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INDÍGENAS YANOMAMI NO BRASIL: ORDEM INTERNA E O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS COMO INDICATIVO DE CRISE HUMANITÁRIA

Resumo

Este artigo trata das implicações jurídicas, no Brasil, da ocupação tradicional da terra pelos indígenas Yanomami, tendo como marco inicial construção da Rodovia Perimetral Norte em 1973, o que correspondeu a um grande afluxo de não indígenas e conflitos fundiários. Procura-se demonstrar, analisando as Constituições brasileiras posteriores a 1967, as normas infraconstitucionais recepcionadas, os tratados internacionais e a jurisprudência interamericana, que a ordem jurídica no Brasil prevê a posse das terras indígenas, o usufruto de seus recursos naturais, a demarcação e a desintrusão. Contudo, o Estado viola sistematicamente esses direitos, causando eventualmente crises humanitárias. Esse grave fenômeno ocorreu duas vezes. Na Ditadura, especialmente de 1975 a 1990, e durante a crise da Democracia brasileira, a partir de 2014. Em ambos, os órgãos do sistema interamericano de direitos humanos foram provocados. Embora estejam bem desenvolvidos os direitos indígenas no Brasil, sua efetividade ainda é um desafio, em razão da oposição política de determinados grupos sociais, o que culmina, em períodos de maior fragilidade democrática, em crises humanitárias que são objeto de análise pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que têm competência de agir face ao Brasil.

Palavras-chave:
crise humanitária; direitos indígenas; Sistema Interamericano de Direitos Humanos; Yanomami

Abstract

This study evaluates the legal implications of the traditional occupation of land by the Yanomami people in Brazil, beginning from the construction of the highway BR- 210 (Rodovia Perimetral Norte) in 1973, which corresponded to a large influx of non-indigenous people and several land conflicts. We seek to show—by analyzing the Brazilian Constitutions after 1967, the infraconstitutional law upheld by the constitution, the international treaties, and the inter-American jurisprudence—that the legal order in Brazil provides for the possession of indigenous lands, the usufruct of their natural resources, land demarcation, and the removal of intruders. However, the State systematically violates these rights, occasionally causing humanitarian crises. This serious phenomenon occurred twice. During the Brazilian dictatorship (specially from 1975 to 1990) and the Brazilian democracy crisis (beginning in 2014). Both mobilized the bodies of the inter-American human rights system. Although Indigenous rights are well developed in Brazil, their effectiveness remains a challenge due to the political opposition of certain social groups, culminating in periods of greater democratic fragility, humanitarian crises analyzed by the Inter-American Commission on Human Rights, and by the Inter-American Court of Human Rights, which has jurisdiction to respond to Brazil.

Keywords:
humanitarian crisis; indigenous rights; Inter-American Human Rights System; Yanomami

Resumo

Este artículo trata de las implicaciones jurídicas, en Brasil, de la ocupación tradicional de la tierra por el pueblo indígena Yanomami, teniendo como punto de partida la construcción de la Rodovia Perimetral Norte en 1973, que se correspondió a una gran afluencia de población no indígena y a conflictos por la tierra. Se pretende demostrar, analizando las Constituciones brasileñas posteriores a 1967, las normas infraconstitucionales recibidas, los tratados internacionales y la jurisprudencia interamericana, que el ordenamiento jurídico en Brasil prevé la posesión de las tierras indígenas, el usufructo de sus recursos naturales, la demarcación y la des-intrusión. No obstante, el Estado viola sistemáticamente esos derechos, lo que acaba provocando crisis humanitarias. Ese grave fenómeno se ha producido en dos ocasiones. En la Dictadura, especialmente de 1975 a 1990, y durante la crisis de la Democracia brasileña, a partir de 2014. En ambos, los órganos del sistema interamericano de derechos humanos fueron provocados. Aunque los derechos indígenas están bien desarrollados en Brasil, su efectividad sigue siendo un reto, debido a la oposición política de ciertos grupos sociales, que culmina, en periodos de mayor fragilidad democrática, en crisis humanitarias que son analizadas por la Comisión Interamericana de Derechos Humanos y la Corte Interamericana de Derechos Humanos, que tienen jurisdicción para actuar frente a Brasil.

Palabras clave:
crisis humanitaria; derechos indígenas; tema Interamericano de Derechos Humanos; Yanomami

Introdução

Por séculos, os Yanomami viveram isolados da sociedade não indígena. A posição geográfica de suas terras, no coração do continente sul-americano, distanciava demasiado da administração colonial ibérica. Após a independência do Brasil, o governo, fosse monárquico ou republicano, por quase um século, não dispunha de mecanismos e estrutura de efetivação de políticas públicas naquela região, fazendo que os Yanomami mantivessem o controle de seu destino, inclusive no que concernia à ordem jurídica. Eram duas ordens paralelas que nunca se tocavam.

Isso muda no início do século XX, quando acontecem os primeiros contatos entre Yanomami e não indígenas. As primeiras fricções entre as duas ordens produziram a necessidade de uma articulação intersubjetiva entre os atores envolvidos, da qual surgiram conflitos. A princípio, esses contatos não se deram por questões fáticas que demandavam uma solução comum, não havendo, por consequência, disputa por autoridade da gestão do espaço.

Desde 1905, as fronteiras do Brasil com a Venezuela estão definitivamente fixadas, cabendo a cada um exercer sua soberania territorial sem concorrência. Contudo, a mera delimitação territorial entre os Estados não correspondia uma efetiva transformação das estruturas de organização do espaço. Tudo continuou basicamente como havia sido até então. O Brasil tinha seu território em determinados termos jurídicos, mas os agentes estatais não haviam chegado até seus confins, mantendo o contexto local sem intervenções externas. Simultaneamente, os Yanomami permaneciam em suas terras, tendo o controle da gestão do espaço.

No contexto brasileiro, no fim dos anos 1960, a milenar história dos Yanomami passa a ser marcada por desafios e lutas em relação à posse de suas terras e à proteção de seus direitos como grupo étnico. Com a implementação da política de controle efetivo do território, o Estado brasileiro passa a fomentar a ocupação daquelas áreas por não indígenas, invisibilizando os indígenas nos então chamados “vazios demográficos”.

A ocupação dos não indígenas – especialmente garimpeiros – entrou evidentemente em choque com a posse dos indígenas, surgindo daí um fato juridicamente relevante, que demandava uma resposta uniforme em termos de soberania, que se caracteriza pelo monopólio da força em determinado espaço geográfico.

Em uma perspectiva sistêmica, a partir do direito constitucional em vigor no Brasil em 1973, inicia-se, por iniciativa e patrocínio do Estado, a ocupação não indígena das terras Yanomami. O primeiro objetivo desta pesquisa , então, é analisar as características da estratégia nacional de ocupação da Amazônia e seus impactos na vida dos Yanomami. Para tanto, estuda-se a ordem jurídica brasileira em vigor naquele momento, composta de normas constitucionais e infraconstitucionais, de natureza legislativa e executiva.

Alcançado o primeiro objetivo, constata-se que, apesar do contexto de terrorismo de Estado no qual vivia a sociedade brasileira daquele tempo, a Lei garantia expressamente o direito de posse indígena das terras tradicionalmente ocupadas e o direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais ali encontrados.

Conclui-se, preliminarmente, que todos os problemas enfrentados pelos Yanomami em virtude da ocupação de não indígenas a partir de 1973, são efeitos de atos ilícitos, que, por isso mesmo, devem ser combatidos pelo Estado, tendo em vista que sua primeira razão de ser é efetivar a ordem interna. Daí advém o segundo objetivo, qual seja a análise do fundamento dos conflitos pela posse e o usufruto das terras tradicionalmente ocupadas pelos Yanomami, tendo em vista a clareza do direito posto.

Nesta segunda etapa, verifica-se que se está diante de um problema de efetividade normativa, o que é uma questão comum à ordem jurídica como um todo, não apenas à brasileira. Contudo, isso não basta. Busca-se, em um terceiro momento, compreender a razão pela qual os direitos indígenas dos Yanomami não se efetivavam. Aqui, o estudo leva a uma abordagem ideológica, cuja origem se encontra na implementação da concepção política por parte do grupo social que controlou ditatorialmente o Estado brasileiro por mais de duas décadas. Tal abordagem não reconhecia a subjetividade dos Yanomami, da qual nenhuma relação, seja jurídica, seja linguística, era possível. Nesse caso, o desprezo pela alteridade pode culminar em ações ou omissões que colocam em risco a existência do outro.

Nesse contexto, o acúmulo de conflitos diante da inefetividade normativa por omissão do Estado fez a crise humanitária na terra Yanomami alcançar o pico nos anos 1980, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi provocada para examinar o caso. Tal fato é de extrema importância, pois corresponde a uma manifestação de órgão internacional acerca do grau de desagregação da relação entre o Estado brasileiro e o povo Yanomami. Sendo um mecanismo jurídico extraordinário e subsidiário ao sistema jurídico brasileiro, tem-se a hipótese de que o sistema interamericano de direitos humanos deve ser entendido também como mecanismo de indicação de crise humanitária.

A fim de confirmar essa hipótese, põe-se a questão à luz da crise do Estado democrático no Brasil, no período que se inicia em 2014, quando retornam ao poder central os integrantes dos grupos sociais que controlaram o Estado brasileiro durante a Ditadura. No século XXI, o agravamento da situação dos Yanomami, em face do desinteresse do Estado em fazer cumprir a Lei, fez a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami alcançar um novo pico no fim dos anos 2010, quando novamente o sistema interamericano de direitos humanos, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é movimentado para examinar o caso.

1 Ordem jurídica brasileira e ditadura: caso dos Yanomami

Apesar de sua presença milenar 1 1 “Vários pesquisadores das disciplinas envolvidas avançaram a hipótese de que [os Yanomami] possam ser descentes de um antigo grupo ameríndio (”proto-Yanomami”) instalado há um milênio nas terras altas (serra Parima) da região de interflúvio entre o alto Orinoco e o alto rio Parima, onde permaneceram isolados durante um longo período” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 558-559). na Amazônia, os primeiros contatos dos Yanomami com não indígenas 2 2 Não sendo um trabalho de antropologia, entende-se por não indígenas, de modo objetivo, os indivíduos que não têm o modo de vida, crenças e reconhecimento de identidade étnica dos povos indígenas ( CORREIA; MAIA, 2021). ocorreram no início do século XX, quando se publicaram as pesquisas científicas relativas às expedições de Otto Zerries (Venezuela) e Hans Becher (Brasil), realizadas em meados da década de 1950. Todavia, a notoriedade dos Yanomami veio apenas em 1968, a partir do lançamento do livro Yanomamö: The Fierce People de autoria de N. A. Chagnon ( KOPENAWA; ALBERT, 1995KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.), quando, no Brasil, a Ditadura se escancarava ( GASPARI, 2002GASPARI, E. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.) por meio de perseguição e tortura de opositores, cesura à imprensa e repressão da atividade político-partidária ( SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2014SARLET, I. W.; MARINONI, L. G.; MITIDIERO, D. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.).

Encontrava-se em vigor no Brasil a Constituição de 1967, cujo art. 186 determinava que: “É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes” ( BRASIL, 1967BRASIL. [Constituição (1967)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1967. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Naquele tempo, os Yanomami já eram titulares de direitos reais sobre as terras que tradicionalmente ocupavam.

Esse tratamento jurídico não era novidade no Brasil, pois o art. 129 da Constituição de 1934 previa que: “Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las” ( BRASIL, 1934BRASIL. [Constituição (1934)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1934. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Aqui não se fala em usufruto dos recursos naturais, mas se garante a posse 3 3 Art. 154 da Constituição da República de 1937: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas” ( BRASIL, 1937). Art. 216 da Constituição da República de 1946: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem” ( BRASIL, 1946). indígena, implicando necessariamente uma diferenciação com o titular do direito de propriedade. Com efeito, sob o regime constitucional de 1967, eram bens da União “as terras ocupadas pelos silvícolas” ( BRASIL, 1967BRASIL. [Constituição (1967)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1967. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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), nos termos do art. 4º, IV.

De acordo com tal dispositivo, cuja redação foi mantida pela Emenda Constitucional n. 1/1969, combinado com o art. 198, caput da Constituição “as terras ocupadas pelos silvícolas” ( BRASIL, 1969BRASIL. Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969. Brasília, DF: Presidência da República, 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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) eram bens de propriedade da União, cabendo a eles sua posse permanente e ficando-lhes reconhecido o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras indígenas. Ademais, eram nulos os efeitos jurídicos dos atos de domínio, posse ou ocupação das terras indígenas, não cabendo indenização a terceiros, salvo em caso de benfeitoria de boa-fé.

