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Apontamentos críticos aos fundamentos da terapia ocupacional: contribuições para uma Terapia Ocupacional Outra

Resumo

Este ensaio aborda, a partir de uma perspectiva crítica do Sul, o que tem sido chamado de fundamentos da terapia ocupacional. Argumenta-se que os chamados fundamentos dispõem de certas categorias constitutivas que estão na base da construção de conceitos, teorias, estruturas de trabalho, com as quais a disciplina atua, sendo uma das principais a noção de natureza ocupacional, o conceito de indivíduo, entre outras. Essas categorias que sustentam o que foi chamado de fundamentos de nosso trabalho derivam principalmente do sistema-mundo no qual as disciplinas científicas foram produzidas, incluindo a terapia ocupacional, e que correspondem à racionalidade do projeto moderno, ocidental, norte-eurocêntrico. O objetivo deste ensaio é analisar criticamente e refletir sobre as categorias fundamentais da terapia ocupacional a partir de uma posição crítica do Sul, a qual possibilitará produzir uma terapia ocupacional radicalmente diferente daquelas do sistema do mundo ocidental moderno. Vamos chamá-la de terapia ocupacional Outra, que se baseia em uma ruptura radical das categorias centrais da profissão, para a qual propomos, como introdução, outras categorias que promovam uma compreensão histórica, situada, descolonizada da disciplina, orientada para o reconhecimento e uma práxis Sul-Sul que promova diálogos interculturais que rompam com o universalismo, o monotopismo e o monoculturalismo da terapia ocupacional.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Crítica; Conhecimento

Resumen

El ensayo aborda, desde una perspectiva crítica Sur, lo que se ha llamado «los fundamentos» de la terapia ocupacional. Se plantea que estos disponen de ciertas categorías constitutivas que están en la base de la construcción de conceptos, teorías y marcos de trabajo en los que actúa la disciplina. Algunos de estos fundamentos primordiales son el de la naturaleza ocupacional, el concepto de individuo, entre otros. Estas categorías que sostienen nuestro quehacer devienen, primariamente, del sistema mundo en el cual se han producido las disciplinas científicas—entre ellas la terapia ocupacional—y que corresponden a la racionalidad del proyecto moderno occidental nor-eurocéntrico. El objetivo de este ensayo es analizar y reflexionar críticamente las categorías fundamentales de la terapia ocupacional desde una posición crítica Sur, la que permitirá abrir la posibilidad de producir una terapia ocupacional radicalmente diferente a las del sistema mundo moderno occidental. A esta la llamaremos una terapia ocupacional Otra, que se fundamenta en una ruptura radical de las categorías centrales de la profesión, para lo cual proponemos, a modo introductorio, otras categorías que promuevan una comprensión histórica, situada, de orientación descolonial de la disciplina, orientada al reconocimiento y a una praxis Sur-Sur que promueva diálogos interculturales que rompan con el universalismo, el monotopismo y monoculturalismo de la terapia ocupacional.

Palabras clave:
Terapia Ocupacional; Critica; Conocimiento

Abstract

This essay addresses, from a critical perspective of the Global South, what has been called the foundations of occupational therapy. It argues that these so-called foundations rely on certain constitutive categories that form the basis of the construction of concepts, theories, and frameworks with which the discipline operates, including mainly the notion of occupational nature, the concept of the individual, among others. These categories that support what has been referred to as the foundations of our work primarily derive from the world-system in which scientific disciplines have been produced, including occupational therapy, and correspond to the rationality of the modern Western, North Eurocentric project. The purpose of this essay is to critically analyze and reflect upon the fundamental categories of occupational therapy from a critical position of the Global South, which will open up the possibility of producing an occupational therapy radically different from those of the modern Western world-system. We will refer to it as “alternative occupational therapy,” which is based on a radical rupture from the central categories of the profession. As an introduction, we propose other categories that promote a historically situated, decolonized understanding of the discipline oriented towards recognition and a South-South praxis that fosters intercultural dialogues breaking away from the universalism, monotopism, and monoculturalism of occupational therapy.

Keywords:
Occupational Therapy; Critique; Knowledge

Introducão/Apresentação

Partindo de uma crítica à chamada terapia ocupacional original, convencional, tradicional, anglo-saxônica ou hegemônica1 1 A terapia ocupacional pode ser considerada originária daquela que surge nos Estados Unidos e Reino Unido, que se expande e se globaliza no restante do mundo moderno ocidental; tradicional, no sentido de que é transmitida, possui normas e uma cultura específica; oficial, sendo reconhecida); legal, como aquela que possui autorização de outras instituições como a OMS; hegemônica, pois define uma forma de dominação e controle político, cultural e do conhecimento sobre o que realmente é; convencional, referindo-se ao que é conhecido por todos, o habitual, o estabelecido; anglo-saxônica, como aquela de língua inglesa, particularmente de países ricos. , que se situa nos cinco países mais ricos do mundo: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, que representam cerca de 5% da população mundial e apresentam um caráter geopolítico de dominação epistêmica e imperialismo cognitivo global (Sousa, 2019Sousa, B. (2019). El Fin del imperio cognitivo. La afirmación de las epistemologías del Sur. Madrid: Editorial Trotta.); propomos que pensar em um lugar “Outro” implica, primeiramente, posicionar-se diante da terapia ocupacional moderna ocidental e criticar seus fundamentos como ponto de partida.

