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O cinema contra-colonial Huni Kuin: a face velada do colonialismo

The Huni Huin countercolonial cinema: the covert face of colonialism

Resumo

Este artigo aborda as perspectivas pós-coloniais do cinema sobre os povos originários, com foco na pragmática fílmica de reversão histórica Huni Kuin do realizador Zezinho Yube. O objetivo é analisar os regimes imagéticos pós-coloniais, do filme etnográfico e do cinema indígena, como contranarrativas à história oficial e as redes de silenciamento da agência nativa. O estudo é fundamentado na crítica pós-colonial, nos estudos de cinema e na perspectiva antropológica. A desconstrução dos regimes imagéticos oficiais de silenciamento da presença indígena na história resulta de uma pragmática fílmica de reversão de categoriais coloniais, que, sob a autogestão dos processos e produtos fílmicos, converge para o mesmo campo: quem filma, quem é filmado e o que é filmado, desenvolvendo, assim, um cinema originário contra-colonial.

Palavras-chave
crítica pós-colonial; antropologia histórica; cinema indígena; colonialismo; Huni kuin

Abstract

This paper addresses the post-colonial approaches to the cinema about indigenous peoples, focusing on the pragmatic film of historical reversal Huni Kuin by filmmaker Zezinho Yube. The goal is to analyze the postcolonial imagery, the ethnographic film and the indigenous cinema, such as contracolonial approaches to official history and native agency’s silencing systems. The study is based on post-colonial criticism, as well as in film studies and anthropological perspective. The deconstruction of the official imaging regimes of silencing of the indigenous presence in history results from a pragmatic film of reversal of colonial categories, which, under the self-management of the filmic processes and products, converges to the same field: who films, who is filmed and what It is filmed, developing a contracolonial originary cinema.

Keywords
postcolonial criticism; historical anthropology; indigenous cinema; colonialism; Huni Kuin

Introdução

No intervalo entre os estudos culturais e os estudos de cinema, ao analisar os cruzamentos da obra de Stuart Hall com os filmes, Prysthon (2016, p. 82)PRYSTHON, A. Stuart Hall, os estudos fílmicos e o cinema. Matrizes, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 77-88, 2016. sinaliza uma abertura de “multiplicidade de espaços intermediários” e, consequentemente, um “tráfego de influências mútuas” entre essas áreas. Em se tratando dos estudos de cinema indígena, outros campos do conhecimento são, necessariamente, convocados, como a antropologia e a história, a iconografia colonial e nacional, o filme etnográfico e os cinemas pós-coloniais, e, cada vez mais, a produção acadêmica, filosófica e política de intelectuais e agentes indígenas e, principalmente, as epistemologias, saberes e cosmologias das próprias comunidades originárias, como não poderia deixar de ser. Em confluência com esses referenciais, o mundo indígena no cinema mobiliza, portanto, um complexo teórico-metodológico, que articula as principais questões sobre os regimes imagéticos dos diversos campos: iconografia, fotografia e cinema. Nesse sentido, como ponto de partida, trazemos a antropologia histórica que estabelece parâmetros que contribuem para uma maior compreensão da agência indígena na história e delineia as redes interétnicas em vários contextos: local, Estado-Nação e transnacional. Com a perspectiva do antropólogo João Pacheco de Oliveira (2016)PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., em foco, entram os regimes imagéticos, os quais ganham centralidade em suas reflexões e aderem às nossas perspectivas de pesquisa.

Ao focar nas versões oficiais que, quando não secundarizam, apagam a agência indígena na história, definindo o que, como e em que medida deve ser figurado, Pacheco de Oliveira (2016)PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016. observa que, ao contrário do caso afrodescendente, com seu complexo de vozes (advogados, escritores, artistas, jornalistas e intelectuais), os povos originários sempre foram tutelados: indigenistas, Organizações Não Governamentais (ONG) e órgãos do Estado. “O resultado paradoxal dessa postura [tutelar] ‘politicamente correta’”, escreveu Carneiro da Cunha (2012, p. 22),CARNEIRO DA CUNHA, M. Índios no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2012. “foi somar à eliminação física e étnica dos índios sua eliminação [relativa] como sujeitos históricos”. Da historiografia às artes, a presença indígena foi recorrentemente tratada como “fruto exclusivo de acasos, incidentes menores e relatos pitorescos” (Pacheco de Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 3). Portanto, as proposições da antropologia histórica e da crítica pós-colonial, assim como dos estudos de cinema, serão o nosso aporte, que nos permitirão pensar as perspectivas fílmicas originárias como agência. Para além da antropologia histórica, navegaremos sob uma epistemologia política decolonial, que foca na práxis colonial contemporânea com atos de desobediência institucional, estética e epistêmica (Mignolo, 2017MIGNOLO, W. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, p. 1-18, 2017.).

Nesse sentido, a própria concepção de um cinema indígena aponta para a apropriação de um campo discursivo pelo Outro, no qual até então era objetivado pelos “sujeitos da percepção”, nos termos da cineasta Trinh T. Minh-ha (Russell, 2007RUSSELL, C. Otra mirada. Archivos de la filmoteca, Valencia/Espanha, n. 57-58, 1, p. 116-152, 2007.). Ao decidir o que deve entrar em quadro, nessas cinematografias, os sujeitos definem concepções sobre o homem, a natureza e a história, já que os filmes são também vetores de sentido e memória. No atravessamento das várias abordagens, procuramos pontes entre as cinematografias pós-coloniais (incluso, principalmente, o cinema indígena) e as questões postas pela crítica pós-colonial, a antropologia histórica e a história. No entanto, não se trata de enquadrar o cinema nos parâmetros antropológicos, como se fossem equivalentes, mas buscar intersecções. Trabalharemos com um corpus integrado por obras específicas dos cinemas nacionais latino- americanos e das cinematografias indígenas de Abya Yala. Planteamos que os filmes constituem e não apenas são constituídos pelo mundo histórico e que é no âmbito de uma política indígena das imagens que se estabelece o giro etnocinematográfico, encerrando uma das tendências do documentário contemporâneo, com a passagem da representação à autorrepresentação do Outro como autoetnografias audiovisuais (Lins; Mesquita, 2015LINS, C.; MESQUITA, C. Filmar o real. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.).

