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Cuidado do enfermeiro na Estratégia Saúde da Família: práticas e fundamentações teóricas

RESUMO

Objetivo:

Analisar as práticas dos enfermeiros que atuam na Estratégia de Saúde da Família (ESF) em um município do Rio de Janeiro (RJ) e os fundamentos teóricos que as orientam.

Método:

Pesquisa qualitativa através da entrevista semiestruturada com doze enfermeiros atuantes em onze unidades da ESF entre agosto e dezembro de 2014. Dados organizados pela análise hermenêutica-dialética.

Resultados:

O enfermeiro possui inserção na ESF municipal como coordenador do cuidado e agente político; possui práticas voltadas ao acolhimento, à mobilização de grupos sociais, ao fazer técnico e ao acompanhamento dos usuários através dos programas de saúde. As práticas permanecem no enfrentamento de problemas e são orientadas por manuais técnicos e coordenações dos programas de saúde.

Considerações finais:

Fazem-se necessários estudos para reconhecer o objetivo terapêutico do enfermeiro na ESF e propor fundamentos teóricos, próprios da Enfermagem ou da Saúde Coletiva, que instrumentalize o seu cotidiano de práticas.

Descritores:
Enfermagem em Saúde Pública; Enfermagem em Saúde Comunitária; Cuidados de Enfermagem; Prática de Saúde Pública; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objective:

To analyze the practices of nurses working in the Family Health Strategy (FHS) in a city of Rio de Janeiro (RJ) and the theoretical foundations that guide them.

Method:

Qualitative research through semi-structured interviews with twelve nurses working in eleven FHS units between August and December 2014. Data were organized by hermeneutic-dialectical analysis.

Results:

The nurse is inserted in the municipal FHS as care coordinator and political agent; has practices aimed at welcoming, mobilizing social groups, making technical and monitoring of users through health programs. The practices remain in the confrontation of problems and are guided by technical manuals and coordination of health programs.

Final considerations:

Studies are needed to recognize the nurse's therapeutic objective at the FHS and to propose theoretical foundations, specific to Nursing or Collective Health that will instrumentalize their daily practice.

Descriptors:
Public Health Nursing; Community Health Nursing; Nursing Care; Public Health Practice; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las prácticas de los enfermeros que actúan en la Estrategia de Salud Familiar (ESF) en un municipio de Río de Janeiro (RJ) y los fundamentos teóricos que las orientan.

Método:

Investigación cualitativa a través de la entrevista semiestructurada con doce enfermeros actuantes en once unidades de la ESF entre agosto y diciembre de 2014. Datos organizados por el análisis hermenéutico-dialéctico.

Resultados:

El enfermero tiene inserción en la ESF municipal como coordinador del cuidado y agente político; tiene prácticas orientadas a la acogida, a la movilización de grupos sociales, al hacer técnico y al acompañamiento de los usuarios a través de los programas de salud. Las prácticas permanecen en el enfrentamiento de problemas y están orientadas por manuales técnicos y coordinaciones de los programas de salud.

Consideraciones finales:

Se hacen necesarios estudios para reconocer el objetivo terapéutico del enfermero en la ESF y proponer fundamentos teóricos, propios de la Enfermería o de la Salud Colectiva, que instrumentalize su cotidiano de prácticas.

Descriptores:
Enfermería en Salud Pública; Enfermería en Salud Comunitaria; Cuidados de Enfermería; Práctica de Salud Pública; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

Estudos sobre a prática do enfermeiro na Estratégia de Saúde da Família (ESF) têm apontado a discussão sobre o papel deste profissional, no que tange a ressignificação do cuidado como eixo estruturante de sua prática(11 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];69(6):1060-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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), a partir de uma postura ativa frente à realidade instalada(22 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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) e que garanta novas modelagens de produção do cuidado(33 Galavote HS, Zandonade E, Garcia ACP, Freitas PSS, Seidl H, Contarato P. The nurse's work in primary health care. Esc Anna Nery[Internet]. 2016[cited 2016 Oct 15];20(1):90-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n1/en_1414-8145-ean-20-01-0090.pdf
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). Faz-se necessário olhar com atenção a relação entre cuidado de enfermagem e a prática cotidiana do enfermeiro na ESF, além de sua fundamentação teórica na consolidação da referida estratégia.

A ESF, como proposta ministerial de reorganização da Rede de Atenção à Saúde, apresenta-se como uma possibilidade de produção de cuidado a partir do território de vida da população e o reconhecimento de suas necessidades de saúde. Entende-se que, na Estratégia, uma abordagem centrada na doença e seus agravos têm pouco a oferecer à população em suas necessidades de saúde. Neste sentido, verifica-se a apreensão dos autores quanto à necessidade do resgate do cuidado e sua produção na prática cotidiana de Atenção à Saúde(11 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];69(6):1060-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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2 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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-33 Galavote HS, Zandonade E, Garcia ACP, Freitas PSS, Seidl H, Contarato P. The nurse's work in primary health care. Esc Anna Nery[Internet]. 2016[cited 2016 Oct 15];20(1):90-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n1/en_1414-8145-ean-20-01-0090.pdf
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).

A apreensão em redirecionar a prática do enfermeiro na Atenção Primária em Saúde (APS), enquanto uma prática de transformação social na defesa da saúde da população, não é específica de autores brasileiros, contudo, é evidenciada em estudos na Nova Zelândia(44 Carryer J, Yarwood J. The nurse practitioner role: solution or servant in improving primary health care service delivery. Collegian[Internet]. 2015[cited 2018 Feb 01];22:169-74. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26281404
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), Austrália(55 Joycea CM, Piterman L. The work of nurses in Australian general practice: a national survey. Int J Nurs Stu[Internet]. 2011[cited 2018 Feb 01];48(1):70-80. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0020-7489(10)00202-6
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) e Canadá(66 Kennedy V. The value of registered nurses in collaborative family practice: enhancing primary healthcare in Canada. Nurs Leadership[Internet]. 2014[cited 2018 Feb 01];27(1):32-44. Available from: http://europepmc.org/abstract/MED/24809423
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). Estes apontam a necessidade de conhecer como são desenvolvidas as práticas dos enfermeiros que atuam neste campo de atenção e seus impactos na produção de cuidados.