A reflexão que propomos implica analisar algumas categorias fundamentais que sustentam a racionalidade epistêmica-teórica-metodológica da terapia ocupacional moderna ocidental, de viés norte-eurocêntrico2 2 O termo “eurocêntrico” é usado como descrito por (Grosfoguel, 2007, citado por Montes & Busso, 2007, p. 18) [...] “não se refere à população do território conhecido como ‘Europa’, mas sim a uma posição em um sistema de classificação racial dentro de uma hierarquia etnoracial global, na qual aqueles classificados como ‘europeus’ têm privilégios e acumulação de riquezas superiores aos classificados como não europeus” [...]. É um tipo de pensamento fundamentalista eurocêntrico que não reconhece igualmente outras epistemologias além da própria e não considera outras epistemologias ou cosmologias como normais, exceto a própria, o que resulta em um racismo epistemológico no qual a verdade e a justiça estão apenas do lado ocidental, pois os conhecimentos não ocidentais são considerados inferiores. Entendemos que o eurocentrismo, como posição no sistema global mundial, também pode se referir a “um sistema que visibiliza a heterarquia de múltiplas relações de poder: sistema-mundo, europeu/euro-norte-americano, moderno/colonial, capitalista/patriarcal” (Grosfoguel, 2007, citado por Montes & Busso, 2007, p. 18). Neste ensaio, optamos pela noção de norte-eurocêntrico como referência a tal debate (Patiño, 2014). . Para tanto, propõe-se a possibilidade de abandonar tais fundamentos tradicionais e categorias predominantes a fim de sustentar uma proposta ético-política-teórica inicial, geopoliticamente situada a partir/para o Sul, que resulte em uma terapia ocupacional Outra, embasada nas categorias centrais do historicismo radical3 3 Compreendemos o historicismo radical como a noção de que toda realidade, todo ser, é história humana. Não há nada externo, divino ou natural que a determine. A vida humana reside em seu caráter ontológico das relações sociais estabelecidas pelas pessoas e comunidades para a produção de sua existência, ao mesmo tempo em que constitui a produção do próprio ser (Pérez, 1998). Da mesma forma, a pessoa humana não existe de forma abstrata e separada da história; pelo contrário, a vida humana, enquanto história, é o produto de relações sociais historicamente determinadas (Cancino, 1987). , decolonialidade4 4 O aspecto de(s)colonial engloba um conjunto de contribuições políticas, filosóficas e teóricas “que questionam o estatuto e o alcance do projeto da modernidade ocidental” (Guajardo Córdoba, 2021, p. 138). Ele aborda o sistema mundial colonial, capitalista, patriarcal, racista, liberal, cartesiano (egocêntrico e cientificista), naturalista e reúne uma série de perspectivas críticas e situadas, provenientes do que tem sido chamado de Sul Global (Obarrio, 2013), tais como o Pensamento Anticolonial, Estudos Pós-coloniais, Estudos Subalternos, Grupo Latino-americano de Estudos Subalternos, Pensamento (Giro) Decolonial, Epistemologias do Sul, Feminismos Decoloniais, e autores como Mariategui, Martí, Fanon, Freire, Dussel, Spivak, Guha, Quijano, Mignolo, Grosfoguel, Castro Gómez, Lugones, Walsh, Segato, Qusicanqui, Ochi Curiel, Paredes, apenas para citar alguns (Conti, 2017). e humanismo5 5 Essa ética radical de descolonização e reconhecimento refere-se a um humanismo do outro, diferente da tradição eurocêntrica, fundamentada na “relação inter-humana entre um eu e o outro” (Maldonado-Torres, 2007, citado por Walsh, 2013, p. 160). Isso implica libertação e descolonização a partir daqueles que sofreram a ferida colonial. Nas palavras de Mignolo, “a emancipação não necessariamente aponta para a liberação e descolonização. Com um sentido construído inicialmente nas revoluções burguesas — não na revolução haitiana — e depois adotado como lema do proletariado universalizado para expressar os interesses e lutas dos oprimidos do mundo, a emancipação tem sua âncora na modernidade e na trajetória linear da racionalidade ocidental. A liberação, por outro lado – o termo mais usado por Fanon, é o projeto e a perspectiva concebidos a partir e orientados por aqueles que sofreram a ferida colonial. Emancipação e liberação são os dois lados da mesma moeda, a moeda da modernidade/colonialidade. Enquanto a liberação enquadrava a luta dos oprimidos no ‘Terceiro Mundo’ e na história da colonialidade moderna que enfatiza sua história, a decolonialidade é um projeto ainda maior que abrange ambos, como disse Fanon, o colonizado e o colonizador, e, portanto, a emancipação e a liberação” (Mignolo, 2010, p. 311, citado por Walsh, 2014, p. 42). .

Não se trata de determinar qual é melhor, quem está correto ou qual está mais validada pela evidência; pelo contrário, trata-se de contribuir para uma comunicação entre diferentes sujeitos e sistemas-mundos (daí a importância das terapias ocupacionais) sem subordinar ninguém, assumindo que não há um único lugar ou fundamento para a ação da terapia ocupacional (Ochoa, 2019Ochoa, K. (2019). Miradas en torno al problema colonial Pensamiento anticolonial y feminismos descoloniales en los Sures globales. Madrid: Akal Ediciones.).

Apresenta-se uma reflexão sobre o que chamamos de fundamentos6 6 A palavra “fundamento” refere-se a várias acepções que remetem à origem, ao princípio e à razão de algo, ao conjunto de enunciados que sustentam uma ideia, um princípio primeiro. Alguns podem se referir a uma base material com a qual algo é construído, um alicerce (Ferrater, 2001). Sob essa premissa, pode-se sustentar a ideia de fundamentos ontológicos, epistemológicos, metodológicos, éticos e políticos. A partir da proposta deste texto, a ideia de fundamento é orientada para a compreensão do mundo, para a racionalidade de um sistema mundial no qual o epistemológico, o metodológico, entre outros aspectos, são construídos. das categorias centrais7 7 As categorias são as ideias mais gerais e abstratas com as quais se ordena e compreende o mundo. São com elas que os conceitos e abordagens teóricas são construídos. Segundo Kant (2003), essas categorias incluem conceitos como quantidade, realidade, unicidade, entre outros. Para Hegel, elas são história, relação, necessidade, entre outras (Pérez, 2008). Por exemplo, na teoria geral de sistemas clássica, que é compreendida como um conjunto de partes que interagem entre si para formar um todo, as categorias fundamentais são parte, exterioridade e dualidade (cada parte é inicialmente separada das outras). A partir de uma perspectiva do Sul Global, pode-se apresentar a ideia de totalidade, alteridade, relação e história. que sustentam a razão científica moderna. Seu ideal é o da racionalidade moderna ocidental como sistema-mundo, como uma experiência histórica concreta do real, com uma totalidade de sentido e um caráter de verdade das proposições sobre as quais se fundamentam e desenvolvem as disciplinas científicas. Em seu campo específico, são desenvolvidos teorias, sistemas teóricos, estruturas conceituais, entre outros.

O ideal da modernidade se materializou na terapia ocupacional. A partir de sua posição específica no campo social, a terapia ocupacional se constitui a partir da racionalidade da sociedade na qual é produzida e como expressão concreta desse mundo onde se desenvolve. Sua racionalidade, como dispositivo produzido histórica e socialmente, é aquela que sustenta o mundo moderno norte-eurocêntrico em geral e, em particular, a ciência norte-eurocêntrica (Guajardo, 2014Guajardo, A. (2014). Debates sobre la producción del conocimiento en Terapia Ocupacional. En contra de una nueva Escolástica. Cuadernos de la Escuela de Salud Pública, 2(88), 33-59.). Essa racionalidade é o primeiro fundamento com o qual a terapia ocupacional constrói suas categorias.

