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As lutas por justiça socioambiental diante da emergência climática

Struggles for socio-environmental justice in the face of climate emergency

Resumo

O artigo problematiza o capitalismo climático a partir dos resultados da pesquisa-ação desenvolvida junto ao Coletivo de Justiça Climática da Via Campesina (2014-2019) e a Comunidade Agroflorestal José Lutzenberger (Antonina/PR, 2016-2020). Como resultados aponta-se que os povos e movimentos sociais, enquanto grupos de alta vulnerabilidade à mudança do clima, também atuam como guardiões da biodiversidade, sendo importantes agentes sociais para a transição ecológica na perspectiva da justiça climática-ambiental.

Palavras-chave:
Justiça socioambiental; Povos e movimentos sociais; Emergência climática

Resúmen

El artículo problematiza el capitalismo climático desde los resultados de la investigación-acción desarrollada con el Colectivo Justicia Climática de Vía Campesina (2014-2019) y la Comunidad Agroforestal José Lutzenberger (Antonina/PR, 2016-2020). Como resultados se señala que los pueblos y movimientos sociales, si bien son grupos de alta vulnerabilidad al cambio climático, también actúan como guardianes de la biodiversidad, siendo importantes agentes sociales para la transición ecológica desde la perspectiva de la justicia climatica-ambiental.

Palabras clave:
Justicia social y medioambiental; Pueblos y movimientos sociales; Emergencia climática

Abstract

The article problematizes climate capitalism based on the action research developed by the Climate Justice Collective of Via Campesina (2014-2019) and the José Lutzenberger Agroforestry Community (Antonina/PR, 2016-2020). As result it is pointed out that peoples and social movements, while groups of high vulnerability to climate change, also act as guardians of biodiversity, being important social agents for the ecological transition from the perspective of climate-environmental justice.

Keywords:
Social- environmental justice; People and social movements; Climate emergency

Introdução

As lideranças dos quase 200 países que participaram da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em novembro de 2021, apresentaram propostas bastante modestas para responder à crise climática. Apenas alguns meses depois, em fevereiro de 2022, o Painel Intergovernamental da ONU sobre mudanças climáticas (IPCC)1 1 Relatório disponível em https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/. Acesso em 14 nov. 2022. apresentou um relatório dramático, no qual aponta a ineficiência das medidas que vêm sendo implementadas pelos países, e a gravidade das consequências do aquecimento global para vários povos do mundo.

Na verdade, as propostas apresentadas na COP 26 assumiram compromissos muito mais singelos que a COP 21, que resultou no Acordo de Paris (2015). Os países desenvolvidos, apesar dos discursos de seus representantes, não assumiram o papel histórico que tiveram na emissão de poluentes. E se recusaram a respeitar as metas de redução, à medida que isso implicava qualquer ação que pudesse afetar as expectativas de lucros de suas corporações. Basta observar, que tais países não assumiram seu papel na dívida climática ao não transferirem recursos para o fundo climático, uma proposta de apoio aos países em desenvolvimento que sofrem com os impactos das mudanças climáticas.

Na COP 27 que acontece neste mês no Egito2 2 A 27ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP27) acontece em Sharm El Sheikh, no Egito, entre os dias 7 a 18 de novembro de 2022. , a expectativa em torno da postura do Brasil é grande, especialmente tendo em vista a vitória nas eleições presidenciais por Luís Inácio Lula da Silva, dando fim a um governo autoritário que liberou o garimpo ilegal e fez vista grossa ao desmatamento, incentivando o armamento e a violência contra camponeses e camponesas, povos originários e tradicionais. A COP 27 vem na promessa de que os países apresentem em suas contribuições nacionais determinadas propostas mais ambiciosas para conter o aquecimento do planeta e busca implementar os mecanismos de mitigação/adaptação. No entanto, as negociações em torno desses mecanismos e as soluções “verdes”, pensadas em termos de um mercado global, não são suficientes para conduzir a uma efetiva transição. Os povos originários e tradicionais cobram na COP 27 posturas sobre a demarcação de terras e o enfrentamento do racismo ambiental e, neste aspecto, é essencial que eles tenham seus espaços e lugares de fala na convenção.

No contexto das discussões internacionais nota-se que a agenda que vem sendo promovida por organismos multilaterais para enfrentamento da emergência climática reproduz assimetrias históricas da relação de poder entre o Norte e o Sul Global. Enquanto grandes potências assumem uma agenda verde e ecológica dentro de seus países, ou mesmo financiam políticas nacionais para se adaptar a um clima mais quente, outros países sofrem, em geral ao Sul, com impactos socioambientais decorrentes das mudanças climáticas. Também, é possível afirmar que não se aborda de maneira profunda a problemática das empresas transnacionais do Norte Global que avançam sobre territórios ao Sul global, promovendo o desmatamento, a intensificação do uso de combustíveis fósseis e causando danos irreparáveis à Natureza e as suas gentes.

Longe de desvelar um novo cenário mundial, a crise climática reflete a reprodução de um padrão global de poder colonial, sobretudo na distribuição desigual do desenvolvimento e suas consequências entre as nações. Aníbal Quijano (2007QUIJANO, Aníbal. Colonialidade el poder y classificación social. Em: El giro descolonial: reflexiones para uma diversidad epistêmica más Allá del capitalismo global. CASTRO, S; GROSFOGUEL, R.(org). Bogotá:2007, p. 93-94., p.93-94) constrói o conceito de colonialidade de poder para se referir ao modelo de relações sociais que se constitui a partir da “invenção da América Latina”, no qual há uma classificação racial/étnica da população, como eixo norteador do padrão de poder, outrossim se hierarquiza saberes constituindo a Europa como detentor do monopólio, tendo a centralização do poder no Estado-Nação. Tal conceito serve para analisar a desigualdade na distribuição dos impactos da crise climática.

Entre as nações do mundo há um desenvolvimento desigual e combinado (MARINI, 2011MARINI, Ruy Mauro. Desenvolvimento e Dependência. Em: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (orgs). Ruy Mauro Marini - vida e obra. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011, p. 213-216), que nos permite compreender as diferenças na política interna e internacional para o clima. As nações ricas sustentam altos padrões de desenvolvimento social e preservação ambiental por disporem de recursos extraídos de países do Sul global (ou para sermos mais precisas a teoria proposta, dependentes). Os países “subdesenvolvidos” sofrem a externalização dos problemas do desenvolvimento, sustentam os impactos ambientais: queimadas, barragens, agrotóxicos, transgênicos, contaminação das águas, trabalho escravo, retirada de direitos trabalhistas, superexploração do trabalho. Os países dependentes não produzem subdesenvolvimento por causalidade internas, mas por estarem submetidos a estrutura desigual de desenvolvimento pensada entre as nações, e consequentemente da distribuição dos ônus dos impactos.

Esses elementos permitem definir o poder hegemônico, expresso nas negociações das Conferências das Partes, centrado nas negociações entre Estados, sendo que alguns deles possuem maior poder político do que outros, à medida que essas negociações reproduzem estruturas da dependência, assim como da colonialidade do poder. Assim, indígenas, quilombolas, camponeses, mulheres, esses povos “Outros” estão situados fora dos espaços de poder e decisórios, não à toa constituindo espaços alternativos paralelos.

Em face disso, movimentos populares têm construído dinâmicas de resistência à crise climática, articulando uma crítica contundente às propostas hegemônicas, combinada com a proposição de alternativas para além do papel do Estado em definir soluções. Partindo dos ensinamentos de Amílcar Cabral (1979CABRAL, Amílcar. Análises de alguns tipos de resistência. Guiné-Bissau: 1979.p. 7-31., p.7-31) entende-se essa resistência como a organização de uma força contrária a reprodução do colonialismo e imperialismo na agenda ambiental, que parte do entendimento de ser necessário destruir um determinado modelo de desenvolvimento para construir algo novo, combinando formas políticas, econômicas, culturais.

