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Suicídio na população indígena e não indígena: uma contribuição para a gestão em saúde

RESUMO

Objetivo:

Analisar o perfil sociodemográfico e epidemiológico de suicídio na população indígena e não indígena e a espacialidade do evento.

Método:

Estudo epidemiológico, descritivo, realizado com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Foram calculadas taxas de mortalidade por suicídio para os 144 municípios do Pará e relacionadas com os valores de localização geográfica dos municípios; posteriormente, foram construídos mapas temáticos utilizando o software QGIS 3.10.3. A associação entre as variáveis foi medida pelo teste G.

Resultados:

Foram estudados 1.387 registros de suicídio, e a taxa de mortalidade entre indígenas mostrou-se baixa em relação aos não indígenas, alcançando 0,1/100 mil habitantes e 17,5/100 mil habitantes, respectivamente.

Conclusão:

O suicídio está distribuído heterogeneamente no território, com maior vulnerabilidade de indígenas, o que demanda políticas diferenciadas considerando sua diversidade cultural.

Descritores:
População Indígena; Suicídio; Gestão em Saúde; Análise Espacial; Disparidades nos Níveis de Saúde

ABSTRACT

Objective:

To analyze the sociodemographic and epidemiological profile of suicide in the indigenous and non-indigenous population and the spatiality of the event.

Method:

Epidemiological, descriptive research, carried out with data from the Mortality Information System. Suicide mortality rates were calculated for the 144 municipalities in Pará and linked to the geographic location values of the municipalities; subsequently, thematic maps were built using the QGIS 3.10.3 software. The association between variables was measured by the G test.

Results:

1,387 suicide records were studied, and the mortality rate among indigenous people was low in comparison to non-indigenous people, reaching 0.1/100 thousand inhabitants and 17.5/100 thousand inhabitants, respectively.

Conclusion:

Suicide is heterogeneously distributed in the territory, with greater vulnerability of the indigenous people, which demands different policies considering their cultural diversity.

Descriptors:
Indigenous Population; Suicide; Health Management; Spatial Analysis; Health Status Disparities

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el perfil sociodemográfico y epidemiológico de suicidio en la población indígena y no indígena y el espacio del evento.

Método:

Estudio epidemiológico, descriptivo, realizado con datos del Sistema de Información sobre Mortalidad. Han calculadas tasas de mortalidad por suicidio para los 144 municipios de Pará y relacionadas con los valores de ubicación geográfica de los municipios; posteriormente, han sido construidos mapas temáticos utilizando el software QGIS 3.10.3. La asociación entre las variables ha sido medida por el test G.

Resultados:

Ha sido estudado 1.387 registros de suicidio, y la tasa de mortalidad entre indígenas se mostró baja en relación a los no indígenas, alcanzando 0,1/100 mil habitantes y 17,5/100 mil habitantes, respectivamente.

Conclusión:

El suicidio está distribuido heterogéneamente en el territorio, con mayor vulnerabilidad de indígenas, lo que demanda políticas diferenciadas considerando su diversidad cultural.

Descriptores:
Población Indígena; Suicidio; Gestión en Salud; Análisis Espacial; Disparidades en los Niveles de Salud

INTRODUÇÃO

O suicídio vem sendo descrito como um agravo cada vez mais frequente nos espaços sociais, configurando-se como importante problema de saúde pública que atinge indivíduos de diversos grupos populacionais, faixas etárias, sexo e religiões(11 Ribeiro NM, Castro SS, Scatena LM, Haas VJ. Time-trend analysis of suicide and of health information systems in relation to suicide attempts. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e2110016. doi: 10.1590/0104-070720180002110016
https://doi.org/10.1590/0104-07072018000...

2 Ribeiro JM, Moreira MR. An approach to suicide among adolescents and youth in Brazil. Ciên Saúde Colet. 2018;23(9):2821-34. doi:10.1590/1413-81232018239.1719 2018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018239...
-33 Souza MLP. Mortalidade por suicídio entre crianças indígenas no Brasil. Cad Saúde Pública. 2019;35(Suppl 3):e00019219. doi: 10.1590/0102-311X00019219
https://doi.org/10.1590/0102-311X0001921...
). Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) alertam que mais de 800 mil pessoas morrem a cada ano, no mundo, em decorrência desse evento, o que significa uma morte a cada 40 segundos(44 World Health Organization. Mental health: Suicide data[Internet]. 2019[cited 2019 Nov 28]. Available from: http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/
http://www.who.int/mental_health/prevent...
).

No Brasil, o suicídio está entre as dez principais causas de morte, sendo a terceira entre pessoas com idade de 20 a 39 anos(55 Mata KCR, Daltro MR, Ponde MP. Perfil epidemiológico de mortalidade por suicídio no Brasil entre 2006 e 2015. Rev Psicol Divers Saúde. 2020;9(1):74-87. doi: 10.17267/2317-3394rpds.v9i1.2842
https://doi.org/10.17267/2317-3394rpds.v...
). No período de 2011 a 2015, em todo o país, foram registrados 55.649 óbitos por suicídio, com taxa de 5,5/100 mil hab., variando de 5,3/100 mil hab. em 2011 a 5,7/100 mil hab. em 2015. As maiores taxas foram observadas em pessoas com 70 anos e mais, alcançando 8,9/100 mil hab(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Suicídio. Saber, agir e prevenir. Bol Epidemiol[Internet]. 2017 [cited 2019 Sep 28];48(30):1-15. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
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).

Para a população indígena, no mesmo período de 2011 a 2015, a taxa de suicídio foi de 15,2/100 mil hab. A maior proporção foi identificada entre adolescentes de 10 a 19 anos, correspondendo a 44,8% do total registrado no período, valor oito vezes maior que o observado entre brancos e negros, que foi de 5,7 % para cada grupo(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Suicídio. Saber, agir e prevenir. Bol Epidemiol[Internet]. 2017 [cited 2019 Sep 28];48(30):1-15. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
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-77 Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil [Internet]. 2016 [Cited 2019 Oct 15]. Available from: http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016/relatorio2016.pdf
http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016...
).