Entre as categorias mais relevantes que subjazem à terapia ocupacional, desenvolveremos as ideias primárias de natureza, indivíduo, realismo, atomismo e reducionismo.

Críticas às Categorias Fundamentais da Terapia Ocupacional Norte-eurocêntrica8 8 O norte-eurocentrismo se desdobra em múltiplas dimensões: moderna, por suas formas de racionalidade sempre entendidas como progresso e desenvolvimento; liberal, por seu princípio político; capitalista, por seu princípio produtivo; naturalista/darwinista/individualista; egocêntrica, por seu princípio ontológico, seu cânon clássico newtoniano-cartesiano na racionalidade científica; cientificista, por seu princípio sobre o conhecimento, entre outras.

A ideia de natureza

A terapia ocupacional oficial e institucional adota a racionalidade própria da modernidade. Do ponto de vista ontológico, ela se baseia na ideia do “natural” e é experienciada em um sentido amplo como “natureza”. Isso implica uma ordem, uma realidade que está além da vontade e da ação humana, mas que ainda nos determina. Ela possui organização e estrutura regulares estabelecidas nas quais não há contradições; pelo contrário, há regularidade, equilíbrio, estabilidade e funcionalidade, que podem ser conhecidas e investigadas por meio da ciência e seu procedimento operacional: o método científico. A partir dessa ideia, a natureza é regida por leis gerais que a configuram e que podem ser conhecidas e compreendidas, permitindo assim a geração de taxonomias. O fundamento dessa racionalidade da terapia ocupacional, como expressão do sistema-mundo moderno-ocidental, contém a categoria primária da ideia de natureza.

Na modernidade norte-eurocêntrica ninguém precisa acreditar que a natureza existe, pois todos sabem que ela existe. Ninguém duvida disso, pois ela existe como modo de vida. Isso é claramente evidenciado nos chamados fundamentos da terapia ocupacional e expresso na premissa do que é chamado de paradigma contemporâneo da ocupação: “a natureza ocupacional dos seres humanos” (Kielhofner, 2006, pKielhofner, G. (2006). Fundamentos Conceptuales de la Terapia Ocupacional. Buenos Aires: Editorial Panamericana.. 66) ou “a ocupação é a atividade principal do ser humano em todas as suas vertentes, resultante de um processo evolutivo que culmina no desenvolvimento de suas necessidades biológicas, psicológicas e sociais” (Santos del Riego, 2005, pSantos del Riego, S. (2005). El ser humano como ser ocupacional. Rehabilitacion, 39(5), 195-200.. 1) [...] “a ocupação como inerente ao ser humano” (p. 9). Da mesma forma, “os especialistas em compreender a natureza ocupacional dos seres humanos precisam, o mais rápido possível, focar em como as pessoas podem alcançar seu potencial criativo” (Wilcock, 2011, pWilcock, A. (2011). Reflexiones hacer de hacer, ser y llegar a ser. TOG, 8(14), 1-30.. 21).

Toda a estrutura teórica, sistemas teóricos e conceituais são sustentados nessa suposição. A suposição se torna plausível através da racionalidade na qual a ideia de natureza é uma de suas dimensões centrais. Essa natureza é preenchida com o tecnicismo da profissão, pois o primordial é que os seres humanos têm uma natureza, a natureza humana, e isso está em consonância com a linguagem ocupacional da profissão 9 9 É um neologismo que usamos para nos referirmos ao uso excessivo do adjetivo “ocupacional”. Por exemplo, equilíbrio ocupacional, privação ocupacional, injustiça ocupacional, direitos ocupacionais, dignidade ocupacional, experiências ocupacionais, participação ocupacional, evidências ocupacionais, escolhas ocupacionais, renascimento ocupacional, sono ocupacional, entre outros. ; a natureza humana possui uma especificidade que apenas nós conseguimos enxergar: o aspecto ocupacional.

A natureza é o princípio de tudo. Ela possui seu próprio movimento, suas próprias leis, sua regularidade. É substância e causa. A motivação é intrínseca e se expressa como um fenômeno observável (sua natureza) na ocupação. O sujeito e a ocupação, ou o sujeito e sua espiritualidade. O sujeito e o ambiente mediado pela ocupação.

Assim, a ideia de natureza se entrelaça com o realismo. Existe uma realidade exterior que pode ser conhecida, investigada. Pode-se afirmar que há um sujeito e uma realidade, que pode ser estudada como um ente natural (em terapia ocupacional: o ambiente cultural, social e físico). Sob essa racionalidade, cria-se o objeto de estudo10 10 Outra leitura possível, a partir de uma perspectiva crítica, é compreender o objeto de estudo como “a problematização de alguns aspectos da realidade que temos interesse em investigar, compreender e contribuir para transformar [...] é construída na interação de interesses políticos prévios, perspectivas conceituais em jogo, modos de fazer (Duarte, 2013, p. 232), é um objeto de reflexão. Trata-se de um ‘não-saber-por-saber’ (Cottet, 2006, p. 194), é construído e objetiva um fenômeno como um fato social. , algo que é objetivo, pois está fora como uma coisa natural, que possui suas próprias leis e regulações, como objeto positivo, observável e verificável.

A única maneira de sermos livres como seres humanos — a terapia ocupacional, que assume a ideia de natureza, diria como “seres ocupacionais” — é dominando, conhecendo e descobrindo essa natureza que nos submete. A forma de alcançar esse propósito é sustentada pela razão científica, pela racionalidade que opera sob a ideia de descobrir ou compreender (ou ambos) a natureza ocupacional. Para dominá-la e superá-la com o objetivo de permitir que as pessoas façam suas escolhas ocupacionais com liberdade e equilíbrio ocupacional e, para alguns, com base em ideias e valores de justiça ocupacional.

O caráter analítico-reducionista

A racionalidade da terapia ocupacional gera um sistema operativo conceitual baseado na ideia de que é possível classificar e ordenar, pois a natureza possui regularidades, leis próprias e universais que podem ser descobertas, simplificadas e compreendidas. Existe uma ordem natural, lógica, que vai do simples ao complexo, do inferior ao superior, do individual ao coletivo, do biológico ao social. Cada uma dessas partes, por sua vez, é constituída por outras. Isso permite construir taxonomias operativas para abordar ocupação como objeto de estudo.