Nessa empreitada os movimentos, especialmente na região latino-americana vêm pautando outras abordagens da relação entre ser humano e Natureza, conectadas a reflexões sobre cortes estruturais como classe, raça e gênero, se propondo a construir, desde sua própria experiência históricas “alternativas ao desenvolvimento” (ACOSTA, 2011ACOSTA, Alberto. O Bem Viver. São Paulo: Elefante e Autonomia Literária, 2011.). Para fugir de uma visão conservacionista da Natureza que não esteja integrada aos sujeitos que nela habitam. Logo, a adoção de uma perspectiva mais integrada e relacional, denominada socioambientalismo, na qual se conecta as lutas por justiça social com o respeito a biodiversidade (SANTILLI, 2012, p.28). É por isso que a construção de uma noção de justiça para crise climática, entendida em um contexto de emergência, subentende uma transformação radical do modelo de desenvolvimento hegemônico e passa pela percepção da imbricação do social com o ambiental, e portanto, estamos falando de uma justiça socioambiental. É justamente sobre esse caminhar que queremos aprofundar no artigo que se segue, a partir da pesquisa-ação.

1. A noção de emergência climática a partir das lutas socioambientais

A Convenção Quadro de Mudança do Clima (CQMC), assinada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992, define uma série de diretrizes e metas cujo objetivo procura estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. A convenção apresenta a definição de mudança climática, a qual atribui direta ou indiretamente à atividade humana a alteração da composição da atmosfera global, diferenciando-se da variabilidade climática natural. O órgão supremo da CQMC é a Conferência das partes (COP), onde os delegados governamentais dos países signatários da Convenção, tem poder de voto, avaliam a situação das mudanças climáticas no planeta e propõem mecanismos. Participam como observadores jornalistas, organizações não governamentais (ONGs), representantes dos povos, dos movimentos sociais e da sociedade civil.

O acordo de Paris de 2015, que surge da COP 21 da CQMC, veio no sentido de recuperar os ânimos de Kyoto (1997), e nele, 195 países prometeram realizar ações para que o aumento da temperatura média do planeta ficasse abaixo de +2° C, e se possível dentro de +1,5° C. Para atingir as metas do acordo os países apresentaram suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), que são metas e diretrizes domésticas voluntárias as quais poderão ser cumpridas para deter o aquecimento global. As contribuições brasileiras foram apresentadas durante o governo de Dilma Rousseff e a partir das quais o país se comprometeu em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% para o ano de 2025, tendo as referências de 2005 como ano base. Como contribuição subsequente, apresentou a meta de redução de 43% abaixo dos níveis de emissão de 2005, para o ano de 2030 (MMA, 2015).

Na COP 26, realizada no ano de 2021 em Glasgow (Escócia), o Brasil atualizou suas contribuições e propôs mitigar 50% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030 e apresentou uma agenda estratégica voltada à neutralidade climática até 2050. Nessa atualização o país assume os seguintes compromissos: a) zerar o desmatamento ilegal até 2028; b) restaurar e reflorestar 18 milhões de hectares de florestas até 2030; c) alcançar, em 2030, a participação de 45% a 50% das energias renováveis na composição da matriz energética e d) recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas; e) incentivar a ampliação da malha ferroviária (MMA, 2021).

Vale recordar que o Brasil chegou à COP-26 sob muita pressão, diante do quadro de retrocessos socioambientais ligados ao desmatamento e desmonte da legislação ambiental, as violações de direitos sofridas pelos povos indígenas e comunidades quilombolas e o avanço do garimpo ilegal. No anúncio feito em 2021 para a COP-26 não há explicações acerca de qual metodologia foi utilizada para o cálculo das emissões, mas, de modo geral, a proposta não apresentou um aumento da ambição climática do país. Isso porque no ano de 2020 já havia ocorrido uma mudança na base de cálculo das emissões. A NDC de 2015 usando o ano-base de 2005, previa que o Brasil reduziria 37% de suas emissões até 2025 e 43% até 2030, com base em um total de 2,1 bilhões de toneladas de gás carbônico. Em 2020, o país mudou a contagem das emissões que passaram para 2,8 GtCO2 (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2020, p.3). Essa manobra, que ficou conhecida como “pedalada climática”, permitiu que o Brasil apresentasse mais emissões dentro da mesma meta. Dessa forma a NDC atualizada em 2020 resultaria: a) no aumento de 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente o nível de emissões permitido em 2030 em relação à meta indicativa apresentada em 2015; b) no aumento em 460 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao nível de emissão permitido em 2025 (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2020, p.2). A depender da metodologia utilizada, as metas anunciadas em 2021 poderão equivaler ao ano de 2015 ou então, apresentar risco de aumento nas emissões.

As promessas da COP 26 recordam a Primeira Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972), a qual, embora tenha sido importante para colocar a questão ambiental no cenário político internacional, não avançou nas obrigações para o enfrentamento do problema, revelando assimetrias entre as propostas dos países, agora identificados pelos blocos do Norte e do Sul global. Na COP 26 os países do norte cobraram ações de mitigação que deveriam ser feitas pelos países do sul. E nos países do sul a amarração da mitigação foi condicionada ao avanço do financiamento, enquanto forma de adaptação para os países mais vulneráveis, dentro do que se conhece como mecanismos de “perdas e danos”, para cobrir catástrofes causadas pelas mudanças climáticas. A expectativa global concentrou-se nas ações da China, Estados Unidos3 3 Os Estados Unidos integraram o Acordo de Paris no ano de 2016, durante o governo de Barack Obama, uma posição historicamente diferenciada quando das negociações do Protocolo de Kyoto. No ano de 2017, durante o governo de Donald Trump, o país retirou-se do acordo. No governo de Joe Biden (2021), os EUA reingressaram ao Acordo de Paris. , Índia e Europa, que figuram como os maiores emissores de poluentes da atmosfera, especialmente pela liberação de gases poluentes da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás). Grande parte das negociações concentraram-se na discussão da implementação das soluções a partir de instrumentos de mercado, os quais, desde a assinatura do Protocolo de Kyoto (1997), se atém a busca de metodologias sobre como quantificar, reconhecer e avaliar os créditos de carbono, na linha do que se conhece como financeirização da natureza.

A partir do momento que se tornou impossível negar a crise ambiental, o sistema capitalista passou a buscar soluções para ela dentro de seus próprios marcos. Em 2006 se publica o Relatório Stern, na Inglaterra, que discorre sobre “A economia das mudanças climáticas”, trazendo o primeiro cenário de negócios envolvendo o discurso verde. Em paralelo, se avança no reconhecimento das empresas como atores do cenário internacional promotores de relações políticas, inclusive capazes de gerir os conflitos sociais, a ideia do multistakeholder, ou de múltiplas partes interessadas (GLECKMANN, 2016GLECKMANN, Harris. Multi-stakeholder governance: a corporate push for a new form f global governance. Amsterdã: Transnational Institute, 2016.) que permite a atribuição de um rol positivo de promoção de soluções a crise ambiental às corporações. Já em 2012, na Rio +20, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Banco Mundial, Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), chegam alinhados à Conferência, com força total para propor a “economia verde” como a resposta mundial a crise climática. Em realidade, esse redesenho é na verdade uma verdadeira redefinição da Natureza sob a lógica do mercado.

Embora a força social organizada tenha conseguido emplacar a “economia verde” como uma falsa solução, a economia segue sendo apontada como a saída da crise ecológica. Durante as negociações da COP 21 essa tônica esteve presente quando “um processo que visava um regime climático global, abrangente, obrigatório e justo transformou-se em um aglomerado de boas intenções e de compromissos nacionais voluntários sem nenhuma verificação, comparabilidade ou prestação de contas” (UMMÜBIG et al, 2016, p.14).