Foi a tendência decolonial a que melhor interpretou, na América Latina, a crítica pós-colonial, a partir dos anos 1990, com o Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C). Da tríade francesa à diaspórica, os autores repensaram o “pós” como permanência do colonialismo, cujo domínio — nos campos do poder, do saber e do ser — não cessou com a descolonização. Colocou ainda em crise o discursivo, o que incidia sobre materiais culturais que buscavam impor a lógica da colonialidade. Nesse sentido, não pretendemos situar aqui as múltiplas tendências ou terminologias. Mas, esgotadas as estratégias de certos cinemas pós-coloniais, nas quais a participação indígena nem sempre se efetiva, a não ser de forma subsidiaria ou por meio do protagonismo relativo, interessa-nos sair das margens com a retomada e ocupação das imagens pelo Outro. Nesse âmbito, optamos pensar a pragmática reversa fílmica Huni Kuin numa perspectiva contracolonial que, para Guimarães (2020a, p. 3-4)GUIMARÃES, C. Estéticas contra-colonizadoras no documentário: um ponto de partida. XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande – MS, de 23 a 25 jun. 2020a, pp. 1-18, 2020., acontece “desde dentro”, aponta para “todos os processos de resistência” em defesa do território, compreende os campos simbólicos e dos modos de vida e “passa necessariamente pela incidência da história e da cosmologia dos povos filmados nos métodos de criação fílmica, em um processo de mão-dupla no qual o filme elabora e reconfigura as forças que o atravessam” (Guimarães; Flores, 2020b______; FLORES, L. A retomada crítica da história indígena em nuestra voz de tierra, memoria y futuro. Logos, Rio de Janeiro, v. 27, n. 3, pp. 38-58, 2020b., p. 39).

Cinematografias pós-coloniais e indígenas

No contexto do cinema indígena, que, no campo dos regimes imagéticos sobre a presença dos povos originários na história, quebra o sistema de silenciamento, essencialismos e esquecimentos naturalizados, desponta a ONG Vídeo nas Aldeias (VNA), que surge, em 1986, como programa de intervenção do Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Como contraponto à história oficial, o VNA deu um salto qualitativo, no ano 2000, ao desenvolver oficinas de formação e a consolidar uma autogestão dos processos audiovisuais (Colombres, 2005COLOMBRES, A. Cine, antropología y colonialismo. Buenos Aires: Ediciones del Sol / CLACSO, 1985.) nas comunidades, de Norte a Sul do Brasil. Independente da complexidade dos processos e produtos realizados, abriu espaços para que os povos originários participassem efetivamente dos regimes imagéticos sobre si. A face fundamental do VNA está na formação de coletivos de cineastas, cuja natureza comunal não se inscreve apenas no fato de assumirem e dominarem uma dada técnica, mas na participação efetiva da comunidade nessa autogestão audiovisual (Caixeta de Queiroz; Diniz, 2018CAIXETA DE QUEIROZ, R.; DINIZ, R. O. Cosmocinepolítica Tikm’n-Maxakali: ensaio sobre a invenção de uma cultura e de um cinema indígena. Gis, São Paulo, v. 3, n.1, p. 63-105, 2018.).

Por extensão, é o momento de tomada da câmera para (re)contar os processos políticos, sociais e culturais que os constituíram e estabelecer versões de/sobre si nas imagens. Assim, como proposição histórica, o cinema originário significa ocupar o lugar de agência. Não é o cinema a serviço do registro de temas vários — territorialidade, patrimônio cultural, produção material e formas particulares de vida —, mas a configuração de uma política das imagens, impulsionadora de outros modos de retomada, ocupação e problemáticas e, portanto, reinscrição da agência indígena na história. Essa reinscrição, no entanto, passa por um processo de reversão desde uma perspectiva interna, ainda que atravessada pelas implicações decorrentes do contato com a sociedade nacional. A seu modo, confronta as categorias coloniais reificadoras que inscrevem uma memória, a qual, a partir dos sistemas de silenciamento, “foi tecida pelos próprios atores sociais em diferentes situações, trazendo para seus novos usos muitos sentidos infusos em usos anteriores” (Pacheco de Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 26).

Um primeiro regime de memória, ainda no período colonial, está na figuração da ideia de nação indígena, com seus Reis e certa fidalguia, mas com a imagem de criminalização e primitividade. Um segundo regime aparece na clivagem entre o índio colonial (integrado aos parâmetros religiosos e produtivos) e o índio bravo (arredio, selvagem, habitante do “sertão proibido”) ou, na categoria de Almeida (2010, p. 140)ALMEIDA, M. R. C. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2010., os “bárbaros dos sertões” do Oitocentos: “que se rebelavam, ocupavam terras, resistiam às novas leis e foram representados nos discursos políticos e intelectuais como selvagens ameaçadores para a raça branca”. Um terceiro regime de memória figura o indígena antes da colonização, idealizado — em desfavor do índio real: contemporâneo, alijado da fundação da nação. O quarto, na República, condensa o índio etnificado, localizando-o “eternamente nos momentos dos primeiros contatos” e no interior das florestas, onde reproduz a sua ancestralidade (Pacheco de Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 28). Por último, o índio contemporâneo, com a diacriticidade da sua alteridade, organizações políticas e geração high- tech, encerrando o único regime de memória no qual os povos indígenas são sujeitos das suas próprias imagens.

Se os sistemas de silenciamento apagam a presença indígena na história, como as cinematografias originárias respondem as questões de visibilidade e invisibilidade, se aproximam e se distanciam das cinematografias pós-coloniais? Ou firmam-se como contrapontos aos sistemas de silenciamento? Ao contrário da imagética nativista do Oitocentos, que se constituiu como “uma espécie de atestado poético da inexistência ou irrelevância dos indígenas contemporâneos [daquele período], permitindo justificar políticas [como a da Lei de Terras de 1850, de expropriação de comunidades dos seus territórios]” (Pacheco de Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 87-88), a escritura fílmica de Zezinho Yube aponta para outras dimensões do mundo originário. Observa-se que sua filmografia, criada com outros parentes e parceiros, apresenta um movimento contínuo de restituição da sua história1 1 Zezinho Yube é José de Lima Kaxinawá, da TI Praia do Carapãnã (Acre-AC). Participou das oficinas do VNA nos anos 2000. O termo Huni Kuin (autodenominação) significa “homens verdadeiros” ou “gente com costumes conhecidos”. Já Kaxinawá (denominação colonial): “morcego” ou “gente com hábito de andar à noite”. Da família linguística pano, tem cerca de 10 mil pessoas e suas TI estão no Peru e no Brasil (Instituto Socioambiental-ISA, 2021). .