Um exemplo disso é encontrado no que tem sido chamado de modelos próprios da terapia ocupacional - modelos baseados na ocupação que permitem operar sobre essa natureza ocupacional sob uma racionalidade de caráter analítico-reducionista, de partes, de mecanismo: indivíduo-ocupação-ambiente, habilidades-aptidões-desempenhos, biológico-psicológico-social, causalidade pessoal-valores-interesses-processo volitivo, hábitos-rotinas-padrões de desempenho, entre outras taxonomias (Kielhofner, 2006Kielhofner, G. (2006). Fundamentos Conceptuales de la Terapia Ocupacional. Buenos Aires: Editorial Panamericana.; American Occupational Therapy Association, 2020American Occupational Therapy Association - AOTA. (2020). Marco de trabajo para la Practica de Terapia Ocupacional: Dominio y Proceso (4. ed.). North Bethesda: AOTA.), assim como função, participação e inclusão. Noções que não se situam na ordem daquilo que se refere ao individual, mas sim no sujeito em interação com a realidade social (Durocher et al., 2019Durocher, E., Gibson, B. E., & Rappolt, S. (2019). Justicia Ocupacional: una revisión de conceptos. Journal of Occupational Science, 28(4), 418-430.; Guajardo, 2020Guajardo, A. (2020). A propósito de nuevas formas de colonización en terapia ocupacional. Reflexiones sobre la idea de Justicia Ocupacional desde la perspectiva de una filosofía política crítica. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(4), 1365-1381.).

Nesse sentido, a terapia ocupacional norte-eurocêntrica também é permeada por uma lógica analítico-reducionista-atomista, como mencionado anteriormente. Analítico no sentido de que a razão científica — incluindo a terapia ocupacional — considera compreender como separar (Pérez, 1998Pérez, C. (1998). Sobre un Concepto Histórico de Ciencias. De la epistemología actual a la dialéctica. Santiago: Lom Ediciones.). O todo é resultado da articulação de partes, e isso é chamado de abordagem holística e integral, pois considera todas as articulações para compreender o todo. A doença não é apenas biológica, mas sim biológica-psicológica-social, e ainda assim isso não é suficiente, pois o indivíduo com essa doença está integrado em um sistema familiar, cultural, físico etc., assim como diferentes quadros de referência foram construídos (ocupação-indivíduo-ambiente / pessoa-ocupação-entorno / seres ocupacionais-justiça-ocupação-cultura). A articulação é geralmente compreendida como o todo sendo mais do que a soma das partes. E o que é esse “mais”? São as interações entre as partes: 1+1+R=todo. O ponto é que a parte é uma coisa e a interação uma qualidade. O interessante é que essa última também é tratada como parte, como coisa. Em alguns instrumentos de avaliação em terapia ocupacional, as pessoas são entrevistadas para explorar a qualidade; por exemplo, significados, que posteriormente são convertidos em números para quantificar, obter uma média, realizar intervenções, reavaliar e verificar se a pessoa progrediu. O interessante é medir a valorização, a qualidade expressa como número, o que implica a transformação do sujeito em uma coisa, já que as qualidades são compreendidas e interpretadas, mas se tratadas como partes, como objetos, podem ser medidas; por exemplo, diversas medidas de desempenho (Simó & Urbanoswki, 2006Simó, A., & Urbanoswki, R. (2006). Modelo Canadiense de Desempeño Ocupacional I. TOG,3, 1-27.).

Na operação de entender a realidade como partes que interagem, subjaz a ideia de mecanismo11 11 A ideia de mecanismo será compreendida como um conjunto de partes, peças ou elementos que se articulam entre si formando um todo para cumprir uma função específica. Em contraste, o mecanicismo é uma doutrina filosófica que se traduz, teoricamente, na explicação de fenômenos naturais por meio das leis mecânicas do movimento. Por sua vez, os mecanicistas são os adeptos e crentes de que a realidade física ocorre de acordo com uma ordem estruturada, como se fosse o funcionamento de uma máquina (Ferrater, 2001). . Um exemplo foi indicado por Brea (2017)Brea, M. (2017). Marco conceptual europeo para terapia ocupacional. Madrid: Síntesis S.A.: formas de ação, ação, estrutura da ação, condicionantes para a ação e fontes de energia para a ação. Metaforicamente, isso equivale às partes de um celular: carcaça, tela, chip de memória, bateria e uma fonte de energia (eletricidade). Na terapia ocupacional, essa fonte de energia foi chamada de motivação intrínseca, motivação-volição com seu substrato natural biológico ou, em uma ordem mais metafísica, espiritualidade. Pode haver o desempenho, as habilidades, a funcionalidade e a autonomia, mas sem energia, nada funciona.

A ideia de indivíduo

Na matriz desenvolvida até o momento (naturalismo, realismo e seu procedimento analítico-reducionista), compreende-se que o social é um efeito primário da parte: o indivíduo, com caráter ontológico e como ponto de partida de toda a realidade. Como previamente mencionado, a terapia ocupacional não apenas possui uma ideia de ocupação, mas também do sujeito da ocupação. Constitutivamente, esse indivíduo possui uma natureza e, juntamente com outros, formará a sociedade. Um indivíduo que evolui de forma darwinista, que se desenvolve, progride, adapta-se, tem rotinas e hábitos, equilibra-se com o ambiente, é funcional nas demandas sociais esperadas. “O que varia o potencial das diferentes individualidades ocupacionais é o resultado de suas capacidades genéticas herdadas e a expressão e execução da ocupação aprendida e modificada pelo ecossistema e ambiente sociocultural onde vivem” (Wilcock, 2006, citado por Schliebener, 2014, pSchliebener, M. (2014). Los supuestos que subyacen a las teorías de Ann Wilcock y la necesidad de la pregunta ontológica en la ocupación humana. TOG, 12(21), 1-20.. 5).

Tratar-se-ia de um indivíduo livre por si mesmo, com uma consciência autônoma plenamente diferenciada de outra, com capacidade de escolha de acordo com seu interesse e motivação, com habilidades e talentos para desenvolver-se, com capacidade empreendedora, onipresente. Essa individualidade é a que sustenta a sociedade liberal na qual a terapia ocupacional norte-eurocêntrica se insere. Como um selo indelével, encontramos em Smith (1996)Smith, A. (1996). La riqueza de las naciones. Madrid: Alianza. a tendência natural dos indivíduos de produzir objetos (ocupações) que serão trocados com outros indivíduos. O indivíduo é sempre um sujeito livre diante de sua necessidade: “o interesse próprio de cada indivíduo conduz ao bem-estar geral”. Daí a importância do tema das escolhas ocupacionais.