No Brasil, a prática de cuidado do enfermeiro na ESF é, portanto, uma temática em construção(11 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];69(6):1060-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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2 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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-33 Galavote HS, Zandonade E, Garcia ACP, Freitas PSS, Seidl H, Contarato P. The nurse's work in primary health care. Esc Anna Nery[Internet]. 2016[cited 2016 Oct 15];20(1):90-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n1/en_1414-8145-ean-20-01-0090.pdf
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). Enquanto prática socialmente comprometida com a vida das pessoas em seu território, coloca-se urgente a discussão do papel deste profissional na ESF de forma condizente à construção de um projeto de sociedade na defesa da saúde como direito de todos.

Entende-se o valor do cuidado pautado pela escuta, acolhimento e diálogo, entretanto, a não valorização do contexto sócio-histórico de vida da pessoa e das repercussões para a saúde da população(11 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];69(6):1060-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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), reproduzem práticas que não reconhecem o processo saúde-doença determinado socialmente como uma resposta das classes sociais, de acordo com sua inserção no sistema de produção(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.). Assim, parte-se da compreensão da prática do enfermeiro na ESF como social e determinada historicamente; a qual indica valores e concepções relacionadas ao contexto existente. Estes, por sua vez, definem a forma pela qual o enfermeiro constrói a prática de cuidado em seu cotidiano.

Apesar de os estudos apresentarem indicativos de que as práticas apontam caminhos para a sua qualificação, como, por exemplo, a abordagem a partir do cuidado do enfermeiro(11 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];69(6):1060-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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,33 Galavote HS, Zandonade E, Garcia ACP, Freitas PSS, Seidl H, Contarato P. The nurse's work in primary health care. Esc Anna Nery[Internet]. 2016[cited 2016 Oct 15];20(1):90-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n1/en_1414-8145-ean-20-01-0090.pdf
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), tais práticas continuam ancoradas em saberes fundamentados em protocolos e manuais técnicos; não participativas; individuais; e pouco transformadoras da realidade(22 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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). Identifica-se, desta forma, um desafio para a Enfermagem, como profissão mediadora de práticas de cuidado e defensora do direito à saúde de produzir saberes e práticas que suscitam transformações na Rede de Atenção à Saúde, a partir da ESF e não delegar o pensar, suas definições conceituais e metodológicas.

Nessa direção, duas dimensões são importantes para a reflexão do papel do enfermeiro na ESF: a primeira, relacionada à apreensão da determinação social do processo saúde-doença, enquanto resposta dinâmica das classes sociais que se manifestam de forma diferenciada, de acordo com sua inserção no sistema de produção, frente aos determinantes sociais(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.). E a segunda fundamenta-se no posicionamento da Enfermagem no campo da Saúde Coletiva como uma ciência voltada ao cuidado dos seres humanos que intervém no processo saúde-doença, por meio da sistematização dinâmica de captar e interpretar a realidade de saúde de uma coletividade, de nela intervir e, assim, reinterpretá-la - e, novamente, intervir sobre ela(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.-88 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Apr 27];71(Supl-1):710-5. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0677
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).

No âmbito das práticas dos enfermeiros na ESF, tais dimensões recuperam a perspectiva social, política, ética e subjetiva do processo saúde-doença e cuidado presente na construção do campo da Saúde Coletiva(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.), suscitam práticas a partir do território de vida da população e colaboram no repensar as práticas atuais. Nesse sentido, constata-se que a prática do enfermeiro na ESF não pode ser pautada em uma estrutura convencional de Atenção à Saúde fundamentada apenas em protocolos e manuais técnicos produzidos a partir do enfoque da doença. Tais documentos não refletem, de forma sistematizada e crítica, a prática de cuidado do enfermeiro.

Destarte, acredita-se que compreender as práticas do enfermeiro na ESF e as fundamentações teóricas que as orientam colabora na identificação do seu papel e contribui para que este profissional não delegue o pensar de suas práticas para outras instâncias, tais como o Ministério da Saúde (MS) e Secretarias de Saúde. Estas questões relacionam-se à própria consolidação da profissão de Enfermagem no campo da Saúde Coletiva e devem ser aprofundadas na perspectiva da construção de uma nova forma de pensar, de ser e se fazer enfermeiro na ESF. Espera-se que este estudo possa colaborar tanto para a compreensão das práticas do enfermeiro quanto para construir alternativas àquelas já existentes.

OBJETIVO

Analisar as práticas dos enfermeiros que atuam na ESF em um município do Rio de Janeiro (RJ) e os fundamentos teóricos que as orientam.

MÉTODO

Aspectos éticos

Os enfermeiros expressaram concordância em suas participações por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após esclarecimentos quanto aos objetivos; à metodologia; e aos riscos e benefícios da participação em uma reunião de enfermeiros da ESF municipal. Nesta reunião, foram criadas sinergias com os profissionais e permissão para a visita nas Unidades de Saúde da Família. Realizou-se o agendamento das entrevistas, individualmente, com cada enfermeiro.

Esta pesquisa, apreciada e aprovada pela banca examinadora do Comitê de Ética em Pesquisa da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UERJ, está de acordo com as determinações do Conselho Nacional de Saúde, por meio da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012(99 Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde - CNS. Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.).

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Pesquisa descritiva qualitativa fundamentada no referencial teórico-metodológico da Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva (TIPESC)(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.).