Naquele período, os contatos regulares e permanentes dos Yanomami com não indígenas circunscreviam-se ao trabalho de coletores de produtos florestais e à instalação de postos indigenistas e missionários. Em face da superficialidade de interação, inexistiam conflitos fundiários que demandavam resposta institucional do Estado brasileiro.

1.1 Programa de Integração Nacional: conflito fundiário nas terras Yanomami no Brasil

A conjuntura muda quando o Governo lança projetos geopolíticos de ocupação da Amazônia brasileira. Alterava-se a percepção do Estado sobre o território amazônico, que assume, a partir de 1968, um papel estratégico diante dos dramas do subdesenvolvimento ( TOLEDO, 2012TOLEDO, A. P. Amazônia: soberania ou internacionalização. Belo Horizonte: Arraes, 2012.). Nesse contexto, o Governo brasileiro cria o Programa de Integração Nacional (PIN) por meio do Decreto-Lei n. 1.106/1970BRASIL. Decreto-Lei n. 1.106, de 16 de junho de 1970. Cria o Programa de Integração Nacional, altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas na parte referente a incentivos fiscais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1970. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del1106.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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, fundado na construção de grandes obras de infraestrutura ( PEREIRA, 1971PEREIRA, O. D. Transamazônica: prós e contras. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.), especialmente rodovias, acompanhada da instalação de projetos de colonização em suas franjas ( BECKER, 2015BECKER, B. Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos. In: VIEIRA, I. C. G. As Amazônias de Bertha Becker. v. 1. Rio de Janeiro: Garamond, 2015. p. 15-258.).

No âmbito do PIN, em 1973, inicia-se a construção da rodovia Perimetral Norte (BR-210), cujo traçado seguia uma linha paralela à fronteira entre Brasil e Venezuela, sendo que um trecho de 235 Km atravessaria o sul das terras ocupadas tradicionalmente pelos Yanomami (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.). Desde então, conflitos fundiários têm se estabelecido como desdobramento do contato mais intenso entre indígenas e não indígenas, o que correspondeu ao início de uma era de degradação 4 4 O processo histórico de colonização modificou o modo de vida e muitas das características dos grupos étnicos espalhados pelo território brasileiro, causando aculturação e exclusão ( CORREIA; MAIA, 2021). das condições de vida dos Yanomami.

Simultaneamente, implementou-se na região o Projeto Radar da Amazônia (Radam), que consistia em uma estratégia oficial de inventário, com base em dados científicos, dos recursos naturais potencialmente interessantes ( PINTO, 2002PINTO, L. F. Internacionalização da Amazônia: sete reflexões e alguns apontamentos inconvenientes. Belém: Jornal Pessoal, 2002.). Ato contínuo à conclusão dos trabalhos do Radam em Roraima, em 1975, a primeira leva de garimpeiros chegou às terras Yanomami (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.). Nos anos seguintes, levados pela Perimetral Norte e motivados pela ilusão da riqueza do ouro, passaram por ali 50 mil garimpeiros ( RAMOS, 2022RAMOS, A. R. A tragédia Yanomami. ABA, Informativo n. 09/2022, 17 maio 2022. Disponível em: http://www.abant.org.br/files/20220513_627eb9d1091a6.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

A presença incisiva de garimpeiros nas terras Yanomami causava diversos problemas de ordem sanitária, criminal e ambiental, o que fez que a opinião pública, dentro e fora do País, se mobilizasse em defesa dos indígenas ( BARRETO, 1995BARRETO, C. A. L. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995.). Nesse contexto, mesmo antes do ápice do garimpo ilegal, Carlos Drummond de Andrade (1979ANDRADE, C. D. Não deixem acabar com os yanomami. Folha de S.Paulo, Ilustrada, 2 ago. 1979, p. 40., p. 40) alertava: “Os Yanomami correm no momento um grande risco e estão precisando de você. Não é necessário voar até lá para ajudá-los”.

Tal ajuda referia-se a um projeto de proteção dos Yanomami, que fora apresentado ao Governo brasileiro dias antes, propondo a criação do Parque Indígena Yanomami em área comum a Roraima e Amazonas. Segundo o Poeta, desde o início das obras da Perimetral Norte, os Yanomami vinham sofrendo os impactos negativos da expansão econômica da Amazônia brasileira. Diante disso, a solução passava pela demarcação da terra indígena, em conformidade com o art. 198 da Constituição de 1969, então em vigor.

Em reação, sustentava-se que: “As estimativas demográficas da imprensa […] pretendiam […] demonstrar a necessidade de criação de um país ianomâmi independente do Brasil” ( BARRETO, 1995BARRETO, C. A. L. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995., p. 18). Partia-se da falsa premissa de que a demarcação da terra indígena corresponderia à secessão territorial. Apesar do erro em confundir terra indígena com território nacional, identifica-se que, pela primeira vez, um real conflito fundiário envolvia os Yanomami.

No âmbito infraconstitucional, estava já em vigor a Lei n. 6.001/1973, então chamada de Estatuto do Índio. Nos termos dessa lei federal, em consonância com a tradição jurídica brasileira remontando a pelo menos 1934, é obrigação do Brasil, em todas as suas dimensões federativas, garantir a posse indígena das terras tradicionalmente ocupadas, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades ali existentes, mesmo tratando-se de propriedade da União, sujeita a ônus ou restrições 5 5 Essas restrições podem ser percebidas, por exemplo, quando se estabelece na Lei n. 6.001/1973, no art. 18, caput que: “As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas” ( BRASIL, 1973b). .

Apesar de o regime jurídico-constitucional da Ditadura 6 6 Constituições da República de 1967 e 1969. insistir no verbo habitar, quando se referia à proteção dos direitos de posse e usufruto indígenas, em vez de adotar a expressão “achar-se permanentemente localizados” ( BRASIL, 1934BRASIL. [Constituição (1934)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1934. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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) própria do regime anterior ao Golpe de Estado de 1964 – que tem sentido mais amplo –, o art. 17 da Lei n. 6.001/1973, ao definir terras indígenas, retoma o sentido originário ao indicar que são “terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas” ( BRASIL, 1973bBRASIL. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF: Presidência da República, 1973b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Logo, terras habitadas ou terras onde se acham permanentemente localizados os indígenas devem ser entendidas como terras ocupadas tradicionalmente por eles, independentemente de demarcação, conforme o disposto no art. 25 da Lei n. 6.001/1973 7 7 Lei n. 6.001/1973, art. 25: “O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República” ( BRASIL, 1973b). . Não resta dúvida de que, quando se estabelece o conflito pela terra Yanomami, já se reconhecia no Brasil o caráter originário da posse indígena ( ROCHA et al., 2015 ROCHA, I. et al. Manual de direito agrário constitucional: lições de direito agroambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2015.).

Mais precisamente, o art. 23 da Lei n. 6.001/1973 estabelece que a posse indígena é “[…] a ocupação efetiva da terra que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detém e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil” ( BRASIL, 1973bBRASIL. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF: Presidência da República, 1973b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). A posse indígena revela-se como relação mais ampla do que a mera habitação, levando em conta que o modo de vida dos indígenas se caracteriza, muitas vezes, por deslocamentos espaciais significativos.

A fim de proteger o direito de posse indígena como condição de existência do grupo étnico como tal, o que difere da proteção do direito real em sentido estrito, o art. 18, § 1º, da Lei n. 6.001/1973 reforça que, nas terras indígenas, “[…] é vedada a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa” ( BRASIL, 1973bBRASIL. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF: Presidência da República, 1973b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Não apenas as terras indígenas são uma situação de fato jurídico, mas sua existência impede a utilização dos recursos naturais ali encontrados por terceiros, mesmo de boa-fé.

De todo modo, é obrigação do Estado demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, nos termos do art. 19 da Lei n. 6.001/1973, como ato declaratório para a segurança jurídica das partes envolvidas na gestão do território brasileiro na Amazônia. Em seus termos, “As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto 8 8 VideDecreto n. 76.999, de 8 de janeiro de 1976; Decreto n. 88.118, de 23 de fevereiro de 1983; Decreto n. 94.945, de 23 de setembro de 1987. do Poder Executivo” ( BRASIL, 1973bBRASIL. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF: Presidência da República, 1973b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

Quando o Poeta defendia a criação de um Parque Indígena Yanomami, em 1979, nada mais fazia do que relembrar ao Estado a obrigação descumprida de demarcar a terra Yanomami, a fim de assegurar àquele povo a posse permanente da terra e o usufruto exclusivo dos recursos naturais ali encontrados. Contudo, à margem da Lei, o Governo brasileiro contribuía para a prática de atos que violavam os direitos dos Yanomami.

1.2 Comissão Interamericana de Direitos Humanos em face da primeira crise humanitária dos Yanomami no Brasil

Por ser o Brasil membro 9 9 O Brasil depositou na União Pan-Americana, em Washington D.C., Estados Unidos, em 13 de março de 1950, seu instrumento de ratificação da Carta da OEA, que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1951. da Organização dos Estados Americanos (OEA), vincula-se à Comissão Interamericana de Direitos Humanos 10 10 O art. 53, e, da Carta da OEA determina que: “A Organização dos Estados Americanos realiza os seus fins por intermédio: […] Da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”. (CIDH), que tem por principal função promover o respeito e a defesa dos direitos humanos nos Estados membros e servir como órgão consultivo da OEA.

De acordo com os arts. 18 e 20 de seu Estatuto, a CIDH pode formular recomendações aos governos para que adotem medidas de proteção de direitos humanos, no âmbito normativo interno e internacional, bem como fixem disposições apropriadas para promover o respeito a esses direitos 11 11 Art. 18, b, do Estatuto da CIDH. . Ademais, cabe a CIDH dispensar especial atenção à observância dos direitos humanos previstos na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (DADH) de 1948, formulando-lhes recomendações para tornar mais efetivos, no âmbito interno, os direitos humanos 12 12 Art. 20, a, do Estatuto da CIDH. .

Em 1980, a CIDH recebeu uma demanda contra o Brasil em favor dos Yanomami por prática de atos internacionalmente ilícitos. Não podendo atuar em conformidade com os arts. 44 a 51 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), nem comparecer perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CtIDH 13 13 O Estado brasileiro só reconheceria soberanamente a jurisdição da CtIDH bem mais tarde, em 1998. ) contra o Brasil, a CIDH atuou, naqueles anos, como órgão internacional de acompanhamento. Quando chegou à CIDH a notícia da crise humanitária dos Yanomami no Brasil, o Estado passou dar explicação sobre os fatos expostos pelos peticionários 14 14 Tim Coulter (Indian Law Resource Center), Edward J. Lehman (American Anthropological Association), Barbara Bentley (Survival International), Shelton H. Davis (Anthropology Resource Center); George Krumbhaar (US Survival International) e outras pessoas. com base nos instrumentos internacionais que proclamam os “direitos fundamentais da pessoa humana” 15 15 Art. 3º, l, da Carta da OEA. ( CIDH, 1948CIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Washington, DC: CIDH, 1948. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.declaracao_americana.html. Acesso em 20 fev. 2023.
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) como princípios jurídicos.

Denunciavam-se o Governo brasileiro e a Funai 16 16 Criada em 1967, em substituição do Serviço de Proteção ao Índio (1910), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. por violações de direitos em decorrência da entrada massiva, em terras tradicionalmente ocupadas pelos Yanomami, de pessoas estranhas, causando doença e morte por falta de assistência médica e por violência. A omissão do Estado comprometia a segurança e a integridade da terra indígena, colocando em risco a manutenção da cultura, tradição e costumes do grupo étnico ( CIDH, 1985CIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução n. 12/85, de 5 de março de 1985. Caso n. 7615 (Brasil). Washington, DC: CIDH, 1985. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/annualrep/84.85sp/Brasil7615.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

Em resposta, por meio da Portaria MINTER/GM n. 025, de 9 de março de 1982, o Governo brasileiro interditou uma área contínua limitada, a noroeste, pela fronteira entre Brasil e a Venezuela até o meridiano 66°20’00”W; a sul, pelo traçado da Perimetral Norte; e a leste, pelo meridiano 62°00’00W; totalizando uma área de 7.700.000 hectares ( BRASIL, 1989aBRASIL. Ministério Público Federal. Inquérito Civil Público, instaurado pela Portaria GAB/CVM/N 02/89, de 26 de junho de 1989. Brasília, DF: MPF, 1989a. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/YAD00471.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
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; CIDH, 1985CIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução n. 12/85, de 5 de março de 1985. Caso n. 7615 (Brasil). Washington, DC: CIDH, 1985. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/annualrep/84.85sp/Brasil7615.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Meses depois, em 12 de setembro de 1984, o Presidente da Funai enviou uma proposta ao grupo interministerial de trabalho, solicitando a definição e delimitação do futuro Parque Indígena Yanomami, que teria uma superfície de 9.419.108 hectares.

