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Antônio Pardo e a hierarquia social no mundo rural brasileiro do século XIX

Antônio Pardo and Social Hierarchy in Nineteenth-Century Rural Brazil

Antônio Pardo y la jerarquía social en el mundo rural brasileño del siglo XIX

RESUMO

O artigo analisa a trajetória de vida de Antônio Varela, homem pardo, filho de uma mulher alforriada, nascido no ano de 1805, capitão da Guarda Nacional, senhor de escravos e reconhecido proprietário de terras na vila da Piranga, antigo distrito do município de ­Mariana, em Minas Gerais. A partir de suas relações familiares, de compadrio e de vizinhança em torno da posse da terra, este artigo demonstra os caminhos da mobilidade social e as estratégias da ascensão econômica, explorando uma trajetória que esteve circunscrita a uma sociabilidade cotidiana geograficamente erigida. Assim, este artigo evidencia uma cartografia da liberdade e da ascensão econômica e social, dando destaque aos novos espaços de sociabilidade que permitiram um novo lugar social para Varela na hierarquia local.

Palavras-chave:
escravidão; liberdade; trajetória de vida; mobilidade social; Minas Gerais

ABSTRACT

The paper examines the life of Antônio Varela, born in 1805, a pardo man whose mother was a freed woman, who became captain of the National Guardo of Brazilian Imperial State, a slave master, and a major landowner in the village of Piranga, a former district of the municipality of Mariana in Minas Gerais. This paper discusses his relationships with family, god parentage, and neighbors in the area where he owned land. In doing so, it highlights the routes of social mobility and economic ascension strategies, and explores the geographically-structured quotidian sociability that circumscribed his life course. This paper presents a cartography of freedom and socioeconomic ascension, emphasizing the new spaces of sociability that enabled Varela to raise his standing in the local hierarchy.

Keywords:
Slavery; Freedom; Life Course; Social Mobility; Minas Gerais

RESUMEN

El artículo analiza la trayectoria de vida de Antonio Varela, hombre pardo, hijo de una mujer manumitida, nacido en el año 1805, Capitán de la Guardia Nacional, señor de esclavos y reconocido propietario de tierras en la Villa de Piranga, antiguo distrito del municipio de Mariana, en Minas Gerais. A partir de sus relaciones familiares, de compadrazgo y de vecindad en torno a la propiedad de la tierra, este artículo demuestra lo caminos de la movilidad social y las estrategias del ascenso económico, explorando una trayectoria que estuvo restricta a una sociabilidad cotidiana geográficamente erigida. De esta forma, este artículo evidencia una cartografía de la libertad y del ascenso económico y social, dando destaque a los nuevos espacios de sociabilidad que permitieron un nuevo lugar social para Varela en la jerarquía local.

Palabras Clave:
esclavitud; libertad; trayectoria de vida; movilidad social; Minas Gerais

Introdução

Ao ler o resumo você pode estar se perguntando: por que mais um artigo sobre a vida de um homem pardo que ascendeu socialmente no passado brasileiro? O que mais um artigo nesse consolidado campo de pesquisa acrescenta à pesquisa histórica? Afinal, diversos agentes históricos tiveram suas vidas perscrutadas por muitas pesquisas, as quais permitem reflexões sobre: mobilidade e hierarquias sociais no passado escravista brasileiro (HARTUNG, 2005BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Batismo e compadrio de escravos: Montes Claros (MG), século XIX. Lócus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 3, n. 1, p. 108-115, 1997.; WITTER, 2006HARTUNG, Miriam. Muito além do céu: escravidão e estratégias de liberdade no Paraná do século XIX. Topoi, v. 6, n. 10, p. 143-191, jan.-jun. 2005.; FONTELLA, 2016ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial. Localidade: Vila de Nossa Senhora da Conceição do Piranga; Notação: TP-1-160; Microfilme: TP Rolo-13/Flash 01.; MATHEUS, 2018CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo: Companhia Editora Nacional; Brasília: INL, 1977.); investigações sobre as interseções entre o mundo dos livres, dos libertos e dos escravos; possibilidades de acumulação de pecúlio; e tramas da ascensão socioeconômica (PORTELA, 2010FONTELLA, Leandro Goya. Dando a luz à liberdade: a trajetória de uma mãe escrava e sua prole(Vila de São Borja, Rio Grande de São Pedro, século XIX). Revista Tempos Históricos, v. 20, p. 345-365, 2016.; PINHEIRO, 2015FONER, Eric. Nada além da liberdade. A emancipação e seu legado. Trad. Luiz Paulo Rouanet. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.; RIBEIRO, 2018; BÔSCARO; GUIMARÃES, 2018ARQUIVO DA CASA SETECENTISTA DE MARIANA. Inventários post-mortem, 1º e 2º Ofícios.). Por isso, fique claro, não há nada de novo na trajetória de vida de Antônio Varela. Todavia, as perspectivas de análise deste artigo seguem uma linha teórica e metodológica até então pouco explorada, abordando a produção do lugar social desse agente histórico, rastreando, a partir das cartografias do seu cotidiano, a geografia de sua mobilidade social, um processo histórico que emparelhou o seu deslocamento social e espacial no universo escravocrata do século XIX em Minas Gerais.

Filho de uma mulher crioula e alforriada, ele nasceu no ano de 1805, sendo batizado no dia 20 de julho do mesmo ano, na igreja matriz do Arraial de Piranga, um distrito da cidade de Mariana, em Minas Gerais. Ao longo das décadas de 1830 a 1850, outras fontes documentais produzidas, tais como listas nominativas1 1 ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Disponível para consulta online em: www.poplin.cedeplar.ufmg.br. Doravante, mencionarei apenas “listas nominativas”. Sobre essa documentação, ver Libby (1988, p. 28-31) e Paiva e Arnaut (1990). , registros de batismos2 2 Disponíveis no Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana (ACEM), freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Também foram feitas pesquisas no Arquivo da Casa Paroquial de Piranga (ACPP). Doravante, citarei apenas a abreviação dos acervos. , inventários post-mortem3 3 Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (ACSM), disponível para pesquisa no site http://www.lampeh.ufv.br/CasaSetecentista/. Acesso em 17 jan. 2022. Também utilizamos diversos inventários que estão depositados no Arquivo do Fórum de Piranga (AFP). e registros paroquiais de terras4 4 ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial (RETP). Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fundos_colecoes/brtacervo.php?cid=26. Acesso em 17 jan. 2022. Doravante, as referências às declarações de terra serão feitas citando apenas o número do rolo do microfilme e dos registros de terras. , atestam que Varela havia ascendido social e economicamente: casou-se, constituiu casa e família e tornou-se um reconhecido proprietário de terras5 5 Foi declarante de três propriedade no Registro Paroquial de Terras no ano de 1855 (APM. RETP, Rolo 13, 1518; Rolo 13, 1518-02; Rolo 13, 1519). , detentor de cargo na administração municipal da Vila da Piranga6 6 No inventário de Dona Clara Maria Violante, confeccionado na Vila de Piranga, Antônio Varela é discriminado como o “atual coletor agente de impostos deste município” (AFP. Inventários post-mortem, Caixa A208, Auto 584, inventário de Dona Clara Maria Violante, 1856). e patentes militares na Guarda Nacional7 7 Em vários assentos de batismo Antônio Varela é listado como alferes e capitão da Guarda Nacional, fato que atesta para o seu reconhecimento social na paróquia da Piranga, haja vista que os alistamentos às fileiras da Guarda eram presididos por membros da elite econômica e jurídica da localidade (CASTRO, 1977, p. 77). Castro ainda aponta para o caráter popular que estruturou a corporação em seus anos iniciais, o que contribuiu para a ascensão social de indivíduos não brancos e de posses modestas, aspecto que, segundo a autora, não passou intacto de mal-estar social, o que ocasionou em mudanças de posturas e regimentos que visavam a impedir a qualificação militar, logo a ascensão social, de negros e pardos, mantendo assim o lugar de controle e domínio de uma minoria dirigente desde os tempos coloniais (CASTRO, 1977, p. 141; p. 193). , um homem de negócios8 8 Na década de 1830, Antônio Varela é listado proprietário de uma casa de “bebidas espirituosas” no Mapas de Engenhos Aguardenteiros e Casas de Negócio de 1836 (GODOY, 2008). e proprietário de cativos.9 9 Nas listas nominativas da década de 1830, Antônio Varela é listado chefe de seu domicílio, no qual são listados cativos (APM. Sessão Provincial, Listas nominativas).

De tal modo, diferentemente de outras análises desenvolvidas a partir de preocupações e problemas de pesquisa análogos, demonstrarei como, ao longo da vida de Antônio Varela, a mobilidade espacial sempre esteve associada ao reconhecimento social, consolidando uma trajetória circunscrita a uma sociabilidade geograficamente erigida, oferecendo uma perspectiva analítica que permite repensar os processos históricos de cooptação e exclusão que estruturaram hierarquias e reproduziram desigualdades.