O suicídio indígena tem aumentado nos últimos anos. Dados disponibilizados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) indicam que, no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Mato Grosso do Sul, ocorreram 782 óbitos por lesões autoprovocadas entre os anos de 2000 a 2016, o que pode estar relacionado à dificuldade no processo de integração à sociedade ocidental, bem como às questões de vulnerabilidade social às quais estão submetidos(77 Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil [Internet]. 2016 [Cited 2019 Oct 15]. Available from: http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016/relatorio2016.pdf
http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016...

8 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
-99 Souza RSB, Oliveira JC, Alvares-Teodoro J, Teodoro MLM. Suicídio e povos indígenas brasileiros: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e58. doi:10.26633/RPSP.2020.58
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.58...
).

Os óbitos por suicídio podem diferir entre grupos étnicos e entre áreas urbanas e rurais, remetendo à dimensão social e cultural(88 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...

9 Souza RSB, Oliveira JC, Alvares-Teodoro J, Teodoro MLM. Suicídio e povos indígenas brasileiros: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e58. doi:10.26633/RPSP.2020.58
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.58...
-1010 Palma DCA, Santos ES, Ignotti. Análise dos padrões espaciais e caracterização dos suicídios no Brasil entre 1990 e 2015. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00092819. doi: 10.1590/0102-311X00092819
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). A distribuição geográfica heterogênea do suicídio tem persistido ao longo do tempo, tanto nos países quanto nos espaços geográficos de um mesmo país, o que levou à hipótese de que o suicídio está correlacionado com o território(1111 Mota AA. Cartografia do suicídio no Brasil no período 1979-2011. Hygeia (Uberlândia) [Internet]. 2015 [cited 2019 Jun 20];11(20):85-98. Available from: http://www.seer.ufu.br/index.php/hygeia/article/download/27840/16846
http://www.seer.ufu.br/index.php/hygeia/...

12 Wanzinack C, Signorelli MC, Shimakura S, Gomes PP, Pereira PPG, Polidoro M, Oliveira LB. Indigenous homicide in Brazil: geospatial mapping and secondary data analysis (2010 to 2014). Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(7):2637-48. doi: 10.1590/1413-81232018247.23442017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018247...
-1313 Hsu C-Y, Chang S-S, Lee EST, Yip PSF. Geography of suicide in Hong Kong: spatial patterning, and socioeconomic correlates and inequalities. Soc Sci Med. 2015;130:190-203. doi: 10.1016/j.socscimed.2015.02.019
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2015...
).

A análise dos eventos considerando a área geográfica em que ocorrem vem sendo cada vez mais valorizada na gestão da saúde, por oportunizar melhor conhecimento de sua distribuição no espaço, contribuindo para identificação de áreas prioritárias de intervenção(1414 Santos, EGO, Barbosa IR, Severo AKS. Análise espaço-temporal da mortalidade por suicídio no Rio Grande do Norte, Brasil, no período de 2000 a 2015. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(2):633-43. doi: 10.1590/1413-81232020252.11042018
https://doi.org/10.1590/1413-81232020252...
-1515 Chiaravalloti-Neto F. Geoprocessamento e a Saúde Pública. Arq. Ciênc. Saúde. 2017;23(4) 1-2. doi: 10.17696/2318-3691.23.4.2016.661
https://doi.org/10.17696/2318-3691.23.4....
).

OBJETIVO

Analisar o perfil sociodemográfico e epidemiológico de suicídio na população indígena e não indígena e a espacialidade do evento.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo atendeu às recomendações da Resolução nº 466/12 – CNS/MS, que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

Desenho e local de estudo

Estudo epidemiológico, descritivo, tendo como instrumento utilizado para direcionamento metodológico o Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(1616 Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP, STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344- 9. doi: 10.1016/j.jclinepi.2007.11.008
https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2007....
), realizado no estado do Pará, região amazônica do Brasil. O Pará é constituído por 144 municípios e concentra 34 etnias indígenas distribuídas em 298 aldeias, totalizando aproximadamente 39.081 indígenas(1717 IBGE. Instituto de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Rio de janeiro: IBGE, 2010. [Cited 2019 out 15]. Available from: http://censo2010.ibge.gov.br
http://censo2010.ibge.gov.br...
).

População do estudo e período

A população do estudo foi de 1.387 casos de suicídio notificados nos municípios do estado do Pará no período de 2010 a 2015 e que tiveram sua causa básica codificada como lesões autoprovocadas intencionalmente (códigos X60 a X84), segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID- 10).

Coleta e fonte de dados

Os casos de suicídio nos municípios do estado do Pará foram coletados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), disponibilizados pela Coordenação de Vigilância à Saúde (CVS) da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (SESPA).

Para o cálculo da taxa de mortalidade, foram utilizados dados estimados para a população dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 disponibilizados pelo DATASUS (Tecnologia da Informação a serviço dos SUS)(1818 Ministério da Saúde (BR). Secretaria-Executiva. Departamento de Informática do SUS. Tecnologia da Informação a serviço dos SUS (DATASUS) [Internet]. 2019 [cited 2019 Oct 19]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?/cnv/poptbr.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
). E os dados populacionais de 2010 foram extraídos do censo de 2010(1919 Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010 [Internet]. 2010 [cited 2019 Oct 30]. Available from: ftp://ftp..gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_do_Universo/xls/Municipios/para.zip
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). Ainda, do IBGE(2020 Instituto de Geografia e Estatística. Shapefiles Pará [Internet]. 2010 [cited 2019 Dec 13]. Available from: ftp://geoftp..gov.br/organizacao_do_territorio/malhas_territoriais/malhas_municipais/municipio_2015/
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), obtiveram-se os shapefiles para confecção dos mapas.