Já me transformei em imagem

O documentário Já me transformei em imagem, do realizador indígena Zezinho Yube, desenvolve-se a partir de uma pragmática fílmica de reversão Huni Kuin entre a transcodificação de Stuart Hall (2016)HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. Puc/RJ – Apicuri, 2016., quando tratou dos estereótipos nas representações visuais, e a antropologia reversa de Roy Wagner (2017)WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Ubu Editora, 2017., ao pensar os lugares intercambiáveis entre sujeito-objeto-sujeito no campo antropológico. Uma pragmática fílmica constitutiva de uma arquitetura histórica periodicizada e, aparentemente, mas apenas aparentemente, teleológica2 2 Teleológico no sentido de grandes narrativas deterministas, com os acontecimentos carregando em si os germes de desenvolvimentos posteriores (Bordwell, 2013) e com os fins e os desígnios como que guiados por um arquiteto exterior (Blackburn, 1997). , com perspectiva radicalmente distinta, por exemplo, da paleta boliviana de Jorge Sanjinés, em Insurgentes (2012), e do registro etnográfico de salvamento do etnólogo Harald Schultz3 3 “‘Em seu artigo antológico, ‘On Ethnographic Allegory’, Clifford explica que ‘o aspecto mais problemático e com maior carga política desta evocação ‘pastoral’ está no modo como coloca despiadadamente o Outro em um presente que se converte em passado’. A pastoral etnográfica abraça o mito do primitivismo, mas também é uma característica da própria estrutura da representação etnográfica” (Russell, 2007, p. 119). . O que sinaliza que a concepção histórica Huni Kuin sobre si não tem como fim um novo “encaixotamento” da história guiado pelo telos, nem significa adição de novos objetos à coleção oficial de fatos e eventos históricos. Mas, nos termos de Hall (2016, p. 2019)HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. Puc/RJ – Apicuri, 2016., significa o desenvolvimento de uma pragmática fílmica que acontece “dentro das complexidades e ambivalências da representação em si”, constituindo, a partir de uma perspectiva contracolonial focada no tratamento das formas, em uma luta constante pela representação (Hall, 2016HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. Puc/RJ – Apicuri, 2016.). Portanto, não há, sob a pragmática fílmica de Zezinho Yube Huni, um jogo entre inversão e substituição dos modos e das formas institucionais nacionais de enquadramento da história indígena, mas de deslocamento, desestruturação e reversão dos regimes imagéticos (pós)coloniais.

Com uma multiplicidade de vozes (dos sábios e velhos da aldeia, das novas gerações, de outros diretores e do próprio realizador, que assume a função de narrador), por diversos materiais (contemporâneos e de arquivos) e por formas metafílmicas deflagradoras de uma obra em processo (a consciência da imagem como documento e artefato político), Já me transformei em imagem tem uma tessitura complexa. Nessa mesma linha, Lacerda (2020, p. 98)LACERDA, R. O cinema contra a história: filmes e historicidades indígenas no Brasil IN: SALLES, M.; LEROUX, L. (Org.). Cinemas pós-coloniais e periféricos. Rio de Janeiro: Edições LCV, 2020. p. 95-112. já tinha observado que ele “recorre a diversos dispositivos [...] para proceder a uma síntese da história dos Huni Kuin desde o período anterior ao ‘contato’ com a sociedade colonial até aos dias atuais”. Se antes era preciso esconder a sua cultura, língua e rituais, além de negar os seus modos de ser e estar no mundo, na contemporaneidade, a agência indígena passou a se manifestar, exatamente, no contexto do quinto regime de memória (Pacheco De Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 29), no qual os povos originários, com sua diferença cultural, assumem a produção das próprias imagens de/sobre si. Não por acaso, na terceira parte do documentário, o mundo das imagens entra em quadro, ocupa todas as sequências e, adensando a dimensão metafílmica do seu regime imagético, ordena a progressão narrativa, na qual o cinema é objeto de reflexão dos sujeitos da experiência (lugar de memória, artefato de identidade e divulgação cultural, registro do cotidiano Huni Kuin, espaço de participação política da nova geração) e da materialidade fílmica (o que já era sinalizado desde o início, materializa-se agora com o filme se transformando em uma espécie de making-of: câmeras, microfones e equipe vazando no campo da imagem, o diretor ensinando a outros parentes o ajuste da contraluz, a equipe se apresentando e explicitando a criação das situações cênicas).

Assim, no tempo do presente (uma das fases da história Huni Kuin), chegou a hora de apresentar o que é ser indígena, pertencer a uma cultura tradicional, assumir-se como agente de seu mundo: o canto em terras estrangeiras, a festa Katxanawá, a base linguística pano. Como na abertura assenta Nilo Bixku (Aldeia Boa Esperança, Acre), é preciso olhar de frente, não movimentar os olhos, ficar atento e demonstrar interesse ao que está sendo dito — “Prestem atenção e olhem bem para mim, sem mexer os olhos para os cantos, como se estivesse falando besteira. Prestem atenção ao que vou falar e entendam bem”. Diante da câmera, que registra seus movimentos e voz, sabe-se filmado, tem consciência da imagem e do alcance das suas palavras, desenvolve, em uma performance ótica e vocal, comportamento profílmico (France, 1998FRANCE, C. Cinema e antropologia. Campinas: Editora Unicamp, 1998.). Confronta o seu interlocutor, ou seja, o cineasta Huni Kuin, que, com a câmera, observa-o e documenta suas reflexões, a sua presença histórica, captura-o e o incorpora ao filme, absorvendo e sendo absorvido por sua própria mise en scène ou auto mise en scène (Comolli, 2008COMOLLI, J.-L. Ver e poder. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.; France, 1998FRANCE, C. Cinema e antropologia. Campinas: Editora Unicamp, 1998.; Freire, 2011FREIRE, M. Documentário. São Paulo: Annablume, 2011.).

Nesse diapasão, o cineasta Zezinho Yube reinscreve nas imagens a presença indígena secularmente negada pela história oficial. Fazendo uso, principalmente, da dimensão metacinematográfica, com o filme sendo feito dentro do filme, desvelando situações ímpares, quando, ainda faltando um terço para encerrar, vemos o jovem Siã, curiosamente, indagar o seu pai sobre qual sua opinião agora com o filme finalizado (sic.). De forma comunitária, a envolver os sujeitos da experiência, Já me transformei em imagem se organiza em um processo mediado pelos próprios Huni Kuin, que dialogam, falam e se projetam como agentes do mundo do cinema e da história. O segmento em que Agostinho Muru (o Pajé) explica a pragmática do fazer documentário a um velho Huni Kuin é central. Nessa passagem, em uma angulação que o enobrece, contextualiza que a comunidade recebeu câmeras, que os jovens cineastas seguirão os velhos da aldeia para registrar “a vida como ela é” e “não fazer uma representação” e que essa prática é o que “os brancos chamam de oficina”. De forma autoral, é ordenado pelo próprio Zezinho Yube, que presentifica-se no espaço fílmico e histórico, como no segmento em que regula a câmera, com ela apontada para uma folha em branco segurada por uma menina indígena — fissurando o antecampo, nos termos de Brasil (2013, p. 249)BRASIL. Mise-en-abyme da cultura: a exposição do “antecampo” em Pi’õnhitsi e Mokoi Tekoá Petei Jeguatá. Significação, São Paulo, v. 40, n. 40, p. 245-265, 2013., ao implicar-se e se posicionar “internamente à cena”.