Entretanto, apesar de reconhecidamente importantes, tais medidas não foram suficientes para impedir que a CIDH, em 5 de março de 1985, emitisse a Resolução n. 12/1985 (Caso n. 7615), por meio da qual reconhecia a ocorrência de violações de direitos humanos dos Yanomami. Ao analisar os antecedentes e evidências, a CIDH concluiu que, por omissão, o Brasil deixara de tomar as medidas necessárias, violando, em prejuízo dos Yanomami, o direito à vida, à liberdade e à saúde (art. I da DADH), o direito de residência e trânsito (art. VIII da DADH) e do direito à preservação da saúde e bem-estar (art. IX da DADH).

Ao fim, a CIDH recomendou que o Governo brasileiro continuasse adotando medidas sanitárias de caráter preventivo e curativo para proteger a vida e a saúde dos indígenas contra doenças infectocontagiosas. Ademais, indicou como devida, nos termos propostos pelo Presidente da Funai em 1984, a demarcação do “Parque Indígena Yanomami” ( CIDH, 1985CIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução n. 12/85, de 5 de março de 1985. Caso n. 7615 (Brasil). Washington, DC: CIDH, 1985. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/annualrep/84.85sp/Brasil7615.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

Diante da ordem jurídica internacional em vigor para o Brasil, cabia ao Estado realizar a demarcação e a desintrusão da terra Yanomami, o que reforçava o disposto na ordem jurídica interna. Interessante notar que a Lei brasileira não se encontrava em conflito positivo ou negativo com o direito internacional dos direitos humanos. A violação consubstanciava-se na inefetividade normativa.

Contudo, a partir de 1987, acelerou-se a corrida do ouro em Roraima, chamando ainda mais a atenção da opinião pública internacional ( VANHECKE, 1990VANHECKE, C. La détresse des indiens Yanomami: Malgré les promesses du nouveau gouvernement brésilien, le grand pillage de l’Amazonie continue. Le Monde, 2 ago. 1990.; DORFMAN; MAIER, 1990DORFMAN, A.; MAIER, J. Assault in the Amazon. Times Magazine, Leicestershire, 5 nov. 1990.) para o drama vivido pelos Yanomami, que faleciam vítimas de epidemias ou da violência decorrente da chegada em suas terras de milhares de garimpeiros ilegais.

Diante da escalada da presença do garimpo nas terras tradicionalmente ocupadas pelos Yanomami e em face das recomendações da CIDH, o Governo brasileiro editou o Decreto n. 94.945/1987. Esse Decreto dispunha sobre o processo administrativo de demarcação de terras indígenas, obrigando a participação de representante da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, quando da demarcação de terras indígenas localizadas em fronteira 17 17 Art. 2º, § 3º, do Decreto n. 94.945/1987. , como era o caso dos Yanomami ( BRASIL, 1987BRASIL. Decreto n. 94.945, de 23 de setembro de 1987. Dispõe sobre o processo administrativo de demarcação de terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1987. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/1985-1987/d94945.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

Diante da crise advinda das ameaças do garimpo ilegal aos direitos dos Yanomami, o desafio não era a normatização, mas a efetivação da ordem jurídica em vigor, que previa não apenas o direito à posse indígena, mas o dever de demarcação e proteção por parte do Estado brasileiro. Porém, havia enorme resistência à concretização desses direitos indígenas. Para certos grupos, aqueles que haviam controlado sem oposição o Estado brasileiro durante a Ditadura, não se tratava de crise, mas, ao contrário, “[…] sentia-se no ar o cheiro do progresso” ( BARRETO, 1995BARRETO, C. A. L. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995., p. 161).

2 Ordem jurídica brasileira e democracia: caso dos Yanomami

Era nítida a desorientação do Estado brasileiro, que, em processo de redemocratização, buscava uma solução que efetivasse os direitos indígenas, levando em conta o desenvolvimento econômico e a integridade territorial. Deve-se, assim, entender a questão da demarcação de terras indígenas no Brasil a partir das resistências justificadas em objetivos econômicos e militares imediatos.

Simbólico desse contexto é o seguinte trecho de obra que retrata bem tal visão ideológica de viés fascista 18 18 Para uma análise desse viés fascista, vide exempli gratia Boito Jr. (2020). : “Chegou-se a pensar que o fim do comunismo pudesse acabar com tantos problemas. Mas os agitadores só mudaram a cor da camisa, do vermelho para o verde. Antes combatiam a ditadura, depois defendiam os índios e agora querem salvar a floresta […]” ( BARRETO, 1995BARRETO, C. A. L. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995., p. 111).

O simplismo da afirmação impressiona, mas é importante tê-la como retrato de uma lógica autoritária que dominou o Estado brasileiro naquele período, segundo a qual todos os que atuavam na efetivação dos direitos indígenas eram – e, em certa medida, ainda são – vistos como representantes de interesses estrangeiros em contínua sabotagem dos anseios patrióticos.

Nessa linha 19 19 Entende-se que essa teoria conspiracionista representou mais um lobby junto à Assembleia Nacional Constituinte em favor de determinados agentes econômicos, que se beneficiariam da exploração e do aproveitamento de recursos minerais encontrados em terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas, do que real nacionalismo. , em 9 de agosto de 1987, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a matéria intitulada “A conspiração contra o Brasil”, que afirmava ser o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) parte de uma trama de restrição da soberania brasileira para entrega dos recursos minerais encontrados em terras indígenas a empresas estrangeiras 20 20 Essa afirmação era falsa, conforme o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada para investigar tais acusações ( FERNANDES, 2015). .

Do mesmo modo, não pode causar espanto a afirmação: “[…] A própria FUNAI está contaminada pela tese internacionalista” 21 21 Em prefácio escrito pelo General-de-Divisão Carlos de Meira Mattos. ( BARRETO, 1995BARRETO, C. A. L. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995., p. 12). E continua o autor, questionando:

Como reivindicar o controle político de um território brasileiro de extensão de 94.191 Km 2 (semelhante à área de Santa Catarina e três vezes a superfície da Bélgica), para uma tribo que o habita, de 5.000 índios, no máximo, e que vive, até hoje, no mais baixo estágio de ignorância e primitivismo?” ( BARRETO, 1995BARRETO, C. A. L. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995., p. 11).

A resposta não é política, mas jurídica. O processo de demarcação está previsto na Lei n. 6.001/1973, constituindo uma medida para a efetivação do direito de posse indígena previsto expressamente pelo Estado brasileiro, no exercício de sua soberania, e dando-lhe estatura constitucional desde pelo menos 1934. Isso é reforçado pelo sistema interamericano de direitos humanos, do qual o Brasil soberanamente decidiu participar ao ser membro da OEA, estando sujeito ao controle e fiscalização da CIDH, e ao ser parte da CADH, estando sujeito à jurisdição contenciosa da CtIDH.

É comum o erro de equiparar a noção jurídica de soberania com a noção de propriedade. A soberania do Estado corresponde justamente ao poder efetivo de determinar, com exclusividade, em que consistirão os fatos, atos e negócios jurídicos concretizados em determinada base espacial. Quando o Estado brasileiro, por meio de norma jurídica fixada no exercício de sua função legislativa, prevê, por exemplo, que a ordem econômica observa o princípio da propriedade privada 22 22 Art. 170, II, da Constituição da República de 1988. , não há disposição ou enfraquecimento de sua soberania.

Ao contrário, ao estabelecer a possibilidade jurídica do exercício de direitos reais a pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado, o Estado não aliena sua soberania, mas a efetiva! Logo, a garantia da posse indígena sobre parte do território nacional e do usufruto sobre os recursos naturais ali encontrados em nada afeta a integridade do Estado brasileiro. Ademais, “os povos indígenas nunca representaram nenhum tipo de problema para as fronteiras, foram colaboradores valiosíssimos das comissões demarcadoras” ( RICUPERO, 2009RICUPERO, R. Índios e capitalismo de faroeste. Entrevista de Rubens Ricúpero por Anselmo Assad e Renato Rovai. In: MIRAS, J. T. et al. Makunaima grita: Terra Indígena Raposa Serra do Sol e os direitos constitucionais no Brasil. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009. p. 147-152., p. 147). Não há registro de manifestação dos Yanomami, com base no direito à autodeterminação dos povos, em defesa de sua secessão do território brasileiro para se constituir em Estado soberano.

Durante a crise humanitária dos Yanomami, encontrava-se reunida no Brasil a Assembleia Nacional Constituinte, que construiria as novas bases jurídicas do Estado após o fim da Ditadura. No que concernia ao debate sobre vários direitos, as Forças Armadas acompanhavam de perto o processo de sua elaboração 23 23 Apesar de nenhum candidato indígena ter sido eleito para a Assembleia Nacional Constituinte, nos debates sobre a nova Constituição da República, os movimentos indígenas estavam representados pela União das Nações Indígenas (UNI), apoiada pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pela Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) e pelo Cimi, que apresentou, junto com a ABA, a Coordenação Nacional dos Geólogos e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a proposta de emenda popular (PE-40) ( FERNANDES, 2015). . No caso específico dos direitos indígenas, os militares intentavam manter a política integracionista em consonância com a doutrina de segurança nacional ( FERNANDES, 2015FERNANDES, P. Povos indígenas, segurança nacional e a Assembleia Nacional Constituinte: as Forças Armadas e o capítulo dos índios da Constituição brasileira de 1988. Revista InSURgência, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 142-175, 2015.).

Em uma onda irresistível de aspirações democráticas, a sociedade brasileira organizada, por meio da eleição direta dos membros constituintes, mas se aproveitando, também, da ação dos movimentos sociais, deu um passo importante para a existência do Brasil como Estado democrático de direito.

No que concerne especificamente aos direitos indígenas: “Fomos para o Congresso mobilizando a opinião pública e com a participação intensa das lideranças indígenas no país inteiro, o que possibilitou a aprovação do nosso texto. Nada do que botamos em nosso texto foi suprimido” ( KRENAK, 2015KRENAK, A. Ailton Krenak. Rio de Janeiro: Azougue, 2015. (Coleção Encontros)., p. 103).

Em vigor a Constituição de 1988, reafirmaram-se aos indígenas, no art. 231, caput os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, em sentido amplo 24 24 Art. 231, § 1º, da Constituição de 1988: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” ( BRASIL, 1988). , devendo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Manteve-se, no Brasil, a concepção de que os indígenas são titulares de direitos reais originários, independentemente de qualquer ato jurídico constitutivo praticado pelo Estado.

De todo modo, recepcionada pela Constituição de 1988, a Lei n. 6.001/1973 obriga que o Estado realize a demarcação em vista da segurança jurídica 25 25 A demarcação insere-se no sistema brasileiro de registro imobiliário, cuja função é de cadastro e publicidade de direitos reais sobre imóveis ( CENEVIVA, 2009). Com relação às terras indígenas, o registro imobiliário é meramente declaratório, mas importante para a proteção dos direitos de posse e usufruto indígenas. , o que deve ser feito imediatamente. O próprio art. 65 da referida lei estabelece que: “O Poder Executivo fará, no prazo de cinco anos 26 26 Este é o mesmo prazo para conclusão da demarcação de todas as terras indígenas, previsto no art. 67 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, também ignorado pelo Estado brasileiro. [ sic], a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas” ( BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

Igualmente, a Constituição de 1988 reafirmou, no art. 20, XI, ser a União proprietária das terras indígenas, independentemente de sua demarcação, pois anterior 27 27 Os Yanomami já ocupavam suas terras séculos antes da chegada à América do Sul dos navegadores provenientes do Estado português, em 1500, do qual se originou, séculos mais tarde, o Estado brasileiro, que, nos termos do direito em vigor, exerce sua soberania sobre tais terras. a qualquer ato do Estado. Trata-se de uma inovação constitucional, pois, nas Constituições anteriores, as terras indígenas dependiam do reconhecimento expresso do Poder Público ( SOUZA FILHO, 2013SOUZA FILHO, C. F. M. Dos índios. In: CANOTILHO, J. J. G. et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 2147-2157.). Logo, os direitos reais originários e imprescritíveis 28 28 Art. 231, § 4º, da Constituição de 1988. dos indígenas correspondem a direitos reais em favor da União. Enquanto esta tem o direito de propriedade daquelas terras, os indígenas têm, segundo o art. 231, § 2º, da Constituição de 1988, sua posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

Os direitos reais sobre as terras indígenas têm por consequência, nos termos do art. 231, § 6º, da Constituição de 1988, a nulidade dos atos praticados por terceiros que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras ou a utilização de seus recursos naturais. Em razão desse dispositivo constitucional, não se aplicam ali os incentivos 29 29 Art. 231, § 7º, combinado com o art. 174, § 3º, e o art. 174, § 4º, da Constituição de 1988. à atividade de cooperativas garimpeiras.

