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Endarterectomia carotídea: revisão de 10 anos de prática de anestesia geral e locorregional num hospital terciário em Portugal

Resumos

JUSTIFICATIVA:

Estudos retrospectivos e prospectivos randomizados têm comparado a anestesia locorregional e geral para endarterectomia carotídea, mas sem resultados definitivos.

OBJETIVOS:

Avaliar a incidência de complicações (médicas, cirúrgicas, neurológicas e mortalidade intra-hospitalar) num centro terciário em Portugal e revisão da literatura.

MÉTODO:

Análise retrospectiva dos doentes submetidos a endarterectomia entre 2000 e 2011 com o software consulta hospitalar.

RESULTADOS:

Foram identificados 750 doentes, mas em 13 foi necessário converter a anestesia locorregional em anestesia geral. Dos 737 doentes incluídos nesta análise, 74% foram submetidos a anestesia locorregional e 26% a anestesia geral. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente às variáveis estudadas no perioperatório entre os dois grupos. O uso de shunt foi mais frequente em doentes submetidos a anestesia geral, diferença estatisticamente significativa. A diferença entre grupos de acidentes vasculares cerebrais e mortalidade não foi estatisticamente significativa. O tempo médio de internamento foi mais curto nos doentes submetidos a anestesia locorregional, diferença estatisticamente significativa.

CONCLUSÕES:

Verificamos que os dados encontrados são sobreponíveis aos descritos na literatura. Após revisão da literatura constatamos que o número de estudos que comparam anestesia locorregional e anestesia geral e o seu impacto no delirium, nas alterações cognitivas e na diminuição da qualidade de vida no pós-operatório é ainda diminuto e pode fornecer dados importantes para a comparação das duas técnicas. Assim, permanecem algumas questões em aberto que obrigam à feitura de estudos randomizados com maior número de doentes e em novas áreas.

Endarterectomia carotídea; Anestesia geral e locorregional; Anestesia para cirurgia vascular; Revisão


BACKGROUND:

Retrospective and prospective randomized studies have compared general and locoregional anesthesia for carotid endarterectomy, but without definitive results.

OBJECTIVES:

Evaluate the incidence of complications (medical, surgical, neurological, and hospital mortality) in a tertiary center in Portugal and review the literature.

METHODS:

Retrospective analysis of patients undergoing endarterectomy between 2000 and 2011, using a software for hospital consultation.

RESULTS:

A total of 750 patients were identified, and locoregional anesthesia had to be converted to general anesthesia in 13 patients. Thus, a total of 737 patients were included in this analysis: 74% underwent locoregional anesthesia and 26% underwent general anesthesia. There was no statistically significant difference between the two groups regarding per operative variables. The use of shunt was more common in patients undergoing general anesthesia, a statistically significant difference. The difference between groups of strokes and mortality was not statistically significant. The average length of stay was shorter in patients undergoing locoregional anesthesia with a statistically significant difference.

CONCLUSIONS:

We found that our data are overlaid with the literature data. After reviewing the literature, we found that the number of studies comparing locoregional and general anesthesia and its impact on delirium, cognitive impairment, and decreased quality of life after surgery is still very small and can provide important data to compare the two techniques. Thus, some questions remain open, which indicates the need for randomized studies with larger number of patients and in new centers.

Carotid endarterectomy; General and locoregional anesthesia; Anesthesia for vascular surgery; Review


JUSTIFICACIÓN:

Estudios retrospectivos y prospectivos aleatorizados han comparado la anestesia locorregional y la general para la endarterectomía carotídea pero sin resultados definitivos.

OBJETIVOS:

Evaluar la incidencia de las complicaciones médicas, quirúrgicas, neurológicas y de la mortalidad intrahospitalaria en un centro terciario en Portugal y la revisión de la literatura.

MÉTODO:

Análisis retrospectivo de los enfermos sometidos a endarterectomía entre 2000 y 2011 con el software de consulta hospitalaria.

RESULTADOS:

Fueron identificados 750 enfermos pero en 13 de ellos fue necesario convertir la anestesia locorregional en anestesia general. De los 737 enfermos incluidos en este análisis, un 74% fueron sometidos a anestesia locorregional y un 26% a anestesia general. No fueron encontradas diferencias estadísticamente significativas relativas a las variables estudiadas en el perioperatorio entre los 2 grupos. El uso de shunt fue más frecuente en enfermos sometidos a anestesia general, con diferencia estadísticamente significativa. La diferencia de accidentes cerebrovasculares y mortalidad entre los grupos no fue estadísticamente significativa. El tiempo promedio de ingreso fue más corto en los enfermos sometidos a anestesia locorregional; diferencia estadísticamente significativa.