A dimensão autorreferencial não causa a clivagem entre o documento e o metafilme. Com os Huni Kuin transformados em imagem, a metalinguagem (uma marca do VNA, cuja opção pela opacidade é concreta e destitui qualquer desejo de transparência no uso da linguagem) se constitui como mediação entre o mundo originário e o mundo exterior, o visibilizado e o invisibilizado. Instala, a partir do jogo entre o antecampo e o campo da imagem, a perspectiva central de que os povos originários fazem a autogestão dos registros documentários e quebra o espelho colonial das redes de esquecimento ou, nos termos de Bhabha (2013, p. 203)BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2013., “a conspiração de silêncio em torno da verdade colonial”. Com uma perspectiva interna, o cineasta Zezinho Yube conta, didaticamente, a experiência Huni Kuin. Filma o seu pai Joaquim Maná (ou Reginaldo de Lima Kaxinawá, na denominação colonial), que, como o artífice Maia-Quiché da Guatemala, no Manuscrito de Chichicastenango, no século XVI, diante de um mundo ancestral prestes a desaparecer4 4 Ver Baptista (2019). , publicou diversos livros na língua pano e, em seus próprios termos, sistematizou a periodização baseada nos tempos da história Huni Kuin (Araújo, 2011ARAÚJO, A. C. Z. (org.). Vídeo nas Aldeias 25 anos (1986-2011). Olinda, PE: Vídeo nas Aldeias, 2011.)5 5 O tempo das malocas; das correrias; do cativeiro; dos direitos; e do presente. . Essa outra periodização ordena a progressão narrativa de Já me transformei em imagem a contrapelo à história oficial, apresentando, seguindo Russell (2007)RUSSELL, C. Otra mirada. Archivos de la filmoteca, Valencia/Espanha, n. 57-58, 1, p. 116-152, 2007., “histórias diferentes” com uma “historiografia diferente”.

‘Historias diferentes’ se referem em primeiro lugar às vozes e histórias dos colonizados e a novas formas de subjetividade expressadas nos textos que podem ser descritas como autoetnografias e etnografias indígenas. [...] [E, no centro da inversão das alegorias etnográficas] uma historiografia diferente, que entende a historia como uma série de momentos dispares que não estão ‘necessariamente’ relacionados, de forma progressiva ou de outro modo

(Russell, 2007RUSSELL, C. Otra mirada. Archivos de la filmoteca, Valencia/Espanha, n. 57-58, 1, p. 116-152, 2007., p. 120-121, tradução nossa).

Na contramão da pastoral etnográfica ou das etnografias do salvamento, que concebem o cinema como uma cápsula que salvará os povos ameaçados de extinção, Zezinho Yube realizou As voltas do kene (Kene Yuxi, 2010). Em deslocamento pelas comunidades Huni Kuin (AC), como observamos em outro momento, o cineasta Huni Kuin propõe contraposições ao índio indicial, fugindo do corolário das imagens positivas e da simplificação diante de um mundo histórico complexo. Em três passagens, a partir de um percurso em que sai para documentar uma prática ancestral de tecelanato (os kene), qualquer semelhança com o mundo edênico salgadiano — “quase vegetal” — se decompõe. Na primeira parada, Yube registra a posição de uma liderança que impede a equipe de entrar para filmar na comunidade se não houver contrapartida financeira, o que é logo contestado por outro Huni Kuin em um registro singular frente ao real em ebulição — pois, em suas palavras, a liberação é imediata quando os brancos precisam adentrar o espaço ancestral para fazer suas gravações. Na segunda passagem, coloca-nos frente aos obstáculos impostos por uma Huni Kuin, que se recusa a “transmitir” a arte dos kene pelas mesmas razões mercantis. Na terceira vez em que a câmera de Zezinho Yube se detém no tempo presente, produz testemunho amargo sobre a transfiguração imposta pelo colonialismo e a dinâmica da tradição que, permanentemente, reinventa-se. Dessa vez, foca nas igrejas evangélicas que constituem uma realidade concreta nas comunidades e, consequentemente, no distanciamento do seu povo das matrizes espirituais e saberes ancestrais. Entre uma parada e outra, diante da câmera Huni Kuin de Zezinho Yube, não há silenciamento sobre um mundo em transe.

Operando de forma contracolonial, em Já me transformei em imagem, ao confrontar a história oficial retomando a trajetória Huni Kuin, Yube desenvolve espaços de afirmação cultural, denúncia e visibilidade: as três dimensões políticas do VNA (Araújo, 2020ARAÚJO, J. J. O documentário autoetnográfico do projeto Vídeo nas Aldeias, Teoria e Cultura, Juíz de Fora, v. 15 n. 3, 122-139, 2020.). Dessa forma, não apenas inscreve nas imagens o corpo performático, o jogo de olhares e os modos de reencenar os padrões ancestrais do seu povo, como vemos nos arquivos de Harald Schultz, que constituem parte da materialidade do documentário, ainda que, em termos de found-footage, continuamente, descontextualizado e recontextualizado, nos termos de Russell (2007)RUSSELL, C. Otra mirada. Archivos de la filmoteca, Valencia/Espanha, n. 57-58, 1, p. 116-152, 2007., para consolidar uma memória radical, seja a mais significativa em sua estrutura narrativa. Como operadas pelo realizador indígena (paralelizando-as, revertendo-as e as contrapondo à narração, aos depoimentos e às situações fílmicas ensejadas pela câmera), essas imagens de arquivo schultziano demonstram complexa profílmia. No centro desse processo, adultos, velhos e crianças indígenas, permanentemente, flagram a presença da câmera que os olham e, em quadro, devolvem o olhar para demonstrarem suas formas ancestrais coletivas de vida: como pescam e produzem o fogo, raspam os pelos do corpo, dançam e criam situações para estar juntos no mundo.

Entram em performance a pedido de Schultz, inscrevendo uma falsa profilmia, o que é uma evidência na imagem, pois, adequando a observação de Annie Comolli (2009)COMOLLI, A. Elementos de método em antropologia fílmica, In: FREIRE, Marcius; LOURDOU, Philippe (Org.). Descrever o visível. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. pp. 23-52. sobre o cinema antropológico, depreendem-se nesses momentos procedimentos de um cineasta nos modos que observa e filma, nas imagens que propõe e coloca o real em cena. Essa falsa profilmia é confirmada no segmento da pesca, visivelmente, encenado, no qual um Huni Kuin retira a flecha da água com um peixe trespassado. Uma performance duplamente profílmica. Em um primeiro contexto, os sujeitos da experiência modulam os atos e olhares por se saberem filmados; e, metareflexivamente, outra profilmia se configura, quando a montagem reverte o estatuto do arquivo, com o registro primário “se comportando” para atender estranhamente certa progressão histórica: do mundo idílico — do tempo das malocas — ao mundo contemporâneo — da diacriticidade de sua alteridade no tempo do presente. Se essa progressão narrativa não encerra uma história teleológica, com “O outro primitivo sendo representado como se fosse a infância da civilização”, dá-se porque, no segundo deslocamento dos arquivos, a perspectiva interna de Zezinho Yube trabalha num compasso alegórico autoetnográfico: “mediante a fragmentação, a apropriação e a intertextualidade, resistindo tanto às relações simbólicas e narrativas como às formas teleológicas [de certa história modernista do progresso]” (Russell, 2007RUSSELL, C. Otra mirada. Archivos de la filmoteca, Valencia/Espanha, n. 57-58, 1, p. 116-152, 2007., p. 121).