Portanto, este artigo, por meio da análise da trajetória de vida de Antônio Varela, aponta novas possibilidades interpretativas que enriquecem o entendimento das relações sociais tecidas por indivíduos livres e libertos. Ao se pautar numa análise histórico-geográfica, balizando a produção de espaços e a reprodução dos lugares da hierarquia social e das desigualdades, procura extrapolar o que já foi discutido por estudos históricos sobre trajetórias de vida e produção da liberdade no passado escravista brasileiro.

A geografia da mobilidade social

No dia 22 de abril de 1855, Antônio Varela dirigiu-se ao pároco da Vila de Piranga e declarou ser possuidor de três pedaços de terra. A primeira, denominada “terras de cultura”, situava-se no córrego do Catanho e foi comprada de Felipe Pereira da Silva Barcelos.10 10 RETP, Rolo 13, 1518. A segunda propriedade era uma “porção de terras”, no local denominado Pirapetinga11 11 RETP, Rolo 13, 1518-02. , comprada de Antônio Vieira de Souza. Por fim, uma chácara no Bom Jardim12 12 RETP, Rolo 13, 1519. , comprada de Dona Rita Francisca Ferreira Campos, comadre de Antônio Varela e sua esposa, esposa do chefe do domicílio ao qual ela havia sido agregada na década de 1830. Obviamente, as sociabilidades pretéritas possibilitaram a Antônio Varela ter informações privilegiadas sobre o processo de compra e venda de pedaços das terras dos Ferreira Braga, entretanto, o mais importante é constar que havia interseções entre o compadrio, as sociabilidades cotidianas e a posse da terra.

Dessas três propriedades, a localizada em Pirapetinga foi a que proporcionou maior reconhecimento para Antônio Varela, indicando um espaço em que ele já era enraizado socialmente. Nessa propriedade, vários confrontantes foram declarados e muitos também o mencionaram como vizinho, dentre eles, o coronel João Pedro Vidigal de Barros, herdeiro e sucessor de importantes potentados locais e possuidor declarante da Fazenda Pirapetinga, vultosa com seus 800 alqueires de área.13 13 RETP, Rolo 13, 1522.

Algumas perguntas se impõem à reflexão deste artigo e não podem ser omitidas: o que eram essas declarações de vizinhanças? O que elas revelam sobre as hierarquias e estruturas sociais daquela paróquia? Quais os significados sociais e políticos da menção a um homem pardo, descendente de uma família egressa do cativeiro, proprietário de pequenas e médias propriedades, feita por um importante potentado local, herdeiro dos primeiros possuidores de terras e sesmeiros daquela região?

Ao buscar respostas, no intuito de entender quais processos históricos produziram a liberdade vivenciada por Antônio Varela, busquei os topônimos mencionados por ele e pelos confrontantes declarados, que também foram declarantes de terras, procurando detectar se eram os mesmos lugares de enunciação ou não. Todas essas informações, extraídas dos registros paroquiais de terras, conjugadas com os topônimos identificados nas Cartas da Comissão Geológica e Geográfica de Minas Gerais14 14 Essa comissão, durante as primeiras décadas da República, esteve a cargo de mapear o território do estado de Minas Gerais. As Cartas Topográficas produzidas estão disponíveis em APM, Comissão Geographica e Geologica do Estado de Minas Gerais. Plataforma Hélio Gravatá. Ref.: AHG-021185 , comporiam uma boa base de dados para georreferenciamento, caso os lugares da enunciação de Antônio Varela e de seus vizinhos confrontantes fossem os mesmos.

Porém, nem sempre os topônimos eram os mesmos lugares enunciados por declarantes de terras que se mencionavam, afinal, cada possuidor de terras demarcava sua propriedade conforme seu entendimento da geografia local. Por conta disso, seguindo o modelo apresentado na Figura 1, busquei outros declarantes que indicaram esses outros topônimos, os quais, eventualmente, foram citados em outros registros paroquiais de terras, repetindo-se o procedimento até que, cartograficamente, detectou-se algum padrão regional.

Desse modo, o que se buscou nesses procedimentos metodológicos foi detectar o espaço em que viveram os declarantes de terras da década de 1850, transferido ao ato de delimitar suas posses, o que era feito referindo-se a aspectos da fisiografia regional, mas, também, mencionando alguns confrontantes e deixando outros de fora de suas declarações. A partir daí, nota-se a prática de territorialização da área, apropriando-se, concreta ou abstratamente, de espaços de poder reconhecidos (RAFFESTIN, 1993GODOY, Marcelo M. O primado do mercado interno: a proeminência do espaço canavieiro de Minas Gerais no último século de hegemonia das atividades agroaçucareiras tradicionais no Brasil. Revista Estudos Econômicos, São Paulo, v. 38, n. 4, p. 815-848, out.-dez. 2008., p. 143) e assumidos pelos declarantes de terras.

Figura 1:
Organograma da geografia da mobilidade social, Antônio Varela (Piranga, Minas Gerais, 1805-1863)

Todos esses elementos, conjugados a partir de modelos e indicações de outros pesquisadores que já lidaram com os desafios de articular informações textuais e dados geográficos em mapas que representam espaços pretéritos (RIDGE; LAFRANIERE; NESBIT, 2013GRANOVETTER, Mark. The Strenght of Weak Ties. American Journal of Sociology, n. 78, p. 1360-1380, 1973.; GREGORY; DONALDSON; MURRIETA-FLORES; RAYSON, 2015ANDRADE, Mateus Rezende de. Compadrio, mobilidade social e redes sociais: a trajetória de uma família entre a escravidão e a liberdade (Minas Gerais, 1797-1828). Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 32, n. 66, p. 33-52, jan.-abr. 2019.), possibilitaram o georreferenciamento de diversas informações extraídas dos registros paroquiais de terra. Além disso, forneceram o que chamei de “geografia da mobilidade social”, a qual explicita uma perspectiva inovadora de análise microespacial: um mapa que permite explorar a geografia e as sociabilidades da trajetória de Antônio Varela, proporcionando um maior aprofundamento no entendimento sobre a sociedade escravista e hierarquizada, a partir da reflexão sobre a memória do cativeiro e os limites da mobilidade e da ascensão social.

Figura 2:
Mapa da geografia da mobilidade social, Antônio Varela - Vila da Piranga, Minas Gerais (século XIX)

Compadrio e vizinhança

Conforme mencionado, Antônio Varela alcançou maior reconhecimento social nas redondezas de Pirapetinga (Figura 2, Quadrantes A2 e B2), porém, foi nesses mesmos arredores que sua mãe, Ana Maria de São José, em finais do século XVIII, havia sido uma mulher cativa na propriedade do Tenente Rodrigo José da Silva (Figura 2, Quadrantes A2 e A3). Por conta disso, apesar do reconhecimento social obtido por Antônio Varela, sendo esse um lugar em que a memória do cativeiro era vivente15 15 Mesmo após ter deixado a condição de cativeiro, no assento de batismo de uma das irmãs de Varela, o pároco fez questão de anotar sobre sua mãe: “Ana Maria de São José, escrava que foi do tenente Rodrigo José da Silva”. (ACEM, livro 2, folha 54) , podem ter sido visíveis interdições à sua ascensão.

Ou seja, mesmo que Varela tenha ascendido econômica e socialmente, tornando-se um indivíduo de posses, detentor de cargos e títulos, apresentando-se como mais um personagem com uma história de vida e enlaces sociais que demonstram os caminhos da mobilidade social no Brasil, em outras palavras, existiram limites à mobilidade na sua trajetória de vida.

Roberto Guedes, pesquisador atento às estratificações sociais e ao mundo de indivíduos forros no passado brasileiro, tem destacado que o trabalho e os ofícios mecânicos eram meios pelos quais indivíduos egressos do cativeiro ou livres pobres podiam alcançar a ascensão social, o que significa abordá-los como um símbolo que agrega valor social à trajetória do indivíduo (GUEDES, 2008ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial. Localidade: Sant’Ana da Barra do Bacalhau; Notação: TP-1-15; Microfilme: TP Rolo-02/Flash 01.).16 16 Sobre o trabalho e a mobilidade social, ver o Capítulo II, p. 69-125. Aspecto este que esteve presente na trajetória de vida de Antônio Varela, quando se inseriu em redes de homens envolvidos com o comércio, vindo ele a se tornar um homem de negócios. Por outro lado, Guedes ainda demonstra, a partir de suas pesquisas, como as “cores” eram qualitativos que representavam o lugar social do indivíduo, aspecto detectado por ele a partir da análise de trajetórias de pessoas que mudavam de cor quando ascendiam socialmente, adquirindo um novo ofício.

