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Uso de álcool, outras drogas e sofrimento mental no universo feminino

RESUMO

Objetivo:

analisar a relação entre uso de álcool, outras drogas e sofrimento mental entre mulheres.

Método:

estudo analítico, transversal, realizado com 369 mulheres no Piauí. Utilizou-se Alcohol Use Disorders Identification Test, Non-Student Drugs Use Questionnaire e Self-Reporting Questionnaire e estatística inferencial.

Resultados:

mulheres com padrão de consumo de álcool intenso (zona IV – possível dependência) possuem 2,1 vezes mais chance de ter sofrimento mental. Consumir tabaco aumenta em 3,5 vezes as chances desse sofrimento, tranquilizantes em 2,6 vezes e cannabis em 4,5 vezes. Há correlação estatisticamente significativa e positiva entre o escore do Alcohol Use Disorders Identification Test e do Self-Reporting Questionnaire (p = 0,000; r = 0,250).

Conclusão:

uso de álcool, tabaco, tranquilizantes e cannabis está associado ao sofrimento mental. Quanto mais intenso o consumo de álcool, mais intenso o sofrimento mental. Portanto, faz-se necessário o rastreamento do consumo de álcool, outras drogas e sofrimento mental na rotina de atendimento à mulher.

Descritores:
Transtornos Mentais; Saúde Mental; Alcoolismo; Drogas Ilícitas; Mulheres

ABSTRACT

Objective:

to analyze the relationship between alcohol and other drug use, and mental distress among women.

Method:

an analytical cross-sectional study conducted with 369 women in Piauí State. Alcohol Use Disorders Identification Test, Non-Student Drugs Use Questionnaire and Self-Reporting Questionnaire and inferential statistics were used.

Results:

women with heavy alcohol consumption (zone IV - possible dependence) are 2.1 times more likely to have mental distress. Consuming tobacco increases the odds of distress 3.5%, tranquilizers 2.6 times and cannabis 4.5 times. There is a statistically significant and positive correlation between the Alcohol Use Disorders Identification Test score and the Self-Reporting Questionnaire (p = 0.000; r = 0.250).

Conclusion:

alcohol, tobacco, tranquilizers and cannabis use is associated with mental distress. The more intense the alcohol consumption, the more intense the mental distress. Therefore, it is necessary to track alcohol and other drug consumption, and mental distress in the routine care of women.

Descriptors:
Mental Disorders; Mental Health; Alcoholism; Street Drugs; Women

RESUMEN

Objetivo:

analizar la relación entre consumo de alcohol, otras drogas y trastornos mentales entre las mujeres.

Método:

estudio transversal analítico realizado con 369 mujeres en Piauí. Se utilizaron lo Alcohol Use Disorders Identification Test, lo Non-Student Drugs Use Questionnaire y el Self-Reporting Questionnaire y las estadísticas inferenciales.

Resultados:

las mujeres con alto consumo de alcohol (zona IV - posible dependencia) tienen 2,1 veces más probabilidades de tener problemas mentales. El consumo de tabaco aumenta las probabilidades de este sufrimiento en 3,5 veces, los tranquilizantes en 2,6 veces y el cannabis en 4,5 veces. Existe una correlación estadísticamente significativa y positiva entre la puntuación de lo Alcohol Use Disorders Identification Test y de lo Self-Reporting Questionnaire (p = 0,000; r = 0,250).

Conclusión:

el consumo de alcohol, tabaco, tranquilizantes y cannabis se asocia con trastornos mentales. Cuanto más intenso es el consumo de alcohol, más intenso es el sufrimiento mental. Por lo tanto, es necesario hacer un seguimiento del consumo de alcohol, otras drogas y trastornos mentales en el cuidado de rutina de las mujeres.

Descriptores:
Trastornos Mentales; Salud Mental; Alcoholismo; Drogas ilícitas; Mujeres

INTRODUÇÃO

Historicamente, as políticas de saúde brasileira voltada às mulheres possuíam escopo limitado, pois refletiam demandas relativas à gravidez e ao parto, com uma concepção ainda reducionista da atenção à mulher - deixavam de abranger questões referentes à multidimensionalidade do universo feminino, que possibilitassem uma assistência integral efetiva.

Não obstante o avanço incontestável dessas políticas públicas dirigidas a esse grupo social, a cada dia novas demandas de atenção à saúde reforçam a necessidade de um olhar transdisciplinar dirigido à resolução de problemas, com vistas a contemplar um espectro maior do viver feminino. Situações como consumo de álcool e outras drogas ainda merecem maior atenção devido ao seu crescimento acelerado e pelas consequências à saúde física, mental, social, bem como nos envolvimentos jurídicos e econômicos.

