindo a seção do magnetismo [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).]. Em síntese, seu “programa de pesquisa”, no sentido lakatosiano, permaneceu, sobretudo, envolto àquelas ideias apresentadas no “Memorando de Rutherford”. Conquanto, em março de 1913, uma versão (praticamente completa que depois foi apenas revisada) da parte I da trilogia já havia sido encaminhada a Rutherford, nela havendo assuntos completamente novos e cruciais; os espectros atômicos. O contato de Bohr com alguns trabalhos de John W. Nicholson pode auxiliar a compreender o percurso de Bohr nos primeiros meses da década de 1913 e favorecer um entendimento acerca da incronguência de uma visão empírico-indutivista quanto ao seu uso, dedução e visão da fórmula de Balmer.

3. Contextualizando a Primeira Parte da Trilogia Bohriana: Um Percurso pelos Primeiros Meses de 1913

O primeiro contato de Bohr com Nicholson pode ter ocorrido ainda em dezembro de 1911. Na ocasião, inclusive, eles parecem ter tido uma conversa “extremamente gentil”, em Cambridge, mas com ideias muito divergentes ao que se refere à teoria eletrônica dos metais [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).]. Um ano depois, no entanto, entre novembro e dezembro, ele se depara com trabalhos relativos à teoria atômica nicholsoniana; que o impressionaram muitíssimo [28[28] U. Hoyer, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912-1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2.]. Nicholson desenvolveu um modelo planetário para o átomo, em 1911. Para ele, anéis de elétrons giram com a mesma velocidade angular e orbitam corpúsculos positivos, que ocupam um volume muito pequeno de extensão ainda mais reduzida que a do elétron, embora concentrem aproximadamente toda a massa do átomo. Em carta de Natal a Harald, em dezembro de 1912, a empolgação de Bohr parece tanta que, entre os desejos de boas festas, ele enfatiza que “a teoria de Nicholson não é incompatível com a sua própria” [17[17] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Early Work (1905–1911), editado por L. Rosenfeld e J.R. Nielsen (North-Holland Physics Publishing, New York, 1972), v. 1., p. 563].

Em 31 de janeiro de 1913, em carta a Rutherford, Bohr reconhece que: “nos seus cálculos, Nicholson trata, como eu, de sistemas com a mesma constituição que o seu modelo atômico; ao determinar as dimensões e a energia desses sistemas, ele, como eu” continua, “procura uma base na relação entre a energia e a frequência sugeridas pela teoria da radiação de Planck” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 579].

Nicholson visou estabelecer uma teoria que explicasse os pesos atômicos dos elementos terrestres a partir da existência de protoátomos; elementos existentes nas estrelas e origem de linhas desconhecidas nos espectros das nebulosas e da coroa solar, que seriam matéria prima para todos os elementos na Terra [28[28] U. Hoyer, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912-1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., 33[33] S.S. Ressurreição, Contribuições de John William Nicholson para o átomo de Bohr: o papel epistêmico do erro científico e suas implicações para o ensino de ciências. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia (2020).]. Ele, inclusive, foi quem primeiro relacionou a constante de Plack ao momento angular do elétron. “A constante da natureza [planckiana], em termos de seus espectros”, diz, “parece poder ter sido expressa por Planck, na sua recente teoria quântica da energia” [36[36] J.W. Nicholson, Royal Astronomical Society 72, 729 (1912)., p. 677]. A partir da relação entre um oscilador de Planck e seu modelo atômico, ele utiliza a frequência (ω) dos elétrons em um anel como sendo w2π, no qual w é a velocidade angular e calcula a razão entre a energia potencial de rotação do sistema, E=mna2w2 (onde m é a massa do elétron, n o número de elétrons no anel, a o raio do anel e w a velocidade angular) e a frequência de sua rotação, isto é E/ω. Assim, a relação entre a energia potencial e a a sua frequência de rotação pode ser expressa como:

(7) m n a 2 w 2 w / 2 π = 2 π m n a 2 w

Nicholson calculou essa relação para o protofluorino (um de seus elementos primários) e obteve valores múltiplos inteiros da constante de Planck h(25,22,18). Considerando que o momento angular do anel de elétrons é L=nmav, com v sendo aw, tem-se que L=mna(aw), logo, a relação (7) acima pode ser expressa como:

(8) m n a 2 w 2 w / 2 π = 2 π L

Admitindo o cálculo para um dos espectros do protofluorino, por exemplo, 2πL=25h, sendo N um número inteiro, tem-se que:

(9) 2 π m a 2 w = N h

Desse modo ele afirma que:

É possível ter outra visão da teoria de Planck, que pode ser apontada brevemente. Uma vez que a parte variável da energia de um sistema atômico da forma atual é proporcional a mnaw, a razão entre energia e freqüência é proporcional a mna2w2, ou mnav [aqui sendo v a velocidade tangencial], que é o momento angular total dos elétrons ao redor do núcleo. Se, portanto, a constante h de Planck tem, como sugeriu [Arnold] Sommerfeld, um significado atômico, isso pode significar que o momento angular de um átomo só pode aumentar ou diminuir em quantidades discretas quando os elétrons saem ou retornam [36[36] J.W. Nicholson, Royal Astronomical Society 72, 729 (1912)., p. 679, grifo nosso].

Reside aqui uma das maiores contribuições de Nicholson, a quantização do momento angular. Em síntese, como ele mesmo coloca: “a chave para o lado físico dessas teorias está no fato de que uma expulsão ou retenção de um elétron por qualquer átomo provavelmente envolve uma mudança descontínua no momento angular do átomo, que é dependente do número de elétrons já existentes” [36[36] J.W. Nicholson, Royal Astronomical Society 72, 729 (1912)., p. 692].