Análise dos dados

Após o banco de dados ser disponibilizado pela CVS da SESPA, foi feita a estruturação do arquivo no Microsoft Office Excel® 2010 e, depois, a organização das variáveis: município de residência; sexo; idade; estado civil; e escolaridade. Os dados foram agrupados em dois bancos segundo a raça/cor, identificando indígenas e não indígenas. Posteriormente, estruturou-se a análise em duas etapas: análise estatística e análise espacial.

Para a análise estatística, foram calculadas as taxas de mortalidade pela expressão: Número de suicídio/população absoluta × 100 mil habitantes. O dado populacional foi resultante da média do número de habitantes de cada ano do período estudado, utilizando estimativa populacional e o censo demográfico de 2010 do IBGE. Considerou-se intervalo de confiança de 95% (IC 95%).

A seguir, foi realizada a caracterização demográfica com base nas seguintes variáveis: sexo; estado civil; escolaridade; e idade. O teste G foi utilizado para comparação de proporções das variáveis demográficas dos grupos indígenas e não indígenas. Considerou-se nível de significância estatística p < 0,05, e as análises foram efetuadas no software Bioestat 5.0.

Para a análise espacial, foi estabelecido como recorte territorial a Unidade Federativa, ou seja, o estado do Pará; e como unidade geográfica de análise, o município. Assim, foram estudados os 144 municípios paraenses. Fez-se cálculo da taxa de mortalidade com os dados estratificados em dois triênios (2010 a 2012 e 2013 a 2015), cujos valores foram obtidos pelo somatório dos casos (indígenas e não indígenas) de cada triênio dividido pela mediana populacional do triênio, calculada pela estimativa do IBGE para cada ano e multiplicado por 100.000 habitantes, conforme a fórmula(2121 Organização Pan-Americana da Saúde. Indicadores de saúde. Elementos conceituais e práticos. Washington D.C.: OPAS; 2018.):

Taxa n ã oind í gena = 1 T ˜ T C n ã oind í gena * 100000 Taxa ind í gena = 1 T ˜ T C ind í gena * 100000

Onde T é o triênio, é a população da mediana do triênio e C é o número de casos.

Para padronizar a ocorrência de suicídio segundo sexo e idade, foi utilizada a padronização indireta sob a justificativa de haver considerável diferença entre as ordens de grandeza das populações indígena e não indígena. O cálculo da taxa padronizada foi realizado segundo Lwanga(2222 Lwanga SK, Tye CY, Ayeni O. Teaching health statistics: lesson and seminar outlines, 2nd ed. Geneva, World Health Organization, 1999.):

Taxa padronizada i = FP i x IM i FP i = Taxa N ã o ind í genas IM i IM i = Σ j P ij x Taxa j P i x 100 . 000

Tem-se que i é um indicador de população indígena, FP corresponde ao fator de padronização, IM corresponde ao índice mortalidade, e Taxa e P são a taxa de mortalidade e a população para cada segmento avaliado, respectivamente.

O cálculo da taxa bruta para análise comparativa seguiu a fórmula:

Taxa bruta i = Σ j x Casos de suic í dio i P i x 100 . 000

Para a população, foram utilizados dados segmentados por cor/raça, sexo e faixa etária fornecidos pelo Censo Demográfico 2010 (Tabela 3175 – disponível em https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175), sob a premissa de que não houve variação significativa no perfil etário e de sexo das populações avaliadas. As 12 observações de suicídio sem informação sobre faixa etária e um caso sem informação sobre sexo foram desconsiderados neste cálculo, pois esses dados se referiam ao grupo de não indígenas.

As taxas de mortalidade por suicídio para cada município foram relacionadas aos valores de localização geográfica (latitudes e longitudes) de cada município, obtidas no site do IBGE, que permitiu construir os mapas temáticos utilizando o software QGIS 3.10.3. As taxas foram agrupadas em cinco faixas, tanto para indígenas como para não indígenas, e categorizadas com base nos critérios sugeridos por Diekstra e Gulbinat(2323 Diekstra RFW, Gulbinat W. The epidemiology of suicidal behavior: a review of three continents. World Health Statist Quat [Internet]. 1993[cited 2019 Dec 13];46(1):52-68. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/48670
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) em: nulas; baixas (0,1-4,9); médias (5,0-14,9); altas (15,0-29,9); e muito altas (> 30,0).

RESULTADOS

Foram analisados 1.387 casos de suicídio no período do estudo. De acordo com a Tabela 1, a taxa de mortalidade por suicídio para a população não indígena foi de 17,5/100 mil hab., com média de 231 casos a cada ano (IC 229,6 - 232,3), sendo a maior taxa no ano de 2015 com 3,8/100 mil hab. Em relação à população indígena, o coeficiente de mortalidade foi de 0,1/100 mil hab., (IC 0,3 - 1,6) com baixos índices.

Tabela 1
Taxa de incidência de suicídio na população indígena e não indígena no estado do Pará, no período 2010 a 2015, Pará, Brasil, 2019

A Tabela 2 apresenta o perfil sociodemográfico do suicídio nos dois grupos estudados. Identificou-se que a proporção do evento na população não indígena foi maior entre os homens, com 80,43% (n = 1.110 casos); e na população indígena, entre mulheres, correspondendo a 57,14% (n = 4) dos casos.

Tabela 2
Distribuição dos casos de suicídio na população indígena e não indígena, segundo variáveis sociodemográficas, 2010-2015, Pará, Brasil, 2019

Em relação à faixa etária, verificou-se que, entre não indígenas, 28,99% (n = 400) dos casos ocorreram em pessoas com idade entre 20 e 29 anos, ao passo que, na população indígena, o maior número de casos se deu nas faixas etárias entre 30 e 39 anos, e 80 anos ou mais, ambas com 28,57% (n = 2).