Embora o consumo de substâncias psicoativas seja um fenômeno, principalmente, associado à população masculina, na contemporaneidade, tem sido observado uma relevante diminuição no hiato entre homens e mulheres, devido ao fácil acesso a essas substâncias e das transformações ocorridas no estilo de vida das mulheres no último século(11 Cruz VD, Oliveira MM, Pinho LB, Coimbra VCC, Kantorski LP, Oliveira JF. Sociodemographic conditions and patterns of crack use among women. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):1068-76. doi: 10.1590/0104-07072014000580013
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).

Entre as mulheres, o consumo dessas substâncias ainda causa estigma, por ser uma conduta que não condiz com os papeis e funções estabelecidas socialmente para as mulheres. Encontra-se associado à promiscuidade, à imoralidade e à incapacidade de cuidar da família. Além disso, tornam-nas vulneráveis a situações de violência, favorecendo o desenvolvimento do sofrimento mental(22 Ramakrishnan S, Kinatingal PJ, Chakkalakkudy G, Kuttichira P, Antony JT, Beevi S. Alcohol consumption in a woman in rural setting of Kerala. Kerala J Psychiatr [Internet]. 2017 [cited 2018 Jan 10];30(1):1-3. Available from: http://kjponline.com/index.php/kjp/article/view/111/pdf
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).

Essa síndrome clínica denominada “sofrimento mental”, “sofrimento mental comum” ou “transtorno mental comum” trata-se da combinação de três grupos de sintomas que incluem: tristeza/desânimo, ansiedade e sintomas físicos (somatização). Essa terminologia tem sido utilizada para designar situações de saúde em que o indivíduo apresenta os referidos sintomas em intensidade suficiente para interferir em suas atividades diárias sem, necessariamente, preencher os critérios formais para diagnósticos contidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-V) e na 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)(33 Coutinho LMS, Matijasevich A, Scazufca M, Menezes PR. Prevalência de transtornos mentais comuns e contexto social: análise multinível do São Paulo Ageing & Health Study (SPAH). Cad Saúde Pública. 2014;30(9):1875-83. doi: 10.1590/0102-311X00175313
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).

As projeções mundiais do sofrimento para 2030 são preocupantes, uma vez que deverão figurar entre os agravos mais incapacitantes(44 Skapinakis P, Bellos S, Koupidis S, Grammatikopoulos I, Theodorakis PN, Mavreas V. Prevalence and sociodemographic associations of common mental disorders in a nationally representative sample of the general population of Greece. BMC Psychiatry. 2013;13:163. doi: 10.1186/1471-244X-13-163
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). No Brasil, a sua prevalência oscila entre 28,7% a 53%, sendo considerada alta por estudiosos da área. Atenção especial deve ser dada às mulheres, considerando que o sofrimento mental é mais prevalente neste grupo(55 Lucchese R, Sousa K, Bonfin SP, Vera I, Santana FR. Prevalence of common mental disorders in primary health care. Acta Paul Enferm. 2014;27(3):200-7. doi: 10.1590/1982-0194201400035
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).

Um dos lócus de aproximação dos profissionais com os usuários de álcool e outras drogas é a Atenção Primária à Saúde (APS). Neste contexto, existem múltiplos desafios, tanto na identificação do uso prejudicial de álcool e outras drogas quanto na síndrome clínica conhecida como sofrimento mental. No universo feminino, o rastreio e a identificação dessa problemática é ainda mais complexa em função dos paradigmas sociais.

OBJETIVO

Analisar a relação entre uso de álcool, outras drogas e sofrimento mental entre mulheres.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (Parecer nº. 1.630.831), atendendo às exigências éticas propostas pela Resolução nº. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A entrevista com as mulheres obedeceu aos princípios da ética, do sigilo e da autonomia. As participantes foram informadas sobre os riscos e benefícios da pesquisa e acerca da liberdade para aceitar ou não a sua participação no estudo. Aquelas que aceitaram participar assinaram um termo de consentimento por escrito.

Desenho, local do estudo e período

Estudo analítico e transversal, desenvolvido por meio de um inquérito epidemiológico, em Unidades Básicas de Saúde (UBS) de municípios-sede das cinco macrorregiões de saúde do estado do Piauí. A coleta de dados foi realizada no período de agosto de 2015 a março de 2016.

Amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população de referência foi constituída por 347.414 mulheres na faixa etária de 20 a 59 anos(66 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2015 [cited 2015 Aug 05]. Available from: https://censo2010.ibge.gov.br/
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). Considerou-se a prevalência presumida de consumo de álcool entre mulheres de 39%(77 Laranjeira R, organizador. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) [Internet]. São Paulo: Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (INPAD); 2012 [cited 2014 Aug 25]. Available from: https://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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), nível de confiança de 95% e erro máximo de 5%; obteve-se uma amostra de 369 mulheres. Realizou-se estratificação proporcional entre os cinco municípios obtendo-se: 232 em Teresina, 36 em Parnaíba, 46 em Picos, 38 em Floriano e 17 em Bom Jesus.