Ainda dentro dessa temática, Luiz Geraldo Silva, ao analisar processos de busca por igualdade política na América portuguesa, evidencia a existência de um continuum liberdade-escravidão, reforçando o entendimento que o acesso à liberdade ocorria processualmente (SILVA, 2015GREGORY, Ian; DONALDSON, Christopher; MURRIETA-FLORES, Patricia; RAYSON, Paul. Geoparsing, gis, and textual analysis: current developments in spatial humanities research. International Journal of Humanities and Arts Computing, v. 9, n. 1, p. 1-14, 2015. Disponível em:Disponível em:https://www.euppublishing.com/doi/full/10.3366/ijhac.2015.0135 . Acesso em: 17 jan. 2022.
https://www.euppublishing.com/doi/full/1...
). Ao analisar as relações de compadrio e de vizinhança dos moradores das paragens nas quais Antônio Varela vivenciou sua trajetória de ascensão social, uma hipótese é que ele identificou que, em Pirapetinga, seria sempre o filho de uma mulher crioula forra, o que, em uma sociedade hierarquizada e extremamente desigual, legou a ele, naquele lugar, um estado de exceção, a saber: um homem livre, relativamente bem-sucedido, mas, estigmatizado pela memória do cativeiro.

Nos anos iniciais da década de 1830, enquanto outros proprietários de terras daquelas paragens firmavam laços de compadrio com potentados locais - Vidigal de Barros, Coelho Duarte e Dias de Lana -, Antônio Varela e sua esposa Clementina Ferreira eram agraciados pelos Ferreira Braga, ainda situados em círculos relacionais que reforçavam a condição de liberdade. Uma boa escolha para laços de parentesco espiritual, contudo, circunscrita a um diminuto espaço relacional, o qual, já se sabe, foi ampliado por Antônio Varela.

Conforme a Figura 3, diversas inter-relações conectavam os outros declarantes de terras das redondezas de Pirapetinga. Veja-se, por exemplo, Antônio Dias dos Anjos (Figura 3, quadrante C2), mencionado confrontante nas declarações do vigário Francisco de Paula Homem, de Eduardo Teodoro de Araújo e de Jacinto José Vargas (Figura 3, quadrante A4), além da relação de vizinhança com Antônio Varela (Figura 3, quadrante D1). Outro possuidor de terras naqueles arredores era seu compadre: Antônio Vieira de Souza, casado com Teodora Guilhermina (Figura 3, quadrante A4), padrinho de Antônio, nascido em 1842.17 17 ACPP, livro 1, folha 51. Por fim, o Licenciado Antônio Canavazes e sua filha Dona Joaquina (Figura 3, quadrante B1), que não declararam terras, também foram compadres de Antônio dos Anjos.18 18 ACEM, livro 11, folhas 223-223v.

Figura 3:
Compadrio e vizinhança, Antônio Varela - Vila da Piranga, Minas Gerais (século XIX)

O casal formado pelo capitão Jeremias Dias de Lana e por Dona Teresa Felicíssima (Figura 3, quadrante A3) - sobrinhos do alferes Francisco Dias da Fonseca Costa, grande proprietário de escravos da localidade - parece ter tido grande trânsito entre aqueles declarantes, pois, além de apadrinharem Querubina, filha de Antônio Dias dos Anjos, batizada no ano de 183919 19 ACPP, livro 1, folha 19. , tornaram-se compadres de Jacinto José Vargas, em 1854, ao apadrinharem seu filho Francisco.20 20 ACPP, livro 2, folha 67.

O tenente Tristão Nogueira da Silva não foi um declarante de terras, mas, ao ser mencionado confrontante por Flávia Dometildes21 21 Ambos apresentados na Figura 3, quadrante A3. e por José de Souza Lopes, deixa entrevisto que era possuidor de terras por aquelas imediações. Todavia, o mais importante e elucidativo dos traços que configuraram aquele espaço social, são as suas relações de compadrio. Em 1837, seu filho Marcelino22 22 ACEM, livro 5, folha ilegível. foi amadrinhado por Dona Francisca de Paula Januário ­Carneiro (Figura 3, quadrante B1) e, em 1840, sua filha Henriqueta23 23 ACPP, livro 2, folhas 27-28. foi amadrinhada por Dona Francisca Cândida Lima Duarte (Figura 3, quadrante A3), casada em segundas núpcias com Eduardo Teodoro Araújo, após enviuvar-se do Comendador Francisco Coelho Duarte ­Badaró, o que deixa indicado que o tenente Tristão traçou relações com importantes famílias da localidade, demonstrando o prestígio alcançado ao apadrinhar Tristão, nascido em 1833, filho do declarante do terras Antônio Dias dos Anjos.24 24 ACEM, livro 11, folha 137.

As redes de compadrio de Antônio Varela não deixam dúvidas de que ele não compôs esse círculo relacional que envolveu as tradicionais famílias da localidade. Por meio das informações dispostas na Figura 3, analisando quem foram os seus compadres, é evidente que ele não enxergou oportunidades de se projetar socialmente nos arredores em que sua mãe gestou sua liberdade e de seus filhos. Nessa redondeza, ele era estigmatizado e não compôs a clientela das famílias mais prestigiosas; no momento de se inserir no mercado das trocas relacionais que o compadrio proporcionava, já estavam saturadas as sociabilidades que lhe permitiriam algo a mais do que ser filho de uma mulher egressa do cativeiro.

A percepção dessa conjuntura fez Antônio Varela migrar para a parentela dos Carneiro, processo oportunamente potencializado pela aquisição da chácara situada no Bom Jardim (Figura 2, Quadrantes B1 e B2), a partir da qual se vê a geografia da ascensão social cartografada por Antônio Varela. Adquirida por compra, em sua declaração de posse, mencionou Dona Francisca de Paula Januária Carneiro como vizinha, que não o reconheceu como vizinho, muito provavelmente por ele ter sido um recente possuidor de terras nas redondezas de uma das propriedades dos Carneiro, o que fazia dele alguém ainda em busca de inserção e prestígio social; tanto que, em 1853, teve sua filha Filomena apadrinhada pelo tenente Camilo e sua irmã, Dona Clementina (Figura 3, Quadrante B3), filhos de Dona Francisca.

Por exemplo, Martha Hameister demonstra em sua tese sobre o povoamento da Vila do Rio Grande, como grupos da elite regional valeram-se de estratégicos laços de compadrio com pessoas de estatutos sociais diferentes como mecanismo de reprodução de desigualdades e manutenção do poder (HAMEISTER, 2006BÔSCARO, Ana Paula D.; GUIMARÃES, Elione S. Valentim Gomes Tolentino: a mobilidade econômica e social vivenciada por um pardo no século XIX (Zona da Mata Mineira, 1817-1855). Topoi, Rio de Janeiro, v. 19, n. 39, p. 122-145, set.-dez. 2018., p. 49 e 359). O trabalho de Hameister se insere numa tendência interpretativa que tem como enfoque os aspectos políticos do compadrio, enredando o sujeito histórico como agente capaz de negociar e mobilizar recursos para alavancar sua posição social.

Nessa chave de leitura sobre as relações de parentesco espiritual, Mônica Ribeiro de Oliveira, ao analisar o comportamento social da elite agrária do município de Santo Antônio do Paraibuna na Zona da Mata Mineira, mostra como o compadrio era utilizado como estratégia de aproximação entre pessoas e possibilitava a redistribuição do prestígio dos mais abastados para os menos abastados, solidificando, assim, alianças entre famílias e o lugar social de cada uma delas na hierarquia vigente (OLIVEIRA, 2005CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.).

Por sua vez, Silvia Brügger mostra que o compadrio, para todos os grupos sociais, constituía uma “aliança para cima”, sendo os padrinhos situados em patamares superiores da hierarquia social em relação aos pais do batizando, portanto, uma importante chave para se desvelar os mecanismos de manutenção das hierarquias excludentes (BRÜGGER, 2007ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Espera, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.08-Doc.36; Microfilme: MP Rolo-04/Flash-02.).

Os dados sobre as relações de compadrio de vizinhos e compadres de Antônio Varela me permitem ponderar possibilidades interpretativas que abordam essas perspectivas apresentadas por Hameister, Oliveira e Brügger, as quais direcionam a hipótese sobre a geografia da mobilidade social como balizadora das estratégias de Varela em busca de inserção social.

Em 1839, no recenseamento realizado na vila de Piranga, Dona Rita Francisca, a antiga proprietária da chácara do Bom Jardim, foi recenseada em domicílio chefiado por seu esposo, Camilo Ferreira Braga, em um quarteirão próximo ao núcleo domiciliar dos Carneiro, logo abaixo do domicílio chefiado pelo tenente Tristão Nogueira da Silva (Figura 3, Quadrante A3). Isso sugere que foram habitantes de lugares próximos, dedução atestada pela proximidade entre a Pirapetinga e o Bom Jardim, visualizada por meio do mapa da Figura 2. Tal proximidade, pode ter, por exemplo, facilitado a relação de compadrio entre os Ferreira Braga e os Vidigal, sacramentada no batismo de Januário Ferreira Braga, no ano de 1826.25 25 ACEM, livro 11, folha 26.