Quanto ao estado civil, os resultados mostraram que o suicídio prevaleceu entre os indivíduos solteiros nas duas populações, correspondendo a 61,59% (n = 850) entre os não indígenas e 57,14% (n = 4) entre os indígenas.

Considerando a escolaridade, observou-se entre não indígenas maior expressividade entre aqueles com 4 a 7 anos de estudos, com 29,06% (n = 401) do total de casos. Para a população indígena, os dados demonstraram predominância entre indivíduos sem escolaridade com 28,57% (n = 2). É importante destacar o número considerável de não preenchimento do campo “escolaridade” na população indígena, perfazendo um total de 28,57% (n = 2).

Segundo a Tabela 3, a comparação das taxas brutas com as taxas padronizadas, por faixa etária, permite identificar que indígenas passam a ter um maior valor calculado. A composição das populações segundo faixa etária mostra uma maior proporção de indivíduos não indígenas em faixas de maiores taxas de suicídio (a partir de 20 anos). Isso justificaria a maior taxa bruta de não indígenas.

Tabela 3
Taxa de mortalidade por suicídio na população indígena e não indígena, padronizada por faixa etária e sexo, 2010-2015, Pará, Brasil, 2019

Já a padronização segundo sexo não mostrou alterações, indicando que a composição de ambas as populações é semelhante, apresentando pouca influência ao se efetivar comparação.

As taxas estratificadas evidenciaram que, no triênio 2010 a 2012, para a população indígena, os valores mais elevados foram nos municípios de Alenquer, Itaituba, Cametá e Tucumã compreendidos no intervalo de 0,1/100 mil hab. a 4,9/100 mil hab.; e para o triênio 2013 a 2015, os municípios com as maiores taxas de suicídio foram Altamira, Jacareacanga e Portel (Figura 1). Nos dois períodos, as taxas foram classificadas como baixas.

Figura 1
Taxa de Mortalidade por suicídio na população indígena e não indígena do estado do Pará segundo municípios, no período 20102015, Pará, Brasil, 2019

Para a população não indígena, no período 2010 a 2012, houve registro de suicídio em 73,61% dos municípios paraenses, destacando-se, os índices altos nos municípios Abel Figueiredo (29,2/100 mil hab.), Brejo grande do Araguaia (27,4/100 mil hab.), Cumaru do Norte (27,2/100 mil hab.) e Moju (28/100 mil hab.). Nesse período de estudo, os municípios na faixa muito alta foram Rio Maria (33,9/100 mil hab.) e Palestina do Pará (40,3/100 mil hab.)

Já no triênio 2013 a 2015, os dados indicam um incremento significativo nas taxas de mortalidade por suicídio em municípios anteriormente classificados na faixa média, que migraram para a faixa alta, a saber: Altamira, Novo Progresso, Portel, Uruará e Paragominas.

DISCUSSÃO

A análise dos dados permitiu identificar que, no período estudado, os povos indígenas apresentaram taxas de suicídio mais baixas, suscitando a ocorrência de possíveis subnotificações nos registros(88 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
-99 Souza RSB, Oliveira JC, Alvares-Teodoro J, Teodoro MLM. Suicídio e povos indígenas brasileiros: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e58. doi:10.26633/RPSP.2020.58
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.58...
). Evidenciou-se ainda, heterogeneidade das taxas nos espaços geográficos dos municípios paraenses.

Em relação à dinâmica de ocorrência do evento no Brasil, embora tenhamos dados de índices mais elevados na Região Sul(2424 Malta DC, Minayo MC, Soares Filho AM, Silva MMA, Montenegro MMS, Ladeira RM, et al. Mortalidade e anos de vida perdidos por violências interpessoais e autoprovocadas no Brasil e Estados: análise das estimativas do Estudo Carga Global de Doença, 1990 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(Suppl-1):142-56. doi: 10.1590/1980-5497201700050012
https://doi.org/10.1590/1980-54972017000...

25 Machado AB, Santos DN. Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012. J Bras Psiquiatr. 2015;64(1):45-54. doi: 10.1590/0047-2085000000056
https://doi.org/10.1590/0047-20850000000...
-2626 Santos EGO, Barbosa IR. Conglomerados espaciais da mortalidade por suicídio no nordeste do Brasil e sua relação com indicadores socioeconômicos. Cad Saúde Colet. 2017;25 (3):371-8. doi: 10.1590/1414-462X201700030015
https://doi.org/10.1590/1414-462X2017000...
), as Regiões Norte e Nordeste vêm apresentando tendência de crescimento nos últimos anos(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Suicídio. Saber, agir e prevenir. Bol Epidemiol[Internet]. 2017 [cited 2019 Sep 28];48(30):1-15. Available from: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
ttp://portalarquivos.saude.gov.br/images...
,1212 Wanzinack C, Signorelli MC, Shimakura S, Gomes PP, Pereira PPG, Polidoro M, Oliveira LB. Indigenous homicide in Brazil: geospatial mapping and secondary data analysis (2010 to 2014). Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(7):2637-48. doi: 10.1590/1413-81232018247.23442017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018247...
). Estudo realizado em Sergipe(2727 Santos DS, Guimarães LML, Carvalho YF, Viana LC, Alves GL, Lima ACR, Santos MB, Góes MAO, Araújo KCGM. Spatial analysis and temporal trends of suicide mortality in Sergipe, Brazil, 2000-2015. Trends Psychiatry Psychother. 2018;40(4):269-76. doi: 10.1590/2237-6089-2017-0028
https://doi.org/10.1590/2237-6089-2017-0...
) identificou aumento de 102,3% no coeficiente de mortalidade por suicídio entre os anos de 2000 e 2015, passando de 2,69/100 mil hab. em 2000 para 5,44/100 mil hab. em 2015. Na Região Norte, houve aumento de 3,8/100 mil no ano de 2000 para 5,3/100 mil no ano de 2012, impactando os índices nacionais(2828 Corassa RB, Falci DM, Gontijo CF, Machado GVC, Alves PAB. Evolução da mortalidade por causas externas em Diamantina (MG), 2001 a 2012. Cad Saúde Colet. 2017;25 (3):302-14. doi: 0.1590/1414-462X201700030258
https://doi.org/0.1590/1414-462X20170003...
). Esse cenário tem contribuído para as modificações no padrão de morbimortalidade da população brasileira nos últimos anos, que vem registrando declínio na mortalidade por doenças infecciosas e elevação por causas externas, entre as quais, o suicídio(2626 Santos EGO, Barbosa IR. Conglomerados espaciais da mortalidade por suicídio no nordeste do Brasil e sua relação com indicadores socioeconômicos. Cad Saúde Colet. 2017;25 (3):371-8. doi: 10.1590/1414-462X201700030015
https://doi.org/10.1590/1414-462X2017000...
).