Importa ressaltar que, até este momento, Bohr tratava dos átomos apenas em seus estados de menor energia, permanentes (estado final), ou seja, no qual é irradiada a maior quantidade de energia possível quando de sua formação. Nicholson, por sua vez, investigava a oscilação dos anéis apenas nas altas energias, estados menos estáveis (antes de ocuparem suas posições finais). Nas palavras bohrianas:

Os estados dos sistemas considerados por Nicholson [] são estados que se passaram durante a formação dos átomos nos quais é irradiada a energia correspondente às riscas do espectro características do elemento em questão. Não obstante, devo notar que as considerações aqui esboçadas não representam qualquer papel essencial na investigação empreendida em meu trabalho. Não trato, de modo algum, da questão do cálculo das frequências correspondentes às riscas do espectro vísivel [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., jan31, p. 579].

A frase grifada acima merece um destaque especial. Heilbron [18[18] J.L. Heilbron, Nature 498, 27 (2013a).] salienta que essas palavras bohrianas expressam que o seu objetivo não era o de encaixar uma teoria da radiação e da estrutura atômica compatível com sua própria investigação e a de Nicholson. Léon Rosenfeld (1904–1974) [30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2.], enfatiza a surpresa “pela maestria” adquirida tão rapidamente acerca da matéria, quando Bohr encaminha uma carta apenas um mês mais tarde a Rutherford já fazendo uso das séries espectrais (contextualizada na seção seguinte). O certo é que, embora Bohr até então não tenha tratado de modo algum da questão do cálculo das frequências correspondentes às riscas do espectro vísivel, os estudos de Nicholson podem ter aproximado Bohr da espectroscopia e ter-lhe feito dar mais atenção a este campo de conhecimento. Ainda que eles “não o tenham levado imediatamente a abraçar os problemas espectroscópios como seus, produziram uma mudança importante na compreensão tanto de seu modelo quando de sua base física” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 260].

Em carta a George Hevesy (1885–1966) em 7 de fevereiro, sem dar maiores detalhes, Bohr diz estar esperançoso e confiante “em um futuro (talvez muito em breve) enorme e inesperado [de] desenvolvimento de nosso entendimento” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 531]. Nesta mesma carta – épica pelo poder de síntese bohriano em explanar principais pontos de preocupação e resolução de sua investigação até o momento, ele afirma:

Tentarei caracterizar resumidamente as ideias que utilizei como fundamento dos meus cálculos. () a principal difuldade é a questão da estabilidade; ou, como também se pode dizer sob um ponto de vista um pouco diferente, os problemas das dimensões do sistema de elétrons que rodeia o núcleo. Contrariamente a modelos atómicos como o de J. J. Thomson, nada existe nas quantidades que determinam um modelo atómico como o de Rutherford de onde se possa determinar um comprimento com a mesma ordem de grandeza das dimensões dos átomos, com o auxilio da mecânica usual (). Pode agora provar-se que, tomando em conta a teoria da radiação de Planck, é possível encontrar de maneira simples uma resposta às nossas questões. Se supusermos que os sistemas considerados são formados por ligação sucessiva de electrões ao núcleo até que o sistema total seja neutro (), e se admitirmos, além disso que, a energia emitida como radiação por esta ligação é igual à constante de Planck(*) multiplicada pela frequência de rotação do elétron considerado na sua órbita final, obtemos resultados que parecem estar em conformidade com as experiências. Com o auxílio de tais considerações é possível explicar não só a ordem de grandeza das dimensões dos átomos, mas também a maneira como os volumes atômicos variam com a valência do elemento considerado (isto é, com o número de elétrons do anel exterior) [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 529–530, grifo nosso].

Além do poder de síntese, o trecho retirado da carta expressa que Bohr está relacionando, ainda que de forma não clara e absoluta, K à constante de Planck. Na carta, há uma nota de rodapé (remetida com o asterisco da citação) em que ele esclarece: “A constante que entra nos cálculos não é exatamente igual a constante de Planck, diferindo dela por um factor numérico ()” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., fev7, p. 530]. Cabe lembrar que no “Memorando de Rutherford”, na fórmula da hipótese bohriana expressa como E=Kω, a razão entre a energia cinética E de um elétron do anel e sua frequência de rotação ω, K não está descrito explicitamente em termos do quantum de ação de Planck. Aqui, embora haja esta imprescindível observação em nota de rodapé, pode-se presumir que a teoria de Bohr tenha levado a um valor de h/2 [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).].

Para além da aproximação de Bohr com a espectrosopia, que pode ter vindo a ser instigada pelas leituras de trabalhos de Nicholson, foi com este último que Bohr aprendeu a diferença de estabilidade entre vibrações paralelas e perpendiculares ao plano da órbita, algo que vai se mostrar muito importante, mas não é objeto da primeira parte da trilogia [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).].

Em 6 de março de 1913, Bohr encaminha a Rutherford um rascunho do que, posteriormente e com pouquíssimos acréscimos, seria a parte I de sua famosa trilogia. Aqui, explicitamente, ele trata do problema da emissão dos espectros. “Fui conduzido”, diz Bohr, “a uma interpretação diferente da geralmente seguida, acerca da origem de algumas séries de riscas observadas nas estrelas, e também recentemente observadas por [Alfred] Fowler (1868–1940) num tubo de vácuo cheio de uma mistura de hidrogênio e hélio ()” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 582]. Em 21 de março, em uma segunda correspondência, ele frisa que, trabalhando um pouco mais no assunto, achou necessário adicionar pequenas alterações que fazem jus à teoria de Nicholson.

Cheguei à conclusão de que as diferenças entre as leis que governam os espectros de riscas normais e as que governam os espectros discutidos por Nicholson podem ser devidas à circunstância de que nos primeiros espectros observamos uma verdadeira emissão de luz, enquanto nos últimos só há dispersão de radiação [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 584].

Publicada no Philosophical Magazine em Julho de 1913, a Parte I, “Sobre a constituição de átomos e moléculas”, abarca duas perspectivas incompativeis para a emissão espectral. A primeira delas, além de uma forte analogia com o oscilador de Planck, envolve um modelo de radiação por recombinação; modelo este que Bohr desenvolveu para reconciliar seus resultados com os de Nicholson. A segunda, é uma de suas contribuições mais fundamentais para a teoria quântica; o que mais tarde, e mais desenvolvida, seria o princípio da correspondência [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).]. Não obstante, embora todo o primeiro modelo se torne obsoleto frente à sua visão da fórmula de Balmer, ele mostra os pressupostos que Bohr tinha; um processo complexo e árduo de elaboração de conhecimentos e, ainda mais, ajuda a combater, contextualizadamente, uma visão empírico-indutivista quando de seu uso da fórmula de Balmer.