Com o registro etnográfico schultzianiano, Yube pode (re)construir, em reversão, indiretamente, a cena primal: um desejo do etnólogo Harald Schultz e agora do cineasta Huni Kuin, praticamente, do mesmo modo — ainda que diferente — dos velhos filmes etnográficos, com o seu desejo de “reconstituir” diante da câmera formas ancestrais de produzir o mundo histórico — o primitivismo. O paralelismo acentuado pela montagem, entre os arquivos de Schultz e as imagens contemporâneas filmadas pelas lentes originárias de Zezinho Yube, em determinado segmento, aproxima os antigos filmes etnográficos e as situações fílmicas criadas no tempo presente Huni Kuin. Na sequência da produção do fogo, que, dos arquivos de Schultz a Já me transformei em imagem, repete-se enquanto prática ancestral diante da câmera dos dois documentaristas, os Huni Kuin schultziano demonstram antigas formas de produção material e, em desafio, os Huni Kuin contemporâneos reencenam a diacriticidade na sua ancestralidade indígena. Assim, a montagem opta por colocar em cena — lado a lado — o índio etnificado, nos termos do quarto regime de memória, a partir de um processo de reversão dos arquivos coloniais, justapondo duas situações histórico-imagéticas para reafirmar a alteridade com um procedimento cinematográfico que, em sua especificidade, possibilita “configurar las complejas relaciones de espacio y tiempo que caracterizan a la cultura posmoderna y poscolonial” (Russell, 2007RUSSELL, C. Otra mirada. Archivos de la filmoteca, Valencia/Espanha, n. 57-58, 1, p. 116-152, 2007., p. 118).

O etnólogo Harald Schultz (1909-1966), nascido em Porto Alegre, participou do Serviço de Proteção ao Índio — SPI, no início dos anos 1940, onde foi influenciado pelo Marechal Rondon e Curt Nimuendaju. Integrou, como chefe de expedições, a Seção de Estudos – SE — responsável pela documentação fotográfica e cinematográfica do SPI. Na década de 1950, Schultz filmou os Huni Kuin do rio Kuranja, afluente do rio Purus, no Acre, entre o Brasil e o Peru e, nos anos 1960, realizou alguns filmes para o Institut für den Wissenschaftlichen Film – IWF6 6 Instituto do Filme Científico. , da Alemanha, pioneiro na produção sistemática de filmes — como verbetes enciclopédicos – sobre vários campos da ciência. Ao situar o registro schultziniano e certa antropologia visual francesa na lógica do IWF, a pesquisadora Caiuby Novaes (2010, p. 104)CAIUBY NOVAES, S. El filme etnográfico: autoría, autenticidad y recepción. Revista Chilena de Antropología Visual, Santiago, n. 15, pp. 103-125, ago. 2010. observou que “a concepção de ciência que [há nesses filmes] não vê grandes diferenças entre a descrição do sistema de circulação do sangue e o acontecimento de um ritual”. A política de documentação imagética de Schultz, que compreende a fotografia e o cinema, a distinção entre filmes etnográficos e filmes para o público, como analisou Mendes (2006)MENDES, M. S. Heinz Forthmann e Darcy Ribeiro. 2006. Tese (Doutorado em Multimeios) – Universidade de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, 2006., está sistematizada em seus Planos de Trabalho de 1942, cujas diretrizes são emblemáticas do cientificismo da colonialidade das imagens, com base na categorização, classificação e delimitação de grupos humanos como objeto; ou de uma etnografia do salvamento ou pastoral etnográfica, “preocupada” com o Outro prestes a desaparecer frente ao avanço do colonialismo e da civilização.

Em Já me transformei em imagem, na contramão da pastoral etnográfica de Harald Schultz e a partir dos vários filmes que Zezinho Yube incorpora a sua paleta7 7 Como No país das Amazonas (Silvino Santos, 1921,) e Fishing expedition and ensuing festival (Harald Schultz, 1951). , somos apresentados a um cinema indígena que coloca a agência dos povos indígenas em primeiro plano. Em consonância com a antropologia histórica, redesenha os arquivos em sua dimensão política, deslocando o indígena do lugar de invisibilidade que sempre ocupou nos regimes imagéticos oficiais e, por extensão, em certo cinema pós-colonial. Retira os sujeitos dos arquivos, colocando-os para analisar, em seus próprios termos, o percurso que as imagens documentam. Se, por vezes, esses arquivos são operados de forma ilustrativa pela montagem, em convencionais inserções de documentos do modo expositivo (Nichols, 2005) para assessorar o discurso, antes de tudo, está em diálogo com as operações de Zezinho Yube de reversão das categorias coloniais. Assim, os povos indígenas ganham em centralidade, não sendo reduzidos à condição de objeto, pois, paradoxalmente, mesmo quando ganham relevo diante da câmera, sua presença muitas vezes se reduz a parâmetros evolucionistas. Nesse sentido, é preciso atentar para as redes de silenciamento que, “ao contrário dos lugares de memória, não possuem monumentalidade, não celebram, não operam superlativos, mas diminuem, apequenam, os fatos e personagens” (Pacheco De Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 76).

Como já lembrou Schwarcz (2018, p. 403)SCHWARCZ, L. M. (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., o Outro nunca “era sinal de mais, e sim de menos, pois [na visão do colonizador] implicava a carência de costumes, de ordem e responsabilidade”. Quanto aos personagens indígenas, essas redes os “apresentam mais frequentemente como lúdicos, curiosos, espontâneos [...], periféricos, secundários, quase anedóticos e casuais” (Pacheco de Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 77). Nesse sentido, foi que os mecanismos de controle incidiram sobre a pintura acadêmica do Oitocentos (Victor Meirelles, José Maria de Medeiros, Rodolpho Amoedo), com suas concepções atávicas buscando o “índio” colonial e mestiçado; e, na República, na imagética da Comissão Rondon, com o “índio” tribal, pacificado, integrado, nas categorias de Tacca (2001)TACCA, F. A imagética da Comissão Rondon. Campinas: Papirus, 2001., dominando o mundo indígena como concebido na câmera do major Luiz Thomas Reis. O que aproxima as visualidades da República e do século XIX, a partir do mesmo nicho de colonialidade do Outro. Como todas as escolhas, o ato de colocar em cena tem implicações, quando o lugar que se ocupa no palco fílmico-histórico se desenha reducionista.

Outras lentes pós-coloniais

Joaquim (2017), de Marcelo Gomes, modulou a ideia do índio ancilar e, de forma episódica, encarregou-se de retirar o indígena do extracampo para o campo da imagem. Ao refazer a vida d’O Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier), apresenta o alvorecer do homem que se tornaria símbolo da Nação. Apresentando a história antes da história, empresta humanidade ao herói em suas contradições. Ao enquadrar a presença indígena, as lentes pós-coloniais de Gomes são atravessadas pelo lúdico, periférico, anedótico e casual. Materializa-se no espetáculo e na caricatura: o “índio” preguiçoso, pedinte, guia de caçadores de ouro e depositário de cantos, como na cena burlesca da dupla musical étnica: o escravo afrodescendente e o “índio” guia do “sertão proibido” — distante, assim, da complexidade do mundo afro, com as redes de poder e resistência múltiplas; proprietários, eles mesmos, de escravos; e estratégias de autonomia das mais variadas formas. As situações fílmicas das suas imagens, à semelhança das redes de esquecimento, escreveria Pacheco de Oliveira (2016, p. 77)PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., “Em vez de enormes estátuas de pedra, [...] são [na verdade] como esvoaçantes borboletas, que sussurram coisas que nos divertem e encantam”.