Teve-se como critérios de inclusão foi possuir idade entre 20 e 59 anos e serem atendidas nas consultas de enfermagem nas referidas UBS. O critério de exclusão adotado no estudo foi mulheres com registro de doença mental no seu prontuário. Quando havia abordagem a mulheres que atendiam ao critério de exclusão, uma nova participante era sorteada.

Protocolo do estudo

O recrutamento das mulheres se deu por meio de sorteio. Utilizou-se o software Excel 2010, considerando listagem numérica das mulheres atendidas nas respectivas UBS. A abordagem às mulheres era feita a partir de parceria entre a enfermeira e a equipe de coleta de dados durante a consulta de enfermagem. O tempo médio para a obtenção dos dados foi de 40 minutos.

As informações de interesse foram obtidas a partir da aplicação de questionário com questões acerca das variáveis sociodemográficas e econômicas. Para avaliação do consumo de álcool, utilizou-se o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) – instrumento traduzido, validado e adaptado à realidade brasileira. Nesse instrumento, as respostas a cada questão são pontuadas de 1 a 4 e prediz quatro zonas de risco: zona I (até 7 pontos: indica uso de baixo risco ou abstinência); zona II (de 8 a 15 pontos: indica uso de risco); zona III (de 16 a 19 pontos: sugere uso nocivo) e zona IV (acima de 20 pontos: mostra uma possível dependência)(88 Lima CT, Freire AC, Silva AP, Teixeira RM, Farrell M, Prince M. Concurrent and construct validity of the AUDIT in an urban Brazilian sample. Alcohol Alcohol. 2005;40(6):584-9. doi: 10.1093/alcalc/agh202
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). Para avaliar o consumo de tabaco e drogas ilícitas, utilizou-se o Non-Student Drugs Use Questionnaire (NSDUQ)(99 Smart RG, Arif A, Hughes PH, Medina ME, Navaratnam V, Varma VK, et al. Drug use among non-student youth. WHO Offset Publ [Internet]. 1981 [cited 2015 Mar 22];60(1):1-58. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/39190
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).

O sofrimento mental foi avaliado a partir do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), instrumento composto por 20 questões do tipo “sim/não”, das quais 4 abordam aspectos relacionados aos sintomas físicos e 16 sobre distúrbios psicoemocionais. O escore de corte do SRQ-20 para este estudo foi definido em 7/8(1010 Mari JJ. Psychiatric morbidity in three primary medical care clinics in the city of São Paulo: issues on the mental health of the urban poor. Soc Psychiatry. 1987;22(3):129-38. doi: 10.1007/BF00583847
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).

Análise dos resultados e estatística

Os dados obtidos foram submetidos ao processamento estatístico no software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0. Foram realizadas estatísticas descritivas, como medidas de tendência central (frequência simples e média) e medida de dispersão (Desvio Padrão).

Realizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificação do pressuposto de normalidade, sendo encontrado padrão de distribuição não normal. Para observar a diferença dentre as médias, foi aplicado o teste não paramétrico de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.

Para verificar a associação entre as variáveis qualitativas, foi utilizado o teste de regressão linear - Odds Ratio (OR) não ajustado. A força das associações entre as variáveis foi aferida pelo OR e intervalos de confiança (IC 95%). Realizou-se o teste de correlação de Spearman para avaliar associações entre as variáveis quantitativas.

RESULTADOS

A amostra foi constituída, predominantemente, por mulheres adultas jovens (20 a 39 anos) (75,1%). A maioria se autodeclarou parda (59,4%), casada/união estável (71,8%), heterossexual (98,6%), católica (60,9%) e com filhos (70,7%). Possuía, em média, 10 anos de estudo (Desvio Padrão = 3,5) e em escola pública (86,8%). Quanto à ocupação, 57,3% referiram possuir emprego formal, com renda individual média de 799,8 reais (Desvio Padrão = 637,0).

A prevalência do consumo de álcool foi de 50,1% (IC 44,5-55,6), tabaco de 17,9% (IC = 13,8-22,0), tranquilizantes de 15,7% (IC = 11,7-19,7), solventes (cola de sapateiro, loló ou lança perfume) de 1,9% (IC = 0,5-3,3), cannabis de 4,9% (IC = 2,7-7,3) e cocaína de 1,9% (IC = 0,5-3,5).

A regressão logística linear demonstrou que mulheres com padrão de consumo de álcool mais intenso (zona IV – possível dependência) possuem 2,1 vezes mais chance de ter sofrimento mental, quando comparadas com as mulheres abstêmias ou em uso de risco (zona I) (IC = 1,4-2,9). O mesmo modelo também demonstrou que o consumo de tabaco, tranquilizantes e cannabis está associado ao sofrimento mental. O consumo de tabaco aumenta em 3,5 vezes as chances desse sofrimento (IC = 2,0-6,1), os tranquilizantes em 2,6 vezes (IC = 1,4-4,6) e a cannabis em 4,5 vezes (IC = 1,6-13,6) (Tabela 1).