Ademais, essas informações deixam explícito o redirecionamento sociorrelacional orquestrado por Varela. O que quero salientar com isso? Não foram uma casualidade suas relações de compadrio tecidas com os Carneiros ao longo da década de 1850. Sua família e a dos Ferreira Braga eram próximas desde finais do século XVIII, quando sua mãe ainda era uma mulher cativa. Sendo a família dos Ferreira Braga moradora das cercanias das propriedades da família Carneiro, pode-se supor que a proximidade da família de Varela com os Carneiro tenha sido intermediada pela família dos Ferreira Braga, tornando óbvia a busca por aproximação relacional com eles.26 26 Na Análise de Redes Sociais, a noção de intermediação traz em primeiro plano uma dimensão relacional de fluxo de recursos e informações (WASSERMAN; FAUST, 1994, p. 4-10). Mark Granovetter, sociólogo que analisou o papel de lideranças nas relações interpessoais, evidenciou que atores intermediários desempenhavam um importante papel na estruturação de relações de confiança. Por isso, ressaltou-se a “força dos laços fracos”, como pontos numa rede que indicam não apenas aos pontos iniciais e finais nas transmissões de recursos e capitais, mas, também a relevância dos pontos de interposição nas complexas tramas que estruturam as relações entre atores (GRANOVETTER, 1978, p. 1374). Dessa forma, este artigo, ao se valer da noção de intermediação para descrever as sociabilidades de Varela, não lança mão de uma precisão na agência da escolha de compadres realizada por intermediadores nas redes de compadrio, mas mapeia o lugar que determinados atores detinham em tornar laços de parentesco espiritual possíveis.

Todavia, avaliando os laços de compadrio de Antônio Varela e de Camilo Ferreira Braga, não é exagero afirmar que suas estratégias estiveram na contramão uma da outra. Enquanto o último, espacialmente próximo dos Carneiro, buscou compadres nas paragens de Pirapetinga, Antônio Varela, nascido e crescido naquelas imediações, não se agregou às principais clientelas daquela vizinhança. Ao tornar-se proprietário nas antigas terras dos Ferreira Braga, entreviu a aproximação com o tenente Camilo Januário Carneiro, o que lhe assegurou um novo lugar na hierarquia social daquelas localidades e, a partir daí, solidificou as bases do seu reconhecimento social, o que suponho ter sido determinante para que ele fosse recorrentemente mencionado como vizinho por vários dos declarantes de terras da Pirapetinga. Se, na década de 1830, ele era só mais um filho de uma mulher crioula forra, na década de 1850, tornou-se o capitão Antônio Varela, compadre e, eventualmente, amigo do tenente Camilo Antônio Januário Carneiro - descendente e herdeiro de uma das mais importantes famílias da vila de Piranga e região.

A trajetória de Antônio Varela é um enunciado da mobilidade espacial caminhando ao lado do reconhecimento social, aspecto que, acima de tudo, demonstra processos de cooptação e de exclusão - circunscritos a uma sociabilidade cotidiana geograficamente erigida - e o peso da neolocalidade na construção do lugar social do indivíduo. Aprofundando-me nesse sentido, é imprescindível seguir os rastros da declaração das “terras de cultura”, situadas no córrego do Catanho (Figura 2, quadrante B3).

Os compadres do Catanho

Essas terras também foram adquiridas por compra, desta vez em transação com Felipe Pereira Silva Barcelos, irmão de um dos vizinhos mencionados, José Pereira Barcelos, o qual compôs o rol de confrontantes junto a Manoel Camelo da Veiga.27 27 Na Figura 3, todos esses vizinhos confrontantes estão no Quadrante D3. Além da simples exposição de todas as relações geridas em torno da posse da terra por Antônio Varela, a verticalização do espaço social do córrego do Catanho justifica-se pela pressuposição de que ali ele vislumbrou a possibilidade de tornar-se alguém com alto prestígio e com algum domínio sobre a estrutura relacional daquela sociedade.

A base dessa hipótese foi a constatação de que, provavelmente, no batismo de João, sacramentado em 1857, ele desempenhou o papel de intermediador entre Dona Graciana Felícia (Figura 3, quadrante D1) e o casal Manoel Camelo da Veiga e Maria Felícia de Jesus.28 28 ACPP, livro 2, folha 142. Desde 1844, é conhecida a relação de Graciana com os Varela, ano em que ela foi madrinha de batismo de Martiniano, filho de Varela e sua esposa. O estreitamento de relações entre os Varela e a população de proprietários de terras do Catanho não se resume a essa, pois, no ano de 1863, Manoel Ferreira Varela e sua mãe - então com o distintivo vocativo de Dona -, Clementina Ferreira de Araújo, foram padrinhos de Maria, outra filha de Manoel Camelo da Veiga (Figura 3, quadrante D3 e D4). Por fim, em 1871, o tenente Camilo Januário Carneiro, junto de sua esposa, Dona Francisca de Paula Martins e Castro, foram padrinhos de Francisco, compondo o círculo de relações de compadrio que interconectavam Camelo da Veiga e Antônio Varela.

Acredito que tais informações permitem formular a pressuposição aventada, mas não dão robustez a tal conjuntura hipotética, por isso, mais uma vez, somam-se informações extraídas dos recenseamentos da década de 1830. Afora Antônio Varela, outros oito declarantes situaram suas terras naquele córrego; desses, apenas dois, José Coelho Tolentino e Francisco Ribeiro Miranda, não foram identificados nesses recenseamentos, enquanto os outros seis foram listados como chefes, agregados ou crianças, ainda sob a tutela de seus pais, elucidando as diferentes trajetórias de vida que compunham a vizinhança do Catanho e da qual Antônio Varela precisou se inteirar ao chegar.

No ano de 1831, Maria Rosa de Souza, declarante de terras nesse córrego, foi listada chefe de seu domicílio no mesmo quarteirão no qual foram recenseados, como agregados, os pais de Manoel Camelo da Veiga. Esse quarteirão estava ordenado logo acima daquele em que foram recenseados Joaquim Rodrigues Nunes e Ana Rosa de São José, outros dois declarantes de terras do Catanho. Os supracitados irmãos Barcelos, declarantes de terras do Catanho na década de 185029 29 REPT, Rolo 13, 1572; 1578. , foram recenseados, no ano de 1839, no domicílio chefiado por seus pais, indivíduos pardos livres, no mesmo quarteirão de todos os outros declarantes supracitados e identificados nessa documentação. Tal cruzamento documental não deixa dúvidas de que a vizinhança do córrego do Catanho já estava constituída pelos idos da década de 1830, momento em que Antônio Varela, conforme explicitado, fora recenseado noutras redondezas.

No dia 5 de setembro de 1830, Manoel Camelo da Veiga foi batizado na Matriz de Piranga30 30 ACEM, livro 11, folha 73v. , apadrinhado por quem eu julgo ser seu avô, em vista de serem homônimos, porém, não tenho qualquer outra informação que ateste o fato. Curiosamente, apesar de já estar batizado, no ano seguinte ele não foi incluído no domicílio em que seus pais eram agregados.

Como indicado, no mesmo quarteirão estava listada Maria Rosa de Souza, chefe de seu domicílio, parda, fiadeira e viúva aos 39 anos de idade, proprietária de um cativo, Bento, pardo, 31 anos de idade. Em seu domicílio, além de três de seus filhos, também foram listados um casal de agregados, Júlio Pires e Maria Francisca, pais de Joaquim, batizado no dia 24 de janeiro de 1836, ocasião em que foram seus padrinhos os pais de Manoel Camelo da Veiga, fato que aponta para as antigas sociabilidades comunitárias que envolviam os declarantes de terra do córrego do Catanho.

Em outro quarteirão, foram listados Joaquim Rodrigues Nunes e Ana Rosa de São José. Em 1831, Joaquim, pardo, aos seis anos de idade, era o filho mais novo de uma casa com sete irmãos, filhos do casal João Rodrigues Moreira, naquele ano já falecido, e Maria Francisca Nunes, parda, 40 anos, listada como lavradora e proprietária de um cativo, Antônio crioulo, 41 anos de idade. Além de Maria Nunes, sua filha mais velha, Antônia Ponciana, 17 anos de idade, era fiadeira, enquanto os outros moradores daquele domicílio, filhos mais novos, com idades entre 6 e 14 anos, não tiveram a ocupação reconhecida.

Ana Rosa de São José, àquela altura, era uma senhora de 62 anos de idade, viúva, parda, ocupada com a atividade têxtil de fiação, assim como sua filha Matildes, parda, 25 anos, listada no mesmo domicílio. Além dessas duas mulheres, outros cinco homens, muito provavelmente filhos e irmãos delas, foram recenseados, todos listados como “jornaleiros”.31 31 Jornaleiros eram aqueles que trabalhavam por jornadas de trabalho, sem especialidade definida, ocupando-se nos diversos setores da economia que remuneravam o dia de trabalho.

Figura 4:
Os compadres do Catanho - Vila da Piranga, Minas Gerais (século XIX)

Conhecer as redes de compadrio dessas famílias foi peça fundamental para complementar o quebra-cabeça da trajetória de vida de Antônio Varela, o que permite enxergar, de forma menos turva, os caminhos da mobilidade social e a espacialidade do enraizamento naquela sociedade. Dessa forma, a partir da Figura 4, serão expostos os dados recolhidos dos assentos de batismo e analisadas as redes de compadrio constituídas por esse grupo de moradores do córrego do Catanho, explorando a hipótese de que se, em Pirapetinga, ele e sua família, ascendente e descendente, estiveram à sombra do poder de importantes famílias; no Catanho, ele pôde trocar de papel e ser aquele indivíduo que transferia prestígio.