A análise da variável “sexo”, denota predominância entre homens para população não indígena e em mulheres para a indígena, embora a taxa padronizada tenha indicado semelhança na ocorrência do evento nos dois grupos populacionais. O resultado encontrado chama atenção, pois a literatura refere maiores taxas entre homens nos dois grupos estudados e aponta que, na população feminina, as taxas são maiores em relação a tentativa de suicídio, cujo desfecho nem sempre corresponde ao óbito(88 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...

9 Souza RSB, Oliveira JC, Alvares-Teodoro J, Teodoro MLM. Suicídio e povos indígenas brasileiros: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e58. doi:10.26633/RPSP.2020.58
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.58...
-1010 Palma DCA, Santos ES, Ignotti. Análise dos padrões espaciais e caracterização dos suicídios no Brasil entre 1990 e 2015. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00092819. doi: 10.1590/0102-311X00092819
https://doi.org/10.1590/0102-311X0009281...
,2727 Santos DS, Guimarães LML, Carvalho YF, Viana LC, Alves GL, Lima ACR, Santos MB, Góes MAO, Araújo KCGM. Spatial analysis and temporal trends of suicide mortality in Sergipe, Brazil, 2000-2015. Trends Psychiatry Psychother. 2018;40(4):269-76. doi: 10.1590/2237-6089-2017-0028
https://doi.org/10.1590/2237-6089-2017-0...
). Nesse sentido, o estudo realizado em Roraima, ao analisar o suicídio entre indígenas e não indígenas, identificou no primeiro grupo taxas de 20,3/100 mil no sexo masculino e de 9,3/100 mil no feminino; e entre não indígenas, taxas de 12,9 e 4,2/100 mil, nos sexos masculino e feminino, respectivamente(88 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
).

A maior ocorrência entre homens indica coerência com as explicações sobre comportamentos masculinos relacionados à competitividade, maior agressividade, bem como facilidade de acesso às armas de fogo e dificuldades no enfrentamento de situações econômicas desfavoráveis(2828 Corassa RB, Falci DM, Gontijo CF, Machado GVC, Alves PAB. Evolução da mortalidade por causas externas em Diamantina (MG), 2001 a 2012. Cad Saúde Colet. 2017;25 (3):302-14. doi: 0.1590/1414-462X201700030258
https://doi.org/0.1590/1414-462X20170003...

29 Orellana JD, Balieiro AA, Fonseca FR, Basta PC, Souza MLP. Spatial-temporal trends and risk of suicide in Central Brazil: an ecological study contrasting indigenous and non-indigenous populations. Rev Bras Psiquiatr. 2016;38(3):222-30. doi:10.1590/1516-4446-2015-1720
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2015-1...
-3030 Pereira AS, Willhelm AR, Koller SH, Almeida RMM. Risk and protective factors for suicide attempt in emerging adulthood. Ciên Saúde Coletiva. 2018;23(11):3767-77. doi: 10.1590/1413-812320182311.29112016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018231...
). Fortalecendo essa análise, estudos dão conta de que as mulheres apresentam menor dependência ao álcool, maior religiosidade, percepção precoce de sinais de risco para depressão e doenças mentais, recorrendo ao serviço de saúde e às redes de ajuda em momentos de crise(11 Ribeiro NM, Castro SS, Scatena LM, Haas VJ. Time-trend analysis of suicide and of health information systems in relation to suicide attempts. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e2110016. doi: 10.1590/0104-070720180002110016
https://doi.org/10.1590/0104-07072018000...
,3030 Pereira AS, Willhelm AR, Koller SH, Almeida RMM. Risk and protective factors for suicide attempt in emerging adulthood. Ciên Saúde Coletiva. 2018;23(11):3767-77. doi: 10.1590/1413-812320182311.29112016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018231...
-3131 Staliano PM , Mondardo ML, Lopes RC. Onde e Como se Suicidam os Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Confinamento, Jejuvy e Tekoha. Psicol Cien Prof. 2019;39(n.pe):e221674. doi: 10.1590/1982-3703003221674
https://doi.org/10.1590/1982-37030032216...
).