Este é mais um episódio histórico que, quando visto com lentes que ampliam não apenas o que não pode ser visto facilmente, mas fazem enxergar um processo, evidencia que a investigação científica envolve, poeticamente, uma inseparável mescla de luzes:

E quando você olha mais de perto ‘o que os cientistas fazem’, você pode se surpreender ao descobrir que a pesquisa realmente compreende tanto a chamada ciência do dia quanto a ciência da noite. A ciência do dia invoca argumentos que se encaixam como engrenagens, com resultados que têm a força da certeza. Seu arranjo formal é tão admirável quanto o de uma pintura de Da Vinci ou uma fuga de Bach (). Em contraste, a ciência da noite () hesita, tropeça, recua, transpira, acorda com um sobressalto. Duvidando de tudo, está sempre tentando encontrar a si mesma, questionar a si mesma, se recompor. A ciência da noite é uma espécie de oficina do possível, onde o que vai se tornar o material de construção da ciência é trabalhado (). No interminável diálogo interior, em meio a incontáveis suposições, comparações, combinações e associações que funcionam sem parar na mente, uma chama às vezes rasga a escuridão, iluminando de repente a paisagem com uma luz ofuscante que é aterrorizante, mais forte que mil sóis” [37[37] F. Jacob, Of Flies, Mice, and Men (Harvard University Press, Cambridge, 1998)., p. 126].

3.1. “Ligação de Elétrons por Núcleos Positivos”: a parte I da trilogia e aquantização do átomo

Bohr inicia a primeira parte de sua trilogia retomando sucintamente as insuficiências da eletrodinâmica clássica em explicar as propriedades dos átomos. Supondo em primeiro lugar que não há radiação de energia, o elétron então descreverá órbitas elípticas estacionárias. Admitindo, ω=e2e2X2mπ22K3; e assumindo X=1, e a carga do elétron, e a carga do n cleo, m a massa do elétron, W=E=Kω (logo K=W/ω), tem-se que: ω=e2e2mπ22(Wω)3, isto é: ω2=2W3e2e2mπ2. Logo:

(10) ω = 2 W 3 / 2 π e e m

E da equação 2, tem-se que: W=-ee2a. Assim:

(11) 2 a = e e W

Classicamente, variando W, obtém-se qualquer valor para ω e a. A teoria de Maxwell exige que o sistema irradie energia e o elétron espirale em direção ao núcleo. Bohr vê na teoria de Planck um possível caminho para este dilema. Levando em consideração o efeito da radiação de energia, o elétron pode descrever órbitas estacionárias e W aumentará continuamente, com o elétron se aproximando cada vez mais do núcleo, descrevendo órbitas de dimensões cada vez menores e com frequências maiores. Não obstante, em seus estados permanentes, os sistemas atômicos têm dimensões e frequências fixas.

“Ora”, diz Bohr, “o ponto essencial na teoria da radiação de Planck é que a irradiação de energia por um sistema atômico não tem lugar da maneira contínua admitida na electrodinâmica usual, mas que, pelo contrário, se dá por emissões distintamente separadas ()” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 164]. Isto é, a energia irradiada por um vibrador atômico de frequência υ é E=nhυ, sendo h o quantum de ação e n um número inteiro.

Assim, ele trilha um primeiro caminho voltando-se para um caso simples de um elétron. “Suponhamos agora”, diz ele, “que durante a ligação do elétron, é emitida uma radiação homogênea de frequência υ, igual metade da frequência de revolução de um elétron na sua órbita final” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 164–165, grifo nosso], ou seja, υ=ω2. Isto, pois, Bohr considera a média entre as emissões (inicial e final), e no início ela é 0, logo ele utiliza a frequência de radiação como a metade da frequência de revolução. Essa suposição permite a derivação imediata dos níveis de energia do hidrogênio, admitindo e=e . Isto é:

(12) W = n h ω 2

Aplicando (10) em (12), obtém-se os níveis de energia:

(13) W = n h 2 ( 2 π W 3 / 2 e e m ) W 3 / 2 W = 2 π e e m n h 2 W = 4 π 2 e 2 e 2 m n 2 h 2 2 : W = 2 π 2 e 2 e 2 m n 2 h 2

Aplicando (13) em (12) e (13) em (11), tem-se, respectivamente:

(14) ω = 4 π 2 e 2 e 2 m n 3 h 3

e

(15) 2 a = n 2 h 2 2 π 2 e e m

A interpretação por trás da equação (12) está na analogia que Bohr faz com o oscilador de Planck. E está associada ao processo de emissão que ele estabelece ao buscar assimilar sua teoria à de Nicholson.

Antes de prossseguir, Bohr enfatiza a importância da teoria nicholsiniana; a “excelente concordância” entre os valores que Nicholson obteve e os dados observacionais, como um “argumento forte a favor da validade do fundamento” dos seus cálculos [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 166]. Todavia, objeções de diferentes graus também são apresentadas. Dentre elas, e de menor impacto, encontra-se o fato de Nicholson não ser capaz de explicar as leis de Balmer e Johannes R. Rydberg (1854–1919). A crítica central, não obstante – na perspectiva bohriana neste momento –, recai sobre o problema da homogeneidade da radiação emitida.

Nos cálculos de Nicholson a frequência das riscas num espectro é identificada com a frequência de vibração de um sistema mecânico num estado de equilíbrio bem definido. Como é utilizada uma relação obtida a partir da teoria de Planck, a radiação deveria ser emitida sob a forma de quanta, mas sistemas como os considerados, nos quais a frequência é uma função da energia, não podem emitir uma quantidade infinita de uma radiação homogênea; a razão deste fato está em que, logo que começa a emissão de radiação, a energia e portanto a frequência do sistema são alteradas [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 167].

Em outras palavras, Bohr enfatiza a necessidade de abandonar a conexão entre a frequência mecânica e a frequência irradiada; esta última deveria ser calculada a partir da teoria de Planck, sendo a energia dividida por h.