Durante a COP-26 foi assinado o Pacto de Glasgow, que na análise de Gudynas (2022GUDYNAS, Eduardo. Negociando as mudanças climáticas (1). 2022. Disponível em: https://www.correiocidadania.com.br/colunistas/eduardo-gudynas/14881-negociando-as-mudancas-climaticas-1. Acesso em 14 nov. 2022.
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), pode ser traduzida numa declaração de aspirações não obrigatórias cujo efeito atuou, sobretudo, como ações publicitárias dos países. Em Glasgow também foi assinada a Promessa Global sobre o Metano (110 países), promovida sobretudo pelos Estados Unidos e a União Europeia, a qual recomenda ações coletivas para reduzir as emissões de metano antropogênico. Brasil, Uruguai e Argentina assinaram a promessa global, apesar dos índices históricos de desmatamento e as irregularidades ambientais do agronegócio4 4 Segundo Tilman & Clark (2014), as atividades agrícolas no mundo emitem mais de um quarto dos gases de efeito estufa (GEE), além de poluírem as águas fluviais e marítimas com diversos agroquímicos. Para Poore & Nemecek (2018), a produção de alimentos responde por aproximadamente 32% da acidificação terrestre global e 78% da eutrofização, e suas emissões podem alterar fortemente a composição de espécies dos ecossistemas naturais, reduzindo a biodiversidade e a resiliência ecológica (POMPEIA & SCHNEIDER, 2021, p.178). . Também foi firmado um acordo sobre o uso do carvão para geração de energia. Esse acordo contou com a adesão de 77 países, mas sem contar com os maiores consumidores, por exemplo os Estados Unidos. Gudynas critica a eficiência do acordo citando também a não adesão de países de grande potencial exportador, como a Colômbia. Um outro documento assinado foi a “Aliança para além do petróleo e do gás”, que indica uma moratória na extração de hidrocarbonetos. A iniciativa foi promovida por Costa Rica e Dinamarca e conseguiu a adesão da França, Suécia, Irlanda, Groenlândia e País de Gales, e associados como o Estado da Califórnia nos EUA. Contudo, nenhum dos maiores extrativistas aderiu à aliança. Na conferência também foi proposto o Acordo de Glasgow sobre Emissão Zero de veículos, que pretende encerrar a venda de motores de combustão interna até 2040. O acordo contou com a participação de empresas que representam cerca de ¼ das vendas globais e foi assinado por cidades, como Buenos Aires, La Paz e São Paulo. Ficaram de fora países com os maiores mercados consumidores, como os EUA, China e Brasil e também as grandes montadoras (GUDYNAS, 2022GUDYNAS, Eduardo. Negociando as mudanças climáticas (1). 2022. Disponível em: https://www.correiocidadania.com.br/colunistas/eduardo-gudynas/14881-negociando-as-mudancas-climaticas-1. Acesso em 14 nov. 2022.
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).

O que se observou durante a COP 26 foi uma participação muito forte das empresas transnacionais, o que foi apontado como um indicativo para o avanço do controle do poder privado e a concentração nas ações para corrigir as falhas de mercado, entendendo a natureza como uma dessas “falhas”. Assim, o pacto avança na economia verde e na financeirização da natureza.

No contexto social que antecedeu a COP 26 destacaram-se as ações da sociedade civil na denúncia da necessidade de ações imediatas para o combate das condições antropogênicas que causam a mudança climática. Tais ações contribuíram para gerar o conceito de emergência climática, sob influência dos movimentos da juventude dos países do Norte Global. A palavra emergência tem o sentido de reconhecer a existência de danos ambientais potencialmente irreversíveis e chama para ações imediatas dos países para reduzir ou interromper a mudança climática.

Em estudo publicado em janeiro de 2020, intitulado World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, mais de 11.000 cientistas de 153 países declararam que vivemos um estado de emergência climática (RIPPLE et al, 2020William J Ripple; Christopher Wolf; Thomas M Newsome; Phoebe Barnard; William R Moomaw. World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, BioScience, Volume 70, Issue 1, January 2020, Pages 8-12, https://doi.org/10.1093/biosci/biz088.
https://doi.org/10.1093/biosci/biz088...
). No mesmo ano e durante a Cúpula de Ambição do Clima, o secretário geral da ONU Antônio Guterres fez um apelo aos líderes mundiais para que declarassem um "estado de emergência climática" até que os países neutralizassem suas emissões (ONU NEWS, 2020)5 5 Algumas cidades na Austrália (2016), Estados Unidos (2017), Canadá e Reino Unido (2018) já declararam o estado de emergência climática. No Brasil, o município de Recife foi o primeiro a reconhecer a emergência climática. .

No Brasil, o tratamento da questão climática se desenvolve a partir do decreto nº 2652, de 1º de julho de 1998, que promulgou a Convenção-quadro de mudanças climáticas, a Lei 12.187/2009 que instituiu o Política Nacional de Mudança do Clima, as quais estão correlacionadas ao conjunto de deveres e instrumentos previstos na legislação ambiental. Mais recentemente surgiu uma iniciativa para a declaração de emergência climática por via do Projeto de lei nº 3961/2020, do deputado federal Alessandro Molon. No texto do projeto de lei se encontra que o estado de emergência climática impõe a transição para uma economia socioambientalmente sustentável e neutra em emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2050. A declaração afetaria todos os programas e políticas e impõe a vedação ao contingenciamento de quaisquer fundos ou recursos destinados à proteção ambiental, ao combate ao desmatamento e à mitigação e adaptação à mudança climática com dever de um plano nacional de emergência feito com participação popular. E, após aprovado, a obrigatoriedade de divulgação dos relatórios indicando o atingimento das metas (BRASIL, 2020).

Além desta iniciativa, tramita no Congresso Nacional, a proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 37, a qual acrescenta na carta constitucional o direito à segurança climática. A PEC, aprovada no dia 18 de outubro de 2022 pela comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, altera o artigo 5º e os artigos 170 (ordem econômica) e o art. 225 (direito humano e fundamental ao ambiente). Em parecer apresentado à discussão na comissão a relatoria e deputada federal Joenia Wapichana (REDE-RR) destaca os conhecimentos dos mais de 305 povos indígenas sobre a proteção e o manejo ambiental de suas terras e ressalta a importância do reconhecimento deste direito para a qualidade de vida da população e a proteção ambiental dos biomas nacionais. O parecer encaminha o direito à segurança climática como um elemento para trazer à tona uma dimensão crítica dos direitos fundamentais. A relatora destaca ainda que a aprovação da PEC 37 resultou do desdobramento de uma campanha promovida pelas redes sociais às vésperas da COP 26 e que contou com mais de quatrocentas mil interações nas redes sociais e quinze mil assinaturas de cartas de apoio, no que se denominou de “aprovação da lei mais urgente do mundo” (WAPICHANA, 2022, p. 6-8).

A questão climática não é apenas voltada ao futuro próximo, no contexto de urgência, mas sim, requer ações imediatas que sejam capazes de avaliar a contradição das soluções de mercado diante do contexto de guerra, de dependência, da inequidade no acesso aos bens ambientais, da transição ecológica e energética, dentre outros. Um dos aspectos relevantes do conceito de emergência climática é o fato de sua construção partir da ação social, integrando as pessoas da sociedade civil organizada, cientistas, povos e movimentos sociais. Chama a atenção ainda qual seria sua interpretação a partir da realidade vivida pelos grupos socioambientalmente vulneráveis da América Latina, em especial pelos movimentos sociais de luta pela terra e reforma agrária, povos originários e tradicionais, atingidos por barragens e do movimento ecológico, da agroecologia. Na COP 26 e na atual COP 27 a participação dos povos indígenas e dos movimentos sociais foi e vem sendo bastante importante, no sentido de denunciar o que está acontecendo na prática dos países, denunciando a apropriação privada da noção de emergência climática pelas corporações e as ações contraditórias dos governos em adotar desmanches nos controles ambientais causando contínuas violações de direitos.

2. A resistência dos povos e movimentos sociais

O avanço das políticas neoliberais ao longo dos anos 90, fez eclodir uma série de movimentos de resistência que incorporam em suas bandeiras a crítica ao modelo de desenvolvimento, e assumem uma defesa da Natureza como bem comum, dentro da construção de lutas na escala local-global. Nesse compasso a ecologia política irá beber na crítica a modernidade um arcabouço de elementos para enfrentar os dilemas do desenvolvimento e reposicionar o debate da Natureza. De Norte ao Sul global há propostas de construções de alternativas que envolvem repensar o antropocentrismo e partem da afirmação dos problemas do desenvolvimento (ESCOBAR,2018ESCOBAR, Arturo. Sentipensar con la Tierra: Las luchas territoriales y la dimensión ontológica de las epistemologías del Sur. In: ESCOBAR, Arturo. Otro posible es posible: Caminando hacia las transiciones desde Abya Yala/Afro/Latino-américa. Bogotá: Desde abajo, 2018, p.98-119.).