Outro fator importante a ser valorizado diz respeito às modalidades de suicídio eleitas pelos homens, com utilização de arma de fogo e enforcamento, por apresentarem maior letalidade. Já as mulheres utilizam mais intoxicações por venenos ou medicamentos. Isso explicaria a maior mortalidade entre o sexo masculino e as muitas tentativas entre as mulheres(2929 Orellana JD, Balieiro AA, Fonseca FR, Basta PC, Souza MLP. Spatial-temporal trends and risk of suicide in Central Brazil: an ecological study contrasting indigenous and non-indigenous populations. Rev Bras Psiquiatr. 2016;38(3):222-30. doi:10.1590/1516-4446-2015-1720
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2015-1...
,3131 Staliano PM , Mondardo ML, Lopes RC. Onde e Como se Suicidam os Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Confinamento, Jejuvy e Tekoha. Psicol Cien Prof. 2019;39(n.pe):e221674. doi: 10.1590/1982-3703003221674
https://doi.org/10.1590/1982-37030032216...

32 Rodríguez-Hernández JM, Rocha-Buelvas A, Mendieta-Izquierdo G, Hidalgo-Troya A. Riesgo de muerte por suicidio en población colombiana 2000-2013. Ciên Saúde Coletiva. 2018;23(11):3989-96. doi: 10.1590/1413-812320182311.24812016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018231...
-3333 Ribeiro JF, Mascarenhas TB, Araújo ACBS, Coelho DMM, Brancas ABP, Coelho DMM. Perfil sociodemográfico da mortalidade por suicídio. Rev Enferm UFPE. 2018;12(1):44-50. doi: 10.5205/1981-8963-v12i01a25087p44-50-2018
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i01...
).

Neste estudo, evidenciou-se um número significativo de casos de suicídio em adultos jovens, com idade entre 20 a 39 anos, tanto em indígenas quanto em não indígenas, com um adicional para a população indígena de ocorrência do evento em idosos com mais de 80 anos. A comparação entre as taxas brutas e padronizadas indicou maior dimensão do evento em faixas etárias maiores no grupo de não indígenas. Nesse sentido, embora pesquisadores(99 Souza RSB, Oliveira JC, Alvares-Teodoro J, Teodoro MLM. Suicídio e povos indígenas brasileiros: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e58. doi:10.26633/RPSP.2020.58
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.58...
,3131 Staliano PM , Mondardo ML, Lopes RC. Onde e Como se Suicidam os Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Confinamento, Jejuvy e Tekoha. Psicol Cien Prof. 2019;39(n.pe):e221674. doi: 10.1590/1982-3703003221674
https://doi.org/10.1590/1982-37030032216...
,3333 Ribeiro JF, Mascarenhas TB, Araújo ACBS, Coelho DMM, Brancas ABP, Coelho DMM. Perfil sociodemográfico da mortalidade por suicídio. Rev Enferm UFPE. 2018;12(1):44-50. doi: 10.5205/1981-8963-v12i01a25087p44-50-2018
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i01...
-3434 Cunha FA, Baptista MN, Carvalho LF. Análise documental sobre os suicídios ocorridos na região de Jundiaí entre 2004 e 2014. Salud Soc. 2016;7(2):212-22. doi: 10.22199/S07187475.2016.0002.00006.
https://doi.org/10.22199/S07187475.2016....
) atribuam o suicídio ao contexto sociocultural no qual as pessoas estão inseridas, fortalecendo a ideia de influência do meio na sua ocorrência, os motivos que levam a prática do suicídio podem variar dependendo da faixa etária.

Entre os jovens e adultos, o rompimento de relacionamento, dificuldades de inserção no mercado de trabalho, fatores socioeconômicos, dificuldades de adaptação às transformações contemporâneas, instabilidade familiar e consumo excessivo de álcool e outras drogas configuram-se as principais causas(11 Ribeiro NM, Castro SS, Scatena LM, Haas VJ. Time-trend analysis of suicide and of health information systems in relation to suicide attempts. Texto Contexto Enferm. 2018;27(2):e2110016. doi: 10.1590/0104-070720180002110016
https://doi.org/10.1590/0104-07072018000...
,2323 Diekstra RFW, Gulbinat W. The epidemiology of suicidal behavior: a review of three continents. World Health Statist Quat [Internet]. 1993[cited 2019 Dec 13];46(1):52-68. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/48670
https://apps.who.int/iris/handle/10665/4...
,3535 Silva ES, Marques Jr J, Sucharas EA. Perfil de suicídios em município da Amazônia Legal. Cad Saúde Colet. 2018;26 (1):84-91. doi: 10.1590/1414-462X201800010135
https://doi.org/10.1590/1414-462X2018000...
). E na população idosa, o suicídio é atribuído ao abandono por parte dos familiares, ao isolamento social, ao surgimento de doenças crônicas, perda de entes queridos e a proximidade da morte(3636 Pereira MM. Representações de suicídio indígena no Amazonas: o que desencadeia a vontade de morrer? Diversitates Int J [Internet]. 2017 [cited 2019 Dec 17];09(1):03-26. Available from: http://www.diversitates.uff.br/index.php/1diversitates-uff1/article/view/176/110
http://www.diversitates.uff.br/index.php...
-3737 Souza MLP. Indigenous narratives about suicide in Alto Rio Negro, Brazil: weaving meanings. Saúde Soc. 2016;25(1):145-59. doi: 10.1590/S0104-12902016145974
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201614...
).