A TIPESC assentada na visão de mundo materialista e dialética propõe uma metodologia de assistência de Enfermagem em Saúde Coletiva em reposta à necessidade de uma nova postura profissional relacionada à concepção do processo saúde-doença, da assistência à Saúde Coletiva e da Enfermagem. Como teoria, na Enfermagem em Saúde Coletiva requer a aplicação de cinco fases a serem seguidas. As fases propostas são: captação e interpretação da realidade objetiva; construção do projeto de intervenção; intervenção na realidade objetiva; e reinterpretação da realidade objetiva(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.-88 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Apr 27];71(Supl-1):710-5. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0677
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).

Para responder ao objetivo proposto no presente artigo, utilizou-se a primeira fase referente à captação da realidade objetiva, a qual se desenvolve em três dimensões: estrutural, particular e singular(88 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Apr 27];71(Supl-1):710-5. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0677
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). Para conhecer a realidade objetiva, é preciso captar na dimensão estrutural: o sistema de saúde vigente como um todo e a forma de vinculação do sujeito a ele; na dimensão singular: a dinâmica e historicidade de sobrevivência e/ou aperfeiçoamento da saúde, relacionados ao processo saúde-doença, ambiente físico, alimentação, transporte, educação, trabalho, relações familiares e/ou grupais, e corpo biopsíquico; e quanto à dimensão particular, destaca-se a inserção do sujeito em dada classe social(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.).

Assim, para captar a prática de cuidado dos enfermeiros da ESF de um município do estado do RJ, a partir do aprofundamento de suas relações contraditórias em um determinado contexto histórico, é necessário reconhecer nas dimensões propostas pela TIPESC. Primeiro na dimensão estrutural: a vinculação do enfermeiro ao sistema de saúde vigente; por seguinte, na dimensão singular: a interpretação pelo enfermeiro da dinamicidade e historicidade do processo saúde-doença da comunidade e o modo como este produz sua prática de cuidado; e finalmente, na dimensão particular: os fundamentos teóricos norteadores da prática de cuidado.

Neste sentido, a decisão pelo uso da fase de captação da realidade objetiva proposta pela TIPESC auxiliou este estudo a superar uma visão simplificada sobre a prática do enfermeiro na ESF por meio da análise das contradições presentes em suas dimensões.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O estudo se desenvolveu em onze Unidades de Saúde da Família (USF) da zona urbana e rural de um município do estado do Rio de Janeiro (RJ). O critério de inclusão para a seleção das USFs foi possuir enfermeiro vinculado à Equipe de Saúde da Família há pelo menos seis meses. O município possui uma população de 139.000 habitantes. A APS é composta por 18 Equipes de Saúde da Família com uma cobertura de 44% do território e 06 unidades de saúde sem ESF.

Coleta de dados

Realizou-se entrevista semiestruturada com 12 enfermeiros da ESF. Os critérios de inclusão para os participantes do estudo foram: enfermeiros que atuavam a mais de seis meses na USF e que aceitaram participar da pesquisa, no período de agosto a dezembro de 2014. Como critérios de exclusão estabeleceu-se: enfermeiros que atuam como gestores dos programas de saúde, que estivessem de férias ou de licença-saúde, no momento de desenvolvimento da pesquisa.

A constituição do instrumento de coleta de dados abrangeu três eixos compostos por perguntas abertas referentes à inserção do enfermeiro na Atenção à Saúde municipal, ao cotidiano de práticas do enfermeiro e ao caminho teórico que fundamenta a prática. O teste piloto da entrevista, desenvolvido com duas enfermeiras que atuam em Equipes de Saúde da Família em um município limítrofe ao da pesquisa, não obteve modificação no roteiro original.

Todas as entrevistas foram gravadas com a autorização dos entrevistados e, posteriormente, transcritas na íntegra. Ocorreu a garantia do anonimato dos participantes com a identificação da letra "E" de Entrevista, seguida do número de transcrição. As entrevistas, realizadas com visitas às USFs, com duração média de 25 minutos, possibilitaram tanto coletar dados sobre aspectos subjetivos dos entrevistados acerca do objeto de estudo quanto permitir que eles refletissem sobre sua prática cotidiana na ESF - o que aprendem, o que vivenciam e o que pensam.

Organização e análise dos dados

Na organização dos dados empíricos utilizou-se a análise hermenêutico-dialética como método capaz de interpretar a realidade, por apresentar no tratamento dos dados as condições cotidianas da vida e esclarecer suas estruturas(1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.-1111 Alencar TOS, Nascimento MAA, Alencar BR. Dialectical hermeneutics: an experience as a method of analysis in research on the user access to pharmaceutical services. Rev Bras Prom Saúde[Internet]. 2012[cited 2017 Jul 25];25(2):243-50. Available from: http://ojs.unifor.br/index.php/RBPS/article/view/2236/2460
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).

Assim, ao tomar como material concreto as manifestações dos atores sociais, o pesquisador elaborou categorias analíticas e empíricas e se voltou para os fundamentos da teoria, a fim de refletir sobre os conceitos iniciais, colocando em dúvida as ideias evidentes(1010 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.). Para tanto, utilizou-se a seguinte trajetória interpretativa(1111 Alencar TOS, Nascimento MAA, Alencar BR. Dialectical hermeneutics: an experience as a method of analysis in research on the user access to pharmaceutical services. Rev Bras Prom Saúde[Internet]. 2012[cited 2017 Jul 25];25(2):243-50. Available from: http://ojs.unifor.br/index.php/RBPS/article/view/2236/2460
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): Primeiramente, a ordenação dos dados - mediante leitura preliminar do material empírico, estabeleceu-se o mapeamento horizontal; após, a classificação dos dados empíricos - leitura exaustiva e recorte de cada unidade de análise, o que possibilitou conceber a síntese de cada ideia central do objeto de estudo e encontrar os núcleos de sentido; por seguinte, o confronto dos núcleos de sentidos - a partir da síntese vertical, de forma a encontrar a ideia geral de cada entrevistado; depois, o confronto da síntese horizontal - o que possibilitou identificar as convergências, divergências, complementaridades e diferenças das falas de cada entrevistado; finalmente, a análise final - a qual consiste na interpretação do material empírico a partir do referencial teórico.