Painel 1
Frames de Já me transformei em imagem.
Painel 2
Frames de Já me transformei em imagem.

Para além do caso brasileiro, Zama (2017), de Lucrécia Martel, corporifica a agência indígena entre a narratividade oblíqua e a desnaturalização do mundo histórico — com os acontecimentos inversos, as repetições subjetivas, o flerte com o fantástico, as paisagens humanas irreais. Ao focar no corregedor da Coroa espanhola, Dom Diego de Zama (Daniel Giménez Cacho), no Virreinato del Río del Plata, as lentes de Martel, inicialmente, tem o mundo originário coadjuvando o homem branco, mas, ao contrário de em Joaquim, os povos originários, em Zama, esgarçam a violência colonial. Em determinado momento, corpos indígenas em massa movem-se na paisagem e laçadores vermelhos Guarani pintam com urucum a obsessão por ouro. O que são aqueles grupos zumbizeando, senão uma fantasmagoria colonial a assombrar o presente? Ao se deslocar para as margens da História, com a invenção retorcendo o real, as lentes de Martel quebram os sistemas de silenciamento. Para Pacheco de Oliveira (2016, p. 11)PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., na produção de conhecimento, as esferas cognitivas e políticas são indissociáveis, pois os saberes e os fatos são elaborados em “uma tessitura complexa e única, [a partir de] uma trama que não é acidental, mas constitutiva, [nem] isoladamente de construção cognitiva ou de intervenção política”. Como a estética não pode ser isolada, a pragmática fílmica, por sua vez, está impregnada das outras esferas.

Nesse sentido, sem escavar a colonialidade nos regimes imagéticos, em Joaquim, ficaríamos embebidos com o filme de época, a experiência plástica e a suposta contranarrativa histórica. Nessa perspectiva, as narrativas são feixes geradores de sentidos e definidoras de padrões imagéticos nos vários campos visuais. O que exige uma pragmática fílmica reversa na desconstrução de estereótipos, como, na iconografia do Oitocentos, que forjou a morte sagrada e natural do indígena, a exemplo do quadro A primeira missa no Brasil (1861), de Victor Meirelles, com os índios delineados em uma “ambiguidade fundadora”: “[...] sob o fascínio de uma aparente harmonia e integração mais profunda, quase vegetal, com o meio ambiente, que coloca em operação a produção de um efeito de esquecimento” (Pacheco de Oliveira, 2016PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016., p. 97); e dos últimos trabalhos de Sebastião Salgado sobre os povos amazônicos8 8 Imagens do último projeto de Sebastião Salgado (Serva, 2017). , nos quais modela corpos majestosos (Ashaninka), naturais e ramificados (Awá-Guajá), selvagens e brabos (Korubus), com os claros e escuros inscrevendo um mundo edênico longe da situação colonial – como se fossem “fosseis vivos do passado”9 9 Na expressão de Durham (2018, p. 17) sobre Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), de Malinowski. . Com Annie Comolli (2009)COMOLLI, A. Elementos de método em antropologia fílmica, In: FREIRE, Marcius; LOURDOU, Philippe (Org.). Descrever o visível. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. pp. 23-52., adensando a perspectiva da antropologia histórica, sabemos que cognição e estética podem coincidir, mas, diferente do caráter funcional que atribui a última, um maior alcance acontece quando são um só corpo narrativo, a exemplo de Zama e de Já me transformei em imagem.

Com o colonial como quarta janela interseccional, somando-se a dimensão política, estética e cognitiva, consequentemente, os regimes imagéticos são perpassados pela colonialidade, que não consiste em um período dado da história já superado, pois, nas palavras de Cusicanqui (2010, p. 53)CUSICANQUI, S. R. Ch’ixinakax utxiwa. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010., “a lo largo de la historia, el impulso modernizador de las elites euripeizantes en la región andia [por exemplo] se tradujo en sucesivos procesos de recolonización”. Principalmente, porque, na perspectiva decolonial, há uma práxis de colonialidade interna — a lógica oculta da modernidade — dos modos de ser, de saber e pensar. Nesse contexto, o conceito de nação é categoria central dos regimes visuais do Oitocentos, período que apostou na anulação da diferença, com o darwinismo racial naturalizando as diferenças, deslocando-as “do âmbito da cultura e da história para lhes dar o chão duro da ciência, da biologia e da natureza” (Schwarcz, 2018SCHWARCZ, L. M. (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 407). Perspectiva que, a seu modo, separa os povos, do ponto de vista racial, entre primitivos e civilizados, bárbaros e racionais, o que não deixa de ser objeto da pragmática fílmica de reversão histórica de Já me transformei em imagem, que se desloca do tempo das malocas ao tempo do presente. Se, no primeiro contexto, os personagens indígenas são fossilizados pelas lentes científicas de Schultz, sob as lentes de Zezinho Yube, a operação fílmica absorve o primeiro e o reverte, quando os Huni Kuin se posicionam no antecampo, fissuram-no com processos metafílmicos e invadem o campo da imagem.

Voltando-se para Insurgentes (2012), de Jorge Sanjinés, somos guiados pela voz do próprio diretor, que refaz a resistência indígena na Bolívia, do final do século XVIII à ascensão de Evo Morales. Com a voz do saber, em uma posição de poder sobre a história do Outro, com as imagens como ilustrações de um processo que a precedem, a presença indígena sai do campo do esquecimento para esvaziar-se em situações ritualizadas, como nos segmentos do discurso de posse de Morales transmitido em uma TV para uma plateia apreensiva (elite “branca”) e esfuziante (indígenas responsáveis pelos serviços de um bar) e dos heróis indígenas no palco cruzado da história (o líder Tupac Katari e sua esposa, Bartolina Sisa, a cavalos, com suas tropas segurando bandeiras, percorrendo a Ciudad De El Alto, no tempo do presente, em um andamento quase etéreo). Assinala, assim, o destino de uma travessia, entre o martírio e a luta, que atende quase aos desígnios e os fins moldados por um arquiteto exterior, rumo a chegada de um “Índio” à Presidência da República. Teleológico, Sanjinés desenha certo evolucionismo: da agência nativa a partir do Oitocentos ao pódio onde se encontra Morales. Nesse afresco, o telos é quase negado pela aparente a-linearidade histórica, que começa com o Presidente Villarroel, nos anos 1940, para retroceder ao final do século XIX, com o líder Aymara Santos Marka Tula. Mas essa a-linearidade é apenas uma falsa construção, já que a teleologia é pressuposta e artificializa a presença dos povos originários na história — quando se esforça em evidenciá-la.