À luz de seus pressupostos, a saber: i) que o equilibio dinâmico de um sistema nos estados estacionários pode ser discutido a partir da mecânica clássica, mas a passagem entre diferentes estados estacionários já não pode mais; ii) a emissão de radiação entre diferentes estados estacionários é homogênea, pelo qual a relação entre a energia e a frequência é dada pela teoria planckiana; iii) que a frequência de radiação emitida é igual a metade da frequência de revolução do elétron durante a passagem de um estado no qual nenhuma radiação é irradiada para um dos estados estacionários [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 167–168]; Bohr lida com a emissão de espectros de riscas do hidrogênio.

Assim, ele determina a energia emitida na transição entre dois estados para o caso do hidrogênio, isto é, e=e. A partir de (13), tem-se que: Wn2-n1=2π2e4mh2(1n22-1n12). Supondo a radiação homogênea e que a quantidade de energia emitida Wn2-Wn1=hυ, sendo υ a frequência de radiação, obtém-se:

(16) υ = 2 π 2 e 4 m h 3 ( 1 n 2 2 - 1 n 1 2 )

A expressão acima abrange a lei que relaciona as riscas no espectro do hidrogênio. “Se fizermos n2=2 e variarmos n1, obtemos a série de Balmer. Se n2=3, obteremos a série observada por [Friedrich] Paschen ()” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 169]. Bohr frisa ainda que, embora não se encontre outras sérias atribuidas para o hidrogênio, como as de Edward Charles Pickering (1846–1919) no espectro da estrela Puppis, ou o conjunto de séries encontradas por Fowler, a teoria descrita engloba estas séries quando atribuídas ao hélio. Ademais, ele visa mostrar que a constante K na fórmula de Rydberg é a mesma para todas as substâncias, conforme seu ponto de vista adotado.

A base teórica que leva Bohr a chegar na fórmula de Balmer, nesta primeira perspectiva, envolve a sua forte analogia com um oscilador de Planck e, além disso, o modelo que utilizou para reconciliar seus resultados com os de Nicholson. Esse caminho, como frisado, todavia, é incoerente com o que segue. Não obstante, “as maneiras pelas quais os muitos tipos de ‘verdade’ são descobertos podem ser tão notáveis quanto as próprias ‘verdades”’[23[23] J.L. Heilbron, em: Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited, editado por F. Aaserud e J.L. Heilbron (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 177].

No trilhar de seu segundo caminho, Bohr volta-se aos pressupostos que o levaram a deduzir a equação (13) para os níveis de energia; isto é, a hipótese de que uma radiação homogênea de frequência υ é igual a metade da frequência de revolução de um elétron na sua órbita final, abandonando-a.

Supusemos antes que os diferentes estados estacionários correspondem à emissão de um número diferente de quanta de energia. Todavia, considerando sistemas nos quais a frequência é função da energia, esta hipótese pode ser encarada como improvável visto que, logo que é emitido um quantum, a frequência fica alterada [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 172].

Neste momento, ele admite que a razão entre a quantidade total de energia emitida e a frequência de rotação do elétron para diferentes estados estacionários é dada por W=f(n), e não mais por (12). Assim:

(17) W = f ( n ) h ω

Aplicando (10) em (17), obtém-se que:

(18) W = π 2 e 2 e 2 m 2 f 2 ( n ) h 2

De (18) em (17), tem-se que: ω=Whf(n), logo:

(19) ω = π 2 e 2 e 2 m 2 h 3 f 3 ( n )

Admitindo, como antes, que a quantidade de energia emitida durante a passagem do sistema de um estado correspondente a n=n1 para outro o qual n=2 seja igual a hυ, tem-se que a frequência de radiação é:

(20) υ = π 2 e 2 e 2 m 2 h 3 ( 1 f 2 ( n 2 ) - 1 f 2 ( n 1 ) )

e não mais como em (16).

Aqui, percebe-se uma derivação muito diferente da anterior. Agora, Bohr assume que a condição quântica que determina os níveis de energia deve assumir a forma de (17), sendo f uma função desconhecida.

“Vê-se”, diz Bohr, “que para se obter uma expressão da mesma forma que a série de Balmer se deve considerar f(n)=cn” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 13].

Para determinar a constante c, ele considera a transição entre dois estados estacionários sucessivos correspondetes a n=N e n=N-1. Cabe destacar que é “na determinação de c que o Princípio da Correspondência emerge claramente na obra de Bohr” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 274]. Assim, (20) pode ser expressa como: υ=π2e2e2m2h3 (1c2n22-1c2n12), ou seja, υ=π2e2e2m2h3c2 (1(N-1)2-1N2), logo: υ=π2e2e2m2h3c2(2N-1N2(N-1)2).

A partir de (19), pode-se expressar as frequências de revolução do elétron antes e depois da emissão, respectivamente, como: ωN=π2e2e2m2h3c3N3 e ω(N-1)=π2e2e2m2h3c3(N-1)3.

Se N for muito grande, enfatiza Bohr, então a razão entre as frequências antes e depois da emissão (x(N-1)3xN3), será aproximadamente 1. “Segundo a eletrodinâmica usual deveríamos esperar, portanto, que a razão entre a frequência de radiação e a frequência de revolução fosse também muito próxima de 1. Esta condição só será satisfeita se c=1/2” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., I, p. 173].

Contudo, ainda sinaliza Bohr, fazendo f(n)=n2, isto é, com c=1/2, chega-se igualmente às equações (12) e (13). Não obstante, as suas interpretações não são mais as mesmas. A energia irradiada não consiste, como conjecturado no primeiro caminho, em diferentes estados estacionários que correspondem à emissão de diferentes quanta de energia com frequência ω2, mas sim em um único quanta com frequência nω2.

Vê-se que esta parte I da trilogia é “uma mistura de mecanismos clássicos e quânticos de radiação que atesta a importância da intervenção de Nicholson no desenvolvimento do pensamento de Bohr” [23[23] J.L. Heilbron, em: Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited, editado por F. Aaserud e J.L. Heilbron (Oxford University Press, Oxford, 2013)., p. 177]. Retomando aos cálculos do primeiro caminho, Bohr frisa que é possível, ainda, dar uma interpretação mecânica alternativa “muito simples”, conforme ele, aos estados estacionários.