CONCLUSIONES:

Verificamos que los datos encontrados se sobreponen a los descritos en la literatura. Después de la revisión de la literatura constatamos que el número de estudios que compararon la anestesia locorregional con la anestesia general y su impacto en el delirium, en las alteraciones cognitivas y en la reducción de la calidad de vida en el postoperatorio es todavía pequeño y puede suministrar datos importantes para la comparación de las 2 técnicas. Así, permanecen algunas cuestiones abiertas que nos obligan a realizar estudios aleatorizados con un mayor número de enfermos y en nuevas áreas.

Endarterectomía carotídea; Anestesia general y locorregional; Anestesia para cirugía vascular; Revisión


Introdução

A indicação para a feitura de endarterectomia carotídea (EC) foi demonstrada em estudos randomizados controlados em doentes sintomáticos e assintomáticos com estenoses superiores a 60% e 70%, respectivamente.1Endarterectomy for asymptomatic carotid artery stenosis. Executive Committee for the Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study. JAMA. 1995;273:1421-8. and 2North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial. Methods, patient characteristics, and progress. Stroke. 1991;22:711-20.

Apesar da clareza dos critérios cirúrgicos, a avaliação dos fatores de risco pré-operatório mantém-se pouco consensual. Fatores como sexo, idade superior a 80 anos, doença cardíaca ou pulmonar severa, doença renal ou insuficiência renal, doença carotídea sintomática, oclusão contralateral EC prévia e motivos anatômicos são apontados como de risco em alguns estudos,3Halm EA, Hannan EL, Rojas M, et al. Clinical and operative predictors of outcomes of carotid endarterectomy. Journal of Vascular Surgery. 2005;42:420-8. , 4Reed A. Preoperative risk factors for carotid endarterectmoy: defining the patient at high risk. J Vasc Surg. 2003;37:1191-9. and 5Kang JL, Chung TK, Lancaster RT, et al. Outcomes after caro- tid endarterectomy: is there a high-risk population? A National Surgical Quality Improvement Program report. J Vasc Surg. 2009;49, 33-18-339.e1-discussion 338-9. o que não foi demonstrado em outros trabalhos.6Gasparis AP, Ricotta L, Cuadra SA. High-risk carotid endarterec- tomy: fact or fiction. J Vasc Surg. 2003;37:40-6. , 7Gasecki AP, Eliasziw M, Ferguson GG, et al. Long-term progno- sis and effect of endarterectomy in patients with symptomatic severe carotid stenosis and contralateral carotid stenosis or occlusion: results from NASCET. J Neurosurg. 1995;83:778-82. and 8Jackson RS, Black JH III, Lum YW, et al. Class I obesity is paradoxically associated with decreased risk of postope- rative stroke after carotid endarterectomy. YMVA [Internet]. 2012;55:1306-12.

A dificuldade da identificação dos fatores de risco, associada à diminuição da mortalidade,9Garg J, Frankel DA, Dilley RB. Carotid endarterectomy in aca- demic versus community hospitals: the national surgical quality improvement program data. Ann Vasc Surg. 2011;25:433-41. tem levado a um aumento do número de doentes propostos para esse tratamento6Gasparis AP, Ricotta L, Cuadra SA. High-risk carotid endarterec- tomy: fact or fiction. J Vasc Surg. 2003;37:40-6. and 1010 LaMuraglia GM, Brewster DC, Moncure AC, et al. Carotid endar- terectomy at the millennium. Ann Surg. 2004;240:535-46. e levantado questões sobre a abordagem anestésica. Pode a técnica anestésica ter impacto no outcome clínico?

O estudo GALA analisou 3.526 doentes, comparou a anestesia locorregional (ALR) com a anestesia geral1111 GALA Trial Collaborative Group, Lewis SC, Warlow CP, et al. General anaesthesia versus local anaesthesia for carotid sur- gery (GALA): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet [Internet]. 2008;372:2132-42. (AG) e encontrou uma tendência para diminuição da mortalidade no OR 0,62 (95% IC 0,36-1,07) quando do uso da anestesia locorregional. Subanálises desse estudo mostraram também uma diminuição do tempo de internamento e dos custos, mas não impacto na evolução clínica1212 Gomes M, Soares MO, Dumville JC, et al. Co-effectiveness analy- sis of general anaesthesia versus local anaesthesia for carotid surgery (GALA Trial). Br J Surg. 2010;97:1218-25. (clinical outcome). Esses dados foram também confirmados noutros estudos não randomizados, mas com elevado número de doentes.