2.1 Estado democrático diante das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre os Yanomami no Brasil

Por meio do Decreto n. 22/1991BRASIL. Decreto n. 22, de 4 de fevereiro de 1991. Dispõe sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1991. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0022.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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, de 4 de fevereiro de 1991, o Governo brasileiro deu nova regulamentação ao processo administrativo de demarcação de terras indígenas, revogando o Decreto n. 94.945/1987 30 30 Revogado pelo Decreto n. 22/1991, o Decreto n. 94.945/1987 revogava o Decreto n. 88.118/1983, que havia revogado, por sua vez, o Decreto n. 76.999/1976, o primeiro regulamento do art. 19 da Lei n. 6.001/1973. . Tratava-se, desde a entrada em vigor da Lei n. 6.001/1973, do quarto 31 31 Após a demarcação da Terra Indígena Yanomami, entraria em vigor o Decreto n. 1.775/1996, de 8 de janeiro de 1996, que dispõe sobre o processo administrativo de demarcação de terras indígenas no Brasil (BRASIL, 1996). decreto de regulamentação do processo administrativo, que se destacou por garantir, no art. 2º, § 2º, a participação do grupo indígena em todas as fases da demarcação, o que punha a legislação brasileira em consonância com o espírito da Convenção n. 169BRASIL. Convenção n. 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1989b. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2002/decretolegislativo-143-20-junho-2002-458771-convencaon169-pl.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
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da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em 1989 e internacionalmente em vigor 32 32 Convenção n. 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989; aprovada pelo Decreto Legislativo n. 143, de 20 de junho de 2002; depositado o instrumento de ratificação junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de 2002; entrada em vigor internacional em 5 de setembro de 1991, e, para o Brasil, em 25 de julho de 2003, nos termos de seu art. 38; e promulgada em 19 de abril de 2004). desde 1991. Também é importante perceber não haver mais qualquer determinação específica sobre área de fronteira, o que influenciava diretamente a demarcação da terra Yanomami.

Em 25 de maio de 1992, em conformidade com a Resolução n. 12/1985 da CIDH, seguindo o comando do art. 231 da Constituição de 1988 e cumprindo o disposto no Decreto n. 22/1991, homologou-se, enfim, a demarcação administrativa da Terra Indígena Yanomami (TIY) promovida pela Funai, com uma área total de 9.664.975,48 hectares e perímetro de 3.370 Km 33 33 Art. 1º do Decreto de 25 de maio de 1992, assinado pelo Presidente Fernando Collor, que homologou a demarcação administrativa da TIY, em Roraima e Amazonas (BRASIL, 1992b). , o que corresponde às dimensões do território do Estado português.

Em 1995, em visita ao Brasil, a CIDH comprovou a existência de postos de saúde e de vigilância de órgãos do Estado na TIY, bem como a eficiente ação de proteção do território e defesa contra incursões clandestinas de garimpeiros, que não passavam de 330, isto é, menos de 1% do que lá havia durante a crise de 1987 ( CIDH, 1997CIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 29 de setembro de 1997, durante o 97º Período Ordinário de Sessões. Washington, DC: CIDH, 1997. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/pag%206-1.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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).

No contexto da proteção dos direitos indígenas no Brasil, o art. 49, XVI da Constituição de 1988 estabelece que: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais” ( BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). Tal autorização somente é devida quando se trata de utilização por terceiro não indígena ou quando o destino da produção é o mercado em um contexto tecnológico diferente, em razão do art. 231, § 2º, da Constituição de 1988, que já prevê o usufruto exclusivo indígena ( SOUZA FILHO, 2013SOUZA FILHO, C. F. M. Dos índios. In: CANOTILHO, J. J. G. et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 2147-2157.).

Todavia, a autorização do Congresso Nacional, nos termos do art. 231, § 3º, da Constituição de 1988, dar-se-á “na forma da lei” ( BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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), que ainda não existe, considerando que a Lei n. 13.575/2017BRASIL. Lei n. 13.575, de 26 de dezembro de 2017. Cria a Agência Nacional de Mineração (ANM); extingue o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); altera as Leis n º 11.046, de 27 de dezembro de 2004, e 10.826, de 22 de dezembro de 2003; e revoga a Lei n. 8.876, de 2 de maio de 1994, e dispositivos do Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração). Brasília, DF: Presidência da República, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\_ato2015-2018/2017/lei/l13575.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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, que criou a Agência Nacional de Mineração 34 34 A Associação Nacional do Ouro (Anoro), presidida desde 2013 por Dirceu Santos Frederico Sobrinho, que é o principal proprietário da Mineradora Ouro Roxo Ltda., D’Gold Purificadora de Metais Preciosos e FD Gold DTVM. Segundo o Presidente da Anoro, o ouro clandestino é parte das 35 toneladas retiradas anualmente de garimpos, que são incorporadas à produção anual pela ANM. Saindo das áreas de garimpos, passando pelas cidades em zonas de mineração como moeda corrente, o ouro ilegal é inserido na economia formal a partir da sua compra por grandes instituições financeiras, passando a fazer parte das reservas cambiais do Brasil ( QUADROS, 2020). (ANM) em lugar do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), não regula a atividade minerária em terras indígenas. No mesmo sentido, o Decreto-Lei n. 227/1967 (Código de Mineração) nada dispõe sobre a pesquisa ou a lavra por não indígenas em terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, sendo absolutamente vedada tal atividade. Logo, uma atividade prevista constitucionalmente não pode ser realizada por inexistência de lei federal regulamentadora, o que joga inexoravelmente na clandestinidade todas as iniciativas de mineração em terra indígena ( BRASIL, 2020bBRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão. Mineração ilegal de ouro na Amazônia: marcos jurídicos e questões controversas. Brasília, DF: MPF, 2020b.).

De outro lado, quando se trata de garimpo tradicional ( BRASIL, 2013BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração na Petição 3.388 Roraima. Embargos de Declaração. Ação Popular. Demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Embargantes: Augusto Affonso Botelho Neto, Lawrence Manly Harte e outro(a/s), Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti, Comunidade Indígena Socó e outros, Estado de Roraima, Ministério Público Federal, Ação Integralista Brasileira e outros. Embargados: União, Augusto Affonso Botelho Neto, Fundação Nacional do Índio – Funai. Relator: Min. Roberto Barroso, 23 de outubro de 2013. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5214423. Acesso em: 20 fev. 2023.
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), é permitida a atividade quando realizada exclusivamente por indígenas, nos termos do art. 44 da Lei n. 6.001/1973, segundo o qual: “As riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o exercício da garimpagem, faiscação e cata das áreas referidas” ( BRASIL, 1973bBRASIL. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF: Presidência da República, 1973b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). O consentimento soberano do Estado brasileiro é dado expressamente por meio do direito constitucional de usufruto exclusivo e perpétuo em favor dos indígenas. A exploração e o aproveitamento desses recursos podem ser feitos por eles exclusivamente ou em parceria com terceiros não indígenas, tendo sempre a supervisão do Estado brasileiro, que tem a obrigação de proteger não apenas os bens das terras indígenas, mas a própria existência do grupo étnico ( SOUZA FILHO, 2013SOUZA FILHO, C. F. M. Dos índios. In: CANOTILHO, J. J. G. et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 2147-2157.).

A ausência de uma lei federal regulamentadora do garimpo nas terras indígenas não impediu, entretanto, que, no início da década de 2010, quase 55% da TIY fosse objeto de centenas de pedidos de concessão ou concessões de prospecção mineral registrados junto à atual ANM, feitos por empresas públicas e privadas, nacionais e multinacionais 35 35 Vide Rolla e Ricardo (2013). (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.), embora não haja traço de ouro em Roraima ou produção legal no Amazonas ( SALOMÃO, 2023SALOMÃO, A. Lei facilita caminho para garimpo “esquentar” ouro ilegal. Folha de S.Paulo, Mercado, 5 fev. 2023, p. A16-A17.). Isso se deve à abertura dada pelo art. 4º, § 1º, do Decreto n. 88.985/1983 36 36 O Decreto n. 88.985/1983 regulamenta os arts. 44 e 45 da Lei n. 6.001/1973. , que, inconstitucional à luz do regime de 1988, permitia à Funai e à atual ANM a autorização de pesquisa e a concessão de lavra em terras indígenas a empresas privadas (BRASIL, 1983a).

Tal fenômeno se conecta ao regime de permissão de lavra garimpeira, criado pela Lei n. 7.805/1989BRASIL. Lei n. 7.805, de 18 de julho de 1989. Altera o Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, cria o regime de permissão de lavra garimpeira, extingue o regime de matrícula, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1989c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7805.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, segundo a qual as características do garimpo permitiriam uma autorização mais flexível da atividade por parte do Estado (BRASIL, 1989c). Contudo, seu art. 23, a, veda expressamente a permissão da lavra garimpeira em terras indígenas, o que corrobora com a conclusão de que, na ausência de lei federal 37 37 Em 2020, o Governo brasileiro apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 191/2020, que regulamenta o art. 176, § 1º, e o art. 231, § 3º, da Constituição de 1988, estabelecendo as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. Importante notar que, no texto do polêmico Projeto de Lei n. 191/2020, é prevista a revogação expressa justamente do art. 44 da Lei n. 6.001/1973 e do art. 23, a, da Lei n. 7.805/1989, citados anteriormente ( BRASIL, 2020a). para regulamentar a autorização do Congresso Nacional, é impossível a permissão de garimpo em terra indígena.

2.2 Corte Interamericana de Direitos Humanos: direito de propriedade coletiva

Apesar de a CADH ter sido adotada em 1969 e ter entrado em vigor em 1978, o Brasil somente depositou sua carta de adesão em 25 de setembro de 1992, quatro meses apenas depois da homologação da TIY, dando continuidade ao processo de abertura político-jurídica iniciada em 1985 38 38 Em 15 de janeiro de 1985, elegeu-se indiretamente como Chefe do Estado brasileiro, Tancredo Neves, colocando fim a um período de 21 anos de governo militar. , consolidada em 1988 39 39 Em 5 de outubro de 1988, promulgou-se a Constituição democrática da República Federativa do Brasil, colocando fim a um período de 24 anos de regime jurídico-ditatorial. e internacionalizada em 1992 40 40 Entre 3 e 14 de junho de 1992, realizou-se no Brasil a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, quando se adotaram a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre Florestas, a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, a Agenda 21, constituindo a base de sustentação do Direito Internacional Ambiental. .

A partir do momento em que o Estado brasileiro se tornou parte da CADH, nos termos do art. 19 de seu Estatuto, a CIDH passa a poder agir com respeito às petições e outras comunicações de conformidade com os arts. 44 a 51 da CADH 41 41 Os arts. 44 a 51 compõem a Seção 3 do Capítulo VII da CADH, dedicada à competência da CIDH. , demandando à CtIDH a responsabilização do Estado e podendo, inclusive, lhe solicitar que adote medidas provisórias, em caso de gravidade e urgência, a fim de evitar danos irreparáveis aos indivíduos.

Seis anos depois da adesão à CADH, em 10 de dezembro de 1998, o Brasil depositou nota de reconhecimento soberano da jurisdição contenciosa 42 42 A CtIDH pode também adotar opiniões consultivas sobre interpretação da CADH ou outro tratado americano de direitos humanos, quando solicitado por membro da OEA. Além disso, qualquer Estado parte da CADH pode solicitar à CtIDH a opinião consultiva sobre a convencionalidade de normas de direito interno. da CtIDH. Desde então, pode a CtIDH julgar o mérito de casos sobre a interpretação e aplicação da CADH, que envolvam o Estado brasileiro ( ROSATO; CORREIA, 2011ROSATO, C. M.; CORREIA, L. C. Caso Damião Ximenes Lopes: mudanças e desafios após a primeira condenação do brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 8, n. 5, p. 115-134, 2011.).

De acordo com a jurisprudência da CtIDH, um Estado somente pode restringir os direitos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas em caso de legalidade, necessidade, proporcionalidade e legitimidade democrática ( CTIDH, 2005CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso de la Comunidad Moiwana vs. Suriname. Sentencia de 15 de junio de 2005 Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas).). Ademais, se estiver em causa a sobrevivência identitária de determinado grupo indígena, o Estado deve restringir o exercício dos direitos individuais não indígenas em benefício do exercício de direitos coletivos indígenas ( CTIDH, 2007CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso do Povo Saramaka vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007 (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas).), garantindo a estes o direito de viver livremente, em consonância com suas tradições ( CTIDH, 2015CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Comunidad Garífuna Triunfo de la Cruz y sus membros vs. Honduras. Sentencia de 8 de octubre de 2015 (Fondo, Reparaciones y Costas).).