Além da terapia ocupacional norte-eurocêntrica

A terapia ocupacional norte-eurocêntrica deve ser compreendida como um campo. Assim como um feixe de luz apresenta variabilidade interna, com diferentes desenvolvimentos e nuances, mas que têm a mesma origem: o indivíduo, a natureza ocupacional e o funcionamento compreendido como participação de caráter liberal no espaço social para se envolver em ocupações significativas (Townsend & Wilcock, 2004Townsend, E., & Wilcock, A. A. (2004). Occupational justice and client-centred practice: a dialogue in progress. Canadian Journal of Occupational Therapy, 71(2), 75-87.). Como uma totalidade do sistema do mundo moderno ocidental norte-eurocêntrico, manifesta-se de forma monocultural12 12 “Boaventura de Sousa Santos projeta sua original sociologia das ausências e das emergências. Ele analisa o mundo das cinco monoculturas: a) monocultura do saber, que acredita que o único conhecimento válido é o conhecimento rigoroso (epistemicídio); b) monocultura do progresso, do tempo linear, que entende a história como um caminho de sentido único: à frente está o mundo avançado, desenvolvido; o restante é residual, obsoleto; c) monocultura da naturalização das hierarquias, que considera um fenômeno inscrito na natureza e, portanto, acredita que as hierarquias são inalteráveis por razões de raça, etnia, classe, gênero; d) monocultura do universal como o único válido, desconsiderando o contexto; o oposto do universal é o vernáculo, sem validade; o global tem precedência sobre o local; e) monocultura da produtividade, que define a realidade humana pelo critério do crescimento econômico como objetivo racional inquestionável; critério que se aplica ao trabalho humano, mas também à natureza, convertida em objeto de exploração e depredação; quem não produz é considerado preguiçoso, vadio” (Tamayo, 2019, p. 21). , conforme Tamayo (2019)Tamayo, J. J. (2019). Boaventura de Sousa Santos: sociología de las ausencias y de las emergencias desde las epistemologías del Sur. Utopía y Praxis Latinoamericana, 24(86), 16-31., sob uma razão metonímica (universalismo e globalização). Só é possível ser terapeuta ocupacional sob a racionalidade naturalista, realista, centrada em fatos, darwiniana, cartesiana, individual, funcionalista, analítica, reducionista e atomista. A isso chamarei de o em si da terapia ocupacional norte-eurocêntrica, o seu ser em si mesma.

Até aqui, desenvolvemos o que consideramos como o fundamento que sustenta a base da terapia ocupacional norte-eurocêntrica. No entanto, há outros lugares ou mundos possíveis para refletir sobre outra racionalidade, outra ideia de terapia ocupacional, outro fundamento que emerge de outras formas e modos de vida que se materializam como outras perspectivas?

Proporcionar uma terapia ocupacional a partir de uma base diferente, com uma compreensão histórica e situada, requer um processo de descolonização, partindo da utopia de outro sistema mundial, o que implica uma crítica necessária e obrigatória ao que é a terapia ocupacional. A possibilidade de uma terapia ocupacional Outra não pode ser alcançada de fora da própria profissão, mas sim a partir do seu ser, do seu fundamento constitutivo (o em si). Do ponto de vista dialético, implica o movimento de negação desse ser. Esse processo, em nossa perspectiva, tem acontecido nos últimos anos em regiões da periferia do centro dominante, com diversas expressões práticas e teóricas que se organizaram em torno das ideias do crítico, do político, do ético, do social, o que implica o reconhecimento de uma práxis Sul-Sul. Esse movimento de negação, dialeticamente, tem se situado na periferia do ser, no seu extremo oposto, para se constituir, em nossa opinião, num primeiro momento, em outro de si mesmo. Esse outro do ser terapia ocupacional tem sido chamado de terapias ocupacionais críticas, sociais, políticas e éticas (Díaz-Leiva & Malfitano, 2021Díaz-Leiva, M. M., & Malfitano, A. P. S. (2021). Reflexiones sobre la idea de América Latina y sus contribuciones a las terapias ocupacionales del sur. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, 1-14.; Galheigo, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25.; Lopes & Malfitano, 2023Lopes, R.E., & Malfitano A. P. S. (2023). Terapia Ocupacional Social: Desenhos Teóricos e Contornos Práticos. São Carlos: EdUFSCar.; Rojas, 2016Rojas, C. (2016) Ocupación Humana. Diversos contextos, diversas miradas. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia.; Alburquerque et al., 2016Alburquerque, D., Chaná, P., & Guajardo, A. (2016). Los transaberes y la construcción conjunta de la salud. In S. Simó, A. Guajardo, F. Correa, S. Galheigo & S. García, Terapias Ocupacionales desde el Sur (pp. 129-140). Santiago: Editorial USACH.; Bottinelli et al., 2016Bottinelli, M. M., Nabergoi, M., Albino, A. F., & Benassi, J. (2016). ¿Por qué pensar epistemología en Terapia Ocupacional? In S. Simó, A. Guajardo, F. Correa, S. Galheigo & S. García, Terapias Ocupacionales desde el Sur. Santiago: Editorial USACH.; Pino & Ulloa, 2016Pino, J., & Ulloa, F. (2016). Perspectiva crítica desde latinoamérica: hacia una desobediencia epistémica en terapia ocupacional contemporánea. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(2), 421-427.; Testa et al., 2016Testa, E. D., Narváez, S., Mariscal, C., García Sartirana, A., Caillet-Bois, C., & Albino, A. (2016). Pluralidades y desafíos en la construcción del conocimiento. Revista Argentina de Terapia Ocupacional, 2(1), 1-2.; Guajardo & Galheigo, 2015Guajardo, A., & Galheigo, S. M. (2015). Reflexiones acerca de los Derechos Humanos; Contribuciones desde la terapia ocupacional Latinoamericana. World Federation of Occupational Therapists Bulletin, 71(2), 73-80.).