Além do papel de intermediador das relações de compadrio de Manoel Camelo da Veiga, constatei que, de todos os declarantes de terra daquela paragem do Catanho, apenas Antônio Varela assinou seu registro, o que o integra ao seleto grupo dos minimamente letrados, já que do total de 1.538 declarações de terras, em apenas 589 (38,29%) o declarante assinou a documentação junto ao pároco responsável; na vasta maioria dos casos, apenas o pároco e alguma testemunha assinavam.

Finalmente, as listas nominativas demonstram que Antônio Varela era o maior proprietário de cativos dentre os outros declarantes e o único inserido no mundo dos negócios, enquanto todos os outros eram mulheres ligadas às atividades da pequena indústria têxtil e de pequenos lavradores, sem posses de escravos, à exceção de Maria Francisca Nunes, proprietária de um cativo em 1831, o qual não veio a ser recenseado na lista nominativa do ano de 1839, o que indica não ter se integrado ao tráfico de escravos crescente naqueles anos. Ainda, não se descarta que a venda de Antônio crioulo pode ter possibilitado o acúmulo de algum pecúlio que prolongasse o sustento daquele domicílio, que havia aumentado seu consumo, pois a ele se integraram outra filha, Rita Nunes, 25 anos, e seus três filhos de 8, 6 e 4 anos.

Na Figura 4, vê-se que eram quatro as gerações de proprietários de terras no córrego do Catanho. Ana Rosa de São José, declarante de terras na década de 1850, havia sido casada com José Vicente de Oliveira (Figura 4, quadrante A2), e foram pais, dentre outros filhos, de Alexandre José de Oliveira e Matildes. Nascido em 1802, Alexandre teve como padrinhos32 32 ACEM, livro 8, folha 12. Tomásia Rosa e o Licenciado Antônio de Magalhães Canavazes, avó e pai, respectivamente, do alferes Francisco de Magalhães Canavazes (Figura 4, quadrante A), compadre de Antônio Varela (Figura 4, quadrante B3), por intermédio do apadrinhamento de Clementina (Figura 4, quadrante D1), batizada no ano de 1860.

A outra filha desse casal, Matildes, batizada em 180433 33 ACEM, livro 8, folha 63. , também teve como padrinho um parente de futuros compadres de Varela, a saber, o Padre João Carneiro, tio do tenente Camilo Carneiro (Figura 4, quadrante A). Também foram compadres dos Canavazes e dos Carneiro, os pais de Joaquim Rodrigues Nunes, outro declarante de terras no córrego do Catanho. Antônia Ponciana, sua irmã, nascida em 181434 34 ACEM, livro 8, folha 105. , foi apadrinhada por Antônio José Rodrigues Morais (Figura 4, quadrante A4), cunhado do supracitado alferes Francisco. Por fim, Antônio, outro irmão de Joaquim Rodrigues Nunes, batizado em 182135 35 ACEM, livro 10, folha 275. , teve como padrinho o capitão Antônio Januário Carneiro (Figura 4, quadrante A1) e, como madrinha, Germana Clara Lucinda, irmã do Licenciado Antônio Canavazes.

Por meio dessas redes de compadrio, fica explícito que todas as famílias que se tornaram compadres dos Varela na década de 1850 já eram compadres das famílias moradoras dos arredores do córrego do Catanho desde o princípio do século. Tal constatação me leva a sugerir que o redirecionamento social averiguado nas redes de compadrio de Varela foi um reflexo direto de sua inserção no córrego do Catanho. O registro paroquial de terras apresenta poucas pistas sobre esse processo, apenas informando que suas terras foram adquiridas das mãos de Felipe Barcelos, nascido e criado naquelas redondezas.

Mais uma vez, as relações de compadrio deixaram rastros que podem indicar as vias pelas quais o córrego do Catanho entrou no radar das sociabilidades de Varela. No mesmo ano em que batizava sua primeira filha, Carolina (Figura 4, quadrante C2), a qual teve como padrinho Camilo Ferreira Braga, um primo deste, Joaquim Ferreira Braga (quadrante B4), apadrinhou Joaquim (quadrante D3), filho de João Camelo da Veiga e Maria Rita, portanto, irmão de Manoel Camelo da Veiga, outro declarante de terras no córrego do Catanho. Como mencionado, os Ferreira Braga eram compadres dos Varela desde o nascimento da primeira filha de Ana Maria de São José, mãe de Antônio Varela e, eventualmente, por algum trânsito relacional que tinham pelas redondezas do Catanho, podem ter informado Varela sobre as possibilidades de compra de terras num novo espaço.

Outra possibilidade de inserção naquele córrego e as sociabilidades daquele novo espaço podem ter advindo da formação de famílias escravas, especificamente, por meio do batismo de Elisário, filho de sua escrava Umbelina congo, sacramentado no ano de 1843.36 36 ACPP, livro 1, folha 71. O padrinho de Elisário foi Diógenes Antônio da Silva, um indivíduo discriminado como “pardo forro”, logo, assim como a mãe de Varela, um egresso do cativeiro. Além dessa relação de compadrio envolvendo Antônio Varela e ele, por intermédio de uma mulher escravizada, há ainda a constatação que ambos foram recenseados como negociantes no ano de 1831. Logo, conjecturo que podem ter se aproximado em função de suas atividades profissionais e, assim, possivelmente, pode ter sido Varela a intermediar a relação de compadrio sacramentada no batismo de João, filho de Diógenes, no ano de 1826, tendo como madrinha Dona Francisca37 37 ACEM, livro 5, folha 59v. , esposa do capitão João Pinto de Morais Sarmento, o qual era padrinho de um dos sobrinhos de Antônio Varela.

Nas listas nominativas de habitantes, foi possível averiguar que Diógenes, em 1831, fora recenseado no mesmo quarteirão que outros moradores do córrego do Catanho, aspecto que sugere ter sido ele morador daquelas redondezas. Eventualmente, a partir da proximidade relacional que Antônio Varela tinha com Diógenes, ele pôde visionar os outros moradores daquelas paragens e, enxergando suas relações cotidianas e as importantes famílias com quem se apadrinhavam, esboçou os caminhos de sua mobilidade social.

Ser um dos proprietários mais abastados e com algum capital cultural (saber ler e escrever) não fez de Varela um potentado local e senhor de muitas terras e escravos a gerir sua clientela no Catanho. A análise de sua trajetória de vida sugere que, naquele córrego, foi que ele vislumbrou um lugar no qual pudesse situar-se entre iguais, ou onde não carregasse o estigma encravado pela memória do cativeiro, existente entre os moradores das paragens de Pirapetinga e, assim, de um jeito ou de outro, vivenciar um espaço no qual as desigualdades e a exclusão crônica fossem abrandadas.

Compadrio e família

Na busca por entender as estratégias e os caminhos da mobilidade e da ascensão social de Antônio Varela, algumas de suas relações familiares e os laços de parentesco espiritual que solidificaram o seu lugar nas hierarquias locais merecem destaque. No dia 26 de dezembro de 1835, o padre Silvério Antônio Barbosa de Queiroz batizou e colocou os santos óleos em Carolina (Figura 5, quadrante C), filha de Antônio Varela e Clementina Ferreira de ­Araújo, ambos declarados como pardos pelo pároco.38 38 ACEM, livro 11, folha 157v. Os padrinhos nomeados foram ­Camilo ­Ferreira Braga e sua filha Isabel Maria de Jesus (Figura 5, quadrante A), já conhecidos do casal, pois, conforme informa as listas de 1831, Clementina havia sido agregada no domicílio chefiado por Camilo. Além dessa inter-relação, destaca-se a sogra de Camilo Ferreira Braga, Dona Francisca Inácia que, no ano de 1797, pagou 32 oitavas de ouro pela alforria da mãe e da irmã mais velha de Antônio Varela39 39 ACEM, livro 2, folhas 44v-45. , desencadeando o processo de corroboração da liberdade da família dele.40 40 Sobre a trajetória de vida e estratégias da mãe de Antônio Varela no processo histórico de confirmação da sua liberdade e de sua família, ver Andrade (2019).

Portanto, quase quatro décadas após esse evento singular de trajetória familiar, as gerações ainda se entrecruzavam com a mesma comunidade de pessoas, reforçando as hierarquias que estabeleciam o lugar social dos indivíduos e apresentando as feições das afinidades que definiam as sociabilidades rotineiras. Avaliando outras relações de compadrio estabelecidas por Varela e Clementina (Figura 5), o que se depreende dos batismos dos primeiros quatro filhos do casal são as escolhas restritas ao universo das redes de sociabilidades já constituídas, revigorando laços já existentes, o que, em hipótese, contemporizava os significados simbólicos do rito espiritual, abrindo, efetivamente, a possibilidade de funcionarem como elementos ativos nas dinâmicas da vida cotidiana.