Tabela 1
Regressão logística linear das variáveis padrão de consumo de bebidas alcoólicas, consumo de tabaco, tranquilizantes, solventes, cannabis, cocaína e outras drogas com a variável sofrimento mental, Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N=369)

Verificou-se que as mulheres com um padrão de uso nocivo (zona III) e possível dependência (zona IV) possuem a média do escore do SRQ-20 sugestivo de sofrimento mental: ±8,3 e ±8,2, respectivamente (p<0,01). Há também uma diferença estaticamente significativa na média do escore SRQ-20 das mulheres que referiram consumo de tabaco (p<0,01), tranquilizantes (p<0,01), solventes (p = 0,03) e cannabis (p<0,01), sendo todas as médias do SRQ-20 sugestivas de sofrimento mental (Tabela 2).

Tabela 2
Comparação das médias obtidas por meio do SRQ-20 com o consumo de álcool e outras drogas, Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N=369)

Na Figura 1, observa-se que há uma correlação estatisticamente significativa e positiva entre o escore do AUDIT e o escore do SRQ-20 (p = 0,000; r = 0,250). Assim, quanto mais intenso o consumo de bebidas alcoólicas, mais intenso é o sofrimento mental.

Figura 1
Correlação entre o escore de avaliação do consumo de bebidas alcoólicas (AUDIT) com o escore de avaliação do sofrimento mental (SRQ- 20), Teresina, Piauí, Brasil, 2016 (N = 369)

DISCUSSÃO

Neste estudo, houve predominância de adultas jovens, pardas, casadas, católicas, com filhos, que possuíam, em média, 10 anos de estudo em escola pública, com emprego formal e renda média de 799,80 reais. Estes resultados foram semelhantes a outros estudos realizados também com mulheres atendidas na APS(1111 Santos NS, Souza EFM, Aquino AP, Santos JN, Bissaco DM, Suano ER, et al. A orientação de enfermagem em gestantes que fazem uso do álcool e tabaco. Rev Recien. 2014;4(10):5-11. doi: 10.24276/rrecien2358-3088.2014.4.10.5-11
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12 Borges TL, Hegadoren KM, Miasso AI. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos em mulheres atendidas em unidades básicas de saúde em um centro urbano brasileiro. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2015 [cited 2017 Jun 06];38(3):195-201. Available from: https://scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v38n3/195-201/pt
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-1313 Arruda RL, Teles ED, Machado NS, Oliveira FJF, Fontoura IG, Ferreira AGN, Machado NS. Prevenção do câncer de mama em mulheres atendidas em Unidade Básica de Saúde. Rev Rene [Internet]. 2015 [cited 2017 Jun 06];16(2):143-9. Available from: http://periodicos.ufc.br/rene/article/view/2692
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).

Embora as características sociodemográficas e econômicas da maioria das mulheres deste estudo não sejam integralmente desfavoráveis, pois apresenta ensino médio, emprego formal e renda equivalente a um salário mínimo, ainda assim não são condições de imunidade para o uso de álcool e drogas ilícitas, dentre outras situações que afetam a saúde física e mental das mulheres.

Em relação ao consumo de álcool, o estudo mostra uma prevalência 50,1%. Este indicador traz consigo prejuízos que não se limitam somente à própria mulher, mas repercute inclusive na alteração do equilíbrio interno das famílias concretizado na desagregação e/ou fragmentação das relações afetivas, em situações de violência doméstica e reprodução dessas práticas nocivas por outros membros. O consumo de álcool pela maioria das mulheres deste estudo converge com os dados da Organização Mundial de Saúde(1414 World Health Organization (WHO). Relatório mundial sobre violência e saúde [Internet]. Genebra: WHO; 2016 [cited 2017 Jan 08]. Available from: https://www.opas.org.br/wp-content/uploads/2015/09/relatorio-mundial-violencia-saude.pdf
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), quando afirma que o consumo de álcool pelas mulheres tem crescido em vários países e vem se aproximando ao dos homens que, historicamente, sempre foi maior. No Brasil, estudo epidemiológico tem demonstrado que o consumo de álcool por mulheres tem tido um crescimento linear(1515 Laranjeira R, Mitsuhiro SS. Addiction research centres and the nurturing of creativity. National institute on alcohol and drugs policies, Brazil. Addiction. 2011;107(4):727-32. doi: 10.1111/j.1360-0443.2011.03380.x
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).