Agora, se o projeto moderno ocidental norte-eurocêntrico se sustenta na negação da vida humana (desumanização), dialeticamente, requer-se a negação desse projeto, ou seja, a negação da negação. Nesse sentido, enquanto a terapia ocupacional em si, assim como suas outras formas, não abandonarem a racionalidade moderna que as constituiu, não se desenvolverá algo diferente, ou seja, uma terapia ocupacional Outra que, como ideal ético e utópico, promova outras racionalidades que convocam a possibilidade de outros mundos possíveis através da práxis disciplinar, a qual chamaremos de terapia ocupacional Outra. Isso implica uma compreensão histórica, situada, orientada para o reconhecimento e uma práxis Sul-Sul que promova ações descolonizadoras que se expressem em diálogos interculturais que rompam com o universalismo, o monotopismo e o monoculturalismo da terapia ocupacional.

Considerações Finais

A proposição exposta é possível na medida em que se supere a racionalidade norte-eurocêntrica, o em si, o ser dela mesma, e vá além do outro de si e formule uma terapia ocupacional sob uma condição de ordem sócio-histórica a partir da periferia e da subalternidade, uma totalidade Outra. Essa totalidade não surge do natural, mas como resultado da práxis social concreta, situada, histórica, plural e de ação transformadora, na qual o real, o mundo, o saber e o conhecer são história humana concreta, material e substantiva.

Consideramos isso possível em razão do lugar histórico onde nos situamos: a periferia, a margem do sistema mundial, o lugar que se pretende civilizar, o lugar da negação da humanidade e de seus territórios. É possível pensar nessa terapia ocupacional Outra, porque é o lugar histórico da alteridade excluída, dos oprimidos, dos condenados da terra (Fanon, 2014Fanon, F. (2014). Los Condenados de la tierra. Nafarroa: Editorial Txalaparta.), do genocídio resultante da colonização, da pluralidade cultural e étnica racializada, da pobreza e da precarização resultante do capitalismo patriarcal globalizante. É possível pensar em uma terapia ocupacional Outra, pois o contexto histórico e social não é do centro moderno, ocidental, norte-eurocêntrico, mas sim uma totalidade diferente. A essa posição de fundamento, chamaremos de posição sul-global descolonial da terapia ocupacional.

E o que a constitui? A história humana como práxis, como ação social, como produção da vida humana em um sistema-mundo particular, de uma maneira material concreta de fazer a vida. A história como o próprio ser - a realidade efetiva, ou seja, a atividade humana que produz o mundo no qual produzimos a nós mesmos. História que é produzida em sua totalidade, em todas as suas dimensões culturais, econômicas, simbólicas, tecnológicas, da própria condição humana, do corpo e da carne. Não há nada que não seja história humana, atividade concreta e substantiva. O ser humano como autor, não deus ou a natureza.

Implica, também, historicizar a terapia ocupacional, a ocupação, o cotidiano e o fazer como objeto de estudo, para sempre situar no centro a relação sujeito-sujeito, pois toda atividade em sua concretude (Kosík, 1967Kosík, K. (1967). Dialéctica de lo Concreto. Estudios sobre los problemas del hombre y del mundo. México: Editorial Grijalbo.) é o próprio sujeito em ação, em uma cotidianidade concreta com outros sujeitos (Guajardo, 2016Guajardo, A. (2016). Construcción de identidades, epistemes y prácticas en Terapia Ocupacional en América Latina. In S. Simó, A. Guajardo, F. Correa, S. Galheigo & S. García, Terapias Ocupacionales desde el Sur. Santiago: Editorial USACH.). Da mesma forma, a produção do conhecimento, seus sistemas teóricos e as práxis estão profundamente entrelaçadas com a pergunta sobre o social e a questão social, implicando dar sentido à terapia ocupacional a partir de sua época concreta, e não de forma abstrata, o que tem sido chamado de contextualismo radical (Grossberg, 2016Grossberg, L. (2016). Los estudios culturales como contextualismo radical. Intervenciones en Estudios Culturales,2(3), 33-44.).

Historizar a terapia ocupacional é descolonizar e desnaturalizar. É situar o modo como as estruturas de dominação da terapia ocupacional e, nela, o projeto moderno ocidental colonial, operam de maneira concreta através dos vários eixos de poder de sua geopolítica. Por sua vez, descolonizar implica um processo de humanização que só é possível por meio da libertação da opressão (Farias & Lopes, 2022Farias, M. N., & Lopes, R. E. (2022). Terapia ocupacional social, antiopressão e liberdade: considerações sobre a revolução da/na vida cotidiana. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30(spe), e3100.). Libertação da negação da humanidade e da negação da terapia ocupacional norte-eurocêntrica de sua monoculturalidade e epistemologia; da ideia de indivíduo, de seu papel no projeto civilizatório moderno, de suas propostas teórico-metodológicas. Implica, a partir da margem, práticas insurgentes que fissurem o programa instituído pela terapia ocupacional oficial. Além disso, envolve, a partir de uma terapia ocupacional Outra, uma práxis existencial-ética-política-teórica entrelaçada à possibilidade de esperança e encaminhada em direção à justiça, dignidade, liberdade e humanização.

Uma terapia ocupacional Outra deve compreender que a humanização só é possível na libertação dos sujeitos, não em sua função, desempenho-equilíbrio-escolha-participação-justiça, todos ocupacionais, mas sim na transformação da pessoa. Naqueles que viveram em sua subjetividade e em seus corpos a racialização, o patriarcado, a pobreza, a desumanização da diferença e a opressão da subalternidade do projeto colonial moderno, do qual a terapia ocupacional norte-eurocêntrica faz parte. Sua libertação é nossa própria libertação como pessoas e profissionais. Entrelaçar e tecer fundamentos outros é a tarefa a se seguir. Traçar caminhos desde o Sul-Global na profissão para aprender e desaprender no fazer da terapia ocupacional com orientação descolonial, para uma práxis político-teórica sentipensante e militante na possibilidade de um viver outro e com os horizontes da transformação e humanização como interpelação ética, como fundamento primeiro. Esse é o prólogo que nos desafia a produzir novos fundamentos para a possibilidade de uma terapia ocupacional Outra. Fundamentos que terão como base a história, o sistema-mundo, a totalidade, a relação, a alteridade, o poder, a colonialidade, a pluralidade, o situado e o local, a diferença, o cosmopolitismo intercultural e a libertação.

Em suma, a partir dessa racionalidade crítica do Sul-Global e com orientação descolonial, caberá a nós o desafio de ir além do que alguns poderiam interpretar como uma moda acadêmica e continuar materializando essa posição em nossas teorias, estratégias e práticas, compreendendo a atividade como o sujeito concreto e situado historicamente.