Evidentemente, o exercício da soberania pelo Estado não lhe dá o direito de negar a existência dos povos indígenas em suas terras tradicionais ( CTIDH, 2012CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Pueblo Indígena Sarayaku vs. Ecuador. Sentencia de 27 de junio de 2012 (Fondo y Reparaciones).). Sendo assim, os indígenas têm juridicamente o direito de viver livremente, o que implica fazê-lo segundo sua própria cultura, em razão de suas necessidades e aspirações de ordem espiritual e material, ultrapassando os limites estritos dos direitos reais, especialmente o direito de propriedade, previsto no art. 21 da CADH.

O desenvolvimento jurisprudencial da noção de propriedade coletiva relativa à existência dos indígenas, no âmbito jurídico-interamericano, tem permitido, desde o início do século XXI, uma abordagem mais adequada à realização de valores universalmente reconhecidos, associados à proteção da dignidade humana ( TOLEDO, 2019TOLEDO, A. P. Reconhecimento da propriedade coletiva indígena no sistema interamericano de direitos humanos e seus desdobramentos na Amazônia. In: BARROSO, L. A.; MANIGLIA, E.; MIRANDA, G. A lei agrária nova. Curitiba: Juruá, 2019. p. 121-138. (Biblioteca Científica de Direito Agrário, Agroambiental e do Agronegócio, v. 6).).

No âmbito jurisdicional internacional, em 2016, o Brasil tornou-se réu em uma ação submetida pela CIDH à CtIDH, cujo objeto se referia ao direito de propriedade coletiva dos Xucuru sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Tratava-se de um caso fundado basicamente na ausência de demarcação e na falta de desintrusão da terra indígena. No mérito, em sentença proferida em 2018, a CtIDH reconheceu que, para o Estado, há a prevalência do direito de propriedade coletiva em detrimento da propriedade privada, não sendo necessária qualquer adaptação legislativa ( CARRA, 2017CARRA, C. A. Reflexão dialética acerca do caso n. 12.728 – Povo Indígena Xucuru. Revista da AGU, Brasília, v. 16, n. 2, p. 87-104, 2017.).

No caso dos Xucuru, apesar de consolidado o direito à posse indígena e o dever de demarcação das terras indígenas, o Brasil não cumpria a obrigação, violando consequentemente o art. 21 da CADH. Como desdobramento do direito à propriedade coletiva, o Estado descumpre o direito às garantias judiciais e proteção judicial 43 43 Arts. 8º e 25 da CADH. , quando não realiza a desintrusão das terras indígenas, devendo indenizar os terceiros por eventuais benfeitorias feitas de boa-fé no imóvel ( CTIDH, 2018CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil. Sentença de 5 de fevereiro de 2018 (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas).).

Em sua jurisprudência, a CtIDH indica que os direitos reais indígenas, devem ser entendidos em um novo sentido ( CTIDH, 2010CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso da Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010 (Mérito, Reparações e Custas).), ultrapassando os parâmetros estritos das relações contratuais. Com efeito, segundo a CtIDH, o direito de propriedade deve abarcar também o patrimônio cultural. Nessa perspectiva, há uma estreita relação dos indígenas com as terras tradicionalmente ocupadas, o que inclui os elementos imateriais resultantes da utilização histórica dos recursos naturais nelas encontrados, compondo o que se designa como “conhecimento tradicional associado” ( CTIDH, 2010CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso da Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010 (Mérito, Reparações e Custas).).

A posse dos indígenas das terras tradicionalmente ocupadas deve ter os mesmos efeitos jurídicos do título de propriedade plena outorgado pelo Estado ( CTIDH, 2001CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001 (Mérito, Reparações e Custas).; 2006)CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay. Sentencia de 29 de marzo de 2006 (Fondo, Reparaciones y Costas)., o que corresponde à existência originária desses direitos, independentemente da prática de atos pelo Estado. O fato de os indígenas ocuparem tradicionalmente aquelas terras implica a existência do direito de propriedade anterior à formação do próprio Estado.

Quando da onda de invasão de territórios ultramarinos como estratégia de superação dos impasses do mercantilismo europeu, o processo de colonização daí advindo trouxe importantes alterações na configuração jurídica internacional. No contexto americano, povos indígenas tiveram seus territórios anexados à força pelo Estado colonizador. Indígenas foram reduzidos à condição de pessoas escravizadas por agentes do Estado escravocrata, em cumprimento da ordem jurídica interna e internacional.

A independência das antigas colônias em Estados soberanos, como foi o caso do Brasil em 1822, não alterou substancialmente as condições de vida dos povos indígenas que se encontravam em seu território. Fosse no Estado colonizador, fosse no Estado recém-independente, os povos indígenas não recuperaram a condição originária que mantinham com a terra. Reconhecendo a violência do Estado, a CtIDH tem determinado, após a entrada em vigor da CADH, que os Estados partes tornem efetiva a propriedade coletiva indígena sobre suas terras tradicionais. Não há contradição entre terra indígena e território nacional.

Por causa disso, os povos originários têm o direito de que o Estado se abstenha de praticar, até o reconhecimento oficial de sua titularidade, os atos que possam levar os agentes do próprio Estado ou terceiros não indígenas a comprometer a existência ou o gozo dos direitos de propriedade coletiva. Logo, o Estado viola o direito internacional, quando concede a terceiros – mesmo de boa-fé – o uso de terras e recursos localizados em uma área correspondente à terra tradicionalmente ocupada pelos indígenas ( CTIDH, 2001CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001 (Mérito, Reparações e Custas).).

Nesse contexto, o art. 8º, § 2º, b, da Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, adotada em 2007, determina que: “Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a prevenção e a reparação de todo ato que tenha por objetivo ou consequência subtrair-lhes suas terras, territórios ou recursos” ( ONU, 2007ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2007. Disponível em: https://www.camara.leg.br/Internet/comissao/index/perm/cdh/Tratados_e_Convencoes/Indios/declaracao_universal_direitos_povos_indigenas.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). No mesmo sentido, o art. 26, § 3º, dessa Declaração determina que: “Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram” ( ONU, 2007ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2007. Disponível em: https://www.camara.leg.br/Internet/comissao/index/perm/cdh/Tratados_e_Convencoes/Indios/declaracao_universal_direitos_povos_indigenas.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.camara.leg.br/Internet/comis...
; CTIDH, 2014CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso de los Pueblos Indígenas Kuna de Madungandí y Emberá de Bayano y sus Membros vs. Panamá. Sentencia de 14 de octubre de 2014 (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas).).

3 Ordem jurídica brasileira e crise democrática: caso dos Yanomami

Enquanto a CtIDH condenava o Brasil no caso referente aos Xucuru, realizava-se a eleição direta para Presidente da República, quando se elegeu Jair Bolsonaro, o que representou o retorno definitivo ao Governo brasileiro da corrente 44 44 É notório o apoio de Bolsonaro aos crimes da Ditadura. Em 1999, em entrevista à televisão, ele defendeu abertamente a tortura e a execução de brasileiros, como pode ser verificado no vídeo disponível em Bolsonaro… (2017). Em 2016, em discurso no Congresso Nacional, o então Deputado Federal prestou homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido torturador. O discurso posse ser visto em Bolsonaro exalta… (2016). política que apoiara e comandara o Estado durante a Ditadura.

Bolsonaro sucedeu a Michel Temer, que ficou na Presidência por quase dois anos e meio, a fim de completar o mandato de Dilma Rousseff, quem, eleita democraticamente em fins de 2014, após vencer por margem pequena o candidato da oposição, Aécio Neves, sofreu um controverso processo de impeachment 45 45 Iniciado em 1º de janeiro de 2015, o segundo mandato de Rousseff na Presidência da República foi marcado por significativas atribulações jurídico-políticas, a começar pela intenção de recontagem de votos sustentada por políticos de oposição, passando por ação de cassação da chapa junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até chegar aos projetos de lei votados para dificultar ainda mais o cumprimento da meta fiscal pelo Governo. Apesar de previsto na ordem democrática do Brasil, o impeachment tem como condição jurídica a comprovação inconteste de crime de responsabilidade, cometido dolosamente, no curso do mandato. em 31 de agosto de 2016.

De acordo com a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Autóctones, Victoria Tauli-Corpuz, em missão no Brasil entre 7 e 17 de março de 2016 46 46 A visita ao Brasil da Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Autóctones aconteceu cinco meses antes da conclusão do processo de impeachment de Rousseff, o que se deu 23 dias depois da publicação do Relatório. , sua visita coincidiu com o agravamento da crise política no País. A significativa agitação política daquele período era vista por Tauli-Corpuz como fator de risco de interrupção das medidas do Estado em prol do bem-estar e sobrevivência dos povos indígenas “and their enjoyment of land and cultural rights” 47 47 Em tradução livre, “e seu gozo dos direitos fundiários e culturais”. ( NATIONS UNIES, 2016NATIONS UNIES. Assemblée générale. Conseil des droits de l’homme. Rapport de la Rapporteuse spéciale sur les droits des peuples autochtonhes concernant sa mission au Brésil. 33ͤᵉ session, 8 août 2016, A/HRC/33/42/Add.1. Disponível em: https://daccess-ods.un.org/access.nsf/Get?OpenAgent&DS=A/HRC/33/42/Add.1⟪=F. Acesso em 20 fev. 2023.
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, p. 3).

No mesmo documento, constatava-se a estagnação dos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil, cujas causas podiam ser encontradas, especialmente, na falta de vontade política no nível ministerial e presidencial, o que, combinado com o enfraquecimento da Funai, inviabilizava o cumprimento da obrigação pelo Estado ( NATIONS UNIES, 2016NATIONS UNIES. Assemblée générale. Conseil des droits de l’homme. Rapport de la Rapporteuse spéciale sur les droits des peuples autochtonhes concernant sa mission au Brésil. 33ͤᵉ session, 8 août 2016, A/HRC/33/42/Add.1. Disponível em: https://daccess-ods.un.org/access.nsf/Get?OpenAgent&DS=A/HRC/33/42/Add.1⟪=F. Acesso em 20 fev. 2023.
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).

Em conclusão, Tauli-Corpuz destacava a sofisticação da legislação brasileira sobre direitos indígenas, reconhecendo que, no passado, o Estado foi líder em demarcação de terras indígenas. No entanto, ela identificava que, desde 2008, era preocupante falta de progresso na implementação das recomendações do antigo Relator Especial e na solução de antigos impasses indígenas. Com efeito, informações apontavam o retrocesso na proteção dos direitos indígenas no Brasil, o que era ainda mais grave em um contexto de crise política ( NATIONS UNIES, 2016NATIONS UNIES. Assemblée générale. Conseil des droits de l’homme. Rapport de la Rapporteuse spéciale sur les droits des peuples autochtonhes concernant sa mission au Brésil. 33ͤᵉ session, 8 août 2016, A/HRC/33/42/Add.1. Disponível em: https://daccess-ods.un.org/access.nsf/Get?OpenAgent&DS=A/HRC/33/42/Add.1⟪=F. Acesso em 20 fev. 2023.
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).

No que concerne à TIY, Tauli-Corpuz informava, em 2016, que o Brasil falhava em proteger a área de atividades ilegais, especialmente o garimpo e a extração de madeira. Chamava atenção o fato de que, mesmo em terras demarcadas como a TIY, faltava o controle efetivo do Estado, o que causava impactos na saúde, na cultura e na gestão do território ( NATIONS UNIES, 2016NATIONS UNIES. Assemblée générale. Conseil des droits de l’homme. Rapport de la Rapporteuse spéciale sur les droits des peuples autochtonhes concernant sa mission au Brésil. 33ͤᵉ session, 8 août 2016, A/HRC/33/42/Add.1. Disponível em: https://daccess-ods.un.org/access.nsf/Get?OpenAgent&DS=A/HRC/33/42/Add.1⟪=F. Acesso em 20 fev. 2023.
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).

Como reação, em 2017, o Governo brasileiro, por meio da Portaria n. 68/2017 do Ministro da Justiça 48 48 Dois meses depois de assinar a dita portaria como Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes tornar-se-ia ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), corte constitucional brasileira, em 22 de março de 2017, após indicação de Temer. , tentou alterar o sistema de demarcação de terras indígenas 49 49 Decreto n. 1.775/1996, de 8 de janeiro de 1996, que revogou o Decreto n. 22 /1991, em vigor quando da homologação da demarcação da TIY (BRASIL, 1996). , “incorporando teses caras a entidades do agronegócio e à bancada ruralista no Congresso” ( VALENTE, 2017VALENTE, R. Ministro da Justiça altera demarcação de terras indígenas no país. Folha de S.Paulo, 18 jan. 2017. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/01/1851036-ministro-da-justica-altera-demarcacao-de-terras-indigenas-no-pais.shtml. Acesso em: 20 fev. 2023.
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). De acordo com tal portaria, o Ministério da Justiça passava a poder reexaminar as fases administrativas realizadas pela Funai, fragilizando o papel do órgão indigenista brasileiro e fortalecendo a atuação de grupos de pressão do meio ruralista. Após críticas, o Ministro revogou a portaria no dia seguinte, criando forte desconfiança na ação do Estado em relação à demarcação de terras indígenas (YAMADA, 2017).