RESULTADOS

Dos 12 entrevistados, todos foram do sexo feminino, apenas um deles já trabalhou na ESF em outro município. Quanto ao tempo de trabalho na USF do município da pesquisa, um enfermeiro trabalha há menos de um ano; quatro participantes estão entre um e quatro anos; e sete trabalham há mais de cinco anos. Em relação à idade, dois encontravam-se entre 21 e 30 anos; oito enfermeiros, dos 31 aos 40 anos; e dois, dos 41 aos 50 anos. Ao serem questionados sobre o grau de especialização, 12 entrevistados afirmaram terem cursado ou estarem em especialização lato sensu e desses, cinco possuíam especialização em Saúde da Família ou Saúde Pública.

O estudo mostrou um cotidiano municipal de práticas voltado à coordenação do cuidado, ao acolhimento, ao fazer técnico e ao acompanhamento dos usuários através dos programas de saúde. Outra prática mencionada pelos entrevistados foi a prática de mobilização de grupos sociais.

A seguir, apresentam-se os resultados de acordo com as categorias estabelecidas.

Categoria 1 - Dimensão Estrutural: Enfermeiro como coordenador do cuidado e agente político

Os determinantes da dimensão estrutural caracterizam-se pela vinculação do enfermeiro ao Sistema de Saúde Municipal a partir de uma prática comprometida com a coordenação do cuidado e como agente político. Nesta dimensão, são elencadas as práticas: gerencial e política do enfermeiro na ESF, assim como no território de vida da população. Destacam-se, nas falas dos enfermeiros, ideias que agregam ações de planejamento no cotidiano de práticas da Equipe de Saúde da Família.

Para os entrevistados, a prática de coordenador do cuidado inclui o planejamento das atividades de educação em saúde, a coordenação da agenda da unidade, do registro mensal de dados a serem enviados à Secretaria Municipal de Saúde e a coordenação de insumos da USF.

A gente é acionada para participar, interagir [...] com palestras, orientações - respeitando o calendário dos eventos - a luta contra a AIDS em dezembro e outubro rosa. (E 06)

Na nossa agenda a gente tem um planejamento de segunda à sexta. (E 01)

A gente faz a papelada, fechamento de produção e consolidados de programas, essas coisas, assim, todo final de mês, para enviar para a secretaria. (E 04)

A gente gerencia a unidade desde o material faltando [...] tudo que envolve o processo de trabalho para a unidade ficar direitinho. (E 02)

Outra forma importante de vinculação do enfermeiro ao sistema de saúde, por meio de sua prática na ESF, é como agente político. Caracteriza-se pelas ideias centrais dos entrevistados, as quais foram identificadas sob dois aspectos: a capacidade de mobilizar grupos sociais; e a visão crítica do enfermeiro quanto sua prática profissional na ESF.

Eu estava conversando com a diretora, a gente vai montar um projeto de estar atuando direto na escola, com atividade lá mesmo. (E 08)

A gente, por estar próximo à comunidade, vê essas carências e pode agir, a associação de moradores também tem essa colaboração. (E 01)

Às vezes, aquele paciente tem que ser encaminhado para algum lugar, não consegue e a gente tenta resolver de outro jeito. Eu sei que está errado, mas eu tenho que ajudar. (E 09)

No cenário da ESF do município do estudo, o enfermeiro desenvolve práticas que vão além da atenção direta à população. Sua inserção pressupõe a percepção do papel profissional enquanto construtor de novas relações entre equipe e população, além da responsabilidade de gerenciar a unidade de saúde para a efetivação das políticas públicas de saúde.

Categoria 2 - Dimensão Singular: Papel assistencial do enfermeiro, captação das necessidades de saúde pelo enfermeiro e papel de educador em saúde do enfermeiro.

Os determinantes da dimensão singular caracterizam-se como práticas de interpretação do processo saúde-doença no cotidiano da ESF. Neste sentido, a segunda categoria organiza-se pelas ideias centrais relacionadas ao papel assistencial do enfermeiro, à captação das necessidades de saúde individuais e da comunidade, e ao papel de educador em saúde do enfermeiro.

O papel assistencial do enfermeiro relaciona-se a um conjunto de práticas de cuidado que perpassa o acolhimento, o fazer técnico e o acompanhamento dos usuários através dos programas de saúde. São práticas com características de intervenção sobre os processos de adoecimento individuais, sem que ocorra a interpretação do processo saúde-doença da comunidade.

Uma simples glicemia que eu fiz no paciente virou um cuidado. Porque eu vi o paciente como um todo, qual o problema dele? Está sendo um problema familiar que ele está passando? (E 10)

Por exemplo, a mulher chega aqui, eu escuto, converso com ela, acolho e depois insiro no programa de saúde da mulher, fazendo a coleta de preventivo. (E 12)

Ah, primeiro a gente acolhe o paciente, depois colhe os dados e tenta ajudar de alguma forma. Depois insere no programa que for seu caso. (E 05)

Trabalhar na ESF me ajuda a ter sensibilidade de perceber a necessidade do paciente, a estratégia ajuda eu ter uma percepção do que cada usuário precisa. (E 02)

Neste sentido, a análise das entrevistas evidenciou que a captação das necessidades de saúde ocorre no âmbito individual. Quanto à captação das necessidades da comunidade, esta se origina na interpretação do enfermeiro frente à importância de articular as práticas entre ESF, comunidade, escolas, associação de moradores e domicílios. Caracteriza-se pela possibilidade de estarem próximos à realidade da comunidade e, assim, reconhecerem suas necessidades de saúde. Nas falas, encontrou-se o trabalho na ESF como facilitador para captar as necessidades em saúde da comunidade e organizar as práticas para sua resolução.