Mais recentemente, o estudo NSQIP apontou para um aumento do risco de enfarte agudo do miocárdio no período pós-operatório nos doentes submetidos à EC sob anestesia geral (OR 2,18 IC).1313 Leichtle SW, Mouawad NJ, Welch K, et al. Outcomes of carotid endarterectomy under general and regional anesthesia from the American College of Surgeons' National Surgical Quality Impro- vement Program. J Vasc Surg. 2012;56:81-8, e3.

Apesar da existência de vários estudos randomizados controlados sobre o impacto da anestesia nos doentes submetidos à EC, o número total de doentes incluídos é ainda demasiado pequeno/underpowered 1Endarterectomy for asymptomatic carotid artery stenosis. Executive Committee for the Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study. JAMA. 1995;273:1421-8. para avaliar o impacto da técnica anestésica sobre o outcome clínico. 1414 Rerkasem K, Rothwell PM. Local versus general anesthetic for carotid endarterectomy. Stroke. 2009;40:e584-5. Se aos resultados dos estudos prospectivos forem adicionados os estudos retrospectivos, verifica-se um aumento da tendência para a diminuição da mortalidade e melhoria do outcome em ALR, mas ainda sem número suficiente.

Objetivos

Avaliar a incidência de complicações (médicas, cirúrgicas, AVC perioperatório e mortalidade intra-hospitalar até os 30 dias) quando usada ALR versus AG. Avaliar os fatores de risco perioperatórios num centro terciário em Portugal ao longo de 10 anos.

Métodos

Análise retrospectiva, após consentimento da Comissão de Ética, de todos os doentes submetidos à endarterectomia carotídea no Centro Hospitalar de S. João, no Porto, de 18 de janeiro de 2000 a 19 de julho de 2011.

A coleta do número total de doentes submetidos à endarterectomia carotídea foi feita com o software hospitalar IEG, desenvolvido pelo Serviço de Estatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Após consulta do processo clínico, excluíram-se todos os doentes erradamente codificados, os doentes submetidos no mesmo internamento a diferentes tipos de intervenção cirúrgica e aqueles em que não foi possível recolher a técnica anestésica usada. A exclusão de doentes foi feita após discussão entre pares.

Variáveis estudadas: idade, sexo, patologia associada (hipertensão, diabetes, dislipidemia, insuficiência renal crônica terminal, tabagismo, doença coronária, doença arterial periférica), indicação cirúrgica (grau de estenose), estenose contralateral (grau de estenose), estado neurológico pré-operatório (desconhecido, assintomático, AIT hemisférico, AIT retiniano, AVC hemisférico, AVC retiniano), técnica cirúrgica e uso de shunt.

A indução da anestesia geral foi feita com propofol, fentanil ou remifentanil, relaxamento muscular para entubação orotraqueal e manutenção com sevoflurano, opioide e relaxante muscular. Anestesia locorregional foi feita na maioria das vezes sob bloqueio do plexo cervical superficial e profundo e numa minoria das vezes sob bloqueio superficial superficial com ropivacaína a 7,5%. Quando da abordagem da bainha carotídea o cirurgião infiltrou com anestésico local. Instabilidade hemodinâmica foi tratada de acordo com a preferência individual do anestesista. Antes do período de clampagem arterial procedeu-se por rotina à heparinização.

A monitoração neurológica usada por rotina foi a com o doente acordado. Nos doentes sob anestesia geral o registro da pressão de Stump foi usado segundo a preferência do cirurgião. Um limiar 30-40 mmHg foi usado como referência para colocação de shunt.

Monitoração neurológica com eletroencefalograma (EEG), EEG processado, potenciais evocados somatossensitivos, doppler transcraniano, saturação venosa central ou mista, oximetria cerebral não foram usados por rotina.