Postulando que a órbita do elétron nos estados estacionários é circular, ele salienta que os cálculos relativos à (12), (13), (14) e (15) podem ser expressos pela condição de que: “O momento angular do elétron em torno do núcleo, em um estado estacionário do sistema, é igual a um múltiplo inteiro de um valor universal, independente da carga do núcleo” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 175]. Ademais, Bohr não deixa de mencionar a contribuição nicholsoniana nesse sentido: “a possível importância do momento angular na discussão dos sistemas atômicos em relação com a teoria de Planck é realçada por Nicholson” [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 175].

Designando por L o momento angular, tem-se para uma órbita circular que πL=W/ω, no qual ω é a frequência de revolução do elétron e W sua energia cinética. A partir de (12), tem-se que: πL=(nhω2)/ω trabalhando a equação: L=nh2πL=nL0. Sendo: L0=h2π.

A partir disso, Bohr empregou consistentemente condições quânticas que restringiam, não a energia emitida, mas variáveis mecânicas. No final da parte I, ele apresenta uma generalização:

Em qualquer sistema molecular formado por núcleos positivos e elétrons no qual os núcleos estão em repouso uns relativamente aos outros, e no qual os elétrons se movem em órbitas circulares, o momento angular de cada elétron em torno do centro da sua órbita será, no estado permanente do sistema, igual a h/2π, sendo h a constante de Planck [1[1] N. Bohr, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912–1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. 184–185].

Cabe destacar que essa condição era válida somente para átomos em seu estado permanente, restrita a órbitas circulares, em que a energia cinética dos elétrons é constante. Em estados excitados, onde as órbitas são elípticas isso não era aplicável [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).].

No final de 1913, em uma palestra para a Sociedade Dinamarquesa de Física, Bohr apresenta, ainda, uma versão revisada de seu segundo caminho, isto é, uma terceira derivação.

A própria clareza de sua terceira derivação destaca um elemento que foi, gradualmente, perdido com a rejeição da analogia detalhada com um oscilador de Planck. Essa analogia forneceu à primeira derivação uma condição quântica explícita W=nhω2 e essa condição permitia uma derivação, ainda que imperfeita, da fórmula de Balmer, bem como da constante de Rydberg. Na segunda derivação, uma analogia mais frouxa com Planck permitia, apenas, a condição quântica mais geral W=f(n)hω, e foi necessário uma referência à fórmula de Balmer para determinar f(n) ; e a a própria fórmula foi derivada apenas em parte. Na época da terceira derivação, Bohr estava convencido de que era “enganoso usar essa analogia [com o oscilador de Planck] como fundamento” e, portanto, teve de proceder sem nenhuma condição quântica. Ele tomou como ponto de partida a fórmula de Balmer, interpretada desde o início como uma afirmação sobre os níveis de energia, e só pôde deduzir o valor da constante multiplicativa, o coeficiente de Rydberg. Antes que a fórmula de Balmer pudesse ser deduzida novamente, Bohr precisaria de uma nova condição quântica ou pelo menos de uma nova justificativa para a antiga. Somente em 1915 foi desenvolvida uma nova formulação satisfatória, e então não foi Bohr quem a forneceu [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 277].

Aqui, a contribuição de Planck é reduzida a um pressuposto fundamental (em termos do seu quantum de ação), e a analogia com o oscilador, ou qualquer frequência mecânica, é completamente ignorada.

4. O Acaso, Não tão Casual Assim, que Favorece uma Mente Preparada: A Fórmula de Balmer e um Afastamento a uma Visão Empírico-Indutivista do Modelo de Bohr

A importância da fórmula de Balmer para o modelo bohriano é inegável. Todavia, os relatos sobre como se deu o processo de seu conhecimento, e uso, nada tem de trivial. A frase memorável, “logo que vi a fórmula de Balmer, tudo se tornou inteiramente claro para mim”, supostamente, dita por Bohr anos mais tarde ao físico e historiador da ciência Léon Rosenfeld [30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2.], dificulta um entendimento mais contextualizado dessa influência. De qualquer modo, esta frase precisa ser vista à luz dos pressuspostos que Bohr tinha à época em que desenvolveu sua trilogia.

O acaso – o se deparar com algo não esperado –, via de regra, mostra-se fecundo para um estudioso quando ele está imerso em determinada investigação. Afinal, “profundidade e amplitude de conhecimento são pré-requisitos virtuais”, caso contrário, a notória fagulha do cientista, “se ela se manifestar, provavelmente não encontrará nada para incendiar” [38[38] R.M. Roberts, Descobertas acidentais em ciências (Papirus, Campinas, 1995)., p. 16]. Entretanto, neste caso em especial, o acaso pode, inclusive, não ter sido tão casual assim.

Em conversa com Rosenfeld em 1954, Bohr teria comentado que foi levado à fórmula de Balmer quando H. M. Hansen (1886–1956), no início de 1913, lhe perguntou como explicaria a existência de regularidades dos espectros e chamou sua atenção para a simplicidade com que Rydberg conseguia representar as séries espectrais [30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2.]. “Posso imaginar distintamente o que aconteceu a seguir”, explicita Rosenfeld, “no seu espírito teria pacientemente virado e revirado a fórmula de Balmer como, por assim dizer, um geólogo vira e revira uma pedra nos dedos, olhando-a de vários ângulos, perscrutando todos os pormenores da sua estrutura, tentando abordá-la de várias maneiras ()” [30[30] L. Rosenfeld, Textos fundamentais da física moderna. Sobre a constituição de átomos e moléculas de Niels Bohr (Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, 1989), v. 2., p. 70].

Em uma entrevista, dividida em cinco seções concedidas entre outubro e novembro de 1962, a Kuhn, Rosenfeld, Aage Petersen (1927–) e Erik Rudinger (1934–2007), Bohr relembra o episódio. Ele explicita que no período em que pediu licença a Knudsen e vai ao campo para se dedicar à sua pesquisa – entre final de 1912 e início de 1913 –, teve uma conversa com Hansen.