A gente tem, com a associação de moradores, o trabalho de fazer o acompanhamento das famílias com problemas sociais, com conflitos sociais. (E01)

Então, quando tem algum problema que a gente lida com paciente aqui na frente [...] eu vou à casa do paciente até para ver o meio que ele vive. (E 10)

Eu acho que é mais o paciente que direciona nosso trabalho, a necessidade de saúde do paciente [...] eu sei que eu tenho que fazer visita e marcar consulta, mas se eu conseguir uma roupa, eu conseguir um alimento, conseguir comidinha para ele hoje, [...] Porque essa família não tem o documento, vamos correr atrás e resolver o documento. (E 09)

Também evidenciou-se o papel de educador em saúde do enfermeiro. Este se caracteriza como uma prática de orientação à população. Destaca-se que as práticas apresentam temáticas específicas, respaldadas pela definição dos temas propostos pelo MS e outras, originadas das necessidades de saúde apresentadas pela população.

Eu faço muito educação em saúde na própria comunidade. Eu tenho um agendamento, assim: outubro rosa, luta contra AIDS para 2015. (E 03)

A gente fez o dia D do HIV, fez outubro rosa e o novembro azul. (E 05)

A gente fez esse círculo de reuniões agora que foi ótimo. Conhecemos melhor os moradores, todos participaram, discutiram, sugeriram temas e tiraram dúvidas. (E 02)

Categoria 3 - Dimensão particular: Fundamentos norteadores da prática do enfermeiro

A terceira categoria enfatiza as ideias que abarcam a orientação teórica do enfermeiro na ESF. Estes fundamentos perpassam a rede de apoio construída na ESF, o aprendizado a partir dos manuais do MS e a troca de experiências com o usuário do serviço de saúde.

Para buscar as informações, a gente utiliza as coordenações; é uma forma de a gente ter um apoio. (E 07)

Na questão de ter embasamento para fazer as atividades pela estratégia? Tem que saber os manuais de Enfermagem, ter uma noção, porque a gente tem que sempre estar se atualizando. (E 11)

O que me ajuda? Os manuais, que a gente quando tem dúvida, recorre. (E 08)

A rede de apoio construída na ESF caracteriza-se pela busca de informações a partir de suas relações profissionais, em uma experiência de apoio e articulação com os coordenadores dos programas de saúde. Destacou-se a busca pelos manuais do MS como um importante suporte para a prática do enfermeiro na ESF.

Também foi evidenciado pelos enfermeiros que sua prática possui fundamentação teórica na busca de saberes a partir da vivência na ESF quanto à troca de experiência com os usuários dos serviços. Os depoentes relataram que, por meio do cotidiano da estratégia em apreço, ocorre o aprendizado de forma compartilhada com a população.

O dia a dia mesmo, que a cada hora vem uma coisa nova e você aprende junto com a população também. (E 04)

DISCUSSÃO

Por meio das entrevistas semiestruturadas aos enfermeiros da ESF de um município do estado do Rio de Janeiro (RJ), foi possível conhecer o seu cotidiano de práticas, assim como os fundamentos teóricos que as orientam. Igualmente, identificou-se que as dimensões estrutural, singular e particular são presentes nestas práticas, sendo compostas pelas descrições das experiências e vivências dos entrevistados.

É interessante observar que os núcleos de sentidos relacionados à coordenação do cuidado, ao papel assistencial e de educador em saúde do enfermeiro são presentes nos depoimentos de todos os entrevistados. Esse fato ajuda a pensar na complexidade que envolve o trabalho do referido profissional. A complexidade das práticas do enfermeiro na APS também se encontra descrita em estudos internacionais(44 Carryer J, Yarwood J. The nurse practitioner role: solution or servant in improving primary health care service delivery. Collegian[Internet]. 2015[cited 2018 Feb 01];22:169-74. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26281404
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2628...
,66 Kennedy V. The value of registered nurses in collaborative family practice: enhancing primary healthcare in Canada. Nurs Leadership[Internet]. 2014[cited 2018 Feb 01];27(1):32-44. Available from: http://europepmc.org/abstract/MED/24809423
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) na discussão sobre o papel do enfermeiro neste campo de Atenção à Saúde, a partir das necessidades de saúde da população, por meio da produção de uma prática social, participativa e transformadora da realidade de vida da população.

Outro aspecto importante da análise das entrevistas foi o papel de coordenador do cuidado do enfermeiro, onde se identificou o planejamento das atividades de educação em saúde em equipe. Percebeu-se o potencial de mudanças dessas práticas, no que se refere à capacidade de mobilização da equipe de saúde e à produção de novas formas de agir em saúde. Ao mesmo tempo, observou-se a falta de participação dos usuários no planejamento das práticas educativas, sua contribuição refere-se apenas à sugestão de temas a serem desenvolvidos pelas equipes da ESF.

Assim, apesar de as falas dos enfermeiros evidenciarem o planejamento das práticas de educação em saúde em equipe, tais práticas permanecem sem a participação da população em sua construção. Estudo sobre a prática de enfermeiras em área urbana de um município do Sudoeste da Bahia, Brasil também evidenciou a não participação dos usuários nas atividades educativas e apontou para a necessidade de uma prática que valorizasse a singularidade de cada usuário, sua história de vida, crenças e experiências(11 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];69(6):1060-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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).