Embedded aesthetics

A partir do conceito de embedded aesthetics de Faye Ginsburg (Cordova, 2011CORDOVA, A. Estéticas enraizadas: aproximaciones ao video indígena al América Latina. Comunicación y médios, Santiago, n. 4, p. 81-107, 2011.), observa-se que o cinema indígena, quanto mais próximo das questões e problemáticas comunitárias, desenvolve-se enquanto perspectiva interna por se constituir e ser constitutivo, em certa medida, de um certo ethos indígena das imagens — em sua dimensão cosmológica ou histórica. Incorpora-se das pragmáticas comunitárias, dos padrões culturais e dimensões políticas que as circunscrevem. Simultaneamente, a comunidade devolve essas mesmas problemáticas, padrões e dimensões como um invólucro imagético, mediatizado, fílmico. Primeiro, porque, no cinema originário, os filmes são mobilizados no interior das questões fundamentais comunitárias, emanam e se confundem, ao mesmo tempo, não apenas com intervenção política e cultural, de acordo com as suas lógicas específicas, mas com o processo que lhes estruturam — no sentido de filme-ritual, pois o que acontece antes e após a produção do filme importa tanto quanto o que acontece no decorrer (Caixeta de Queiroz; Diniz, 2018CAIXETA DE QUEIROZ, R.; DINIZ, R. O. Cosmocinepolítica Tikm’n-Maxakali: ensaio sobre a invenção de uma cultura e de um cinema indígena. Gis, São Paulo, v. 3, n.1, p. 63-105, 2018.). Segundo, porque são dimensões que, além de não reduzirem as lentes dos realizadores indígenas a descritores do Outro (ou de si mesmos) (como as pastorais etnográficos do salvamento), impedem que suas lentes se reduzam a artefatos “sobre” e não “por”. Terceiro, porque, encerrando uma espécie de enclave no continente da mídia indígena, constitui-se como artefato fílmico mais amplo e complexo, simultaneamente, a envolver as dimensões “com”, “por”, “sobre”, “a partir” e/ou “para” o Outro.

Decorrente do enraizamento nas questões internas, a perspectiva originária contracolonial difere, assim, da perspectiva (pós)colonial no cinema, que quase sempre concebe o Índio como categoria ancilar, contextual e instrumentalizada. Como definido por Schwarcz (2018, p. 43)SCHWARCZ, L. M. (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., distancia-se, a seu modo, das perspectivas exteriores, “que não convivem longamente com a realidade da terra, e trazem na mala de viagem as concepções e os modelos em que foram socializados, artística e filosoficamente, nos seus países de origem”. O que não significa que a perspectiva dos cineastas não indígenas esteja impregnada de colonialidade ou, diametralmente o oposto, não tenha em perspectiva a dimensão comunitária — nos termos que caracterizamos. A obra de Vincent Carelli, que constrói “coalizões intercomunais baseadas em afinidades históricas”, “identificações cruzadas” e “esforços conjuntos”, se usarmos os termos de Shohat e Stam (2006, p. 452-453)SHOHAT, E.; STAM, R. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo, Cosac Naify, 2006., é representativa dessa inserção nas questões centrais indígenas por incorporar os processos históricos, as cosmologias indígenas nos regimes imagéticos dos seus documentários. Quando não em contraponto à sociedade nacional, também, coloca de frente as suas próprias perspectivas, muitas vezes, não atentas ao Outro. Em A festa da moça (1987), o seu primeiro filme, por exemplo, a estrutura narrativa se refaz em função das perspectivas dos próprios Nambikwara, a partir de um jogo de espelhos que inverte o lugar dos sujeitos da recepção em sujeitos narrativos do documentário.

Nesse sentido, não se trata de enquadrar cineastas não indígenas como coloniais, já que o cinema etnográfico e político comporta estéticas participantes, dialógicas e compartilhadas, nas quais o Outro não necessariamente figura como objeto. É o caso da antropologia compartilhada Rouch (Freire; Lourdou, 2009______; LOURDOU, P. (Org.). Descrever o visível. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.), que busca abolir a distância entre os sujeitos do fazer documental, abrir-se para a cooperação do Outro, como coprodutor e coautor dos processos cinematográficos. É o caso também do diretor argentino Jorge Preloran, que, sem efeitos e manipulações, foge dos arquétipos úteis a um jogo de polarizações e oposições e apresenta sujeitos com todas as grandezas e misérias humanas (Colombres, 1985COLOMBRES, A. Cine, antropología y colonialismo. Buenos Aires: Ediciones del Sol / CLACSO, 1985.). Hermógenes Cayo (1969) é um exemplar da poética preloraniana sobre personagens indígenas como intérpretes de si, incorporando o seu olhar sobre as demandas do seu mundo, da política dos seus gestos e imaginário, em que a sua mise en scène interfere na mise en scène do realizador. O que provoca, nos termos de Schefer (2016, p. 32)SCHEFER, R. Mueda, Memória e Massacre, de Ruy Guerra. Comunicação e Sociedade, v. 29, pp. 27-51, 2016. sobre o cinema de Ruy Guerra, uma rotação do olhar nos dois sentidos que o caracteriza: “do sujeito de representação sobre o mundo e sobre si mesmo; do observado sobre o observador”.

Se, com Shohat e Stam (2006, p. 447)SHOHAT, E.; STAM, R. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo, Cosac Naify, 2006., compreende-se que “os laços ancestrais não ditam necessariamente as direções políticas”, não obstante não ser determinante a questão da filiação, a práxis fílmica que coloque a demanda do Outro em todas as dimensões da imagem é um aspecto a ser observado. Principalmente, porque é impossível reduzir a questão apenas à dimensão política, já que sabemos que os regimes imagéticos incorporam, indissociavelmente, as esferas cognitivas e estéticas. Por consequência, confrontar o mundo histórico tem particularidades enraizadas em situações de colonialidade e nas problemáticas de base comunitária, aos quais pertencem os sujeitos que estão atrás e a frente da câmera. Como visto em Já me transformei em imagem, em nenhum momento, Zezinho Yube reduz seu filme a uma dessas dimensões. O que está em jogo é o deslocamento dos sujeitos da experiência da condição de objeto a sujeito das imagens. Observa-se, também, que sua proposta é uma espécie de antípoda do evolucionismo, curiosamente, fabricado no mesmo andamento, mas em reverso. Porém, o aparente andamento linear desmascara a face velada do colonialismo10 10 Expressão usada por Pacheco de Oliveira (2016). , a partir da exposição da negação e do domínio sobre o Outro, como registrado no segmento do diálogo entre dois indígenas sobre a ferradura das letras “F. C.” no corpo do velho indígena na canoa – evidenciando o horror das relações coloniais de poder com os povos originários escravizados nos seringais amazônicos.