Neste estudo, embora o uso de baixo risco tenha sido levantado como o modo de beber mais prevalente (83,2%), tem-se observado aumento no consumo alcoólico “pesado” (em binge) no universo feminino. Acredita-se que todas as conquistas sociais das mulheres nas últimas décadas, que incluem educação, trabalho, renda, dentre outras variáveis, trazem consigo uma carga de responsabilidades que outrora não eram suas e que, portanto, podem ser preditivas dessa nova forma de beber por este grupo.

Nesse sentido, estudo americano de revisão sistemática, que incluiu 56 publicações divulgadas entre 1980 e 2013, evidenciou que a intensificação do padrão de consumo de álcool pelas mulheres americanas tem se tornado grave problema. 4,9% das mulheres cumprem critérios diagnósticos para dependência do uso de álcool. Destas, 19,5% são vítimas de transtornos associados a esta prática e, aproximadamente, 23.000 mulheres são mortas por ano, devido a comportamentos associados com o uso excessivo de bebida alcóolica(1616 Hoggatt KJ, Jamison AL, Lehavot K, Cucciare MA, Timko C, Simpson T. Alcohol and drug misuse, abuse, and dependence in women veterans. Epidemiol Rev. 2015;37:23-37. doi: 10.1093/epirev/mxu010
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).

Na realidade brasileira, também já se apontam outros dados desse tipo de consumo quando se analisa os dados do I e II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) realizados nos anos de 2006 e 2012, respectivamente. Nesses levantamentos o beber em binge, pela mulher, passou de 36% para 49%(77 Laranjeira R, organizador. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) [Internet]. São Paulo: Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (INPAD); 2012 [cited 2014 Aug 25]. Available from: https://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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,1717 Laranjeira R, (Org). I Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD). São Paulo: Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (INPAD); 2006.). Este indicador chama atenção, tendo em vista que a progressão contínua desse modo de consumo pela população feminina pode se configurar como um caminho facilitador para o desenvolvimento da dependência e todas as intempéries às quais esta prática está associada, inclusive o sofrimento mental.

Os hábitos nocivos das mulheres deste estudo não se encontram restritos ao uso de álcool. Houve referência também ao uso de tabaco por 17,9% da amostra. Os motivos relacionados à experimentação e dependência dessa substância variam conforme variáveis socioeconômicas, demográficas, psicológicas e culturais.

Deve-se considerar também que as mulheres têm sido alvo do marketing da indústria do tabaco em uma tentativa de redução do hiato do consumo tabágico entre homens e mulheres. Esse incentivo se apoia na veiculação de ideias de emancipação à transmissão de falsas imagens de vitalidade, elegância, sofisticação e modernidade(1818 Lombardi EMS, Prado GF, Santos UP, Fernandes FLA. Women and smoking: risks, impacts, and challenges. J Bras Pneumol. 2011;37(1):118-28. doi: 10.1590/S1806-37132011000100017
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).

A necessidade de utilizar substâncias mais acessíveis financeiramente ou, quiçá, a busca por novas sensações pode ter influenciado as mulheres deste estudo no consumo também de drogas ilícitas, como tranquilizantes (sem prescrição médica), cannabis, solventes e cocaína.

No que tange ao uso de drogas ilícitas, especificamente, dados do Relatório Mundial sobre Drogas, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes(1919 United Nations (UN). United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). World Drug Report [Internet]. Geneva: UNODC; 2016 [cited 2016 Dec 20]. Available from: https://www.unodc.org/wdr2016/
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), demonstram que embora os homens sejam três vezes mais propensos ao uso de cannabis, cocaína e anfetamina, as mulheres são mais propensas ao uso de opióides e tranquilizantes sem prescrição.

Neste estudo, chama-se atenção também para o sofrimento mental – uma síndrome conhecida como um conjunto de sintomas não psicóticos, como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas que, na maioria das vezes, não são abrangidas pelos critérios diagnósticos das classificações internacionais(33 Coutinho LMS, Matijasevich A, Scazufca M, Menezes PR. Prevalência de transtornos mentais comuns e contexto social: análise multinível do São Paulo Ageing & Health Study (SPAH). Cad Saúde Pública. 2014;30(9):1875-83. doi: 10.1590/0102-311X00175313
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).

O sofrimento mental afeta, universalmente, pessoas de todas as idades, classes econômicas e países. Esse fato tem acarretado grandes repercussões econômicas para a sociedade e queda na qualidade de vida dos indivíduos e dos familiares. Entretanto, a exposição a fatores, como sensação de insegurança e falta de esperança, rápidas mudanças sociais, consumo de álcool, outras drogas e, consequentemente, a maior exposição a situações de violência, torna as mulheres mais vulneráveis a esse sofrimento(2020 Priester MA, Browne T, Iachini A, Clone SMSW, DeHart D, Seay KD. Treatment access barriers and disparities among individuals with co-occurring mental health and substance use disorders: an integrative literature review. J Subst Abuse Treat. 2016;61:47-59. doi: 10.1016/j.jsat.2015.09.006
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).