Após os anos de 1835 a 1840, momento em que o casal acionou antigos laços, reforçando-os intergeracionalmente, foi a vez de solidificarem as bases familiares de relações parentais. Em 1841, no batismo de Severiano41 41 ACPP, livro 1, folha 47. , os padrinhos foram Joaquim Anacleto (Figura 5, quadrante D) e Ana Florinda (Figura 5, quadrante B), sobrinho e irmã de Varela. Dois anos depois, em 1843, no batismo de Manoel42 42 ACPP, livro 1, folha 65. , Rita Matildes, filha de Ana Florinda, portanto sobrinha de Varela, foi madrinha junto a seu esposo, José Vieira de Souza.

Figura 5:
Compadrio e família, Antônio Varela - Vila da Piranga, Minas Gerais (século XIX)

Quase nove anos e três meses depois do batismo de Martiniano, Varela e Clementina voltam a aparecer como pais nos registros de batismo da Vila de Piranga. No dia 12 de janeiro de 1854, Filomena, filha de Antônio e Clementina, foi batizada na Matriz de ­Piranga43 43 ACPP, livro 1, folha 67. , tendo sido seus padrinhos o tenente Camilo Carneiro (Figura 5, quadrante B) e sua irmã Clementina Carneiro, filhos do capitão Antônio Carneiro, importante potentado local, àquela altura já falecido, mas que havia legado uma posição de prestígio aos seus filhos naquela sociedade.

Menos de dois anos depois, em setembro de 1855, foi a vez do casal alferes Cândido Ferreira de Mesquita e Dona Ana Joaquina Gouveia (Figura 5, quadrante A) serem os padrinhos de outra filha batizada, Filomena.44 44 ACPP, livro 1, folha 99. Mais uma vez, o padrinho escolhido é um indivíduo com patente militar das milícias da Guarda Nacional e, assim como os Carneiro, novos atores no universo das sociabilidades de Varela.

É inegável que, entre as décadas de 1840 e 1850, o lugar dos Varela nas sociabilidades da vila de Piranga era outro. Antônio Varela havia solidificado as bases da produção da liberdade gestada por sua mãe e irmãs nas primeiras décadas do século XIX e, no alvorecer da segunda metade daquela centúria, com estratégias relacionais muito bem traçadas, consolidou os laços de compadrio com aqueles indivíduos que os projetaram no mundo dos livres, como nos casos dos batismos de Carolina, das duas filhas Marias e de José, filhos nascidos entre os anos de 1835 e 1840.

A partir de 1853, com o nascimento da filha Filomena, os padrinhos e madrinhas eram pessoas com alargado prestígio social na vila de Piranga e, em sua maioria, detentores de patentes militares. A esse respeito, o tenente João Manoel (Figura 5, quadrante B), padrinho de Brás, filho de Varela, batizado no ano de 185745 45 ACPP, livro 2, folha 136. , atuou nessa função em 32 ocasiões entre os anos de 1833 e 1865. A madrinha, Matildes Jacinta Tavares, não foi uma grande apadrinhadora da localidade, tendo sido nomeada madrinha em outras quatro ocasiões, entretanto, era filha do ajudante Antônio Jacinto Tavares, indivíduo muito benquisto, padrinho de 30 crianças entre os anos de 1817 e 1840.

Em 1858, o tenente João Romualdo da Silva (Figura 12, quadrante B), padrinho em 30 ocasiões, entre 1842 e 1875, batizou Felipe, também apadrinhado pela já citada Dona Ana Joaquina.46 46 ACEM, livro 14, folha 108. Finalmente, em 1860, Clementina é apadrinhada47 47 ACPP, livro 2, folha 225. pelo alferes Francisco de Magalhães Canavazes (Figura 12, quadrante B), padrinho em outras 21 cerimônias entre 1829 e 1871. Além dele, Dona Clementina Carneiro é nomeada madrinha de batismo mais uma vez, reforçando os laços dos Varela com os Carneiro.

Redes de intermediação e os enlaces da possibilidade

Anteriormente, apresentei os laços de compadrio nas redes de Antônio Varela que foram intermediados por uma mulher cativa de sua propriedade. Algumas informações sobre as relações de parentesco espiritual que envolvem o efetivo escravo de Varela merecem análises pormenorizados, pois expõem elementos muito importantes para se compreender os caminhos de sua mobilidade e de sua ascensão social.

De acordo com a Figura 5, cinco crianças, filhas de Isabel Benguela e de Umbelina Congo, nasceram na senzala de Varela. Nos batismos de Manoel e Maria48 48 ACEM, livro 14, folhas 146 e 153. , filhos de Isabel, Manoel de Souza Lopes (Figura 5, quadrante A) apadrinhou Manoel, batizado no ano de 1835, e os outros dois padrinhos nomeados foram os irmãos Joaquim Anacleto e Rita Matildes, sobrinhos de Antônio Varela.

Como explicitado, seus sobrinhos foram padrinhos de seus filhos, Severiano e Manoel, batizados em 1841 e 1843. A partir dessas informações, vê-se que, antes do laço de compadrio com Antônio Varela, seus sobrinhos atuaram nos batismos de crianças nascidas em seu efetivo escravo, o que sugere a reprodução de forma de atuação muito parecida com aquela desempenhada por Ana Maria de São José, mãe de Varela, quando era uma mulher recém-egressa do cativeiro. Naquela época, anos iniciais do século XIX, buscando bons compadres para seus filhos e sólidas relações que confirmassem sua liberdade, Ana Maria apadrinhava escravos nascidos na senzala do capitão Diogo Carvalho de Morais, um dos maiores proprietários de escravos da região, e teve seus filhos apadrinhados por ele e por alguns de seus familiares.49 49 ACEM, livro 2, folha 54.

Em âmbito paroquial, não intento fazer um paralelo entre o prestígio e o poder do capitão Diogo Morais e do alferes Varela. Enquanto o primeiro era um distinto capitão da localidade, senhor de vastas posses, o segundo descendia do cativeiro e, ao longo do século XIX, construiu uma trajetória de ascensão social e passou a dominar um lugar de intermediação naquela sociedade. Suponho que, ao tornar-se um homem de negócios, pôde adquirir alguns escravos e adentrar em círculos relacionais de prestígio na Vila de Piranga, ao passo que, perante sua família, ele era aquele que solidificava o lugar social de indivíduos livres e legava algum prestígio ao cotidiano de seus sobrinhos e irmãs. Em outras palavras, não bastava a Joaquim Anacleto e Rita Matildes a consanguinidade com Varela, pois, para serem reconhecidos socialmente e poderem se projetar a patamares mais altos na hierarquia local, era condição essencial pertencerem à clientela de seu tio, situando-se sob a sombra de seu poder, o que envolvia se compatibilizarem às suas redes de compadrio.

Tal constatação indica o funcionamento de parcelas da estrutura social no Brasil dos oitocentos e reforça a importância das redes de intermediação destacadas neste artigo. Por exemplo, foi citado que Varela, eventualmente, intermediou a nomeação da madrinha de batismo de João, filho de Diógenes, um homem pardo forro. Nesse mesmo sacramento, o padrinho foi o já citado Antônio Jacinto Tavares, homem proprietário de 21 cativos e listado como tropeiro no ano de 1831, atividade muito próxima da desenvolvida por Varela e por Diógenes. De toda forma, independentemente da atuação de Antônio Varela e das expectativas originadas da formação dessas inter-relações, o certo é que elas demonstram a averiguada reiteração de laços de compadrio, sejam eles diretos ou indiretos, indicando que as sociabilidades locais funcionavam em rede, cotidianamente acionada.

Para reforçar esses apontamentos, a análise das informações contidas nos registros de batismo dos dois filhos mais novos de Umbelina (Figura 5, quadrante C), cativa de Antônio Varela, é esclarecedora. Em ambas as ocasiões, no batismo de Celestina e de Maria, nos anos de 1854 e 185850 50 ACPP, livro 1, folha 79 e 181. , respectivamente, os padrinhos nomeados são parte constituinte do efetivo escravo de Dona Francisca de Paula Januária Carneiro (Figura 5, quadrante D), mãe do tenente Camilo Carneiro, o qual havia, recentemente, contraído laço de compadrio com Antônio Varela. Conjecturo que, por intermédio da proximidade social recentemente confirmada com os Carneiro, Varela encaminhou a indicação dos padrinhos dos filhos de Umbelina, firmando-se nos círculos relacionais de importante família da localidade, o que lhe possibilitou ter, novamente, uma filha apadrinhada por Dona Clementina Carneiro no ano de 1860.