Saí para o campo junto com minha esposa e escrevemos11 11 Não é objeto deste trabalho, mas de um posterior, tecer considerações sobre a (e o tipo de) influência e envolvimento de Margrethe Norlund, esposa de Bohr, em suas investigações. um artigo muito longo sobre essas várias coisas (). Eu apenas disse a ele [Hansen] o que eu tinha e ele disse: ‘mas como isso acontece com as fórmulas espectrais?’. E eu disse que procuraria. Provavelmente foi assim que aconteceu. Eu não sabia nada das fórmulas espectrais. Então eu procurei no livro de Stark [28[28] U. Hoyer, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912-1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2., p. III].

Isso evidencia, por certo, que momentos casuais são relevantes, tão somente, quando vistos por olhos curiosos e qualificados que, não sem razões lógicas, integra-os ao processo científico e eles passam a ter um papel importantíssimo. Isso não pressupõe, evidentemente, neutralidade e ocorre no final de um processo meticuloso de investigação, “() aparece como coroamento de um longo, disciplinado e meticuloso processo de descoberta” [39[39] D. Jalobeanu, Perspectives on Science 24, 324 (2016)., p. 339]. Essa consideração toma ainda mais consistência quando, historicamente falando, percebe-se que o mais provável é que Bohr já tivesse visto a fórmula de Balmer anteriormente – e mais de uma vez –, e deixado de registrá-la por falta de interesse [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).]. Primeiramente, ele era um estudioso atento tanto ao conhecimento vigente de sua época, quanto às novas pesquisas que eram publicadas. Ademais, Christiansen, seu orientador tanto na dissertação quanto na tese [21[21] F. Aaserud e J.L. Heilbron, Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited (Oxford University Press, Oxford, 2013).], havia feito um estudo completo do trabalho de Rydberg. A fórmula não era obscura, e já havia sido publicada há quase três décadas.

Mais uma vez, enfatiza-se que o possível “passar de olhos” bohriano, em outros momentos de sua investigação científica, à fórmula de Balmer, sem que visse nela qualquer fagulha de um novo caminho, mostra que a construção de conhecimento envolve um dinâmico processo. Não basta analisar, em retrospectiva, seus produtos; os resultados que se mostraram mais fecundos. Em qualquer evento casual emergem os pressupostos conceituais e teóricos subjacentes ao estudioso [38[38] R.M. Roberts, Descobertas acidentais em ciências (Papirus, Campinas, 1995).]. Entre o final de 1912 e início de 1913 Bohr está imerso em outros pressupostos teóricos, sobretudo com a influência nicholsoniana. Isso se reflete nas considerações que ele tece sobre sua percepção sobre a espectroscopia antes desse período. Conforme suas próprias palavras:

Os espectros eram um problema muito difícil () Assim como a asa de uma borboleta, que certamente é muito regular com as suas cores e assim por diante, ninguém pensou que se poderia obter a base (os princípios) da biologia a partir da coloração de suas asas. Então, essa era uma maneira de olhar para isso; tenho certeza de que não era assim que Rydberg olhava () E eu descobri, você vê Outras pessoas sabiam sobre isso, mas eu descobri por mim mesmo. E descobri então que havia uma coisa muito simples sobre o espectro do hidrogênio. Eu estava lendo o livro de Stark, e naquele momento senti que agora íamos ver como surge o espectro [27[27] N. Bohr, Oral History – Sessions, disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/4517-1 (1962).
https://www.aip.org/history-programs/nie...
, p. I].

Não se pode ignorar que “a transformação de fevereiro do programa de pesquisa de Bohr foi preparada durante os dois meses anteriores, começando com sua descoberta, provavelmente em dezembro, de uma série de artigos de Nicholson” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 257]. Inclusive, na entrevista supracitada, ao ser questionado se foi com a fórmula de Balmer que Bohr teve a ideia de estados estacionários, em contraste com a noção de estado permanente (natural), ele responde positivamente, mas com ressalva. “Sim. Mas ainda assim é difícil [afirmar categoricamente] porque antes de tudo o trabalho de Nicholson [o áudio da entrevista, neste momento, não pôde ser transcrito]. Lá eu pensei que talvez ele lidasse com outros estados” [27[27] N. Bohr, Oral History – Sessions, disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/4517-1 (1962).
https://www.aip.org/history-programs/nie...
, p. III].

Na série de artigos nicholsonianos, sobretudo o da coroa estelar, Bohr viu, naquele contexto histórico, uma série, que como o próprio Nicholson ressalta, era de um tipo diferente da de Balmer, Rydberg, Heinrich Kayser (1853–1940) e Carl Runge (1856–1927) Ele mostrou que o momento angular de anéis com 5, 4 e 3 elétrons no protofluor eram múltiplos de h/2π, respectivamente, 25, 22 e 18; primeiros números de uma sequência harmônica 25, 22, 18, 13, 7, 0. “Para Nicholson, é claro, cada termo da série fazia referência a um átomo de protofluorino ionizado diferentemente; a série não produz níveis sucessivos de energia de um átomo de Bohr neutro” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 262]. Mas Nicholson havia encontrado um fator numérico relacionando a energia do elétron em um anel a um oscilador linear de Planck; algo que Bohr estava procurando. “Se a teoria de Bohr fosse paralela à de Planck e à de Nicholson, então seu K deveria ser alguma função simples de h /4, a unidade quântica de Nicholson” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 262]. Ainda que Bohr não tenha, no início de 1913, feito uma exploração do ajuste quantitativo entre a sua teoria e a de Nicholson, o que teria levado a K=h/2, tendo em vista que em carta supracitada a Hevesy em 7 de fevereiro ele havia colocado aquela nota de rodapé, isso evidencia, no mínimo, a imersão bohriana nessa temática à luz de estudos nicholsonianos.

Em restrospectiva, no entanto, quando comenta os estudos de Nicholson na estrevista cedida em 1962, Bohr fomenta outra visão. A de que a menção aos estudos nicholsonianos, ainda que com as objeções explicitadas na seção anterior, teria prejudicado a receptividade de seu trabalho.