Características de vulnerabilidade social, como baixa condição socioeconômica e escolaridade, são importantes estressores psicossociais apontados pela literatura internacional também como preditores de piores condições de saúde mental, pois potencializam a ocorrência de depressão e ansiedade(2121 Wiemann I, Munhoz TN. Prevalência de transtornos mentais comuns e fatores associados nos usuários do centro de referência de assistência social de São Lourenço do Sul, RS. Ensaios Ciênc Biol Agrar Saúde. 2015;19(2):89-94. doi: 10.17921/1415-6938.2015v19n2p%25p
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).

Poucos estudos internacionais analisam sofrimento mental em uma perspectiva de gênero, o que dificulta, sobremaneira, a discussão sobre como esse problema interfere na vida dessas mulheres. No entanto, há evidências de que o sexo é um fator determinante na doença mental, uma vez que os padrões de sofrimento entre as mulheres são diferentes daqueles observados entre os homens(2222 Malhotra S, Shah R. Women and mental health in India: an overview. Indian J Psychiatry. 2015;57(2):S205-S211. doi: 10.4103/0019-5545.161479
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).

No Brasil, embora seja crescente a preocupação com o sofrimento mental e todas suas implicações, a dificuldade na identificação dessa problemática repercute na carência de conhecimentos produzidos sobre este objeto. Geralmente esta demanda é classificada como pacientes poliqueixosos, psicossomáticos, funcionais, psicofuncionais, histéricos e pitiáticos(2323 Fonseca MLG, Guimara~es MBL, Vasconcelos EM. Sofrimento difuso e transtornos mentais comuns: uma revisão bibliográfica. Rev APS [Internet]. 2008 [cited 2017 Jan 13];11(3):285-94. Available from: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/14269
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).

A banalização do sofrimento mental é reforçada quando indivíduos referem práticas que, muitas vezes, são repreendidas, marginalizadas ou até mesmo criminalizadas pela população em geral, como o consumo de álcool e outras drogas. Isso ocorre, sobretudo, quando as protagonistas destes hábitos são mulheres, uma vez que ainda existem diferenças de gênero na aceitação dessas práticas, bem como no modo como homens e mulheres se relacionam com as substâncias psicoativas.

As mulheres, frequentemente, parecem encontrar neste consumo o apoio emocional para suas angústias e preocupações. Entre os homens, o uso parece estar relacionado aos momentos de lazer ou integração com amigos. As diferenças entre os sexos também se estendem em implicações dessa prática: mulheres que consomem bebidas alcoólicas de modo considerado problemático apresentam maior prevalência de sofrimento mental e/ou transtornos psiquiátricos, se comparadas aos homens(2424 Esper LH, Corradi-Webster CM, Carvalho AMP, Furtado EF. Women in outpatient treatment for alcohol abuse: sociodemographic and clinical characteristics. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(2):93-101. doi: 10.1590/S1983-14472013000200012
https://doi.org/10.1590/S1983-1447201300...
).

Neste estudo, a associação entre sofrimento mental e uso de álcool variou segundo as zonas de risco. As mulheres em possível dependência são mais vulneráveis ao sofrimento mental do que aquelas em abstinência ou uso de risco. Estudo ratifica que a medida que esse consumo se torna mais intenso, há um crescente aumento do sofrimento mental, sobretudo, ligados ao domínio humor e observados por meio de sintomas de depressão e ansiedade(2525 Pereira RC, Sougey EB, Lima MDC. Dependência de álcool e depressão: diálogo com as pesquisas e rastreio dessa relação. Rev Bras Ciênc Saúde. 2014;18(1):214-24.).

Considerando o sofrimento mental como uma síndrome composta por um tríade clínica de sintomas depressivos, de ansiedade e de somatização, atenção especial deve ser dada aos sintomas depressivos, uma vez que estudo realizado com 188 alcoolistas identificou que 63,8% da amostra apresentava depressão(2626 Kuria MW, Ndetei DM, Obot IS, Khasakhala LI, Bagaka BM, Mbugua MN, et al. The association between alcohol dependence and depression before and after treatment for alcohol dependence. ISRN Psychiatry. 2012;2012:482802. doi: 10.5402/2012/482802
https://doi.org/10.5402/2012/482802...
).

Verificou-se, neste estudo, que a gravidade dos danos psicopatológicos, avaliados a partir do SRQ-20, aumenta à medida que se intensifica o padrão de consumo de álcool. Embora discreta, observou-se que a gravidade do sofrimento mental é mais intensa na zona III (uso nocivo) do que na zona IV (possível dependência). Sobre este fato, deve-se considerar que na dependência de substâncias psicoativas pode haver imprecisões da informação, em detrimento aos prejuízos de memória ocasionadas pelo consumo do álcool, uma vez que são frequentes perdas cognitivas oriundas do consumo de bebidas alcoólicas. Estas se iniciam ainda em idade jovem e se agravam ao longo do tempo, uma vez que se admite a existência de um continuum na dependência do álcool, cujas perdas são cumulativas(2727 Boden JM, Fergusson DM. Alcohol and depression. Addiction. 2011;106(5):906-14. doi: 10.1111/j.1360-0443.2010.03351.x
https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2010...
).