Escobar (2018ESCOBAR, Arturo. Sentipensar con la Tierra: Las luchas territoriales y la dimensión ontológica de las epistemologías del Sur. In: ESCOBAR, Arturo. Otro posible es posible: Caminando hacia las transiciones desde Abya Yala/Afro/Latino-américa. Bogotá: Desde abajo, 2018, p.98-119.) destaca a influência das epistemologias do sul na construção de novos imaginários de lutas, à medida que contribui para desnudar “pluri-versos” ocultos na totalidade hegemônica. Assim, “A produção social do inexistente dá conta do desaparecimento de mundos completos, através das operações epistemológicas relacionadas com o saber, com a temporalidade, com a produtividade e com outras formas de pensar sobre escalas e diferenças” (ESCOBAR, 2018ESCOBAR, Arturo. Sentipensar con la Tierra: Las luchas territoriales y la dimensión ontológica de las epistemologías del Sur. In: ESCOBAR, Arturo. Otro posible es posible: Caminando hacia las transiciones desde Abya Yala/Afro/Latino-américa. Bogotá: Desde abajo, 2018, p.98-119., p.102, tradução nossa). Recuperar essas trajetórias de resistência ocultas permite nos deparar com novas fontes de projetos teórico-políticos que se encontram nas práticas e estratégias de atores subalternizados (ESCOBAR, 2018, p. 108).

Muito da resistência à agenda hegemônica do clima é construída por movimentos populares em seu ser-fazer cotidiano. E se estabelecem desde o repensar da sua organização produtiva, recolocando a vida no centro, nas experiências locais, até a construção de amplas redes de sujeitos coletivos que se contrapõem às agendas multilaterais do clima. É possível se depreender a conexão entre uma crítica sistêmica e contundente ao modelo produtivo com a construção de alternativas concretas para convivência com a Natureza.

Em geral a emergência climática, na organização ao Sul Global, aparece muito menos como uma bandeira de luta, um grito de ordem, mas como uma prática social coletiva distinta de relacionar-se com a natureza. Partindo de uma dimensão negada, e, portanto, da injustiça socioambiental reconstroem a possibilidade de outros sentidos de existir centrados na reprodução da vida e não do capital, inserindo-se numa chave comunitária. Gutierrez e Lohman (2015GUTIERREZ, Raquel; LOHMAN, Hupascar Salazar. Reprodución comunitaria de la vida: pensando la trans-formación social en el presente. El Apantle: revista de estudios comunitario, Puebla, México, nº. 1, octubre 2015, p.15-50.) entendem que essa ação faz parte de uma trans-formação presente, “como uma maneira de dar forma a vida social a partir de um outro lugar distinto ao habitado pelo capital e a sua forma política estatal de nominar a vida” (GUTIERREZ; LOHMAN, 2015GUTIERREZ, Raquel; LOHMAN, Hupascar Salazar. Reprodución comunitaria de la vida: pensando la trans-formación social en el presente. El Apantle: revista de estudios comunitario, Puebla, México, nº. 1, octubre 2015, p.15-50., p. 20).

Como veremos a seguir na análise de duas experiências concretas - a construção do Coletivo de Justiça Climática da Via Campesina Internacional, no marco de uma rede internacional; e a organização da Comunidade Agroflorestal José Lutzenberger, a nível mais local - encontramos exemplos pedagógicos da construção de alternativas à crise climática desde as lutas por justiça socioambiental. Ainda, podemos afimar que tais exemplos nos permitem identificar os limites das respostas à emergência climática que vem sendo apresentadas pelos países e organismos multilaterais.

2.1 O Coletivo de Justiça Climática da Via Campesina Internacional

Seguimos organizando, movilizando y construyendo alternativas para remediar la crisis climática y defender la Madre Tierra (LVC, 2014a)

Nesse item iremos desenvolver as perspectivas da construção da agenda de justiça climática da Via Campesina Internacional (LVC), especialmente na atuação do Coletivo de Justiça Climática e meio ambiente, a partir dos trabalhos de pesquisa-ação realizados por uma das autoras do presente artigo6 6 Entre os anos de 2015-2019, a referida autora participou do Coletivo, estando presente nas delegações da LVC para a COP 21 e 22, reconstituindo na análise que se segue o caminhar do processo histórico que é vivido em suas memórias, que é partilhado na vivência com dirigentes mais antigos, no revisitar de fotos, documentos de posicionamento e notícias do período. . Cumpre destacar, que por sua formação como advogada, essa prática militante se insere no contexto da assessoria jurídica popular no qual se congrega o papel de ator político no conflito, como de educadora popular, assessora jurídica7 7 O conceito, ou melhor a expressão assessoria jurídica popular se relaciona com práticas de campo no direito comprometidas com sujeitos oprimidos, que partem do entendimento da desigualdade de classes na sociedade, buscando apoiar a ação de movimentos populares, tendo como centro dessa ação a educação popular (ALMEIDA, 2016, p.165). .

A LVC foi fundada em 1993 como um movimento internacional que reúne milhões de camponeses e camponesas, trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, indígenas, pastores e pastoras, pescadores e pescadoras, trabalhadores e trabalhadoras agrícolas migrantes, pequenos e pequenas agricultores, mulheres rurais e jovens camponeses, presente em 81 países, sendo composto por 182 organizações. “Construída sobre um sólido sentido de unidade e solidariedade na defesa da agricultura camponesa pela soberania alimentar” (LVC,2021).

Durante a COP em 2007, muitas organizações da sociedade civil foram críticas à forma como a sociedade civil “não desafiava as causas sistêmicas das mudanças climáticas” (McKeon, 2015McKeon, N. (2015). La Via Campesina: The ‘Peasants’ Way’ to Changing the System, not the Climate. Journal of World-Systems Research, 21(2), 241-249. https://doi.org/10.5195/jwsr.2015.19
https://doi.org/10.5195/jwsr.2015.19...
, p.6). Em resposta a isso, a organização Climate Justice Now, criou uma plataforma como esforço de envolver mais organizações de base, como a Via Campesina, na agenda internacional sobre as mudanças climáticas. Em razão da parceria de longa data entre a LVC e Climate Justice Now, a LVC decide se envolver nos debates da COP em 2009 (McKeon,2015, p.6), e assim começa seu envolvimento nas agendas climáticas.

Num primeiro momento, a decisão política da LVC era trazer seu acúmulo histórico ao redor da soberania alimentar, defendendo o papel da agricultura agroecológica no resfriamento do planeta. Nesse sentido, em 2010 a LVC publica um documento de posição sobre o tema, intitulado “Os pequenos produtores da agricultura sustentável estão resfriando o planeta”, bastante crítico as soluções propostas dentro do marco da economia verde:

Os padrões atuais de produção, consumo e comércio têm causado destruição ambiental maciça, incluindo o aquecimento global que está colocando os ecossistemas de nosso planeta em risco e levando as comunidades humanas a condições de desastre. O aquecimento global mostra os efeitos de um modelo de governança global de um modelo de desenvolvimento baseado na concentração de capital, alto consumo de combustíveis fósseis, produção, consumismo e livre comércio. O Aquecimento global tem ocorrido há décadas, mas a maioria dos governos se recusaram a abordar suas causas e raízes. Só recentemente, uma vez transnacionais foram capazes de criar imensos mecanismos para assegurar seus lucros, é que começamos a ouvir sobre supostas soluções projetadas e controladas pelos grandes negócios e apoiadas por governos (LVC,2010, p.1, tradução nossa).