Presença de hematoma (com ou sem necessidade de reintervenção cirúrgica), trombose, lesão de nervos cranianos, complicações médicas, dias de internamento, mortalidade intra-hospitalar aos 30 dias, AVC (acidente vascular cerebral de etiolologia embólica, trombótica ou hemorrágica associado a déficit neurológico que persiste por mais de 24 horas) e enfarte agudo do miocárdio foram as variáveis estudadas no pós-operatório.

A análise de dados foi feita com o software SPSS (SPSS Inc., Chicago, II). O teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher foram usados na análise de variáveis categóricas. Na análise de variáveis contínuas foi usado o teste t de Student. Foi considerado um nível de significância de 0,05.

Resultados

Foram identificados 750 doentes que preenchiam os critérios de inclusão. Desses foi necessário converter a anestesia locorregional em anestesia geral em 13 doentes, pelo que foram excluídos da restante análise.

Na tabela 1 encontram-se descritos os motivos de conversão: em sete doentes (53,8%) não foi possível identificar o motivo da conversão nos restantes, deveu-se majoritariamente a alterações do estado de consciência (30,8%). Apenas um doente foi incapaz de colaborar durante toda a cirurgia (7,7%). Registramos também uma convulsão após a infiltração da bainha carotídea (7,7%). Após a conversão da técnica anestésica registramos um uso de shunt em seis doentes (46,2%). Optou-se nos restantes por prosseguir com a cirurgia sem recorrer ao uso de shunt. Cinco doentes (38,5%) sofreram AVC no período entre a cirurgia e os 30 dias pós-operatórios. Nesse grupo não foi encontrada nenhuma morte.

Tabela 1
Conversão de anestesia locorregional para anestesia geral

Foram incluídos nesta análise 737 doentes. Desses, 74% foram submetidos a anestesia locorregional e 26% a anestesia geral.

Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente à distribuição de idade, sexo, diabete, insuficiência renal crônica terminal, tabagismo e doença coronária nos dois grupos. Hipertensão arterial e dislipidemia foram mais frequentes nos doentes submetidos a anestesia locorregional vs geral (88% vs 79% e 72% vs 65%; p < 0,05), respectivamente ( tabela 2).

A avaliação do status neurológico pré-operatório encontra-se descrita na tabela 2. Cerca de 25% dos doentes eram assintomáticos antes da cirurgia (23% vs 25%; AG vs ALR, respectivamente). Os restantes 75% apresentavam-se sintomáticos. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p > 0,05).

A indicação cirúrgica, o grau de estenose contralateral e a técnica cirúrgica encontram-se descritos nas Tabela 2 and Tabela 3 e não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre grupos.

Tabela 2
Demografia e caracterização das características baseline da amostra

Tabela 3
Procedimento anestésico e cirúrgico

O uso de shunt foi diferente entre os dois grupos. Constatou-se o seu uso em 14% dos doentes submetidos à anestesia geral e em 3% dos doentes submetidos a anestesia locorregional, diferença estatisticamente significativa.

Registramos uma percentagem semelhante de lesões de nervos cranianos nos doentes submetidos à anestesia geral e anestesia locorregional, 6% e 5%, respectivamente (tabela 4).

Tabela 4
Resultados

Hematomas sem necessidade de reintervenção cirúrgica tiveram a mesma expressão nos dois grupos (3%). No entanto, houve necessidade de cirurgia mais frequentemente no grupo submetido à anestesia geral (4% vs 2%), mas sem significância estatística. Não houve diferenças relativamente à trombose do local da cirurgia. A percentagem de complicações médicas nos dois grupos foi de 4%. A complicação médica mais frequente foi a instabilidade hemodinâmica com hipotensão e hipertensão arterial, seguida de complicações respiratórias e perda da via aérea.

Após EC identificamos 12 acidentes vasculares cerebrais, seis no grupo AG (1,1%) e seis no grupo ALR (3%), diferença não estatisticamente significativa.

Nos dois grupos a mortalidade aos 30 dias situou-se à volta de 1%, sendo a de causa neurológica de 0,5% e 0,35% e a de causa cardíaca 0,2% e 0,5% nos grupos ALR e AG, respectivamente, diferença não estatisticamente significativa (p > 0,05).

Discussão

Apesar da dificuldade de quantificar o impacto da escolha da técnica anestésica no outcome dos doentes submetidos à EC, 1414 Rerkasem K, Rothwell PM. Local versus general anesthetic for carotid endarterectomy. Stroke. 2009;40:e584-5. são descritas vantagens e desvantagens.