Com o mesmo sistema de depoimentos e entrevistas, narrador off, metacinema e parcial found footage, a pragmática fílmica de Zezinho Yube, no entanto, quebra a intencionalidade cientificista primeira da montagem dos arquivos de Schultz. Ao contrário das lentes de Gomes, que inscreve na imagem de forma reducionista o mundo indígena como caricatura. Diferente do olhar de Martel, que, ainda que problematize uma dimensão continental de resistência, desenha um tableaux em que os Guarani servem menos como entidades históricas em si e mais de cenário para a inscrição da psicologia de Diego de Zama; e ao inverso de Sanjinés, que superficializa uma jornada de superação ao usar a presença indígena, nas suas formas de resistência, como se estivéssemos vendo um filme de ilustração, que, nos termos de Annie Comolli (2009)COMOLLI, A. Elementos de método em antropologia fílmica, In: FREIRE, Marcius; LOURDOU, Philippe (Org.). Descrever o visível. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. pp. 23-52., são refratários ao que destoa das suas teses e concepções prévias, retendo apenas o que pode afirmá-las e excluindo ou contornando o que confronta suas conclusões. Principalmente, porque o que acontece sob as lentes Huni Kuin é a consolidação de uma experiência histórica, com o potencial da sua câmera colocando em cena vozes há muito silenciadas e constitutivo de um olhar originário, que, para Lévi-Strauss (2006 apud Araújo, 2011ARAÚJO, A. C. Z. (org.). Vídeo nas Aldeias 25 anos (1986-2011). Olinda, PE: Vídeo nas Aldeias, 2011., p. 156), que conheceu alguns filmes do VNA, “Temos constantemente a sensação de sermos autorizados a ver a vida indígena por dentro”.

Se, no centro da pragmática fílmica reversa, o realizador Zezinho Yube, inevitavelmente, fissura o antecampo, questões do cinema antropológico como o da autocomunicação não colocam em crise o cinema originário, eminentemente, metafílmico. Problemática que, a partir de Annie Comolli (2009)COMOLLI, A. Elementos de método em antropologia fílmica, In: FREIRE, Marcius; LOURDOU, Philippe (Org.). Descrever o visível. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. pp. 23-52., abre espaço para pensarmos o lugar dos personagens como sujeito ou objeto. Em uma reversão de perspectiva, essas questões são, outrossim, potencialidades para o cinema indígena por reverterem a problemática de certos filmes etnográficos focados na sua visão de mundo e não na visão de mundo do Outro. Entretanto, aqui, autocentrar-se constitui gesto de uma política da imagem indígena, já que trata-se “de se dar a ver pelo viés do que mostra no filme”, uma vez que “dar a ver o outro” encerra, em Já me transformei em imagem, um truísmo: quem filma (Yube), quem é filmado (o povo Huni Kuin) e o que filma (a sua própria história) integram o mesmo locus que só o olhar de dentro tem maior possibilidade de restituir11 11 A citação completa de Annie Comolli, que, comparativamente, analisa certos procedimentos do cinema antropológico: “Não se trata, para o cineasta, de se dar a ver pelo viés do que mostra no filme, mas de dar a ver o outro” (Comolli, 2009, p. 34). . Condição que, nas cinematografias de Abya Yala, explora ao limite a interface entre o espaço fílmico e o espaço histórico, o que, radicalmente, difere de certo cinema (pós)colonial que busca sempre dizer ao Outro “o como” e “o que” precisa ser feito e dar-lhe uma “voz” que, muitas vezes, o suprime (Salazar, 2004SALAZAR, J. F. Imperfect media, Tese (Doctor of Philosophy Communication and Media) – University of Western, Sidney, 2004.).

  • 1
    Zezinho Yube é José de Lima Kaxinawá, da TI Praia do Carapãnã (Acre-AC). Participou das oficinas do VNA nos anos 2000. O termo Huni Kuin (autodenominação) significa “homens verdadeiros” ou “gente com costumes conhecidos”. Já Kaxinawá (denominação colonial): “morcego” ou “gente com hábito de andar à noite”. Da família linguística pano, tem cerca de 10 mil pessoas e suas TI estão no Peru e no Brasil (Instituto Socioambiental-ISA, 2021).
  • 2
    Teleológico no sentido de grandes narrativas deterministas, com os acontecimentos carregando em si os germes de desenvolvimentos posteriores (Bordwell, 2013BORDWELL, D. Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas: Editora Unicamp, 2013.) e com os fins e os desígnios como que guiados por um arquiteto exterior (Blackburn, 1997BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.).
  • 3
    “‘Em seu artigo antológico, ‘On Ethnographic Allegory’, Clifford explica que ‘o aspecto mais problemático e com maior carga política desta evocação ‘pastoral’ está no modo como coloca despiadadamente o Outro em um presente que se converte em passado’. A pastoral etnográfica abraça o mito do primitivismo, mas também é uma característica da própria estrutura da representação etnográfica” (Russell, 2007RUSSELL, C. Otra mirada. Archivos de la filmoteca, Valencia/Espanha, n. 57-58, 1, p. 116-152, 2007., p. 119).
  • 4
    Ver Baptista (2019)BAPTISTA, J. V. Jogo de espelhos de obsidiana IN: Popol Vuh. São Paulo, Ubu Editora, 2019. pp. 7-30..
  • 5
    O tempo das malocas; das correrias; do cativeiro; dos direitos; e do presente.
  • 6
    Instituto do Filme Científico.
  • 7
    Como No país das Amazonas (Silvino Santos, 1921,) e Fishing expedition and ensuing festival (Harald Schultz, 1951).
  • 8
    Imagens do último projeto de Sebastião Salgado (Serva, 2017SERVA, L. Eles estão com medo. Folha de São Paulo, Disponível em: <http://arte.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/sebastiao-salgado/medo/>. Acesso em: 25 mar. 2017.
    http://arte.folha.uol.com.br/ilustrada/2...
    ).
  • 9
    Na expressão de Durham (2018, p. 17)DURHAM, E. R. Apresentação, In: MALINOWSKI. Argonautas do pacífico ocidental. São Paulo: Ubu Editora, 2018. p. 17-38. sobre Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), de Malinowski.
  • 10
    Expressão usada por Pacheco de Oliveira (2016)PACHECO DE OLIVEIRA, J. O nascimento do Brasil e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016..
  • 11
    A citação completa de Annie Comolli, que, comparativamente, analisa certos procedimentos do cinema antropológico: “Não se trata, para o cineasta, de se dar a ver pelo viés do que mostra no filme, mas de dar a ver o outro” (Comolli, 2009COMOLLI, A. Elementos de método em antropologia fílmica, In: FREIRE, Marcius; LOURDOU, Philippe (Org.). Descrever o visível. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. pp. 23-52., p. 34).

Referências

  • ARAÚJO, A. C. Z. (org.). Vídeo nas Aldeias 25 anos (1986-2011) Olinda, PE: Vídeo nas Aldeias, 2011.
  • ARAÚJO, J. J. O documentário autoetnográfico do projeto Vídeo nas Aldeias, Teoria e Cultura, Juíz de Fora, v. 15 n. 3, 122-139, 2020.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2021
  • Aceito
    14 Jan 2023
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