  • 1
    A terapia ocupacional pode ser considerada originária daquela que surge nos Estados Unidos e Reino Unido, que se expande e se globaliza no restante do mundo moderno ocidental; tradicional, no sentido de que é transmitida, possui normas e uma cultura específica; oficial, sendo reconhecida); legal, como aquela que possui autorização de outras instituições como a OMS; hegemônica, pois define uma forma de dominação e controle político, cultural e do conhecimento sobre o que realmente é; convencional, referindo-se ao que é conhecido por todos, o habitual, o estabelecido; anglo-saxônica, como aquela de língua inglesa, particularmente de países ricos.
  • 2
    O termo “eurocêntrico” é usado como descrito por (Grosfoguel, 2007, citado por Montes & Busso, 2007, pMontes, A., & Busso, H. (2007). Entrevista a Ramón Grosfoguel. Polis, 18, 1-13.. 18) [...] “não se refere à população do território conhecido como ‘Europa’, mas sim a uma posição em um sistema de classificação racial dentro de uma hierarquia etnoracial global, na qual aqueles classificados como ‘europeus’ têm privilégios e acumulação de riquezas superiores aos classificados como não europeus” [...]. É um tipo de pensamento fundamentalista eurocêntrico que não reconhece igualmente outras epistemologias além da própria e não considera outras epistemologias ou cosmologias como normais, exceto a própria, o que resulta em um racismo epistemológico no qual a verdade e a justiça estão apenas do lado ocidental, pois os conhecimentos não ocidentais são considerados inferiores. Entendemos que o eurocentrismo, como posição no sistema global mundial, também pode se referir a “um sistema que visibiliza a heterarquia de múltiplas relações de poder: sistema-mundo, europeu/euro-norte-americano, moderno/colonial, capitalista/patriarcal” (Grosfoguel, 2007, citado por Montes & Busso, 2007, pMontes, A., & Busso, H. (2007). Entrevista a Ramón Grosfoguel. Polis, 18, 1-13.. 18). Neste ensaio, optamos pela noção de norte-eurocêntrico como referência a tal debate (Patiño, 2014Patiño, M. (2014). Una mirada decolonial de las políticas sociales y la diversidad cultural: replanteamientos para el Trabajo Social. Revista Pensamiento Actual, 14(23), 53-61.).
  • 3
    Compreendemos o historicismo radical como a noção de que toda realidade, todo ser, é história humana. Não há nada externo, divino ou natural que a determine. A vida humana reside em seu caráter ontológico das relações sociais estabelecidas pelas pessoas e comunidades para a produção de sua existência, ao mesmo tempo em que constitui a produção do próprio ser (Pérez, 1998Pérez, C. (1998). Sobre un Concepto Histórico de Ciencias. De la epistemología actual a la dialéctica. Santiago: Lom Ediciones.). Da mesma forma, a pessoa humana não existe de forma abstrata e separada da história; pelo contrário, a vida humana, enquanto história, é o produto de relações sociais historicamente determinadas (Cancino, 1987Cancino, C. (1987). El Historicismo Marxista de Gramsci como síntesis del pensar contemporáneo. México: Centro de Investigaciones y Docencia en Ciencias Políticas, Instituto de Investigaciones Jurídicas, UNAM. Recuperado el 6 de enero de 2013, de http://historico.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/critica/cont/5/teo/teo8.pdf
    http://historico.juridicas.unam.mx/publi...
    ).
  • 4
    O aspecto de(s)colonial engloba um conjunto de contribuições políticas, filosóficas e teóricas “que questionam o estatuto e o alcance do projeto da modernidade ocidental” (Guajardo Córdoba, 2021, pGuajardo Córdoba, A. (2021). Descolonizando la Terapia Ocupacional. Presentación del libro Ocupación humana: de la matriz colonial moderna hacia la construcción de saberes sociales del Sur, de Lida Pérez Acevedo. Revista Ocupación Humana, 21(2), 137-139. http://dx.doi.org/10.25214/25907816.1209.
    http://dx.doi.org/10.25214/25907816.1209...
    . 138). Ele aborda o sistema mundial colonial, capitalista, patriarcal, racista, liberal, cartesiano (egocêntrico e cientificista), naturalista e reúne uma série de perspectivas críticas e situadas, provenientes do que tem sido chamado de Sul Global (Obarrio, 2013Obarrio, J. (2013). Pensar al Sur. Cuerpo, Subjetividad y Espacio de lo Político. Intersticios de la Política y la Cultura. Intervenciones Latinoamericanas,2(3), 5-13.), tais como o Pensamento Anticolonial, Estudos Pós-coloniais, Estudos Subalternos, Grupo Latino-americano de Estudos Subalternos, Pensamento (Giro) Decolonial, Epistemologias do Sul, Feminismos Decoloniais, e autores como Mariategui, Martí, Fanon, Freire, Dussel, Spivak, Guha, Quijano, Mignolo, Grosfoguel, Castro Gómez, Lugones, Walsh, Segato, Qusicanqui, Ochi Curiel, Paredes, apenas para citar alguns (Conti, 2017Conti, R. (2017). Perspectiva Descolonial. Conceptos, debates y problemas. Argentina: Editorial de la Universidad de Mar del Plata.).
  • 5
    Essa ética radical de descolonização e reconhecimento refere-se a um humanismo do outro, diferente da tradição eurocêntrica, fundamentada na “relação inter-humana entre um eu e o outro” (Maldonado-Torres, 2007, citado por Walsh, 2013, pWalsh, C. (2013). Pedagogías decoloniales. Prácticas insurgentes de resistir, (re) existir y (re)vivir. Tomo I. Quito: Abya Yala.. 160). Isso implica libertação e descolonização a partir daqueles que sofreram a ferida colonial. Nas palavras de Mignolo, “a emancipação não necessariamente aponta para a liberação e descolonização. Com um sentido construído inicialmente nas revoluções burguesas — não na revolução haitiana — e depois adotado como lema do proletariado universalizado para expressar os interesses e lutas dos oprimidos do mundo, a emancipação tem sua âncora na modernidade e na trajetória linear da racionalidade ocidental. A liberação, por outro lado – o termo mais usado por Fanon, é o projeto e a perspectiva concebidos a partir e orientados por aqueles que sofreram a ferida colonial. Emancipação e liberação são os dois lados da mesma moeda, a moeda da modernidade/colonialidade. Enquanto a liberação enquadrava a luta dos oprimidos no ‘Terceiro Mundo’ e na história da colonialidade moderna que enfatiza sua história, a decolonialidade é um projeto ainda maior que abrange ambos, como disse Fanon, o colonizado e o colonizador, e, portanto, a emancipação e a liberação” (Mignolo, 2010, p. 311, citado por Walsh, 2014, pWalsh, C. (2014). Lo Pedagógico y lo decolonial: entretejiendo caminos. Querétaro: En cortito que’s pa’largo.. 42).