Com o ascenso de governos progressistas, as organizações camponesas latino-americanas, membros da LVC, buscavam um diálogo com os países que compunham a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) (McKeon,2015McKeon, N. (2015). La Via Campesina: The ‘Peasants’ Way’ to Changing the System, not the Climate. Journal of World-Systems Research, 21(2), 241-249. https://doi.org/10.5195/jwsr.2015.19
https://doi.org/10.5195/jwsr.2015.19...
, p.7). A iniciativa mostrava frutos, especialmente com o governo Evo Morales, que em 2010, durante a COP em Cancun, assumiu uma postura bastante crítica a tentativa de abandono do Protocolo de Kyoto e afirmou a importância de reconhecer as conclusões da Conferência Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra (STAFF,2010)8 8 Importante destacar que a LVC tem uma relação histórica com o governo de Evo Morales no cenário internacional, nesse mesmo período, a diplomacia boliviana trabalhou na construção do que se tornou a Declaração de Direitos dos Camponeses e outras pessoas que trabalham em áreas rurais. .

A Cúpula dos Povos, em 2012, no Rio de Janeiro, foi um momento importante, nesse caminhar, para que os representantes da Via Campesina pudessem estreitar relações com organizações e movimentos que atuam na justiça climática, e se posicionarem com as diferentes posturas de países do Norte Global, e Sul Global, especialmente os da América Latina que buscavam maior relação entre suas posições e o povo.

Logo após, em 2013 se organiza o Coletivo de Justiça Climática da Via Campesina9 9 Os coletivos são estruturas de apoio ao movimento para tocar frentes de luta, eles são coordenados por representantes da Coordenação Internacional, sendo compostos militantes das organizações dos países membros. O trabalho do coletivo é organizar a agenda de luta no tema, construindo processos de formação e formulação. , consolidando a justiça climática e meio ambiente como eixo de luta do movimento campesino internacional. Isso possibilitou que a LVC pudesse construir sua própria estratégia e estrutura, a partir de uma prática de construção horizontal, nas incidências da agenda internacional do clima (MCKeon,2015, p.7). A linha de atuação do coletivo reside na crítica a agricultura industrializada e o sistema de produção de alimentos corporativos como causadores das mudanças climáticas, tomando como base os dados apresentados pelo IPCC em 2014 - de que ¼ das emissões de gases do efeito estufa eram provenientes desse sistema agroalimentar- avançam na crítica trazida em 2010, incorporando à crítica a “agricultura climaticamente inteligente” proposta pelo Banco Mundial:

(...) os governos e corporações promovem mercados de carbono, geoengenharia e soluções tecnológicas que afirmam gerar "benefícios triplos" em termos de sustentabilidade, desenvolvimento e equidade. O comércio de carbono, organismos geneticamente modificados (OGMs), REDD+4, agricultura inteligente e geoengenharia são tentativas capitalistas de dominar e instrumentalizar a natureza a serviço de lucros sempre crescentes. Estas "falsas soluções" baseadas no mercado são projetadas para resolver a crise de acúmulo, não a crise climática. O movimento camponês global, La Via Campesina (LVC), está na linha de frente da catástrofe climática. Do nosso ponto de vista, a contenção da crise climática requer uma mudança sistêmica para eliminar a causa raiz da crise - o sistema capitalista (LVC, s/a, p.5, tradução nossa).

A participação organizada da LVC nas COP subsequentes sempre foi acompanhada de documentos de posição, cartas de manifesto e mobilizações massivas, do espaço alternativo paralelo da Cúpula dos Povos, todas essas ações coordenadas pelo Coletivo de Justiça Climática. Em 2014, no Peru, lançam palavras de ordem: “¡No a las falsas soluciones del capitalismo verde! ¡Agricultura campesina e indígena para la justicia climática y medioambiental, ya!” (LVC,2014a). No ano de 2015, em parceria com a organização GRAIN lançam os cinco passos para esfriar o planeta centrados na construção da soberania alimentar (LVC,2014b).

Para a COP 21, em Paris, se construiu um amplo chamado à participação de delegados dos países para compor a comitiva da LVC. Estiveram por volta de 100 representantes, evidenciando o quanto as iniciativas de economia verde vêm afetando a continuidade dos modos de produção da vida campesina. Ao longo da participação nos espaços alternativos, a LVC foi consolidando sua análise da falta de compromissos vinculantes dos Estados para redução das emissões de carbono. Entre as conclusões apresentam a captura corporativa do espaço multilateral, denunciam que a COP 21 abriu “mais as portas para especulação financeira sobre a natureza, a industrialização da agricultura, e a aceleração da apropriação de recursos” (LVC, 2015a).

Durante os espaços alternativos à COP 21, a LVC construiu o lançamento de uma iniciativa que vinha sendo gestada por organizações que conectam as respostas à crise através da crítica ao modelo produtivo, a chamada: Convergência Global das Lutas pela Terra e Água. A iniciativa é composta por uma maioria de organizações do Sul Global, que a partir de seus locais tecem resistências concretas que servem de exemplo de alternativas. Assumindo ainda uma postura crítica a reprodução do colonialismo e imperialismo na gestão global da crise climática.

Para a convergência é necessário partir da base, de uma linguagem local primeiro, depois linguagem regional, para transcender ao nível nacional e internacional. A soberania alimentar cria um marco de convergência, para dar respostas a situações que às vezes parecem tão grandes, mas que juntos podemos vencer (LVC,2015b, tradução nossa).

Na COP subsequente, o Coletivo de Justiça Climática, embora estivesse presente em Marrakech, se reuniu para uma formação política numa escola de agroecologia, limitando-se a acompanhar a marcha das organizações no último dia da COP. Consolidando, portanto, uma postura de construção alternativa das soluções para as mudanças climáticas, fora dos espaços institucionais, ou ainda, espaços estatais, optando pela construção prioritária com aliados da agenda da soberania alimentar (LVC,2016). Esse movimento, vai se consolidando na presença das COPs subsequentes, e na construção de Seminários como o de Justiça Climática, na Nicarágua em 2018 (LVC,2018), com o propósito de unir esforços acadêmicos e movimentos em prol da crítica às soluções hegemônicas para a emergência climática.

O exemplo do Coletivo de Justiça Climática da Via Campesina nos permite verificar como soluções a crise climática já estão em ação nos territórios, e demandam muito mais que o uso de novas tecnologias, o investimento e incremento de políticas públicas para outros atores sociais, como os campesinos e campesinas. Nesse breve histórico sobre o processo de construção do grupo observamos também como o tema da crise ambiental vai atravessando as lutas históricas das organizações.

2.2 A comunidade agroflorestal José Lutzenberger

A experiência de luta da comunidade agroflorestal José Lutzenberger foi acompanhada durante as atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas pelo grupo Ekoa nos anos de 2016 a 2020. A experiência da observação participante buscou a aproximação com a comunidade e também com diversos agentes sociais (pesquisadores, técnicos e representantes do poder público) para compreender o conflito de luta pela terra. Da observação participante foram produzidas uma pesquisa coletiva e duas teses de doutorado, todas as pesquisas vinculadas ao programa de pós-graduação em meio ambiente e desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná.

A comunidade agroflorestal José Lutzenberger está localizada no Município de Antonina, dentro da Área de Proteção Ambiental - APA - Federal de Guaraqueçaba e teve início com a ocupação da Fazenda São Rafael, em setembro de 2004. A comunidade constitui-se de cerca de 23 famílias. A região integra a reserva da biosfera da Mata Atlântica e pertence ao Lagamar Iguape-Cananéia-Paranaguá, um dos mais importantes estuários da costa brasileira. Por sua importância, em 1991, a área foi classificada como Reserva da Biosfera e em 1999 recebeu o título de Patrimônio Mundial da Natureza, da UNESCO (VANESKI FILHO, 2020VANESKI FILHO. Ordenamento territorial com justiça ambiental: construindo uma (agri)cultura com natureza, 2020. Tese de doutorado. Programa de pós-graduação em meio ambiente e desenvolvimento. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 213 p. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/68627. Acesso em 14 nov. 2022.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
, p. 106).