Assim, as vantagens teóricas apontadas da ALR são a possibilidade de monitoração neurológica com o doente acordado, preservação da autorregulação cerebral, com manutenção da pressão de perfusão cerebral e diminuição do uso de shunt; como desvantagens são apontados a necessidade de colaboração do doente, o acesso remoto à via aérea e potenciais complicações decorrentes do bloqueio do plexo cervical (como a paralisia do nervo frênico, do laríngeo recorrente, a injeção epidural, subaracnoidea ou intravascular do anestésico local).

A AG encontra como vantagens teóricas o controle da via aérea, a possibilidade de controle da Pa CO2 e a imobilidade do campo cirúrgico; no entanto, apresenta também desvantagens teóricas, como a diminuição da atividade simpática e da pressão arterial, com necessidade mais frequente de uso de vasopressores.

Após a análise efetuada verificamos que a frequência de uso da ALR foi aumentando ao longo do período estudado e foi a técnica mais usada (73%). A. crescente-se que a opção pelo uso da ALR na nossa análise deveu-se provavelmente ao aumento do conforto da equipe médico-cirúrgica e ao fato de a ALR proporcionar monitoração neurológica de elevada qualidade e baixo custo.

Outras técnicas de neuromonitoração, como potenciais evocados somatossensitivos, pressão de stump, eletroencefalografia, doppler transcraniano e oximetria cerebral, têm baixa especificidade e/ou sensibilidade, elevado custo, dificuldade de execução e necessidade de treino específico ou da presença de outros profissionais de saúde para a sua correta interpretação. 1515 Hans SS, Jareunpoon O. Prospective evaluation of electroen- cephalography, carotid artery stump pressure, and neurologic changes during 314 consecutive carotid endarterectomies per- formed in awake patients. J Vasc Surg. 2007;45:511-5. , 1616 Friedell ML, Clark JM, Graham DA, et al. Cerebral oximetry does not correlate with electroencephalography and somatosensory evoked potentials in determining the need for shunting during carotid endarterectomy. J Vasc Surg. 2008;48:601-6. and 1717 Pennekamp CWA, Moll FL, de Borst GJ. The potential benefits and the role of cerebral monitoring in carotid endarterectomy. Curr Opin Anaesthesiol. 2011;24:693-7. Por esses motivos, a monitoração com o doente acordado com avaliação do nível de consciência, do discurso e dos testes motores e sensitivos permanece o padrão ouro. 1818 Raju I, Fraser K. Anaesthesia for carotid surgery. Anesthesia and Intensive Care Medicine. 2013;14:208-11.

Não encontramos diferenças entre as características pré-operatórias estudadas nos dois grupos, exceto nos doentes com hipertensão arterial e dislipidemia; esses foram preferencialmente anestesiados com ALR (p < 0,05). A preferência dos clínicos pelo recurso à ALR pode-se justificar pela preservação da autorregulação cerebral1919 McCleary AJA, Dearden NMN, Dickson DHD, et al. The differing effects of regional and general anaesthesia on cerebral metabo- lism during carotid endarterectomy. Eur J Vasc Endovasc Surg. 1996;12:173-81. and 2020 McCarthy RJ, Nasr MK, McAteer P, et al. Physiological advanta- ges of cerebral blood flow during carotid endarterectomy under local anaesthesia. A randomised clinical trial. Eur J Vasc Endo- vasc Surg. 2002;24:21-521. e uma maior estabilidade hemodinâmica no intraoperatório e no período pós-operatório imediato.1111 GALA Trial Collaborative Group, Lewis SC, Warlow CP, et al. General anaesthesia versus local anaesthesia for carotid sur- gery (GALA): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet [Internet]. 2008;372:2132-42.

A colocação seletiva de shunt foi diferente nos dois grupos e verificou-se um menor uso no grupo de doentes sob ALR (3% vs 14%, p < 0,05), diferença descrita noutros estudos. 1111 GALA Trial Collaborative Group, Lewis SC, Warlow CP, et al. General anaesthesia versus local anaesthesia for carotid sur- gery (GALA): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet [Internet]. 2008;372:2132-42. Esse fato é relevante, uma vez que a colocação de shunt está associada à ocorrência de complicações: embolização gasosa, da placa, laceração e dissecção carotídea. 2121 AbuRahma AF, Stone PA, Hass SM, et al. Prospective randomized trial of routine versus selective shunting in carotid endarterec- tomy based on stump pressure. YMVA. 2010;51:1133-8.