Não é meu intuito, a partir dessas constatações e pressuposições, balizar a discussão sobre a formação de famílias escravas no passado brasileiro (KJERFVE; BRÜGGER, 1990BRÜGGER, Silvia M. J. Minas patriarcal: família e sociedade, São João Del Rei, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, 2007.; BOTELHO, 1997ARQUIVO DA CÚRIA ECLESIÁSTICA DE MARIANA, Livros de Batismo.; FLORENTINO; GÓES, 1997ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Barra do Bacalhau, Município de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.11; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02.), porém, o que os dados apresentados atestam é que os laços de compadrio de mães cativas estavam imersos no universo relacional dos senhores. Não é fato comprovado que Antônio Varela escolheu Teotônio e Sofia como padrinhos das filhas de Umbelina, cativa em seu efetivo escravo, mas a proximidade social que havia entre os senhores dos cativos envolvidos nesse sacramento pode ter restringido e constrangido o universo social da escolha realizada por Umbelina. No mínimo, deixo aqui a indicação às pesquisas sobre a formação de famílias escravas e as sociabilidades dos atores cativos e sobre a essencialidade de se ampliar o quadro analítico das redes de compadrio nas quais estavam inseridos os senhores proprietários de escravos, os indivíduos libertos que orbitavam suas senzalas e os cativos. A partir desses procedimentos, pode-se constituir um quadro mais nítido para se ponderar o funcionamento das estruturas e das agências sociais.

Conhecendo a trajetória de vida de Varela, minha pressuposição é que, em algum momento, ao acionar a liberdade legada por sua mãe, ele entreviu a possibilidade de alcançar um lugar de estabilidade na hierarquia social piranguense. Naquele arraial, em fins da década de 1820 e início de 1830, não há indicações que sua liberdade não fosse reconhecida. É fato que a memória do cativeiro o estigmatizara pela qualidade de homem pardo, denominação que demarcou o seu lugar nas hierarquias das sociabilidades locais.

A meu ver, a trajetória de Antônio Varela destaca-se não pela especificidade, mas pela leitura da cartografia social que ele demonstrou ter tido das oportunidades que se apresentavam. Ele não era o único indivíduo descendente do cativeiro atuando no mundo dos negócios, aspecto indicativo de que ele soube identificar os setores da economia aos quais pudesse se incorporar e ser aceito. Cabe relembrar que, no contexto socioeconômico do Brasil oitocentista, distinguido por décadas de acentuação das desigualdades, indivíduos libertos eram cotidianamente surpreendidos por indefinições e incertezas sobre a legalidade de sua liberdade (CHALHOUB, 2012ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Santo Antônio do Bacalhau, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.21; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02.).

Assim, acredito que seguir o fluxo das tendências de inserção no setor das atividades comerciais foi uma escolha estratégica, possibilitando-o situar-se economicamente em um ramo de atividades no qual um homem pardo e descendente do cativeiro tinha ampla aceitação e não sofreria grandes embargos à ascensão social. Tal constatação reforça que, assim como soube identificar o setor ocupacional ao qual se incorporar, ele também tomou nota do papel social a desempenhar. As análises de suas redes de compadrio sugerem que havia um reconhecimento do seu lugar social nas hierarquias locais, o qual, estrategicamente gestado ao longo das décadas de 1830, 1840 e 1850, garantiu-lhe certos prestígios e destaques naquela sociedade.

Antes de se tornar um importante apadrinhador da localidade, indivíduo com um peculiar trânsito entre os diversos estratos que compunham a hierarquia local, Antônio Varela atendeu demandas sociais apresentadas por aqueles que garantiram sua liberdade, reforçando, por meio de trocas desiguais, o seu lugar naquele universo relacional. Cabe relembrar que esse foi o mesmo modus operandi detectado na escolha dos padrinhos de seus filhos, quando primeiro reforçou laços com famílias com as quais já era inter-relacionado e, em seguida, alargou as bases de sua atuação como compadre.

A cartografia da liberdade e da ascensão econômica e social

Como salientado, a trajetória para alcançar um elevado prestígio e considerável reconhecimento social esteve diretamente inter-relacionada à mobilidade espacial de Antônio Varela: às relações sociais e às estratégias geridas em cada um dos espaços onde foi morador ou proprietário de terras. Assim, faz-se necessário reportar a alguns elementos do mapa da Figura 2 ainda não explorados neste artigo, em direção à sua conclusão. Por meio desse mapa, verifica-se que o córrego do Catanho não era muito distante das terras do tenente Rodrigo, inclusive, as nascentes desse córrego e do córrego João Ferreira eram muito próximas ao topo da formação montanhosa denominada Morro do Pimenta (Figura 2, quadrante A3). Vários eram os caminhos que subiam e desciam as encostas daqueles morros, afinal, transpô-los significava atingir vias que davam acesso, por exemplo, aos distritos de Senhora de Oliveira, de onde correm as águas do ribeirão Oliveira (Figura 2, quadrante B3 e C3).

Notam-se, também, muitos caminhos vindos das porções a oeste, em que estavam situadas as vilas de Queluz e Itaverava, ambas muito próximas ao Caminho Novo. Talvez, por ali fosse uma passagem mais curta para aqueles que, saindo desse importante Caminho, rumavam para São Manuel do Rio Pomba e Ubá51 51 No mapa da Figura 2, essas vilas estariam a sudeste do Quadrante C3. , cidades localizadas numa região que, desde finais do século XVIII e século XIX adentro, tornava-se importante centro econômico de Minas Gerais (CARRARA, 2007ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Nossa Senhora do Desterro do Mello, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.25; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02., p. 324; LAMAS, 2013CARRARA, Angelo Alves. Minas e currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais: 1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2007., p. 131 e ss.), o que transformava aquelas paragens do alto do Morro do Pimenta, onde localizava-se o Catanho, em um espaço de grande trânsito de pessoas, informações e mercadorias. Obviamente, um solo privilegiado para quem esteve envolvido com atividades comerciais, tornando-se homem de negócios.

Subindo e descendo aquelas encostas, indo daqui para ali, vindo de lá para cá, imerso em relações cotidianas com tropeiros e atividades comerciais, Varela, em algum momento, assumiu para si o papel de agente de negócios daquelas localidades. Nesse ínterim, aproximou-se de Diógenes da Silva - morador do Catanho e compadre de uma de suas escravas e, assim como Varela, mais um dos muitos homens pardos listados como negociantes da década de 1830 -, constituindo negócios por aquele córrego em que viria a ser proprietário de terras anos depois.

Como mencionado, foi no Catanho que Antônio Varela teceu as relações de compadrio que marcaram sua ascensão social, pois, conforme Figura 4, muitos dos moradores dali, já desde o início do século XIX, eram apadrinhados pelas famílias Carneiro, Canavazes e Ferreira Braga, com as quais os Varela tinham boas relações. Não obstante, foi constatado que do lado de lá do Rio Piranga, próximo de onde desaguava o córrego do Catanho, situava-se a foz do córrego do Sertão e do córrego do Salto (Figura 2, quadrantes C2 e C3), os quais foram referidos por vizinhos das terras da família Carneiro, ficando indicado que, por aquelas bandas, localizavam-se porções de terras dessa importante família, além de reforçar a presença de hierarquias geográficas nas sociabilidades tecidas na pia batismal.

No Catanho, Antônio Varela credenciou-se a ser capitão ao tornar-se compadre de importantes famílias, enraizando seu reconhecimento e alçando-se a cargos e a influência na Vila da Piranga. Próximo a ela, ficava sua chácara do Bom Jardim, em que muitos declarantes afirmaram ser vizinhos de Dona Francisca de Paula Januário Carneiro. Enquanto geria suas propriedades no Catanho e na Pirapetinga, sua chácara talvez fosse um posto avançado mais próximo à urbanidade, em que, eventualmente, pernoitava em dias de missa e de festas religiosas, e nos dias que desempenhava a coletoria dos impostos municipais, estreitando laços com a comunidade e consolidando o seu lugar social de um homem da elite local.

Conclusão

Neste artigo, explorei detalhadamente diversos aspectos da trajetória de vida de Antônio Varela, o qual ascendeu econômica e socialmente, tornando-se um indivíduo de posses, detentor de cargos e títulos. Acredito, assim, ter apresentado mais uma história de vida e enlaces sociais que demonstram os caminhos da mobilidade social no Brasil e as suas estruturas hierárquicas, bem como os processos de cooptação, exclusão e reprodução de desigualdades.

Desse modo, pude ressaltar que não só a ascensão, o reconhecimento social e o prestígio balizaram a trajetória de vida de Antônio Varela. Do seu batizado à sua morte, são indiscutíveis a distinção adquirida e o pecúlio acumulado, mas, conforme demonstrei, houve embargos à sua inserção em círculos relacionais das importantes famílias dos arredores em que sua mãe havia construído a liberdade e em que ele havia sido criado, aspectos que indicam o estigma de homem pardo e a força social de um passado em cativeiro vivenciado por sua mãe.

As feições geográficas dessa trajetória indicaram os lugares da exclusão, porém a neolocalidade demonstrou ter um peso determinante no redirecionamento das estratégias de Antônio Varela e em um novo posicionamento nas estruturas sociais daquela sociedade. Assim, destacou-se neste artigo a busca por novos espaços de sociabilidades que permitiram um novo lugar na hierarquia social, o que ressalta a importância de se analisar as feições sociogeográficas das tão aclamadas trajetórias de ascensão e de mobilidade social nos estudos históricos.