A ocupação das famílias caiçaras é histórica e as limitações ao uso do seu território se intensificaram em decorrência das proibições advindas do mosaico de unidades de conservação10 10 Nos anos seguintes a sua criação, novas Unidades de Conservação foram sendo criadas em sobreposição à APA Federal de Guaraqueçaba, algumas de uso sustentável e outras de proteção integral. Dentre as Unidades de Conservação que foram sobrepostas estão o Parque Nacional do Superagui, a Estação Ecológica de Guaraqueçaba, a APA Estadual de Guaraqueçaba, a Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN do Salto Morato, a RPPN do Sebuí, a RPPN Serra do Itaqui e a RPPN Rio Cachoeira (ROSSITO, 2020, p. 43). existentes na região, dos cercamentos advindos tanto pela criação de búfalos quanto pela geração de créditos de carbono nas terras privadas (Cf. VANESKI FILHO, 2020VANESKI FILHO. Ordenamento territorial com justiça ambiental: construindo uma (agri)cultura com natureza, 2020. Tese de doutorado. Programa de pós-graduação em meio ambiente e desenvolvimento. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 213 p. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/68627. Acesso em 14 nov. 2022.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
, p. 119).

Antes da ocupação a área apresentava irregularidades ambientais pela atividade bubalina, a pastagem de braquiária (flora exótica), a mudança e redução da extensão do curso do rio, a descaracterização e a redução da área de preservação permanente (APP). Com a ocupação, as famílias demonstraram que suas atividades são capazes de preservar a natureza ao tempo em que contribuem para a segurança alimentar e nutricional. Pelo trabalho de diferentes pesquisadores que estudaram o caso a partir de interlocuções da universidade com a comunidade foram levantados indicadores ambientais pela recuperação da biodiversidade e do solo, com a regeneração da vegetação, a naturalização do curso do rio, a recomposição da área de APP e a recuperação do processo erosivo11 11 O documentário “Agrofloresta é mais” retrata a transformação da área. Lançado no ano de 2018, o documentário foi realizado pelo Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR), a Fundação Oswaldo Cruz, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Associação Paranaense das vítimas expostas ao amianto e aos agrotóxicos (APREAA). O documentário integrou a campanha “Agrofloresta é a nossa casa”, organizada por dezenas de entidades contrárias à retirada das famílias. (SENGE-PR, 2018)

Com o apoio do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais sem Terra, as famílias elaboraram no ano de 2006 um projeto de assentamento agroecológico, utilizando o Sistema Agroflorestal (SAF). Quando do processo administrativo para tentativa de regularização fundiária, foi realizada uma votação para a aprovação do assentamento agroecológico. Essa votação ocorreu no Conselho Consultivo da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba, que era o espaço de gestão mosaico para o conjunto das unidades de conservação. A votação para a implementação do projeto de assentamento agroecológico resultou em empate, sendo 12 votos favoráveis, 12 votos contrários e 2 abstenções. O presidente do Conselho teve direito ao voto de desempate e decidiu pela não aprovação da implementação do projeto de assentamento (ROSSITO, 2020ROSSITO, Flávia Donini. Cooperação agroecológica, natureza e gente. 2020. Tese de doutorado. Programa de pós-graduação em meio ambiente e desenvolvimento. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 164 p. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/69094. Acesso em 14 nov. 2022.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
, p. 57). No entanto, as famílias continuaram suas práticas, as quais são referência para pesquisadores/as de diferentes áreas do conhecimento, assim como despertam a atenção do turismo ecológico. A produção agroflorestal sem agrotóxicos é diversa e contribui para o autoconsumo das famílias como também para a qualidade alimentar e nutricional dos consumidores e consumidoras. O acampamento fornece alimentos para os municípios de Antonina, Morretes, Pontal do Paraná e Matinhos, por meio de feiras e entrega de cestas. Além dos alimentos in natura, o acampamento produz geleias, doces e polpas de frutas (Cf. ROSSITO, 2020, p. 65-66). Essa experiência participou no ano de 2017 do prêmio Juliana Santilli de agrobiodiversidade. O Projeto de Assentamento Agroflorestal José Lutzenberger, foi premiado na categoria 1, que contemplou iniciativas que promovem a ampliação e a conservação da agrobiodiversidade (ISA, 2017).

No entanto, ainda assim, a discussão da titularidade da terra perdurou durante anos na esfera judicial, apesar dos resultados que indicam a elevação da qualidade ambiental da área com a ocupação. A conquista da terra veio no ano de 2022 com a declaração do Governo do Estado do Paraná da utilidade pública da área para fins de desapropriação e o pagamento de indenização ao antigo proprietário (BORGES, 2022BORGES, Lizely. Na área em fez renascer a Mata Atlântica, Comunidade José Lutzenberger (PR) conquista o direito à terra. Terra de Direitos. 31 ago. 2022. Disponível em: https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/na-area-em-fez-renascer-a-mata-atlantica-comunidade-jose-lutzenberger-pr-conquista-o-direito-a-terra/23774. Acesso em 14 nov. 2022.
https://terradedireitos.org.br/noticias/...
).

O que se pretende destacar do caso para os fins deste artigo envolve a diversidade de práticas e modos de vida que se desenvolvem em áreas protegidas, que apresentam qualidade ambiental justamente pelas diferentes relações que as populações camponesas e originárias travam com a natureza. A experiência dessa comunidade se dá em um local que de acordo com o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Estado do Paraná possui vocação ecológica e está no meio de um mosaico de unidades de conservação, em sua maioria formada por unidades de proteção integral12 12 O Objetivo básico das Unidades de Conservação de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais (BRASIL, LEI nº 9985, 2000, art. 7, §1º) . Há também no espaço propriedades particulares que usam a área para a transferência de créditos de carbono, realizado via parcerias internacionais. O caso demonstra que o território possui qualidade ambiental em razão das comunidades tradicionais que o ocupam, resgatando a importância do fazer comunitário para a transformação social. E demonstra também que é possível ter proteção ambiental com ocupação humana, produzindo alimento saudável com recuperação florestal, mesmo em meio a espaços de vocação ecológica para unidades de conservação de proteção integral. Essa experiência, junto com as que são feitas em outros assentamentos e acampamentos do MST, qualificam a questão da reforma agrária pela agroecologia e dessa forma, são significativas para a discussão do que já vem sendo feito pelos povos e movimentos para transição ecológica do modelo de desenvolvimento dominante e, em consequência, são ações relevantes para o contexto de emergência climática.

A agroecologia, enquanto técnica, ciência e política apresenta respostas para a articulação da agricultura com florestas, na recuperação dos saberes locais e tradicionais e se coloca como uma estratégia de resistência ao modelo do agronegócio e uma estratégia de enfrentamento à emergência climática. Neste sentido, é preciso avançar na demarcação de terras e na defesa da territorialidade dos povos do campo, das águas e das florestas, como uma ação decisiva para que projetos como o da comunidade agroflorestal José Lutzenberger possam ser desenvolvidos. No sentido das ações imediatas para conter as mudanças climáticas, a prática dos povos e movimentos sociais denunciam os riscos que surgem com a manutenção da visão reducionista entre mitigação e adaptação, isto é, a partir da consideração de que os espaços degradados são compensados com áreas de conservação integral. O que as experiências apresentam é que há muita diversidade nas práticas de preservação/conservação da natureza, e que são as práticas e saberes dos povos e movimentos sociais que, a partir das denúncias dos conflitos socioambientais, vem apresentando contribuições relevantes para a emergência climática a partir do Sul global.

3. Emergência climática: o necessário diálogo com a justiça socioambiental

As discussões no global sobre a emergência climática se aproximam do conceito de justiça socioambiental, como mencionamos acima. A perspectiva do socioambientalismo surge no campo jurídico a partir dos anos 90, se constituindo como uma alternativa ao conservadorismo/preservacionismo, promovendo a aproximação entre defesa da Natureza e as demandas dos movimentos sociais por justiça social, possibilita a inclusão de novos atores, como as populações tradicionais (SANTILLI, 2005SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2005., p.35).

A perspectiva socioambiental para a justiça leva em conta que a expressão natureza resulta das relações sociais, das disputas por usos e representações dos bens comuns para reprodução da vida. Nesse sentido, entendemos que as desigualdades sociais são elemento de discussão permanente e, dentro disso, há que se debater as causas estruturantes da geração da pobreza, da fome, da concentração de terras no país e os efeitos da manutenção de um modelo de desenvolvimento dependente e extrativista.