Em relação ao estado civil, os solteiros apresentaram as maiores taxas nos dois grupos étnicos, ratificando os resultados descritos na literatura(88 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
-99 Souza RSB, Oliveira JC, Alvares-Teodoro J, Teodoro MLM. Suicídio e povos indígenas brasileiros: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e58. doi:10.26633/RPSP.2020.58
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.58...
,3131 Staliano PM , Mondardo ML, Lopes RC. Onde e Como se Suicidam os Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Confinamento, Jejuvy e Tekoha. Psicol Cien Prof. 2019;39(n.pe):e221674. doi: 10.1590/1982-3703003221674
https://doi.org/10.1590/1982-37030032216...
,3535 Silva ES, Marques Jr J, Sucharas EA. Perfil de suicídios em município da Amazônia Legal. Cad Saúde Colet. 2018;26 (1):84-91. doi: 10.1590/1414-462X201800010135
https://doi.org/10.1590/1414-462X2018000...
), levando à inferência de que a variável “solteiro” é fator contribuinte para a prática do suicídio nas duas populações. Nesse sentido, admitese que a ausência de vínculo afetivo contribui para a vulnerabilidade emocional, dificultando o enfrentamento de situações adversas do cotidiano, o que torna o indivíduo mais propenso à prática de lesões autoprovocadas(2929 Orellana JD, Balieiro AA, Fonseca FR, Basta PC, Souza MLP. Spatial-temporal trends and risk of suicide in Central Brazil: an ecological study contrasting indigenous and non-indigenous populations. Rev Bras Psiquiatr. 2016;38(3):222-30. doi:10.1590/1516-4446-2015-1720
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2015-1...
). É importante ressaltar que os laços de família, o trabalho e as obrigações sociais fortalecem as pessoas reduzindo suas fragilidades e, por conseguinte, a vulnerabilidade ao suicídio(3333 Ribeiro JF, Mascarenhas TB, Araújo ACBS, Coelho DMM, Brancas ABP, Coelho DMM. Perfil sociodemográfico da mortalidade por suicídio. Rev Enferm UFPE. 2018;12(1):44-50. doi: 10.5205/1981-8963-v12i01a25087p44-50-2018
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i01...
).

O grau de escolaridade, da mesma forma, é uma variável relevante nos estudos sobre suicídio, mostrando-se associada ao evento, muito embora com análises distintas para os dois grupos estudados. Dentre os indígenas, o suicídio revelou-se mais expressivo em pessoas sem nenhuma escolaridade e com poucos anos de estudo, em acordo com outros estudos, tendo em vista o perfil de baixa escolarização presente em comunidades indígenas. Esse quadro é atribuível ao acesso restrito à educação formal que ainda se constitui um fato no Brasil(88 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...

9 Souza RSB, Oliveira JC, Alvares-Teodoro J, Teodoro MLM. Suicídio e povos indígenas brasileiros: revisão sistemática. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e58. doi:10.26633/RPSP.2020.58
https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.58...
-1010 Palma DCA, Santos ES, Ignotti. Análise dos padrões espaciais e caracterização dos suicídios no Brasil entre 1990 e 2015. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00092819. doi: 10.1590/0102-311X00092819
https://doi.org/10.1590/0102-311X0009281...
,3838 Pollock NJ, Naicker K, Loro A, Mulay S, Colman. Global incidence of suicide among Indigenous peoples: a systematic review. BMC Medicine. 2018. 16:145. doi: 10.1186/s12916-018-1115-6
https://doi.org/10.1186/s12916-018-1115-...
).

Nesse contexto, chama atenção o número elevado de notificações sem preenchimento do campo referente a idade nesse grupo populacional. A incompletude dos registros no sistema de informação impossibilita análise mais aprofundada dos agravos, dificultando o conhecimento do cenário real e consequentemente o planejamento das ações de prevenção. Nesse caso específico, parte-se do argumento de que tal lacuna no preenchimento seja pela dificuldade de obtenção do dado com o informante no momento do registro do óbito.

Neste estudo, dentre os não indígenas, a taxa de suicídio predominou em pessoas com 4 a 7 anos de estudo, considerada baixa escolaridade. Admite-se que pessoas com menor escolaridade vivem com baixas condições socioeconômicas, maior exclusão social e, portanto, maior comprometimento da qualidade de vida individual e familiar. O nível de escolaridade, a inserção no mercado de trabalho e a renda familiar definem o status social e econômico do indivíduo, expondo-o a diferentes níveis de estresse(2323 Diekstra RFW, Gulbinat W. The epidemiology of suicidal behavior: a review of three continents. World Health Statist Quat [Internet]. 1993[cited 2019 Dec 13];46(1):52-68. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/48670
https://apps.who.int/iris/handle/10665/4...
).

Não obstante, níveis de escolaridade mais elevados são descritos na literatura como variáveis sociais capazes de potencializar o risco de suicídio, haja vista que indivíduos pertencentes a grupos sociais mais elevados estariam propensos a trabalhos com maiores níveis de estresse(3333 Ribeiro JF, Mascarenhas TB, Araújo ACBS, Coelho DMM, Brancas ABP, Coelho DMM. Perfil sociodemográfico da mortalidade por suicídio. Rev Enferm UFPE. 2018;12(1):44-50. doi: 10.5205/1981-8963-v12i01a25087p44-50-2018
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i01...

34 Cunha FA, Baptista MN, Carvalho LF. Análise documental sobre os suicídios ocorridos na região de Jundiaí entre 2004 e 2014. Salud Soc. 2016;7(2):212-22. doi: 10.22199/S07187475.2016.0002.00006.
https://doi.org/10.22199/S07187475.2016....

35 Silva ES, Marques Jr J, Sucharas EA. Perfil de suicídios em município da Amazônia Legal. Cad Saúde Colet. 2018;26 (1):84-91. doi: 10.1590/1414-462X201800010135
https://doi.org/10.1590/1414-462X2018000...

36 Pereira MM. Representações de suicídio indígena no Amazonas: o que desencadeia a vontade de morrer? Diversitates Int J [Internet]. 2017 [cited 2019 Dec 17];09(1):03-26. Available from: http://www.diversitates.uff.br/index.php/1diversitates-uff1/article/view/176/110
http://www.diversitates.uff.br/index.php...

37 Souza MLP. Indigenous narratives about suicide in Alto Rio Negro, Brazil: weaving meanings. Saúde Soc. 2016;25(1):145-59. doi: 10.1590/S0104-12902016145974
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201614...