O sofrimento mental também se encontra associado ao uso de tabaco, neste estudo. Essa implicação, assim como aquelas relacionadas ao consumo de álcool, sofre influência de gênero. Nesta lógica, o hábito tabágico por homens e mulheres deve ser interpretado como fenômeno multifacetado, que possui a complexidade imprimida por normas sociais que moldam a aceitação e o padrão de uso dessa substância.

Sem desconsiderar a influência de gênero, vários outros mecanismos devem ser considerados para explicar associação do tabagismo com sofrimento mental. Porém, a evidência mais forte está relacionada à dimensão biológica da dependência de drogas relacionadas aos efeitos neurofarmacológicos da nicotina em sistemas de neurotransmissores ligados, por exemplo, aos sintomas depressivos. Há evidência ainda de que a nicotina pode interagir de maneira distinta no organismo durante o ciclo menstrual e ocasionar reações distintas das dos homens(2828 Pawlina MMC, Rondina RC, Espinosa MM, Botelho C. Depression, anxiety, stress, and motivation over the course of smoking cessation treatment. J Bras Pneumol. 2015;41(5):433-9. doi: 10.1111/j.1360-0443.2010.03351.x
https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2010...
).

Os achados desta pesquisa apontam que tranquilizantes e cannabis figuraram entre as drogas ilícitas associadas ao sofrimento mental. Apesar de sua importância como um problema de saúde pública, relativamente, pouco se sabe sobre o curso natural dos transtornos causado pelo uso de cannabis(2929 Farmer RF, Kosty DB, Seeley JR, Duncan SC, Lynskey MT, Rohde P, et al. Natural course of cannabis use disorders. Psychol Med. 2015;45(1):63-72. doi: 10.1017/S003329171400107X
https://doi.org/10.1017/S003329171400107...
).

A progressão rápida a partir da primeira utilização de cannabis é responsável pelo início intenso de sintomas de sofrimento mental entre mulheres, sendo este desfecho também influenciado pela idade de experimentação e pelos fatores de risco psiquiátricos individuais. No entanto, elas têm conseguido a cessação desse hábito e recuperação significativamente mais rápida dos sintomas do que os homens(3030 Sartor CE, Agrawal A, Lynskey MT, Duncan AE, Grant JD, Nelson EC, et al. Cannabis or alcohol first? differences by ethnicity and in risk for rapid progression to cannabis-related problems in women. Psychol Med. 2013 Apr;43(4):813-23. doi: 10.1017/S0033291712001493
https://doi.org/10.1017/S003329171200149...
).

Os tranquilizantes, na maioria das vezes, benzodiazepínicos normalmente são utilizados na busca pelo alívio de frustração ou o estresse (49%) e/ou por curiosidade (37%)(3131 Nebhinani N, Sarkar S, Gupta S, Mattoo SK, Basu D. Demographic and clinical profile of substance abusing women seeking treatment at a de-addiction center in north India. Ind Psychiatry J. 2013;22(1):12-6. doi: 10.4103/0972-6748.123587
https://doi.org/10.4103/0972-6748.123587...
). Embora essas substâncias atuem biologicamente nas dimensões depressão e ansiedade, a relação entre o consumo dessas substâncias e o sofrimento mental não tem sido investigada por outros estudos. Há, apenas, evidências de que o seu uso se encontra a associado a transtornos de personalidade(3232 Smith SM, Goldstein RB, Grant BF. The association between post-traumatic stress disorder and lifetime DSM-5 psychiatric disorders among veterans: data from the National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions-III (NESARC-III). J Psychiatr Res. 2016;82:16-22. doi: 10.1016/j.jpsychires.2016.06.022
https://doi.org/10.1016/j.jpsychires.201...
-3333 Eaton NR, Rodriguez-Seijas C, Krueger RF, Campbell WK, Grant BF, Hasin DS. Narcissistic Personality Disorder and the Structure of Common Mental Disorders. J Pers Disord. 2017;31(4):449-61. doi: 10.1521/pedi_2016_30_260
https://doi.org/10.1521/pedi_2016_30_260...
).

Os solventes, por sua vez, pela sua própria natureza depressora, são substâncias capazes de agir no organismo e repercutirem por meio de mudanças nos padrões da função psíquica humor. Atenção especial deve ser dada ao uso de solventes/inalantes considerando que esse uso aumenta, significativamente, as chances de experimentação de outras drogas, como cannabis, cocaína e drogas de prescrição(3434 Castaldelli-Maia JM, Nicastri S, Oliveira LG, Andrade AG, Martins SS. The role of first use of inhalants within sequencing pattern of first use of drugs among Brazilian university students. Exp Clin Psychopharmacol. 2014;22(6):530-40. doi: 10.1037/a0037794
https://doi.org/10.1037/a0037794...
).