Na COP 27, além da participação oficial do governo destaca-se o espaço Brazil Climate Action HUB. Este espaço foi criado em 2019 pelo Instituto Clima e Sociedade e reúne entidades não governamentais, pesquisadores(as), povos e movimentos sociais. Nele, as ações dos povos e movimentos sociais demonstram que existem alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico. Nas ações promovidas durante a conferência a participação dos povos indígenas reforça a necessidade de defesa da demarcação de terras, o respeito à consulta livre prévia e informada e a litigância estratégica de enfrentamento à tese do marco temporal. No painel “Ação de transformação por Justiça Climática: a luta social quilombola” a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil (CONAQ) apresentou os impactos que sofrem as comunidades pelos grandes empreendimentos e infraestrutura, denunciando o racismo ambiental13 13 Disponível em https://www.brazilclimatehub.org/acao-de-transformacao-por-justica-climatica-a-luta-social-quilombola-v/. Acesso em 12 nov. 22. .

Pelas participações dos povos destaca-se uma perspectiva que integra justiça climática e as lutas socioambientais, demonstrando a indissociabilidade entre as formas de apropriação dos bens ambientais com as questões de raça, classe e gênero, trabalhando com a interseccionalidade enquanto metodologia que permite entender a questão da natureza como integrada às diferentes formas de opressão, o que conduz ao olhar dos conflitos socioambientais enquanto uma violação não só à natureza, mas também aos territórios de vida e aos corpos dos grupos sociais vulneráveis. Suas manifestações apontam que a garantia do direito à terra-natureza é condição primeira para o acesso ao conjunto dos direitos humanos, a reprodução dos seus modos de vida e seus ensinamentos cobram maior profundidade na avaliação das ações imediatas relacionadas à emergência climática.

Assim, o conceito de justiça socioambiental quando vinculado à noção de emergência climática pode ser entendido de duas formas. A primeira no objetivo de resgatar a memória das lutas sociais em sua relação com a natureza, relembrando desde a importância dos movimentos e da sociedade civil organizada nos debates para elaboração da Constituição Federal de 1988. Assim como a contribuição que os povos e comunidades tradicionais tiveram na construção de políticas públicas e leis que refletem trajetórias de resistência nos territórios. Seu uso recorda a importância das ações de resistência dos povos e movimentos sociais para o reconhecimento de diferentes direitos. Como exemplos podem ser lembrados a conquista da titularidade da terra pelas mulheres do campo, a criação da reserva extrativista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, a certificação participativa da Lei 10.830/2003 e a Política Nacional de Produção Orgânica e Agroecologia (PNAPO) pelas ações de entidades e instituições ligadas ao movimento ecológico nacional, dentre outros.

A segunda forma relaciona-se em olhar as práticas comunitárias dos povos e movimentos sociais. Ao explorarem a contradição desenvolvimento/natureza o conceito de justiça socioambiental põe uma lupa aos conflitos socioambientais revelando as relações de poder que se sobrepõem aos territórios, de igual modo, as teias e redes que se entrelaçam as cadeias e produção de danos, bem como as articulações de diferentes entidades e grupos na defesa dos direitos violados. São os conflitos socioambientais que revelam as resistências, uma vez que são “lutas de significações, como uma espécie particular de conflito social que envolve diferentes representações sobre meio ambiente na disputa entre outros modos de uso e apropriação, material e simbólica, de territórios” (VIÉGAS, 2009VIÉGAS, Rodrigo Nuñes. Conflitos ambientais e lutas materiais e simbólicas. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 19, p. 145-157, jan./jun. 2009. Editora UFPR. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/made/article/view/13564. Acesso em 14 nov. 2022.
https://revistas.ufpr.br/made/article/vi...
, p. 146). Entender os conflitos socioambientais em sua relação com a emergência climática também demanda observar como têm sido construídas as estratégias de resposta às demandas dos grupos atingidos, sejam estas realizadas no campo judicial ou fora dele.

No campo jurídico a litigância climática ganha corpo tanto na esfera internacional como na nacional. No Supremo Tribunal Federal tramitam sete ações, denominadas de “Pacote Verde”, que tratam dos retrocessos na agenda ambiental e apontam omissões no tratamento da questão climática14 14 O “pacote verde” envolve as ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760,735, 651, as ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADOs) nº 54 e 59 e as ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 6148 e 6808. . Na esfera internacional a relação dos litígios do clima com o acesso ao conjunto de direitos humanos ganhou um reforço de fundamentação com a aprovação na Assembleia da ONU da resolução do Conselho de Direitos Humanos reconhecendo, por fim, o direito ao ambiente como um direito humano. Tal aprovação, ainda que não vinculante, é um importante instrumento jurídico-político que põe fim às dúvidas sobre a essencialidade da natureza e a necessidade de avançar na defesa dos seus direitos.

No campo internacional destacam-se ainda as discussões para formatos de responsabilização das cadeias produtivas com mecanismos mais efetivos para as obrigações das empresas, como as leis de devida diligência, já aprovadas na França (2017) e na Alemanha (2021). No Brasil, o projeto de lei nº 572, de 2022, construído coletivamente por diferentes entidades e movimentos sociais, pretende criar um marco nacional sobre direitos humanos e empresas. De sua justificativa destaca-se:

Frente ao profícuo debate internacional, do qual não se pode apartar da discussão sobre as graves violações de direitos humanos em contextos de atividades empresariais, com as quais o Estado brasileiro têm sido historicamente negligente, e nem com a posição de hostilidade aberta demonstrada pelo atual governo em relação aos direitos de trabalhadores, indígenas, mulheres, LGBT’s e outros grupos oprimidos e explorados, buscando, por meio de medidas estritamente simbólicas, silenciar ou contraditar as vozes que denunciam as violações de direitos ocorridas no Brasil. Baseado nessas preocupações, e inspirados na Resolução Nº 5, de 12 de março de 2020, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que estabelece “Diretrizes Nacionais para uma Política Pública sobre Direitos Humanos e Empresas”, apresentamos este projeto para iniciar uma discussão sobre a necessidade do desenvolvimento de marcos legislativos precisos e políticas públicas efetivas acerca do respeito, proteção e promoção dos direitos humanos no contexto das atividades empresariais. É nesse mesmo espírito, aliás, que compreendemos este projeto. Como um passo da continuação de uma construção coletiva que não começa agora e tampouco se encerrará neste texto (BRASIL, 2022, p. 28)

O debate acerca das ações para o enfrentamento da emergência climática, portanto, devem ser multissetoriais, com participação e debate popular, a fim de não deixar de lado as questões estruturais do desenvolvimento, na perspectiva conjugada da garantia dos direitos humanos e da natureza. Por fim e não menos importante, o conceito de justiça socioambiental considera os campos dos conflitos territoriais como conectados com os direitos de ser e de existir dos povos. Essa relação se dá, no contexto da América Latina, a partir do avanço do extrativismo dependente (pecuário, agrícola, mineral) do modelo de desenvolvimento dominante e as ações de denúncias dos povos e movimentos sociais frente aos processos de vulnerabilização. Assim, a análise dos conflitos e das resistências se faz no sentido de identificar os efeitos gerados em duas dimensões, como primeira dimensão o conceito instiga ao estudo das transformações no espaço vivido, atuando em temas como, por exemplo, terra e território, bens comuns, reforma agrária/agroecologia. Como segunda dimensão, o conceito de justiça socioambiental se incumbe de perceber os efeitos produzidos pelos conflitos/resistências nos corpos dos grupos sociais atingidos pelos projetos do desenvolvimento dominante - envolvendo questões de raça, classe e gênero, saúde coletiva, soberania alimentar, dentre outros. Tais dimensões se encontram inter-relacionadas e se complementam.

E, por fim, o uso do conceito de justiça socioambiental permite identificar como o Estado se posiciona frente aos conflitos e resistências, ou seja, como, diferentes ações estatais (nas esferas dos poderes executivo, legislativo e judiciário) vão estimular, gerar, apoiar e/ou sustentar - tanto a manutenção do conflito, como as resistências. As ações do Estado também podem ser analisadas para identificar o avanço e os retrocessos na institucionalização dos direitos da natureza e dos animais, para a preocupação com a equidade ambiental no campo e na cidade, e ainda na defesa da agrobiodiversidade realizada pelos povos e movimentos sociais. Por esse conceito a relação com a terra-natureza pode e deve ser outra, reconhecendo-se a necessidade do diálogo contínuo entre academia, instituições públicas e realidade social para compreender a trajetória da luta socioambiental e a importância dos direitos coletivos e seus sujeitos.