A complementaridade evidencia-se na descrição das atividades de educação em saúde. São práticas mencionadas como palestras e orientações a partir de temas propostos pelo MS, sem a participação do enfermeiro como incentivador de práticas transformadoras do cotidiano da comunidade. Assim, a coordenação do cuidado perpassa temas definidos fora de sua área de abrangência, ao invés de referenciar as condições sociais e históricas locais. Estudos também apresentam práticas de educação em saúde voltadas para ações programáticas de grupos específicos e não para o território da comunidade(22 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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,1212 Barbiani R, Nora CRD, Schaefer R. Nursing practices in the primary health care context: a scoping review. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];24:2721. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0880.2721
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).

Quanto ao papel assistencial do enfermeiro, identificou-se o encontro de cuidado com o usuário do serviço de saúde e mobilização de habilidades como a escuta e o diálogo. Todavia, as intervenções desenvolvidas permanecem focadas nos programas de saúde e no fazer técnico. Assim, apesar dos entrevistados relatarem o acolhimento do usuário através da escuta e da conversa, a contradição está na oferta, que pressupõe as ações programáticas e as necessidades de saúde da comunidade, que nem sempre possuem respostas nos serviços oferecidos na unidade.

O momento de encontro com o usuário e a continuidade do cuidado também é presente em um estudo desenvolvido no Chile com enfermeiras que atuam em centros de saúde da família, onde se evidenciou que estas consideram o seu cuidado como um encontro de subjetividades. No entanto, compreendem a necessidade de programar práticas inovadoras, as quais possam superar o cuidado tradicional voltado a uma prática fragmentada e biologicista(1313 García-Vera M, Merighi MAB, Conz CA, Silva MH, Jesus MCP, Muñoz-González LA. Primary health care: the experience of nurses. Rev Bras Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Apr 27];71(Suppl 1):531-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0244
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). Destaca-se a importância de uma prática de cuidado que extrapole as ações programáticas individuais definidas verticalmente nos níveis centrais de gestão e defende-se a implementação de respostas ampliadas às necessidades de saúde da população(1414 Peduzzi M, Silva AM, Lima MADS. Enfermagem como prática social e trabalho em equipe. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de Saúde Coletiva e o cuidado de enfermagem. São Paulo: Manole; 2013. p.217-43.).

Assim, como polos contrários de uma mesma realidade objetiva, a prática de cuidado do enfermeiro reproduz o sistema de saúde vigente em um polo na qual a oferta do cuidado ocorre a partir dos programas de saúde e, em outro polo, as necessidades de saúde da população não são reconhecidas como uma potente força social para a produção de práticas inovadoras. Percebeu-se que o reordenamento teórico-prático necessário no campo da Saúde Coletiva(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.-88 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Apr 27];71(Supl-1):710-5. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0677
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) - a partir da abordagem social e política na defesa da vida; e com a participação da população - permanece tímido nas práticas descritas. Não há uma organização de sua dimensão estrutural, com mecanismos de fortalecimento dos grupos da população para as reivindicações sociais.

Nos relatos dos enfermeiros, identificaram-se práticas de mobilização de grupos sociais e de reflexão sobre sua própria prática na ESF. São práticas desenvolvidas para além da unidade de saúde ‒ na busca por parcerias, por conhecer melhor a área adscrita, e por estar mais próximo à comunidade, o que evidencia o comprometimento profissional e pessoal dos enfermeiros quanto ao seu cuidado na ESF. Todavia, práticas caracterizadas por intervenções que possam realizar mudanças nas questões políticas e sociais da saúde humana(1515 Persegona KR, Rocha DLB, Lenardt MH, Zagonel IPS. O conhecimento político na atuação do enfermeiro. Esc Anna Nery[Internet]. 2009[cited 2017 Jul 25];13(3):645-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n3/v13n3a27.pdf
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) não foram percebidas nas falas dos enfermeiros. Compreende-se que, a dimensão política é estrutural na prática do enfermeiro na Saúde Coletiva(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.,1515 Persegona KR, Rocha DLB, Lenardt MH, Zagonel IPS. O conhecimento político na atuação do enfermeiro. Esc Anna Nery[Internet]. 2009[cited 2017 Jul 25];13(3):645-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n3/v13n3a27.pdf
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) e revela a intencionalidade de sua prática de cuidado. Entretanto, estudos não descrevem a dimensão política como resultado de suas pesquisas(33 Galavote HS, Zandonade E, Garcia ACP, Freitas PSS, Seidl H, Contarato P. The nurse's work in primary health care. Esc Anna Nery[Internet]. 2016[cited 2016 Oct 15];20(1):90-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n1/en_1414-8145-ean-20-01-0090.pdf
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,1212 Barbiani R, Nora CRD, Schaefer R. Nursing practices in the primary health care context: a scoping review. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];24:2721. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0880.2721
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-1313 García-Vera M, Merighi MAB, Conz CA, Silva MH, Jesus MCP, Muñoz-González LA. Primary health care: the experience of nurses. Rev Bras Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Apr 27];71(Suppl 1):531-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0244
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) ou, ainda, a identificam como uma busca tímida por parte dos enfermeiros(22 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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).

Este cenário pouco inovador alerta para a necessidade do resgate da dimensão política(1515 Persegona KR, Rocha DLB, Lenardt MH, Zagonel IPS. O conhecimento político na atuação do enfermeiro. Esc Anna Nery[Internet]. 2009[cited 2017 Jul 25];13(3):645-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n3/v13n3a27.pdf
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) do cuidado do enfermeiro e sua influência na prática cotidiana da ESF. A convergência entre o enfermeiro como agente político e como coordenador do cuidado é presente na influência do modelo de atenção voltado para o adoecimento, o qual parece constituir a base de orientação do cuidado, ainda que coexista a persistência de práticas e de posturas resistentes ao modelo em apreço(1212 Barbiani R, Nora CRD, Schaefer R. Nursing practices in the primary health care context: a scoping review. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];24:2721. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0880.2721
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).