Apesar de a cocaína não ter demonstrado influência na presença de sofrimento mental entre as mulheres deste estudo, o seu uso mesmo que em doses pequenas, atua na perda da proteína the vesicular monoamine transporter 2 (VMAT2), que é responsável pelo transporte de monoaminas e, portanto, causa danos ao sistema dopaminérgico, que pode resultar em transtornos do humor(3535 Little KY, Krolewski DM, Zhang L, Cassin BJ. Loss of Striatal Vesicular Monoamine Transporter Protein (VMAT2) in Human Cocaine Users. Am J Psychiatry. 2003;160(1):47-55. DOI: 10.1176/appi.ajp.160.1.47
https://doi.org/10.1176/appi.ajp.160.1.4...
).

Revisão sistemática que investigou a frequência de transtornos por uso de substâncias psicoativas na China e na Índia evidenciou que entre as mulheres, transtornos de ansiedade, transtorno depressivo maior e distimia foram os mais comumente associados ao consumo de substâncias psicoativas(3636 Baxter A, Charlson FJ, Cheng HG, Shidhaye R, Ferrari AJ, Whiteford HA. Prevalence of mental, neurological, and substance use disorders in China and India: a systematic analysis. Lancet Psychiatry. 2016;3(9):832-41. doi: 10.1016/S2215-0366(16)30139-0
https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)30...
).

Observou-se, neste estudo, o aumento da presença de mulheres no contexto do álcool e outras drogas, no entanto o estigma social relacionado a este consumo parece dificultar que estas procurem os serviços de saúde, com vistas à superação deste hábito nocivo, uma vez que a maioria das mulheres deste estudo referiu buscar o serviço, meramente, por rotina.

Essa realidade deve ser vista com preocupação pelos profissionais de saúde, pois embora as mulheres sejam as que mais buscam atendimento em saúde, há uma fragilidade das políticas que impedem o rastreamento do consumo de álcool, outras drogas e sofrimento mental.

Neste sentido, deve-se compreender essa problemática além das dimensões biomédicas. É imprescindível uma ótica mais ampla do processo saúde/doença que contemple as especificidades da mulher enquanto sujeito social. As mulheres devem ser vistas não apenas com a singularidade de seus transtornos, mas, sim na pluralidade da sua realidade cotidiana, desenvolvendo ações que envolvam sua vida profissional, familiar e afetiva.

Limitações do estudo

O delineamento transversal impossibilita definir relação causal, uma vez que a exposição e o desfecho foram medidas simultaneamente. Assim, as associações encontradas não podem ser consideradas causais devido à possibilidade de causalidade reversa.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Os indicadores produzidos apontam que o uso de álcool e outras drogas pelas mulheres tem características e implicações específicas e, portanto, necessita de intervenções particulares. Essa concepção nem sempre é reconhecida pela gestão de políticas e pelos serviços que compõem a rede de atenção à saúde destinados a essa clientela.

Diante deste desfecho, as recomendações para gestão e para assistência de Enfermagem incluem a implementação de ferramentas para o rastreamento do consumo de álcool, outras drogas e sofrimento mental na rotina das consultas de Enfermagem na APS. Esses problemas são comumente encontrados nesse dispositivo e a ausência de instrumentos de mensuração que auxiliem na condução da escuta qualificada potencializam as dificuldades na identificação do uso de substâncias psicoativas e do sofrimento mental. Neste sentido, é fundamental a formação dos recursos humanos inseridos nos diversos dispositivos assistenciais que compõem a Rede de Atenção à Saúde a partir de estratégias de Educação Permanente.

CONCLUSÃO

O estudo mostra que o consumo de álcool está associado ao sofrimento mental no grupo pesquisado. As mulheres com padrão de consumo de álcool na zona IV (possível dependência) têm mais chance de ter sofrimento mental. O teste de correlação reforçou este desfecho, demonstrando que quanto mais intenso o consumo de bebidas alcoólicas, maior o nível de sofrimento mental.

O consumo de tabaco, tranquilizantes e cannabis também está associado ao sofrimento mental. O consumo de tabaco aumenta em 3,5 vezes as chances de sofrimento, os tranquilizantes, 2,6 vezes e a cannabis, 4,5 vezes. A comparação das médias do escore do SRQ-20 ratifica esses achados, uma vez que o uso dessas substâncias faz com que a média desse escore seja preditiva de sofrimento mental.

  • FOMENTO
    Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo 443107/2014-9).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2018
  • Aceito
    04 Set 2018
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