4. Considerações Finais

Os conflitos socioambientais se intensificam na América Latina juntamente com ampliação dos danos socioambientais decorrentes dos diferentes extrativismos. As vivências dos povos originários e tradicionais e dos grupos sociais vulneráveis ao modelo dominante de desenvolvimento são significativas para o estudo da questão da natureza na transição da crise ecológica e em ações voltadas à emergência climática.

Os casos brevemente analisados nesse artigo elucidam como camponês e camponesas, do Sul Global, tem recentrado sua produção para atender a reprodução da vida, demonstrando como a Natureza deixa de ser tratada como um recurso para ser integrada a um modo de produção da vida. A partir de uma exclusão do sistema capitalista, esses atores, partem de sua dimensão negada (injustiça) para construir caminhos (alternativas) viáveis, concretas, já existentes, para a crise climática. Assim, afirmam que a luta por justiça socioambiental implica a compreensão da colonialidade do poder, das relações de poder que se constituem nos territórios, no país e a nível internacional, e construir caminhos para sair da crise ambiental exige repensar as escolhas dos modelos de produção, desenvolvimento.

Há uma crítica profunda às alternativas hegemônicas, à medida que não resolvem a produção de impactos ambientais, apenas se utilizam da presença da dependência para transferir ao Sul Global esses danos. As experiências aqui trazidas, elucidam a necessidade de uma ruptura sistêmica ligada ao desenvolvimento de um conjunto de políticas públicas que permitam às comunidades seguirem com seus projetos de vida. Na ausência de políticas públicas de continuidade para a transição ecológica, as experiências estão sob o risco de que outros projetos do modelo de desenvolvimento hegemônico introduzam medidas ainda mais restritivas e aumentem as violações aos corpos e territórios, logo produzam mais injustiça socioambiental.

As lutas e as práticas dos povos que reagem aos extrativismos são inúmeras e a retomada pelos bens comuns com a gestão coletiva trazem discussões e desafios fundamentais para toda a sociedade. O desafio não é a de encontrar uma “solução”, mas pensar na luta como permanente e na necessidade de construir políticas públicas com participação popular, pois o direito é fruto da relação social e assim, se terá condições para a efetividade das ações de transição ecológica dos povos e movimentos que já vem respondendo há tempos à emergência climática.

Nessa esteira conseguimos identificar ao longo das experiências concretas trazidas que as respostas à crise climática impostas pelos espaços multilaterais internacionais não atendem nem a resultados concretos para o meio ambiente, nem aos povos atingidos. Os caminhos encontrados por movimentos populares da região apresentam-se como muito mais simples e cotidianos. Dessa forma, trazer as alternativas mais próximas às diferentes realidades locais, e assim, territorializá-las para ser uma “solução” mais efetiva. Em tal tarefa histórica se constituem propostas dentro dos marcos do Estado, e portanto, da construção de políticas públicas, como para além dele, no compromisso com a Madre-Tierra. Assim, como apresenta um desafio a academia/universidade de trazer esses saberes outros para a disputa da hegemonia no campo da produção do conhecimento científico.

Referências

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  • POMPEIA, Caio; SCHNEIDER, Sérgio. As diferentes narrativas alimentares do agronegócio. In: Desenvolv. Meio Ambiente, Vol. 57, Edição especial - Agronegócio em tempos de colapso planetário: abordagens críticas, p. 175-198, jun. 2021. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/made/article/view/77248/44099 Acesso em 15 nov. 22.
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  • William J Ripple; Christopher Wolf; Thomas M Newsome; Phoebe Barnard; William R Moomaw. World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, BioScience, Volume 70, Issue 1, January 2020, Pages 8-12, https://doi.org/10.1093/biosci/biz088
    » https://doi.org/10.1093/biosci/biz088
  • 1
    Relatório disponível em https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/. Acesso em 14 nov. 2022.
  • 2
    A 27ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP27) acontece em Sharm El Sheikh, no Egito, entre os dias 7 a 18 de novembro de 2022.
  • 3
    Os Estados Unidos integraram o Acordo de Paris no ano de 2016, durante o governo de Barack Obama, uma posição historicamente diferenciada quando das negociações do Protocolo de Kyoto. No ano de 2017, durante o governo de Donald Trump, o país retirou-se do acordo. No governo de Joe Biden (2021), os EUA reingressaram ao Acordo de Paris.
  • 4
    Segundo Tilman & Clark (2014), as atividades agrícolas no mundo emitem mais de um quarto dos gases de efeito estufa (GEE), além de poluírem as águas fluviais e marítimas com diversos agroquímicos. Para Poore & Nemecek (2018), a produção de alimentos responde por aproximadamente 32% da acidificação terrestre global e 78% da eutrofização, e suas emissões podem alterar fortemente a composição de espécies dos ecossistemas naturais, reduzindo a biodiversidade e a resiliência ecológica (POMPEIA & SCHNEIDER, 2021, p.178).
  • 5
    Algumas cidades na Austrália (2016), Estados Unidos (2017), Canadá e Reino Unido (2018) já declararam o estado de emergência climática. No Brasil, o município de Recife foi o primeiro a reconhecer a emergência climática.
  • 6
    Entre os anos de 2015-2019, a referida autora participou do Coletivo, estando presente nas delegações da LVC para a COP 21 e 22, reconstituindo na análise que se segue o caminhar do processo histórico que é vivido em suas memórias, que é partilhado na vivência com dirigentes mais antigos, no revisitar de fotos, documentos de posicionamento e notícias do período.
  • 7
    O conceito, ou melhor a expressão assessoria jurídica popular se relaciona com práticas de campo no direito comprometidas com sujeitos oprimidos, que partem do entendimento da desigualdade de classes na sociedade, buscando apoiar a ação de movimentos populares, tendo como centro dessa ação a educação popular (ALMEIDA, 2016, p.165).
  • 8
    Importante destacar que a LVC tem uma relação histórica com o governo de Evo Morales no cenário internacional, nesse mesmo período, a diplomacia boliviana trabalhou na construção do que se tornou a Declaração de Direitos dos Camponeses e outras pessoas que trabalham em áreas rurais.
  • 9
    Os coletivos são estruturas de apoio ao movimento para tocar frentes de luta, eles são coordenados por representantes da Coordenação Internacional, sendo compostos militantes das organizações dos países membros. O trabalho do coletivo é organizar a agenda de luta no tema, construindo processos de formação e formulação.
  • 10
    Nos anos seguintes a sua criação, novas Unidades de Conservação foram sendo criadas em sobreposição à APA Federal de Guaraqueçaba, algumas de uso sustentável e outras de proteção integral. Dentre as Unidades de Conservação que foram sobrepostas estão o Parque Nacional do Superagui, a Estação Ecológica de Guaraqueçaba, a APA Estadual de Guaraqueçaba, a Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN do Salto Morato, a RPPN do Sebuí, a RPPN Serra do Itaqui e a RPPN Rio Cachoeira (ROSSITO, 2020, p. 43).
  • 11
    O documentário “Agrofloresta é mais” retrata a transformação da área. Lançado no ano de 2018, o documentário foi realizado pelo Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR), a Fundação Oswaldo Cruz, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Associação Paranaense das vítimas expostas ao amianto e aos agrotóxicos (APREAA). O documentário integrou a campanha “Agrofloresta é a nossa casa”, organizada por dezenas de entidades contrárias à retirada das famílias. (SENGE-PR, 2018)
  • 12
    O Objetivo básico das Unidades de Conservação de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais (BRASIL, LEI nº 9985, 2000, art. 7, §1º)
  • 13
    Disponível em https://www.brazilclimatehub.org/acao-de-transformacao-por-justica-climatica-a-luta-social-quilombola-v/. Acesso em 12 nov. 22.
  • 14
    O “pacote verde” envolve as ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760,735, 651, as ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADOs) nº 54 e 59 e as ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 6148 e 6808.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2023
  • Aceito
    02 Fev 2023
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