() eu comecei com a visão – apenas no primeiro artigo – de que Nicholson parecia ter alguma concordância com algo, então, [pensei] vamos ver como isso poderia ser (). E então eu disse que são coisas diferentes; [o que Nicholson concluiu] não têm a ver com a emissão de linhas, mas com a sua dispersão, e assim por diante. Isso também estava errado, e eu soube logo depois. Por cortesia, e também para ter certeza, no primeiro trabalho ‘parte I da trilogia] tratei Nicholson como se, a partir dele, se pudesse ter alguma coisa [27[27] N. Bohr, Oral History – Sessions, disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/4517-1 (1962).
https://www.aip.org/history-programs/nie...
, p. III].

A influência dos estudos de Nicholson nas pesquisas de Bohr, apesar disso, parece ser frequentemente negligenciada em resgates históricos [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).] e isso se deve, sobretudo, pela ênfase no uso que ele faz da fórmula de Balmer para a emissão espectral, no segundo caminho. Não obstante, essa relevância precisa ser contextualizada e vista à luz dos pressuspostos que ele tinha quando se encontrou com ela. Tanto que no primeiro caminho, mesmo que chegue à fórmula balmeriana, Bohr está se valendo de sua analogia com o oscilador de Planck e sua assimilação com a teoria nicholsoniana. Às vezes, como parece o caso, o estudioso está tão imerso ou convicto de sua construção teórica que não a abandona facilmente, sobretudo quando há boas razões – sejam elas empíricas e/ou teóricas – para continuar sustentando sua validade ou fecundidade. Em retrospectiva, na entrevista de 1962, Bohr diz que “deveria ter deixado Nicholson inteiramente de lado [relativo ao caminho 1], eu quase o deixei, mas [no fundo] apenas tentei dizer que há pontos [que poderiam ser levados em consideração] () onde eu digo que talvez pudesse ser assim, desse jeito, mas, é claro, não poderia ser” [27[27] N. Bohr, Oral History – Sessions, disponível em: https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/4517-1 (1962).
https://www.aip.org/history-programs/nie...
, p. III].

É preciso esclarecer que a analogia estabelecida por Bohr com um oscilador de Planck forneceu uma primeira derivação da fórmula de Balmer, ainda que imperfeita, com a condição quântica W=nhω2. Na segunda derivação da fórmula de Balmer, em que a analogia é apenas uma formalidade e usada de maneira muito frouxa, ele consegue uma condição quântica mais geral W=f(n)hω. Não obstante, na terceira derivação, feita em no final de 1913, em uma palestra para a Sociedade Dinamarquesa de Física, Bohr “estava convencido de que era enganoso usar essa analogia como fundamento” [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969)., p. 277], e teve que proceder sem nenhuma condição quântica. Aqui, ele parte da fórmula de Balmer, interpretada como uma afirmação sobre os níveis de energia.

Aliás, a falta de uma contextualização histórica, muitas vezes, leva a negligências e a mitos; como o de que Bohr teria derivado a fórmula de Balmer quantizando o momento angular. Este, conforme Heilbron e Kuhn [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).], é um mito recorrente. Mas, como se buscou mostrar, Nicholson foi quem quantizou o momento angular.

A literatura na área de ensino de ciências vem enfatizando há anos a necessidade de materiais históricos adequados para subsidiar reflexões sobre a ciência no ensino, como já foi mencionado anteriormente [10[10] R.A. Martins, em Estudos de história e filosofia das ciências: subsídios para aplicação no ensino, editado por C.C. Silva (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2006)., 12[12] T.C.M. Forato, M. Pietrocola e R.A Martins, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 27 (2011)., 14[14] D.A. Boaro e N.T. Massoni, Investigações em Ensino de Ciências 23, 110 (2018)., 15[15] L.O.Q. Peduzzi e A.C. Raicik, Investigações em Ensino de Ciências 25, 19 (2020)., 40[40] L.O.Q. Peduzzi, A.F. Martins e J.M.H. Ferreira, Temas de História e Filosofia da Ciência no Ensino (EDUFRN, Natal, 2012).]. Não é incomum que este episódio histórico, em particular o produto advindo da primeira parte da trilogia, seja apresentado como um exemplo de uma “ascensão indutiva baconiana”, isto é, Bohr teria dado uma explicação teórica à uma lei empírica já conhecida; a de Balmer [7[7] F.L. Silveira e L.O.Q. Peduzzi, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 23, 26 (2006)., 41[41] I. Lakatos, Falsificação e metodologia dos programas de investigação científica (Edições 70, Lisboa, 1999).]. Isso reforça uma visão empírico-indutivista da ciência, que infelizmente ainda está presente em materiais didáticos, em discursos de professores e/ou em concepções prévias de alunos [12[12] T.C.M. Forato, M. Pietrocola e R.A Martins, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 28, 27 (2011)., 42[42] C.N. El-Hani, em: Estudos de História e Filosofia das ciências, editado por C.C. Silva (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2006)., 43[43] I. Fernández, D. Gil-Pérez, J. Carrascosa, A. Cachapuz e J. Praia, Enseñanza de las Ciencias 20, 477 (2002)., 44[44] D. Gil Pérez, I.F. Montoro, J.C. Alís, A. Cachapuz e J. Praia, Ciência & Educação 7, 125 (2001)., 45[45] J.B.S. Harres, Investigações em Ensino de Ciências 4, 197 (1999)., 46[46] M.A. Moreira e F. Ostermann, Caderno Catarinense de Ensino de Física 10, 108 (1993)., 47[47] J.P.P. Neto e S.A. Silva, em: XVI Encontro Nacional de Ensino de Química e X Encontro de Educação Química da Bahia (Salvador, 2012).]. Um resgate histórico-epistemológico, como o aqui desenvolvido, de parte dos estudos de Bohr, quando inseridos no ensino de ciências, pode contribuir para evidenciar que as teorias não são sínteses indutivas, pura e simplesmente, dos dados observacionais. Elas são construções contextuais, localizadas em um período da ciência e da sociedade, e assim precisam ser analisadas.