Outro aspecto importante presente nas falas dos entrevistados foi a prática do enfermeiro a partir da captação da necessidade de saúde individuais e da comunidade. Os participantes expressam as necessidades de saúde como um instrumento para desenvolver o seu cuidado. Entretanto, parece não ocorrer uma sistematização destas necessidades, pois estas, ao serem descritas, são centradas no usuário, na doença, no que se delineia como um problema de saúde. As práticas permanecem no enfrentamento dos problemas percebidos junto ao usuário, sem que ocorra uma interpretação do modo como a comunidade se organiza para a produção da vida.

Destaca-se que, apesar de o enfermeiro identificar carências sociais ‒ como, por exemplo, a falta de documentos de identificação, alimentos e roupas ‒, tais necessidades não possuem seu enfrentamento frente à dimensão estrutural que permeia as necessidades de saúde. Não há a estruturação de uma prática de cuidado capaz de intervir nos possíveis processos de desenvolvimento econômico, social e político que as produziram. No entanto, são intervenções que se aproximam da resolução do problema imediato - fazer o documento, conseguir alimentação e roupas. Assim, as necessidades de saúde são percebidas como necessidades de serviço e não como necessidades de saúde ampliadas(1414 Peduzzi M, Silva AM, Lima MADS. Enfermagem como prática social e trabalho em equipe. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de Saúde Coletiva e o cuidado de enfermagem. São Paulo: Manole; 2013. p.217-43.).

No presente estudo, os entrevistados valorizaram a educação em saúde como uma prática norteadora do cuidado na ESF. São práticas pautadas na orientação em saúde através de palestras e círculo de reuniões, com temas estabelecidos pelo MS. Todavia, a análise evidenciou que a prática do enfermeiro como educador em saúde não incorporou a dimensão política(1515 Persegona KR, Rocha DLB, Lenardt MH, Zagonel IPS. O conhecimento político na atuação do enfermeiro. Esc Anna Nery[Internet]. 2009[cited 2017 Jul 25];13(3):645-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n3/v13n3a27.pdf
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) das práticas de educação, o agir político que envolve a mobilização por transformações sociais, pelo direito à saúde e à construção de políticas públicas não foram descritas.

Destaca-se que os depoentes relataram práticas de resistência ao cuidado verticalizado, valendo-se do desenvolvimento de estratégias como o círculo de conversa ‒ e de seu compromisso em se aproximar da população ‒, contudo, tais práticas não agregam o posicionamento social de superação do modelo médico hegemônico, na busca pelo coletivo, constituindo-se de práticas que incidam nos determinantes do processo saúde-doença(1414 Peduzzi M, Silva AM, Lima MADS. Enfermagem como prática social e trabalho em equipe. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de Saúde Coletiva e o cuidado de enfermagem. São Paulo: Manole; 2013. p.217-43.).

Cabe situar a prática do profissional enfermeiro no contexto das inquietações que constituem o campo da Saúde Coletiva por meio da transformação das práticas em saúde - nas instituições e na própria sociedade. A necessidade de transformação das práticas do enfermeiro é observada nas bases teóricas que amparam o saber e a prática profissional no campo da Saúde Coletiva, as quais demarcam a necessidade de transformação social, política e subjetiva da prática do enfermeiro, tendo por eixo a compreensão da determinação social do processo saúde-doença(77 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método de enfermagem. São Paulo: Icone; 1996.).

Tal necessidade também é presente em países como Nova Zelândia, onde estudo destaca o imperativo das práticas do enfermeiro a partir do contexto social de vida das pessoas, da estrutura da sociedade e de suas relações sociais(44 Carryer J, Yarwood J. The nurse practitioner role: solution or servant in improving primary health care service delivery. Collegian[Internet]. 2015[cited 2018 Feb 01];22:169-74. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26281404
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). Ressaltam-se os desafios do enfermeiro na consolidação da ESF enquanto reorganização da Rede de Atenção à Saúde no Brasil, pautados no deslocamento das práticas centradas em procedimentos e profissionais para uma prática centrada no usuário e seu território(1414 Peduzzi M, Silva AM, Lima MADS. Enfermagem como prática social e trabalho em equipe. In: Soares CB, Campos CMS. Fundamentos de Saúde Coletiva e o cuidado de enfermagem. São Paulo: Manole; 2013. p.217-43.-1515 Persegona KR, Rocha DLB, Lenardt MH, Zagonel IPS. O conhecimento político na atuação do enfermeiro. Esc Anna Nery[Internet]. 2009[cited 2017 Jul 25];13(3):645-50. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n3/v13n3a27.pdf
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).

Quanto aos fundamentos norteadores da prática do enfermeiro, os relatos evidenciaram que suas práticas têm como fundamentos a rede de apoio construída na ESF, o aprendizado a partir dos manuais do MS e a troca de experiências com o usuário do serviço de saúde. Não foi apresentado um referencial teórico de Enfermagem ou outro referencial do campo da Saúde Coletiva que dialogasse com sua prática na ESF.

Neste sentido, infere-se que a busca dos entrevistados pelo conhecimento está pautada nos saberes relacionais, representados pela troca de saberes do enfermeiro com os coordenadores da ESF e com o usuário do serviço de saúde. Já a fundamentação teórica do enfermeiro, a partir dos manuais de saúde, refere-se à delimitação da prática profissional a partir do que é preconizado pelo MS. Tal fato demonstra a perpetuação de práticas com referências externas às necessidades de saúde da comunidade.