Reforçando o retrocesso dos direitos indígenas no Brasil, dois anos depois, já no exercício do mandato presidencial, em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Bolsonaro demonstrou sua intenção de não mais demarcar terras indígenas, em violação do art. 19 da Lei n. 6.001/1973, do art. 21 da CADH e do art. 231 da Constituição de 1988. Na ocasião, afirmou que: “[…] o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estado gostariam que acontecesse” ( VERDÉLIO, 2019aVERDÉLIO, A. Veja a íntegra do discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU. Agência Brasil, 24 set. 2019a. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-09/presidente-jair-bolsonaro-discursa-na-assembleia-geral-da-onu. Acesso em: 8 nov. 2019.
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).

Em seguida, sobre as terras indígenas já demarcadas, acrescentou: “O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas. Especialmente das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas Ianomâmi e Raposa Serra do Sol. Nessas reservas, existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras, entre outros” ( VERDÉLIO, 2019bVERDÉLIO, A. Em discurso na ONU, Bolsonaro destaca riqueza da Amazônia. EBC, 24 set. 2019b. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-09/em-discurso-na-onu-bolsonaro-destaca-riqueza-da-amazonia. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politic...
).

Esse posicionamento ideológico não era novidade para quem o conhecia. Na função de Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, Bolsonaro apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) n. 365, de 7 de outubro de 1993, por meio do qual pretendia tornar sem efeito o Decreto de 25 de maio de 1992, que homologara a demarcação da TIY.

No PDL, que se encontra arquivado, alertava-se para o significado político dos chamados “vazios demográficos” como um problema de segurança nacional, que incentivava a ocupação como estratégia de defesa ( RAMOS, 1993RAMOS, A. R. O papel político das epidemias: o caso Yanomami. Série Antropologia, Brasília, n. 153, 1993. Disponível em: http://biblioteca.funai.gov.br/media/pdf/Folheto26/FO-CX-26-1528-1994.PDF. Acesso em: 20 fev. 2023.
http://biblioteca.funai.gov.br/media/pdf...
). “Ocupar para não entregar” ( SANTANA, 2009SANTANA, A. B. A BR-163: “ocupar para não entregar”: a política da ditadura militar para a ocupação do “vazio” Amazônico. In: XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25., 2009, Fortaleza, p. 1-9. Anais […]. São Paulo: ANPUH, 2009., p. 3). A questão fundamental era: como podem cerca de 25.000 indígenas ter garantida juridicamente a posse originária e perpétua de quase dez milhões de hectares ricos em recursos naturais? “É o caso de medidas pretensamente legais, mas que não passam de flagrantes arbitrariedades e atentados à Democracia, como a criação de gigantescas reservas indígenas, para atender escusos interesses estrangeiros, sem consulta à sociedade brasileira” ( BARRETO, 1995BARRETO, C. A. L. M. A farsa ianomâmi. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995., p. 150).

A posse indígena corresponde efetivamente a uma barreira jurídica à apropriação, à exploração e ao aproveitamento daquelas terras. Mais do que um desafio de defesa da integridade territorial do Brasil, na medida em que não existem controvérsias com a Venezuela nem qualquer outro Estado, a oposição à demarcação e à desintrusão das terras indígenas diz mais respeito à defesa de interesses de agentes econômicos 50 50 “A maioria do ouro que circula no país acaba virando ativo financeiro, pois a tributação é mais baixa. Assim, é necessário ser vendido por uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central do Brasil. Oficialmente a instituição financeira não tem que checar a veracidade da PLG [Permissão de Lavra Garimpeira]. Pelo menos 30% do ouro comercializado no Brasil, de janeiro de 2021 a junho de 2022, têm indícios de procedência irregular. No Pará, por exemplo, 48% do ouro têm indício de irregularidades” ( SALOMÃO, 2023, p. A16). , realizados em detrimento da dignidade humana e do meio ambiente. Por óbvio, são legítimos os interesses econômicos, notadamente dos Estados que ainda lutam contra o subdesenvolvimento, desde que em conformidade jurídica.

Antes da chegada de Bolsonaro à Presidência do Brasil, ainda em 2016, a Funai contava a existência de 5.000 garimpeiros na TIY, o que já era número bem superior àquele identificado pela CIDH em 1995 ( RAMOS; OLIVEIRA, 2020RAMOS, A. R. A.; OLIVEIRA, K. A. Mercúrio nos Garimpos da Terra Indígena Yanomami e Responsabilidades. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 23, p. 1-22, 2020.). Em 2020, o número já tinha subido para 20.000, refletindo o crescimento da exploração de ouro em Roraima. Há quem conte um aumento de 3.350% no garimpo na TIY de 2016 a 2020 ( HAY; SEDUUME, 2022HAY – HUTUKARA ASSOCIAÇÃO YANOMAMI; SEDUUME – ASSOCIAÇÃO WANASSEDUUME YE’KWANA. Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo. Sistema de monitoramento do garimpo ilegal da TI Yanomami (dados de 2021), abr. 2022. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/prov0491_0.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://acervo.socioambiental.org/sites/...
), ocupando 1.557 hectares ( SALOMÃO, 2023SALOMÃO, A. Lei facilita caminho para garimpo “esquentar” ouro ilegal. Folha de S.Paulo, Mercado, 5 fev. 2023, p. A16-A17.), cuja presença é um dado incontestado pelo Estado brasileiro ( CIDH, 2020aCIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução 35/2020, de 17 de julho de 2020. Medida Cautelar no. 563-20. Membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye’kwana em relação ao Brasil. Washington, DC: CIDH, 2020a. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/35-20MC563-20-BR-PT.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/p...
).

Documentos produzidos pela Funai apontam uma próxima relação entre militares brasileiros e garimpeiros da TIY. Segundo esses documentos, os militares teriam deixado de enfrentar as atividades ilegais de garimpo ou adotado medidas insuficientes de enfrentamento em pelos menos sete ocasiões, impulsionando consequentemente a garimpagem na terra indígena ( GABRIEL, 2023GABRIEL, J. Relatório aponta militares comprados pelo garimpo na TI Yanomami no início da gestão Bolsonaro. Folha de S.Paulo, 26 jan. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/01/relatorio-aponta-militares-comprados-pelo-garimpo-na-ti-yanomami-no-inicio-da-gestao-bolsonaro.shtml. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
).

Em 2022, de três ciclos de operações de desintrusão de sete terras indígenas tomadas por garimpeiros, inclusive a TIY, em cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), apenas um teve a atuação de aeronaves militares em apoio à Polícia Federal, que, em Roraima, não dispõe desse tipo de equipamento. Ademais, o Governo brasileiro ignorou os pedidos de monitoração do espaço aéreo na TIY como estratégia de combate aos garimpeiros ( SASSINE, 2023SASSINE, V. Forças Armadas deixaram de agir 7 vezes na TI Yanomami. Folha de S.Paulo, Ambiente: planeta em transe, 5 fev. 2023, p. B1.).

No que concerne à saúde Yanomami, há registro, em 2021, de proibição por parte da Funai de acesso à TIY por membros da equipe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que, seguindo todos os protocolos médicos, fariam o atendimento médico dos indígenas que sofriam de malária e desnutrição, sob a alegação de contenção do novo coronavírus (Covid-19) ( PODCAST FIOCRUZ, 2021PODCAST FIOCRUZ: Saúde da população Yanomami: proibição da Funai da entrada da Fiocruz na área indígena. [Locução de] Paulo Basta. Rio de Janeiro: ENSP TV, 2021. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/56792. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict...
).

Sobre a desnutrição, os dados desde 2015 apontam uma frequência de baixo peso que tem crescido de 49,3% para 56,5% das crianças Yanomami em 2021 ( BRASIL, 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório Missão Yanomami. Brasília: MS, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/arquivos/RelatorioYanomamiversao_FINAL_07_02.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
). Em 2022, o baixo peso das gestantes chegava a 46,9% ( BRASIL, 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório Missão Yanomami. Brasília: MS, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/arquivos/RelatorioYanomamiversao_FINAL_07_02.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
). “A fome é evidente e referida muitas vezes, fala-se que foi gerada por vários fatores como mudanças no clima e as consequências do garimpo ilegal” ( BRASIL, 2023BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório Missão Yanomami. Brasília: MS, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/arquivos/RelatorioYanomamiversao_FINAL_07_02.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
, p. 24). Assim, verifica-se uma continuidade de surtos epidêmicos na TIY e o descaso da ação estatal diante à saúde indígena ( GONÇALVES; SOUSA; LUTAIF, 2020GONÇALVES, L. D. V.; SOUSA, M.; LUTAIF, T. Covid-19 na Terra Indígena Yanomami: um paralelo entre as regiões do alto rio Marauiá, alto Rio Negro e vale dos rios Ajarani e Apiaí. Mundo Amazónico, Leticia, v. 11, n. 2, p. 211-222, 2020.).

Evidentemente, os desafios de desintrusão, preservação ambiental e proteção da saúde indígena não são novidades para o Brasil. Desde 1973, verifica-se o movimento contínuo de entrada ilegal nas terras Yanomami por terceiros. Todavia, tem-se percebido, na última década, uma coincidência entre instabilidade política, em contexto de fraqueza dos mecanismos de participação democrática no Brasil, e retrocesso da efetividade dos direitos indígenas. Não sendo possível efetivar os direitos indígenas por meio das instituições do Estado, busca-se novamente resposta em instituições internacionais, o que é indicativo de crise humanitária.

3.1 Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos em face da segunda crise humanitária dos Yanomami no Brasil

O retrocesso da efetivação dos direitos indígenas no Brasil pode chegar a uma conjuntura de grave estresse social, identificado como crise humanitária. No fim da década de 1970, houve o agravamento do contexto de violação de direitos indígenas nas terras ocupadas tradicionalmente pelos Yanomami, o que culminou na Resolução n. 12/1985 da CIDH, cujo impacto internacional representou a identificação da crise humanitária por que passavam os indígenas e o início do processo de alteração da conjuntura das forças políticas brasileiras, que estavam na base das violações aos direitos dos Yanomami.

Tais forças se reorganizaram, no passado recente, impondo uma conjuntura de enrijecimento das engrenagens de efetivação dos direitos indígenas no Brasil. Mais recentemente, o modelo jurídico adotado ao fim da Ditadura, quando do reestabelecimento do Estado democrático, passa a ser descontruído em um ritmo acelerado como resultado da implementação de um projeto de governo ideologicamente fundamentado em premissas que põem em risco seus fundamentos: direitos humanos, sociais e ambientais.

Tem-se, assim, a conjuntura perfeita para o aumento da pressão ilegal sobre os indígenas, ambientalistas e defensores de direitos humanos, que lembra o modus operandi do Estado brasileiros durante a Ditadura. Alcança-se, dessa maneira, um segundo pico de estresse socioambiental sofrido pelos Yanomami. Inexistindo, no âmbito interno, meios efetivos de defesa dos direitos indígenas, mais uma vez, como em 1980, os órgãos do sistema interamericano de direitos humanos são mobilizados, desvendando-se a segunda crise humanitária dos Yanomami.

Em 2020, diante das falhas nos cuidados de saúde e a presença de terceiros em terra indígena, a CIDH recebeu uma solicitação de medidas cautelares 51 51 O mecanismo de medidas cautelares é atribuição da CIDH em razão da monitoração do cumprimento das obrigações jurídicas, previsto no art. 106 da Carta da OEA combinado com o art. 41, b, da CADH e o art. 18, b, do Estatuto da CIDH. em favor dos membros dos povos Yanomami e Ye’kwana 52 52 Segundo a CIDH, os povos indígenas Yanomami e Ye’kwana habitam a TIY, contando com uma população de cerca de 25.000 e 700 pessoas respectivamente, distribuídas em 321 aldeias. , a fim de que o Brasil adotasse medidas necessárias para a proteção da vida e da integridade pessoal, no contexto da pandemia de Covid-19, considerando sua situação de particular vulnerabilidade.