  • 6
    A palavra “fundamento” refere-se a várias acepções que remetem à origem, ao princípio e à razão de algo, ao conjunto de enunciados que sustentam uma ideia, um princípio primeiro. Alguns podem se referir a uma base material com a qual algo é construído, um alicerce (Ferrater, 2001Ferrater, J. (2001). Diccionario de Filosofía. Barcelona: Ariel Ediciones.). Sob essa premissa, pode-se sustentar a ideia de fundamentos ontológicos, epistemológicos, metodológicos, éticos e políticos. A partir da proposta deste texto, a ideia de fundamento é orientada para a compreensão do mundo, para a racionalidade de um sistema mundial no qual o epistemológico, o metodológico, entre outros aspectos, são construídos.
  • 7
    As categorias são as ideias mais gerais e abstratas com as quais se ordena e compreende o mundo. São com elas que os conceitos e abordagens teóricas são construídos. Segundo Kant (2003)Kant, I. (2003). Critica de la razón pura. Buenos Aires: Editorial Losada., essas categorias incluem conceitos como quantidade, realidade, unicidade, entre outros. Para Hegel, elas são história, relação, necessidade, entre outras (Pérez, 2008Pérez, C. (2008). Desde Hegel. Para una crítica radical de las ciencias sociales. Ciudad de México: Itaca.). Por exemplo, na teoria geral de sistemas clássica, que é compreendida como um conjunto de partes que interagem entre si para formar um todo, as categorias fundamentais são parte, exterioridade e dualidade (cada parte é inicialmente separada das outras). A partir de uma perspectiva do Sul Global, pode-se apresentar a ideia de totalidade, alteridade, relação e história.
  • 8
    O norte-eurocentrismo se desdobra em múltiplas dimensões: moderna, por suas formas de racionalidade sempre entendidas como progresso e desenvolvimento; liberal, por seu princípio político; capitalista, por seu princípio produtivo; naturalista/darwinista/individualista; egocêntrica, por seu princípio ontológico, seu cânon clássico newtoniano-cartesiano na racionalidade científica; cientificista, por seu princípio sobre o conhecimento, entre outras.
  • 9
    É um neologismo que usamos para nos referirmos ao uso excessivo do adjetivo “ocupacional”. Por exemplo, equilíbrio ocupacional, privação ocupacional, injustiça ocupacional, direitos ocupacionais, dignidade ocupacional, experiências ocupacionais, participação ocupacional, evidências ocupacionais, escolhas ocupacionais, renascimento ocupacional, sono ocupacional, entre outros.
  • 10
    Outra leitura possível, a partir de uma perspectiva crítica, é compreender o objeto de estudo como “a problematização de alguns aspectos da realidade que temos interesse em investigar, compreender e contribuir para transformar [...] é construída na interação de interesses políticos prévios, perspectivas conceituais em jogo, modos de fazer (Duarte, 2013, pDuarte, C. (2013). Construcción de objetos de investigación. In M. Canales. (Ed.), Investigación Social. Lenguajes del Diseño (pp. 231-244). Santiago: LOM Ediciones.. 232), é um objeto de reflexão. Trata-se de um ‘não-saber-por-saber’ (Cottet, 2006, pCottet, P. (2006). Diseño y estrategias de investigación social: El caso de la ISCUAL. In M. Canales (Ed.), Metodologías de investigación social. Introducción a los oficios (pp. 185-217). Santiago: LOM Ediciones.. 194), é construído e objetiva um fenômeno como um fato social.
  • 11
    A ideia de mecanismo será compreendida como um conjunto de partes, peças ou elementos que se articulam entre si formando um todo para cumprir uma função específica. Em contraste, o mecanicismo é uma doutrina filosófica que se traduz, teoricamente, na explicação de fenômenos naturais por meio das leis mecânicas do movimento. Por sua vez, os mecanicistas são os adeptos e crentes de que a realidade física ocorre de acordo com uma ordem estruturada, como se fosse o funcionamento de uma máquina (Ferrater, 2001Ferrater, J. (2001). Diccionario de Filosofía. Barcelona: Ariel Ediciones.).
  • 12
    “Boaventura de Sousa Santos projeta sua original sociologia das ausências e das emergências. Ele analisa o mundo das cinco monoculturas: a) monocultura do saber, que acredita que o único conhecimento válido é o conhecimento rigoroso (epistemicídio); b) monocultura do progresso, do tempo linear, que entende a história como um caminho de sentido único: à frente está o mundo avançado, desenvolvido; o restante é residual, obsoleto; c) monocultura da naturalização das hierarquias, que considera um fenômeno inscrito na natureza e, portanto, acredita que as hierarquias são inalteráveis por razões de raça, etnia, classe, gênero; d) monocultura do universal como o único válido, desconsiderando o contexto; o oposto do universal é o vernáculo, sem validade; o global tem precedência sobre o local; e) monocultura da produtividade, que define a realidade humana pelo critério do crescimento econômico como objetivo racional inquestionável; critério que se aplica ao trabalho humano, mas também à natureza, convertida em objeto de exploração e depredação; quem não produz é considerado preguiçoso, vadio” (Tamayo, 2019, pTamayo, J. J. (2019). Boaventura de Sousa Santos: sociología de las ausencias y de las emergencias desde las epistemologías del Sur. Utopía y Praxis Latinoamericana, 24(86), 16-31.. 21).
  • Como citar: Guajardo Córdoba, A., & Malfitano, A. P. S. (2023). Apontamentos críticos aos fundamentos da terapia ocupacional: contribuições para uma Terapia Ocupacional Outra. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, e3491. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoARF267634911
  • Fonte de Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editora de Seção

Profa. Dra. Daniela Edelvis Testa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2023
  • Revisado
    20 Jan 2023
  • Revisado
    18 Maio 2023
  • Aceito
    13 Jun 2023
Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Terapia Ocupacional Rodovia Washington Luis, Km 235, Caixa Postal 676, CEP: , 13565-905, São Carlos, SP - Brasil, Tel.: 55-16-3361-8749 - São Carlos - SP - Brazil
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