Na literatura, é crescente o número de trabalhos que atentam sobre a importância de se pensar a prática do enfermeiro na Saúde Coletiva(11 Santos FPA, Acioli S, Rodrigues VP, Machado JC, Souza MS, Couto TA. Nurse care practices in the Family Health Strategy. Rev Bras Enferm[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];69(6):1060-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n6/en_0034-7167-reben-69-06-1124.pdf
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2 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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-33 Galavote HS, Zandonade E, Garcia ACP, Freitas PSS, Seidl H, Contarato P. The nurse's work in primary health care. Esc Anna Nery[Internet]. 2016[cited 2016 Oct 15];20(1):90-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n1/en_1414-8145-ean-20-01-0090.pdf
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,1212 Barbiani R, Nora CRD, Schaefer R. Nursing practices in the primary health care context: a scoping review. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2016[cited 2017 Jul 25];24:2721. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0880.2721
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-1313 García-Vera M, Merighi MAB, Conz CA, Silva MH, Jesus MCP, Muñoz-González LA. Primary health care: the experience of nurses. Rev Bras Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Apr 27];71(Suppl 1):531-7. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0244
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). Contudo, tais estudos não avançam quanto à aplicação de modelos ou teorias que contribuam para a estruturação do cotidiano de práticas deste profissional no referido campo de Atenção à Saúde.

Em um estudo desenvolvido no município de Vitória, Espirito Santo, Brasil, com objetivo de caracterizar a prática do enfermeiro na saúde da família, evidenciou que os enfermeiros desempenham todas as ações minimamente preconizadas pelo MS, voltadas, majoritariamente, para ações curativas e administrativas(22 Silva VG, Motta MCS, Zeitoune RCG. The nurse's practice in the family health strategy: the city council of Vitória/ES case. Rev Eletron Enferm[Internet]. 2010[cited 2016 Oct 01];12(3):441-8. Available from: https://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3a04.htm
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). Nesse sentido, não desempenham uma prática crítica-reflexiva sobre os determinantes observados na realidade objetiva quanto ao processo saúde-doença de pessoas, famílias e comunidade.

A análise desenvolvida nesta investigação, ao evidenciar as contradições presentes na realidade objetiva da prática do enfermeiro na ESF de um município do estado Rio de Janeiro (RJ), possibilitou apresentar uma reflexão crítica quanto à inserção do enfermeiro na referida estratégia. Assim, a compreensão que a produção do cuidado não ocorre apenas a partir de sua dimensão singular, mas que sofre influência das dimensões estrutural e particular amplia o olhar profissional quanto à potencialidade de sua prática cotidiana, e rompe com o processo de naturalização e de recepção de normas e rotinas advindas dos programas de saúde.

Limitações do estudo

Esta pesquisa apresentou limitações no que se refere ao estudo em um município do estado Rio de Janeiro (RJ), o que dificulta a generalização dos achados para outros contextos sociais. E, apesar de encontrar potencialidade na aplicabilidade da primeira fase proposta pela TIPESC, ao compreender e explorar as dimensões estrutural, particular e singular do objeto estudado, não apresentou o desenvolvimento das fases seguintes por não contemplar o objetivo do presente artigo.

Contribuições para a área da Enfermagem e Saúde

Este estudo apresenta contribuições para a Enfermagem e para o campo da Saúde Coletiva, ao reconhecer a complexidade que envolve a prática do enfermeiro na ESF, a partir da análise das contradições, convergências e divergências apresentadas na análise do material coletado; ao atentar para as fundamentações teóricas que orientam o enfermeiro em seu cotidiano; ao alertar para a necessidade de refletir sobre o objetivo terapêutico do enfermeiro na Saúde Coletiva; e ao fortalecer a construção do conhecimento da Enfermagem em Saúde Coletiva ao trazer para o debate a TIPESC e a realidade da prática de cuidado do enfermeiro na ESF.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo demostrou que a prática de cuidado do enfermeiro na ESF do município em apreço não tem expressado a intencionalidade de transformação social que aponte para a construção de projetos de vida com a população. Tal fato deve-se à perpetuação de práticas que reproduzem o foco na doença a partir dos programas propostos pelo MS. Ainda que estes profissionais resistam a estas práticas hegemônicas ao conquistarem práticas mais próximas ao sujeito de sua Atenção à Saúde, não há a apropriação, por este profissional, de um referencial próprio da Enfermagem ou do campo da Saúde Coletiva que apoie, qualifique e instrumentalize o cotidiano de práticas de cuidado na ESF.

Ressalta-se, nesta pesquisa, a análise da prática de cuidado do enfermeiro a partir de uma postura crítica frente à realidade objetiva advinda da fala dos entrevistados, de tal modo que foi possível destacar as seguintes contradições, divergências e convergências: complexidade de práticas que envolvem o cotidiano profissional na ESF; prática de cuidado pouco transformadora da realidade social; papel de agente político voltado à mobilização de grupos sociais; não há reflexão crítica sobre os determinantes do processo saúde-doença presentes no território adscrito à ESF; papel de educador em saúde desenvolvido em seu sentido orientador; falta de sistematização sobre necessidades percebidas no cotidiano da comunidade; fundamentos norteadores das práticas de cuidado baseados nas determinações do MS e nas coordenações municipais dos programas de saúde.

Deste modo, atenta-se para a necessidade de novos estudos para reconhecer o objetivo terapêutico do enfermeiro na ESF. Significa a apropriação de uma postura crítica frente ao contexto da prática de cuidado, a partir de estudos que revelam o cotidiano deste profissional e potencializam a capacidade crítico-reflexiva em prol da saúde da população. A partir destas colocações, surge a preocupação quanto ao projeto de Enfermagem no campo da Saúde Coletiva e a importância de refletir sobre os fundamentos teóricos que orientam o enfermeiro em sua prática.

Através deste estudo, percebeu-se a necessidade de romper com a limitação das práticas do enfermeiro baseadas em manuais técnicos do MS e a exigência de uma prática produtora de cuidado, no qual se reconheça a determinação social do processo saúde-doença e sua historicidade. E, neste contexto, concretizar uma prática social e política comprometida com a defesa da saúde como direito de vida da população. Por fim, é necessário avançar em novos saberes que ajudem os enfermeiros a refletirem e atuarem neste campo de atenção.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2018
  • Aceito
    20 Jul 2018
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