Agradecimentos

No evento “Visões do mundo agrário no Brasil, séculos XVIII e XIX”, realizado em 27 de julho de 2020, na Universidade Federal de Sergipe, tive a oportunidade de apresentar um primeiro rascunho deste artigo como palestra. Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos aos organizadores do evento e ao Grupo de Pesquisa Mundo Atlântico e Colonização Portuguesa, pois foram meus primeiros interlocutores e debatedores, contribuindo significativamente para o desenvolvimento deste trabalho.

Fontes documentais

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  • ARQUIVO DA CASA SETECENTISTA DE MARIANA. Inventários post-mortem, 1º e 2º Ofícios.
  • ARQUIVO DA CÚRIA ECLESIÁSTICA DE MARIANA, Livros de Batismo.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Espera, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.08-Doc.36; Microfilme: MP Rolo-04/Flash-02.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Guarapiranga, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.24; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Nossa Senhora do Desterro do Mello, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.25; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: São José do Chapotó, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.08-Doc.35; Microfilme: MP Rolo-04/Flash-02.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Santo Antônio do Bacalhau, Termo de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.21; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Barra do Bacalhau, Município de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.11; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Localidade: Santo Antônio do Calambão, Município de Mariana; Notação: MP-Cx.02-Doc.10; Microfilme: MP Rolo-01/Flash 02.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial. Localidade: Vila de Nossa Senhora da Conceição do Piranga; Notação: TP-1-160; Microfilme: TP Rolo-13/Flash 01.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial. Localidade: Vila de Nossa Senhora da Conceição do Piranga; Notação: TP-1-159; Microfilme: TP Rolo-13/Flash 01.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial. Localidade: Sant’Ana da Barra do Bacalhau; Notação: TP-1-15; Microfilme: TP Rolo-02/Flash 01.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial. Localidade: Nossa Senhora da Piedade da Espera; Notação: TP-1-72; Microfilme: TP Rolo-06/Flash 01.

Referências

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  • 1
    ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Coleção Mapa de População, Sessão Provincial. Disponível para consulta online em: www.poplin.cedeplar.ufmg.br. Doravante, mencionarei apenas “listas nominativas”. Sobre essa documentação, ver Libby (1988, p. 28-31) e Paiva e Arnaut (1990).
  • 2
    Disponíveis no Arquivo da Cúria Eclesiástica de Mariana (ACEM), freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga. Também foram feitas pesquisas no Arquivo da Casa Paroquial de Piranga (ACPP). Doravante, citarei apenas a abreviação dos acervos.
  • 3
    Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (ACSM), disponível para pesquisa no site http://www.lampeh.ufv.br/CasaSetecentista/. Acesso em 17 jan. 2022. Também utilizamos diversos inventários que estão depositados no Arquivo do Fórum de Piranga (AFP).
  • 4
    ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Repartição Especial das Terras Públicas, Sessão Provincial (RETP). Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fundos_colecoes/brtacervo.php?cid=26. Acesso em 17 jan. 2022. Doravante, as referências às declarações de terra serão feitas citando apenas o número do rolo do microfilme e dos registros de terras.
  • 5
    Foi declarante de três propriedade no Registro Paroquial de Terras no ano de 1855 (APM. RETP, Rolo 13, 1518; Rolo 13, 1518-02; Rolo 13, 1519).
  • 6
    No inventário de Dona Clara Maria Violante, confeccionado na Vila de Piranga, Antônio Varela é discriminado como o “atual coletor agente de impostos deste município” (AFP. Inventários post-mortem, Caixa A208, Auto 584, inventário de Dona Clara Maria Violante, 1856).
  • 7
    Em vários assentos de batismo Antônio Varela é listado como alferes e capitão da Guarda Nacional, fato que atesta para o seu reconhecimento social na paróquia da Piranga, haja vista que os alistamentos às fileiras da Guarda eram presididos por membros da elite econômica e jurídica da localidade (CASTRO, 1977, p. 77). Castro ainda aponta para o caráter popular que estruturou a corporação em seus anos iniciais, o que contribuiu para a ascensão social de indivíduos não brancos e de posses modestas, aspecto que, segundo a autora, não passou intacto de mal-estar social, o que ocasionou em mudanças de posturas e regimentos que visavam a impedir a qualificação militar, logo a ascensão social, de negros e pardos, mantendo assim o lugar de controle e domínio de uma minoria dirigente desde os tempos coloniais (CASTRO, 1977, p. 141; p. 193).
  • 8
    Na década de 1830, Antônio Varela é listado proprietário de uma casa de “bebidas espirituosas” no Mapas de Engenhos Aguardenteiros e Casas de Negócio de 1836 (GODOY, 2008).
  • 9
    Nas listas nominativas da década de 1830, Antônio Varela é listado chefe de seu domicílio, no qual são listados cativos (APM. Sessão Provincial, Listas nominativas).
  • 10
    RETP, Rolo 13, 1518.
  • 11
    RETP, Rolo 13, 1518-02.
  • 12
    RETP, Rolo 13, 1519.
  • 13
    RETP, Rolo 13, 1522.
  • 14
    Essa comissão, durante as primeiras décadas da República, esteve a cargo de mapear o território do estado de Minas Gerais. As Cartas Topográficas produzidas estão disponíveis em APM, Comissão Geographica e Geologica do Estado de Minas Gerais. Plataforma Hélio Gravatá. Ref.: AHG-021185
  • 15
    Mesmo após ter deixado a condição de cativeiro, no assento de batismo de uma das irmãs de Varela, o pároco fez questão de anotar sobre sua mãe: “Ana Maria de São José, escrava que foi do tenente Rodrigo José da Silva”. (ACEM, livro 2, folha 54)
  • 16
    Sobre o trabalho e a mobilidade social, ver o Capítulo II, p. 69-125.
  • 17
    ACPP, livro 1, folha 51.
  • 18
    ACEM, livro 11, folhas 223-223v.
  • 19
    ACPP, livro 1, folha 19.
  • 20
    ACPP, livro 2, folha 67.
  • 21
    Ambos apresentados na Figura 3, quadrante A3.
  • 22
    ACEM, livro 5, folha ilegível.
  • 23
    ACPP, livro 2, folhas 27-28.
  • 24
    ACEM, livro 11, folha 137.
  • 25
    ACEM, livro 11, folha 26.
  • 26
    Na Análise de Redes Sociais, a noção de intermediação traz em primeiro plano uma dimensão relacional de fluxo de recursos e informações (WASSERMAN; FAUST, 1994, p. 4-10). Mark Granovetter, sociólogo que analisou o papel de lideranças nas relações interpessoais, evidenciou que atores intermediários desempenhavam um importante papel na estruturação de relações de confiança. Por isso, ressaltou-se a “força dos laços fracos”, como pontos numa rede que indicam não apenas aos pontos iniciais e finais nas transmissões de recursos e capitais, mas, também a relevância dos pontos de interposição nas complexas tramas que estruturam as relações entre atores (GRANOVETTER, 1978, p. 1374). Dessa forma, este artigo, ao se valer da noção de intermediação para descrever as sociabilidades de Varela, não lança mão de uma precisão na agência da escolha de compadres realizada por intermediadores nas redes de compadrio, mas mapeia o lugar que determinados atores detinham em tornar laços de parentesco espiritual possíveis.
  • 27
    Na Figura 3, todos esses vizinhos confrontantes estão no Quadrante D3.
  • 28
    ACPP, livro 2, folha 142.
  • 29
    REPT, Rolo 13, 1572; 1578.
  • 30
    ACEM, livro 11, folha 73v.
  • 31
    Jornaleiros eram aqueles que trabalhavam por jornadas de trabalho, sem especialidade definida, ocupando-se nos diversos setores da economia que remuneravam o dia de trabalho.
  • 32
    ACEM, livro 8, folha 12.
  • 33
    ACEM, livro 8, folha 63.
  • 34
    ACEM, livro 8, folha 105.
  • 35
    ACEM, livro 10, folha 275.
  • 36
    ACPP, livro 1, folha 71.
  • 37
    ACEM, livro 5, folha 59v.
  • 38
    ACEM, livro 11, folha 157v.
  • 39
    ACEM, livro 2, folhas 44v-45.
  • 40
    Sobre a trajetória de vida e estratégias da mãe de Antônio Varela no processo histórico de confirmação da sua liberdade e de sua família, ver Andrade (2019).
  • 41
    ACPP, livro 1, folha 47.
  • 42
    ACPP, livro 1, folha 65.
  • 43
    ACPP, livro 1, folha 67.
  • 44
    ACPP, livro 1, folha 99.
  • 45
    ACPP, livro 2, folha 136.
  • 46
    ACEM, livro 14, folha 108.
  • 47
    ACPP, livro 2, folha 225.
  • 48
    ACEM, livro 14, folhas 146 e 153.
  • 49
    ACEM, livro 2, folha 54.
  • 50
    ACPP, livro 1, folha 79 e 181.
  • 51
    No mapa da Figura 2, essas vilas estariam a sudeste do Quadrante C3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2021
  • Aceito
    02 Maio 2022
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