Como se buscou mostrar ao longo do presente trabalho, o problema de Bohr era, desde seu envolvimento com o átomo de Rutherford, com a sua estabilidade. Tanto que ele desenvolve boa parte de sua investigação sem se preocupar com os espectros. Além disso, ele se envolveu com estudos nicholsonianos, ainda que com objeções, sobretudo relativos à quantização do momento angular; em outras palavras “os dados per se, não geram teorias” [15[15] L.O.Q. Peduzzi e A.C. Raicik, Investigações em Ensino de Ciências 25, 19 (2020)., p. 25]. Ademais, ele previu novas séries espectrais para o hidrogênio. “O mundo é percebido através de ‘lentes’, de uma ou outra malha conceitual” [48[48] L. Laudan, O progresso e seus problemas (Editora Unesp, São Paulo, 2011). , p. 22]. A construção de conhecimento é um processo. Não basta analisar, em retrospectiva, seus produtos; os resultados que se mostraram mais fecundos. Faz-se necessário contemplá-lo e analisá-lo à luz de sua história; uma história refletida epistemologicamente, priorizando indistintamente sua gênese, justificação, aceitação.

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  • 1
    Bohr usa o termo assumptions (nas versões em inglês), embora não seja incomum encontrar na literatura nacional a utilização da palavra ‘postulados’; o que não parece ser a mais adequada.
  • 2
    Bohr demonstra que as contribuições diamagnéticas e paradigmáticas no cálculo da suscetibilidade magnética se cancelavam, o que contrariava a lei de Curie. Esta lei, formulada em 1985, diz que “a suscetibilidade magnética x de um material paramagnético (oxigênio, por exemplo) varia na razão inversa de sua temperatura absoluta T” [25[25] J.M.F. Bassalo, Revista Brasileira de Ensino de Física 15, 127 (1993)., p. 146]. A expressão de Langevin, por sua vez, concordava com a lei de Curie.
  • 3
    Bohr fez um curso sobre radioatividade entre 16 de março e 3 de maio. Compreendidos em 47 páginas, estão desenhos, tabelas e cálculos cuidadosamente executados relativos à ionização de ar causada por diferentes fontes radioativas, a absorção de raios alfa e beta por folhas finas de alumínio [28[28] U. Hoyer, em: Niels Bohr Collected Works. Work on Atomic Physics (1912-1917), editado por L. Rosenfeld e U. Hoyer (North-Holland Publishing Company, Oxford, 1981), v. 2.].
  • 4
    Heilbron e Kuhn [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).] atribuem a carta ao dia 19 de junho, Aaserud e Heilbron [21[21] F. Aaserud e J.L. Heilbron, Love, Literature, and the Quantum Atom: Niels Bohr’s 1913 Trilogy Revisited (Oxford University Press, Oxford, 2013).] a meados de junho, enquanto Rosenfeld e Rudinger [24[24] L. Rosenfeld e E. Rudinger, em: Niels Bohr His life and work as seen by his friends and colleagues, editado por S. Rozental (Interscience, New York, 1967).] ao dia 19 de julho (possivelmente devido a um erro de digitação).
  • 5
    Embora não seja o foco do artigo discorrer especificamente acerca do átomo de Thomson, importa ressaltar que, diferentemente da analogia ao “pudim de passas” que muitos materiais didáticos costumam propagar, o átomo thomsoniano era dinâmico e organizado [32[32] J.B. Oliveira, J.M. Hidalgo, A Física na Escola 20, 210706-1 (2022).].
  • 6
    Em seu esboço Bohr utiliza o termo “Kern”, que em dinamarquês significa parte central, para denominar o núcleo. Pode-se supor, como enfatiza Rosenfeld [31[31] J.J. Thomson, Philosophical Magazine 7, 237 (1904).], que Rutherford tenha se inspirado nisso. Por certo, Rutherford cunhou e utilizou o termo ‘núcleo’, pela primeira vez, em outubro de 1912 [3[3] L.O.Q. Peduzzi, Do átomo grego ao átomo de Bohr (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015).].
  • 7
    Joseph Larmor, em 1897, havia concluído matematicamente que a perda de energia orbital de um elétron ocorria muito rapidamente, conforme a relação: dEdt=23(e2v4c3a2), onde c é a velocidade da luz no vácuo, a o raio da órbita, v a velocidade do elétron e e sua carga. O teorema de Larmor denunciava a limitação dos modelos de Thomson, Rutherford e Hantaro Nagaoka (1865–1950), por exemplo [33[33] S.S. Ressurreição, Contribuições de John William Nicholson para o átomo de Bohr: o papel epistêmico do erro científico e suas implicações para o ensino de ciências. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia (2020).].
  • 8
    Há um erro nos cálculos de Bohr para chegar a este fator 7. De qualquer forma, é a ideia por trás do cálculo matemático que engrandece, ainda mais, sua investigação/resultado [6[6] J.L. Heilbron e T.S. Kuhn, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 211 (1969).].
  • 9
    No “Memorando”, e em cartas subsequentes até fevereiro de 1913, Bohr usa o símbolo υ para representar a frequência de rotação de um elétron. Não obstante, a partir de março, no qual assume explícita e completamente o quantum de ação de Planck, ele muda os símbolos, assumindo υ como a frequência de radiação e ω como sendo a frequência de rotação. Aqui, para que não haja possível dificuldade no processo de contextualização e de diferenciação das ideias bohrianas, optou-se por assumir, desde o “Memorando”, o símbolo ω para representar a frequência de rotação.
  • 10
    Em 1913, Frederick Soddy (1877–1956) utiliza o termo ‘isótopos não estáveis’ pela primeira vez a elementos radioativos. Austin generaliza para isótopos não radioativos. Mas essa ideia já vinha percorrendo as mentes até então.
  • 11
    Não é objeto deste trabalho, mas de um posterior, tecer considerações sobre a (e o tipo de) influência e envolvimento de Margrethe Norlund, esposa de Bohr, em suas investigações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2023
  • Revisado
    28 Mar 2023
  • Aceito
    10 Maio 2023
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