Os solicitantes alegavam que havia um risco específico dos indígenas em relação à Covid-19, em razão de comorbidades e falhas no sistema de saúde indígena, destacando-se negativamente o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) como um dos mais críticos do Brasil. Além disso, os Yanomami e Ye’kwana estavam perigosamente expostos à doença, assim como à poluição por mercúrio, em decorrência da intensificação do garimpo, sem que o Estado brasileiro tenha agido com diligência devida para impedir a atividade ilegal.

Por meio da Resolução n. 35/2020, a CIDH afirmou que o direito internacional prevê o dever do Estado de proteção especial dos indígenas em vista da igualdade em relação ao restante da população, pois, historicamente, esses povos têm sido marginalizados e discriminados ( CIDH, 2020aCIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução 35/2020, de 17 de julho de 2020. Medida Cautelar no. 563-20. Membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye’kwana em relação ao Brasil. Washington, DC: CIDH, 2020a. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/35-20MC563-20-BR-PT.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/p...
). No que concerne especialmente aos Yanomami, a CIDH reconheceu o estado de permanente ameaça por parte de terceiros não indígenas, que invadem a TIY, estimando a presença ali de 20.000 garimpeiros ( CIDH, 2020aCIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução 35/2020, de 17 de julho de 2020. Medida Cautelar no. 563-20. Membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye’kwana em relação ao Brasil. Washington, DC: CIDH, 2020a. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/35-20MC563-20-BR-PT.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/p...
), sem identificar as medidas de enfrentamento apresentadas pelo Brasil ( CIDH, 2020aCIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução 35/2020, de 17 de julho de 2020. Medida Cautelar no. 563-20. Membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye’kwana em relação ao Brasil. Washington, DC: CIDH, 2020a. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/35-20MC563-20-BR-PT.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/p...
). Ademais, observou que, há anos, a presença de não indígenas na TIY é acompanhada de hostilidade e violência contra os indígenas, o que compromete a qualidade da prestação de serviços médicos ( CIDH, 2020aCIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução 35/2020, de 17 de julho de 2020. Medida Cautelar no. 563-20. Membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye’kwana em relação ao Brasil. Washington, DC: CIDH, 2020a. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/35-20MC563-20-BR-PT.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/p...
).

Assim, a CIDH decidiu adotar medidas cautelares, solicitando que o Brasil adotasse as medidas necessárias para proteger a saúde, a vida e a integridade pessoal dos Yanomami e Ye’kwana, implementando medidas preventivas contra a disseminação da Covid-19, além de lhes fornecer atendimento médico adequado em condições adequadas e culturalmente pertinentes ( CIDH, 2020aCIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução 35/2020, de 17 de julho de 2020. Medida Cautelar no. 563-20. Membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye’kwana em relação ao Brasil. Washington, DC: CIDH, 2020a. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2020/35-20MC563-20-BR-PT.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/p...
).

Em 2022, a própria CIDH submeteu à CtIDH uma demanda de medidas provisórias, que se originava das medidas cautelares adotadas pela Resolução n. 35/2020 da CIDH em favor dos Yanomami e Ye’kwana da TIY, para que fossem adotadas pelo Brasil as medidas necessárias para proteger a vida, a integridade pessoal e a saúde dos Yanomami, Ye’kwana e Munduruku 53 53 Segundo a CIDH, o povo indígena Munduruku seria composto por cerca de 14.000 pessoas vivendo nas margens do Rio Tapajós e seus afluentes no Estado do Pará, no Brasil, distribuindo-se por sete terras: Munduruku, Sai Cinza, Kayabi, as Reservas Praia do Índio e Praia do Mangue, Sawré Muybu e Sawré Bapin, com 178.173 hectares. Em dezembro de 2020, a CIDH adotou medidas cautelares em favor dos Munduruku, nos termos da Resolução n. 94/2020. .

A CtIDH reconheceu que os Yanomami, Ye’kwana e Munduruku estavam sujeitos ao avanço do garimpo em suas terras indígenas, realizado por terceiros não autorizados, o que seria causa de homicídios de adultos e crianças indígenas; que havia mortes decorrentes da atividade garimpeira; que se praticavam atos de violência sexual contra mulheres e crianças indígenas; que existiam ameaças a lideranças indígenas; que aconteciam deslocamentos não voluntários de comunidades indígenas ameaçadas pelo garimpo; que se identificava a disseminação de doenças em uma população que apresenta uma vulnerabilidade imunológica particular; e que havia a contaminação dos rios e o desmatamento, que impactam significativamente a saúde e a segurança alimentar dos indígenas ( CTIDH, 2022CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Resolución de la Corte de Derechos Humanos de 1 de julio de 2022: assunto membros de los pueblos indígenas Yanomami, Ye’kwana y Munduruku respecto de Brasil. Adopción de medidas provisionales.). De acordo com a informação obtida pela CtIDH, esses fatos eram permanentes, apesar da adoção de medidas cautelares por parte da CIDH e das várias decisões judiciais brasileiras, inclusive do STF ( CTIDH, 2022CTIDH – CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Resolución de la Corte de Derechos Humanos de 1 de julio de 2022: assunto membros de los pueblos indígenas Yanomami, Ye’kwana y Munduruku respecto de Brasil. Adopción de medidas provisionales.).

Diante disso, a CtIDH resolveu, por unanimidade, requerer ao Brasil a adoção das medidas necessárias para proteger efetivamente a vida, a integridade pessoal, a saúde e o acesso à alimentação e à água potável dos membros dos Yanomami, Ye’kwana e Munduruku; a adoção das medidas necessárias para prevenir a exploração e a violência sexual contra as mulheres e crianças indígenas; a adoção das medidas culturalmente apropriadas para prevenir a propagação e mitigar o contágio de enfermidades, oferecendo ao indígenas a atenção médica adequada.

Conclusão

Há séculos, os Yanomami formam um grupo étnico que habita a região amazônica, ocupando tradicionalmente uma área de fronteira entre Brasil e Venezuela. São considerados um dos povos indígenas mais numerosos da América do Sul, com uma população estimada em cerca de 25.000 pessoas. A cultura Yanomami é rica e complexa, em forte conexão com a terra e os recursos naturais ali encontrados, sendo os indígenas conhecidos por suas habilidades em agricultura, caça, pesca e coleta florestal.

Restringindo-se a uma abordagem brasileira, desde pelo menos 1934, garante-se o direito de posse indígena sobre suas terras. Tal direito se mantém como característica da ordem jurídica contemporânea, reconhecendo-se de modo conexo o direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais existentes em suas terras.

Isso não impediu que os Yanomami fossem impactados por décadas de conflitos fundiários com não indígenas, com o apoio do Estado brasileiro, incluindo a exploração ilegal de recursos naturais, conflitos com garimpeiros e construção de obras em suas terras. No entanto, eles têm agido para preservar sua cultura e sua relação com a terra.

Uma das estratégias de ação é exigir o cumprimento da lei, concluindo a demarcação das terras indígenas, que consiste em ato declaratório da existência da posse originária. É o que estabelece a Lei n. 6.001/1973, complementando o disposto na Constituição. Apesar de não constituir o fato jurídico, a demarcação dá segurança aos indígenas em face de ocupações ilegais.

Entretanto, a omissão histórica do Estado brasileiro na demarcação de terras indígenas, em virtude da prevalência de concepções políticas contraditórias, tem levado ao agravamento de conflitos fundiários, caracterizados por invasões de grileiros, garimpeiros, madeireiros, que causam danos aos indígenas. O acúmulo da violência pode, em determinados casos, culminar em crises humanitárias. É o que aconteceu com os Yanomami durante os anos 1980 e a partir do fim dos anos 2010.

Em 1980, durante a Ditadura, a CIDH posicionou-se contra o Brasil, baseando-se na Carta da OEA e na DADH. Em 2020 e 2022, durante o governo de apoiadores da Ditadura, a CIDH e a CtIDH posicionaram-se contra o Brasil, mas, desta vez, em razão das competências garantidas pela CADH, ratificada em 1992, meses depois da demarcação da TIY. Em ambos os casos, a questão fundou-se no descumprimento pelo Estado do dever de garantir a vida, a integridade pessoal e a cultura Yanomami, o que passa pela proteção de sua terra indígena, nos termos da jurisprudência sobre o art. 21 da CADH.

No caso dos Yanomami, a partir de 1973 quando se iniciam as obras da Perimetral Norte, apesar de os direitos indígenas estarem bem consolidados na ordem jurídica brasileira, há o desafio de sua efetividade, em virtude da prevalência de forças políticas que controlaram o Estado brasileiro na Ditadura e na crise da democracia a partir de 2014. Nesses dois períodos, o acúmulo de pressão sobre os Yanomami culminou em crises humanitárias identificadas pela CIDH e CtIDH. Em 1985, a Resolução da CIDH representou o início de uma era de maior proteção dos direitos dos Yanomami no Brasil. Em 2020-2022, as Resoluções da CIDH e da CtIDH podem representar a mesma coisa.