No grupo de doentes em que foi necessário converte r ALR para AG verificamos que o motivo mais frequente foi a alteração do estado de consciência e apenas uma conversão foi motivada pela falta de colaboração do doente. Segundo o conhecimento dos autores não existe estudo cujo objetivo tenha sido a análise do outcome dos doentes em que foi necessário converter a técnica anestésica; no nosso estudo observamos uma elevada taxa de complicações no perioperatório nesse grupo de doentes, o que sugere a conversão como um possível indicador de risco para complicações no período perioperatório.

Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre grupo ALR e AG no que respeita a complicações pós-operatórias. Encontramos uma taxa de mortalidade de 0,6% vs 1% semelhante à descrita na literatura. 2222 Menyhei G, Björck M, Beiles B, et al. Outcome following carotid endarterectomy: lessons learned from a large inter- national vascular registry. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2011;41:735-40.

O tempo médio de internamento foi diferente entre os grupos (p > 0,05), mais curto nos doentes submetidos à ALR. Esse resultado deve ser interpretado com alguma precaução, uma vez que apesar de a diferença ser estatisticamente significativa, as margens do desvio padrão são sobreponíveis. Essa diferença foi também encontrada em vários estudos randomizados.1111 GALA Trial Collaborative Group, Lewis SC, Warlow CP, et al. General anaesthesia versus local anaesthesia for carotid sur- gery (GALA): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet [Internet]. 2008;372:2132-42. and 1212 Gomes M, Soares MO, Dumville JC, et al. Co-effectiveness analy- sis of general anaesthesia versus local anaesthesia for carotid surgery (GALA Trial). Br J Surg. 2010;97:1218-25. No nosso estudo não conseguimos encontrar correlação entre esse fato e as variáveis estudadas. Ficam assim algumas perguntas por responder: poderá o aumento do tempo de internamento no grupo submetido a AG estar associado a um aumento da incidência de outros fatores não avaliados no nosso estudo, como o delirium, as alterações cognitivas, a diminuição da qualidade de vida, a presença de AVC recente ou a permanência prolongada para reabilitação. Alguns estudos abordaram esse tema, mas com pequenas amostras e resultados divergentes. 2323 Weber CF, Friedl H, Hueppe M, et al. Impact of general versus local anesthesia on early postoperative cognitive dysfunction following carotid endarterectomy. GALA Study Subgroup Analy- sis. 2009;33:1526-32. , 2424 De Rango P, Caso V, Leys D, et al. The role of carotide aryrt stenting and carotid endarterectomy in cognitive performance: a systematic review. Stroke. 2008;39:3116-27. , 2525 Heyer EJ, Gold MI, Kirby EW, et al. A study of cognitive dysfunc- tion in patients having carotid endarterectomy performed with regional anesthesia. Anesth Analg. 2008;107:636-42. , 2626 Heyer EJ. Neuropsychological dysfunction in the absence of structural evidence for cerebral ischemia after uncomplicated carotid endarterectomy. Neurosurgery. 2006;58:474. and 2727 Heyer EJ, Sharma R, Rampersad A, et al. A controlled prospec- tive study of neuropsychological dysfunction following carotid endarterectomy. Arch Neurol. 2002;59:217-22.

Existem algumas limitações neste estudo. Trata-se de um retrospecto e como tal dependeu da consulta do processo clínico par a a identificação das complicações perioperatórias. Não fez parte dos objetivos do estudo a avaliação do período intraoperatório, apenas avaliamos a mortalidade intra-hospitalar, e não diferenciamos AVC intra-hospitalar de extra-hospitalar, o que pode ter influído no número de AVC registrados.

Com a feitura desta análise encontramos algumas questões que permanecem sem resposta e que apontam para a necessidade de estudos randomizados controlados com inclusão de um elevado número de doentes. Permanece por esclarecer como devem ser usadas as técnicas de neuromonitoração na EC, de forma a aumentar a sensibilidade e especificidade e melhorar o diagnóstico de ocorrência de eventos adversos. Verificamos também que apenas um pequeno número de estudos se tem debruçado sobre o impacto da técnica anestésica no delirium, nas alterações cognitivas e na diminuição da qualidade de vida no pós-operatório, temas que podem contribuir para a clarificação do impacto da técnica anestésica no outcome clínico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2014
  • Aceito
    10 Mar 2014
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