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  • 1
    “Vários pesquisadores das disciplinas envolvidas avançaram a hipótese de que [os Yanomami] possam ser descentes de um antigo grupo ameríndio (”proto-Yanomami”) instalado há um milênio nas terras altas (serra Parima) da região de interflúvio entre o alto Orinoco e o alto rio Parima, onde permaneceram isolados durante um longo período” (KOPENAWA; ALBERT, 2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 558-559).
  • 2
    Não sendo um trabalho de antropologia, entende-se por não indígenas, de modo objetivo, os indivíduos que não têm o modo de vida, crenças e reconhecimento de identidade étnica dos povos indígenas ( CORREIA; MAIA, 2021CORREIA, S. B.; MAIA, L. M. Representações sociais do “ser indígena”: uma análise a partir do não indígena. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 41, p. 1-15, 2021.).
  • 3
    Art. 154 da Constituição da República de 1937: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas” ( BRASIL, 1937BRASIL. [Constituição (1937)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1937. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.html. Acesso em: 7 ago. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    ). Art. 216 da Constituição da República de 1946: “Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem” ( BRASIL, 1946BRASIL. [Constituição (1946)]. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1946. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    ).
  • 4
    O processo histórico de colonização modificou o modo de vida e muitas das características dos grupos étnicos espalhados pelo território brasileiro, causando aculturação e exclusão ( CORREIA; MAIA, 2021CORREIA, S. B.; MAIA, L. M. Representações sociais do “ser indígena”: uma análise a partir do não indígena. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 41, p. 1-15, 2021.).
  • 5
    Essas restrições podem ser percebidas, por exemplo, quando se estabelece na Lei n. 6.001/1973, no art. 18, caput que: “As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas” ( BRASIL, 1973bBRASIL. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF: Presidência da República, 1973b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).
  • 6
    Constituições da República de 1967 e 1969.
  • 7
    Lei n. 6.001/1973, art. 25: “O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos do artigo 198, da Constituição Federal, independerá de sua demarcação, e será assegurado pelo órgão federal de assistência aos silvícolas, atendendo à situação atual e ao consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação, sem prejuízo das medidas cabíveis que, na omissão ou erro do referido órgão, tomar qualquer dos Poderes da República” ( BRASIL, 1973bBRASIL. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Brasília, DF: Presidência da República, 1973b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    ).
  • 8
    VideDecreto n. 76.999BRASIL. Decreto n. 76.999, de 8 de janeiro de 1976. Dispõe sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1976. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-76999-8-janeiro-1976-425608-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
    , de 8 de janeiro de 1976; Decreto n. 88.118, de 23 de fevereiro de 1983; Decreto n. 94.945, de 23 de setembro de 1987.
  • 9
    O Brasil depositou na União Pan-Americana, em Washington D.C., Estados Unidos, em 13 de março de 1950, seu instrumento de ratificação da Carta da OEA, que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1951.
  • 10
    O art. 53, e, da Carta da OEA determina que: “A Organização dos Estados Americanos realiza os seus fins por intermédio: […] Da Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.
  • 11
    Art. 18, b, do Estatuto da CIDH.
  • 12
    Art. 20, a, do Estatuto da CIDH.
  • 13
    O Estado brasileiro só reconheceria soberanamente a jurisdição da CtIDH bem mais tarde, em 1998.
  • 14
    Tim Coulter (Indian Law Resource Center), Edward J. Lehman (American Anthropological Association), Barbara Bentley (Survival International), Shelton H. Davis (Anthropology Resource Center); George Krumbhaar (US Survival International) e outras pessoas.
  • 15
    Art. 3º, l, da Carta da OEA.
  • 16
    Criada em 1967, em substituição do Serviço de Proteção ao Índio (1910), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro.
  • 17
    Art. 2º, § 3º, do Decreto n. 94.945/1987.
  • 18
    Para uma análise desse viés fascista, vide exempli gratia Boito Jr. (2020)BOITO JR., A. Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo. Crítica Marxista, Campinas, n. 50, p. 111-119, 2020..
  • 19
    Entende-se que essa teoria conspiracionista representou mais um lobby junto à Assembleia Nacional Constituinte em favor de determinados agentes econômicos, que se beneficiariam da exploração e do aproveitamento de recursos minerais encontrados em terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas, do que real nacionalismo.
  • 20
    Essa afirmação era falsa, conforme o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada para investigar tais acusações ( FERNANDES, 2015FERNANDES, P. Povos indígenas, segurança nacional e a Assembleia Nacional Constituinte: as Forças Armadas e o capítulo dos índios da Constituição brasileira de 1988. Revista InSURgência, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 142-175, 2015.).
  • 21
    Em prefácio escrito pelo General-de-Divisão Carlos de Meira Mattos.
  • 22
    Art. 170, II, da Constituição da República de 1988.
  • 23
    Apesar de nenhum candidato indígena ter sido eleito para a Assembleia Nacional Constituinte, nos debates sobre a nova Constituição da República, os movimentos indígenas estavam representados pela União das Nações Indígenas (UNI), apoiada pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pela Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) e pelo Cimi, que apresentou, junto com a ABA, a Coordenação Nacional dos Geólogos e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a proposta de emenda popular (PE-40) ( FERNANDES, 2015FERNANDES, P. Povos indígenas, segurança nacional e a Assembleia Nacional Constituinte: as Forças Armadas e o capítulo dos índios da Constituição brasileira de 1988. Revista InSURgência, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 142-175, 2015.).
  • 24
    Art. 231, § 1º, da Constituição de 1988: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições” ( BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/co...
    ).
  • 25
    A demarcação insere-se no sistema brasileiro de registro imobiliário, cuja função é de cadastro e publicidade de direitos reais sobre imóveis ( CENEVIVA, 2009CENEVIVA, W. Lei dos registros públicos comentada. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.). Com relação às terras indígenas, o registro imobiliário é meramente declaratório, mas importante para a proteção dos direitos de posse e usufruto indígenas.
  • 26
    Este é o mesmo prazo para conclusão da demarcação de todas as terras indígenas, previsto no art. 67 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, também ignorado pelo Estado brasileiro.
  • 27
    Os Yanomami já ocupavam suas terras séculos antes da chegada à América do Sul dos navegadores provenientes do Estado português, em 1500, do qual se originou, séculos mais tarde, o Estado brasileiro, que, nos termos do direito em vigor, exerce sua soberania sobre tais terras.
  • 28
    Art. 231, § 4º, da Constituição de 1988.
  • 29
    Art. 231, § 7º, combinado com o art. 174, § 3º, e o art. 174, § 4º, da Constituição de 1988.
  • 30
    Revogado pelo Decreto n. 22/1991BRASIL. Decreto n. 22, de 4 de fevereiro de 1991. Dispõe sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1991. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0022.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
    , o Decreto n. 94.945/1987 revogava o Decreto n. 88.118/1983, que havia revogado, por sua vez, o Decreto n. 76.999/1976BRASIL. Decreto n. 76.999, de 8 de janeiro de 1976. Dispõe sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1976. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-76999-8-janeiro-1976-425608-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
    , o primeiro regulamento do art. 19 da Lei n. 6.001/1973.
  • 31
    Após a demarcação da Terra Indígena Yanomami, entraria em vigor o Decreto n. 1.775/1996, de 8 de janeiro de 1996, que dispõe sobre o processo administrativo de demarcação de terras indígenas no Brasil (BRASIL, 1996BRASIL. Decreto n. 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
    ).
  • 32
    Convenção n. 169BRASIL. Convenção n. 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1989b. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2002/decretolegislativo-143-20-junho-2002-458771-convencaon169-pl.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
    da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989; aprovada pelo Decreto Legislativo n. 143, de 20 de junho de 2002BRASIL. Decreto Legislativo n. 143, de 20 de junho de 2002. Aprova o texto da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os povos indígenas e tribais em países independentes. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2002. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2002/decretolegislativo-143-20-junho-2002-458771-convencao-1-pl.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
    ; depositado o instrumento de ratificação junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de 2002; entrada em vigor internacional em 5 de setembro de 1991, e, para o Brasil, em 25 de julho de 2003, nos termos de seu art. 38; e promulgada em 19 de abril de 2004).
  • 33
    Art. 1º do Decreto de 25 de maio de 1992, assinado pelo Presidente Fernando Collor, que homologou a demarcação administrativa da TIY, em Roraima e Amazonas (BRASIL, 1992b).
  • 34
    A Associação Nacional do Ouro (Anoro), presidida desde 2013 por Dirceu Santos Frederico Sobrinho, que é o principal proprietário da Mineradora Ouro Roxo Ltda., D’Gold Purificadora de Metais Preciosos e FD Gold DTVM. Segundo o Presidente da Anoro, o ouro clandestino é parte das 35 toneladas retiradas anualmente de garimpos, que são incorporadas à produção anual pela ANM. Saindo das áreas de garimpos, passando pelas cidades em zonas de mineração como moeda corrente, o ouro ilegal é inserido na economia formal a partir da sua compra por grandes instituições financeiras, passando a fazer parte das reservas cambiais do Brasil ( QUADROS, 2020QUADROS, V. Enquanto Força-Tarefa investiga ouro ilegal, lobby do garimpo tem apoio do governo. A Pública, 22 jun. 2020. Disponível em: https://apublica.org/2020/06/enquanto-forca-tarefa-investiga-ouro-ilegal-lobby-do-garimpo-tem-apoio-do-governo/. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://apublica.org/2020/06/enquanto-fo...
    ).
  • 35
    Vide Rolla e Ricardo (2013)ROLLA, A.; RICARDO, F. Mineração em terras indígenas na Amazônia brasileira 2013. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2013..
  • 36
    O Decreto n. 88.985/1983 regulamenta os arts. 44 e 45 da Lei n. 6.001/1973.
  • 37
    Em 2020, o Governo brasileiro apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 191/2020, que regulamenta o art. 176, § 1º, e o art. 231, § 3º, da Constituição de 1988, estabelecendo as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. Importante notar que, no texto do polêmico Projeto de Lei n. 191/2020, é prevista a revogação expressa justamente do art. 44 da Lei n. 6.001/1973 e do art. 23, a, da Lei n. 7.805/1989BRASIL. Lei n. 7.805, de 18 de julho de 1989. Altera o Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, cria o regime de permissão de lavra garimpeira, extingue o regime de matrícula, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1989c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7805.html. Acesso em: 20 fev. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    , citados anteriormente ( BRASIL, 2020aBRASIL. Projeto de Lei n. 191/2020. Regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2020a. Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2236765. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www.camara.leg.br/propostas-legi...
    ).
  • 38
    Em 15 de janeiro de 1985, elegeu-se indiretamente como Chefe do Estado brasileiro, Tancredo Neves, colocando fim a um período de 21 anos de governo militar.
  • 39
    Em 5 de outubro de 1988, promulgou-se a Constituição democrática da República Federativa do Brasil, colocando fim a um período de 24 anos de regime jurídico-ditatorial.
  • 40
    Entre 3 e 14 de junho de 1992, realizou-se no Brasil a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, quando se adotaram a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e DesenvolvimentoBRASIL. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasília, DF: Ministério Público Federal, 1992c. Disponível em: https://www.mpf.mp.br/sc/municipios/itajai/gerco/volume-v. Acesso em 20 fev. 2023.
    https://www.mpf.mp.br/sc/municipios/itaj...
    , a Declaração de Princípios sobre Florestas, a Convenção sobre Diversidade BiológicaBRASIL. Convenção sobre Diversidade Biológica. Brasília, DF: Presidência da República, 1993b. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2002/decretolegislativo-143-20-junho-2002-458771-convencaon169-pl.pdf. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
    , a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, a Agenda 21, constituindo a base de sustentação do Direito Internacional Ambiental.
  • 41
    Os arts. 44 a 51 compõem a Seção 3 do Capítulo VII da CADH, dedicada à competência da CIDH.
  • 42
    A CtIDH pode também adotar opiniões consultivas sobre interpretação da CADH ou outro tratado americano de direitos humanos, quando solicitado por membro da OEA. Além disso, qualquer Estado parte da CADH pode solicitar à CtIDH a opinião consultiva sobre a convencionalidade de normas de direito interno.
  • 43
    Arts. 8º e 25 da CADH.
  • 44
    É notório o apoio de Bolsonaro aos crimes da Ditadura. Em 1999, em entrevista à televisão, ele defendeu abertamente a tortura e a execução de brasileiros, como pode ser verificado no vídeo disponível em Bolsonaro… (2017)BOLSONARO: “Sou a favor da tortura, golpe militar, fechar o congresso nacional e matar inocentes. [S. l. TV Câmara], 2017. 1 vídeo (1 min) Publicado pelo canal Ativismo Protestante. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ihvl497x37c. Acesso em: 20 fev. 2023.
    https://www.youtube.com/watch?v=ihvl497x...
    . Em 2016, em discurso no Congresso Nacional, o então Deputado Federal prestou homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido torturador. O discurso posse ser visto em Bolsonaro exalta… (2016).
  • 45
    Iniciado em 1º de janeiro de 2015, o segundo mandato de Rousseff na Presidência da República foi marcado por significativas atribulações jurídico-políticas, a começar pela intenção de recontagem de votos sustentada por políticos de oposição, passando por ação de cassação da chapa junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até chegar aos projetos de lei votados para dificultar ainda mais o cumprimento da meta fiscal pelo Governo. Apesar de previsto na ordem democrática do Brasil, o impeachment tem como condição jurídica a comprovação inconteste de crime de responsabilidade, cometido dolosamente, no curso do mandato.
  • 46
    A visita ao Brasil da Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Autóctones aconteceu cinco meses antes da conclusão do processo de impeachment de Rousseff, o que se deu 23 dias depois da publicação do Relatório.
  • 47
    Em tradução livre, “e seu gozo dos direitos fundiários e culturais”.
  • 48
    Dois meses depois de assinar a dita portaria como Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes tornar-se-ia ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), corte constitucional brasileira, em 22 de março de 2017, após indicação de Temer.
  • 49
    Decreto n. 1.775/1996, de 8 de janeiro de 1996, que revogou o Decreto n. 22 /1991, em vigor quando da homologação da demarcação da TIY (BRASIL, 1996).
  • 50
    “A maioria do ouro que circula no país acaba virando ativo financeiro, pois a tributação é mais baixa. Assim, é necessário ser vendido por uma instituição financeira autorizada pelo Banco Central do Brasil. Oficialmente a instituição financeira não tem que checar a veracidade da PLG [Permissão de Lavra Garimpeira]. Pelo menos 30% do ouro comercializado no Brasil, de janeiro de 2021 a junho de 2022, têm indícios de procedência irregular. No Pará, por exemplo, 48% do ouro têm indício de irregularidades” ( SALOMÃO, 2023SALOMÃO, A. Lei facilita caminho para garimpo “esquentar” ouro ilegal. Folha de S.Paulo, Mercado, 5 fev. 2023, p. A16-A17., p. A16).
  • 51
    O mecanismo de medidas cautelares é atribuição da CIDH em razão da monitoração do cumprimento das obrigações jurídicas, previsto no art. 106 da Carta da OEA combinado com o art. 41, b, da CADH e o art. 18, b, do Estatuto da CIDH.
  • 52
    Segundo a CIDH, os povos indígenas Yanomami e Ye’kwana habitam a TIY, contando com uma população de cerca de 25.000 e 700 pessoas respectivamente, distribuídas em 321 aldeias.
  • 53
    Segundo a CIDH, o povo indígena Munduruku seria composto por cerca de 14.000 pessoas vivendo nas margens do Rio Tapajós e seus afluentes no Estado do Pará, no Brasil, distribuindo-se por sete terras: Munduruku, Sai Cinza, Kayabi, as Reservas Praia do Índio e Praia do Mangue, Sawré Muybu e Sawré Bapin, com 178.173 hectares. Em dezembro de 2020, a CIDH adotou medidas cautelares em favor dos Munduruku, nos termos da Resolução n. 94/2020CIDH – COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução n. 94/2020, de 11 de dezembro de 2020. Membros do Povo Indígena Munduruku em relação ao Brasil. Washington, DC: CIDH, 2020b. Disponível em: http://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/94-20MC679-20-BR.pdf. Acesso em: 20 de fev. 2023.
    http://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pd...
    .
  • Como citar este artigo (ABNT):

    TOLEDO, A. P.; DI BENEDETTO, S.; BIZAWU, K. Indígenas Yanomami no Brasil: ordem interna e o sistema interamericano de direitos humanos como indicativo de crise humanitária. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 20, e202529, 2023. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2529. Acesso em: dia mês. ano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2023
  • Aceito
    07 Ago 2023
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