38 Pollock NJ, Naicker K, Loro A, Mulay S, Colman. Global incidence of suicide among Indigenous peoples: a systematic review. BMC Medicine. 2018. 16:145. doi: 10.1186/s12916-018-1115-6
https://doi.org/10.1186/s12916-018-1115-...
-3939 Santos EGO, Oliveira YOMC, Azevedo UNA, Nunes ADS, Amador AE, Barbosa, IR. Análise espaço-temporal da mortalidade por suicídio em idosos no Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(6):854-65. doi: 10.1590/1981-22562017020.170115
https://doi.org/10.1590/1981-22562017020...
). Os resultados obtidos neste estudo demonstraram associação entre o suicídio e a baixa escolaridade.

No que se refere à distribuição geográfica do suicídio no estado do Pará, as taxas de ocorrência entre indígenas foram mais expressivas, podendo estar relacionadas a conflitos das mais diversas ordens, tais como: intensa aproximação com a população urbanizada; influência cultural de outros grupos étnicos; perda de territórios; maior exposição às drogas e álcool(77 Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil [Internet]. 2016 [Cited 2019 Oct 15]. Available from: http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016/relatorio2016.pdf
http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016...
-88 Souza MLP, Onety Jr RTS. Characteristics of suicide mortality among indigenous and non-indigenous people in Roraima, Brazil, 2009-2013. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(4):887-93. doi: 10.5123/S1679-49742017000400019
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201700...
,3939 Santos EGO, Oliveira YOMC, Azevedo UNA, Nunes ADS, Amador AE, Barbosa, IR. Análise espaço-temporal da mortalidade por suicídio em idosos no Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(6):854-65. doi: 10.1590/1981-22562017020.170115
https://doi.org/10.1590/1981-22562017020...
). Estudo realizado no estado do Amazonas destacou altas de taxas de mortalidade por suicídio em indígenas nos municípios de Santa Izabel do Rio Negro (36,4/100 mil hab.), São Gabriel da Cachoeira (27,6/100 mil hab.) e Tabatinga (25,2/100 mil hab.), devido, possivelmente, ao aumento do consumo de bebidas alcoólicas nos finais de semana, considerando que os indivíduos sob o efeito do álcool estão mais propensos a perderem a capacidade de julgamento, autocontrole e senso crítico e, assim, tendem a adotar comportamentos agressivos(1010 Palma DCA, Santos ES, Ignotti. Análise dos padrões espaciais e caracterização dos suicídios no Brasil entre 1990 e 2015. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00092819. doi: 10.1590/0102-311X00092819
https://doi.org/10.1590/0102-311X0009281...
).

O suicídio indígena tem chamado a atenção de estudiosos, os quais o têm relacionado com aspectos da desvalorização cultural que esses povos vêm sofrendo ao longo de anos, ineficiência da assistência diferenciada ofertada pelo setor saúde, injustiças sociais e até mesmo perda de suas identidades(77 Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil [Internet]. 2016 [Cited 2019 Oct 15]. Available from: http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016/relatorio2016.pdf
http://www.cimi.org.br/pub/Relatorio2016...
,3434 Cunha FA, Baptista MN, Carvalho LF. Análise documental sobre os suicídios ocorridos na região de Jundiaí entre 2004 e 2014. Salud Soc. 2016;7(2):212-22. doi: 10.22199/S07187475.2016.0002.00006.
https://doi.org/10.22199/S07187475.2016....
). O fator cultural, portanto, atuaria de modo sinergético, considerando que a cultura indígena é pautada no comportamento imediatista, isto é, sem planejamento de metas e planos de vida futuros, então a vida teria pouco valor(1010 Palma DCA, Santos ES, Ignotti. Análise dos padrões espaciais e caracterização dos suicídios no Brasil entre 1990 e 2015. Cad Saúde Pública. 2020;36(4):e00092819. doi: 10.1590/0102-311X00092819
https://doi.org/10.1590/0102-311X0009281...
).

O suicídio para os indígenas pode significar uma maneira de cessar o sofrimento, conflitos e angústias que estejam sendo vivenciados. A dificuldade de adaptação de indivíduos desse grupo étnico às áreas urbanas também tem sido descrita na literatura científica como fator potencializador para a prática de violência autoprovocada(3434 Cunha FA, Baptista MN, Carvalho LF. Análise documental sobre os suicídios ocorridos na região de Jundiaí entre 2004 e 2014. Salud Soc. 2016;7(2):212-22. doi: 10.22199/S07187475.2016.0002.00006.
https://doi.org/10.22199/S07187475.2016....
,4040 Azuero AJ, Arreaza-Kaufman D, Coriat J, Tassinari S, Faria A, Castañeda-Cardona C, et al . Suicide in the Indigenous Population of Latin America: a systematic review. Rev Colomb Psiquiatr. 2017;46 (4):237-242. doi: 10.1016/j.rcp.2016.12.002
https://doi.org/10.1016/j.rcp.2016.12.00...
). A diversidade cosmológica indígena, de modo geral, explica a vida como um momento existencial anterior àquilo que seria a “vida verdadeira” e a morte como um meio pelo qual a alma abandonaria o corpo para habitar em um lugar mais propício(4141 Galvão PVM, Silva HRS, Silva CMFP. Temporal distribution of suicide mortality: a systematic review. J Affective Dis. 2018;228:132-42. doi: 10.1016/j.jad.2017.12.008
https://doi.org/10.1016/j.jad.2017.12.00...
).

Entre não indígenas, as taxas de mortalidade por suicídio tiveram maior expressividade em municípios mais populosos, reforçando a ideia de que os conflitos decorrentes da urbanização e da vida moderna podem gerar ansiedade, desordens sociais e familiares, estresse, intolerância e desencanto, podendo levar ao isolamento social advindo das dificuldades para lidar com situações identificadas como impossíveis de solução(3636 Pereira MM. Representações de suicídio indígena no Amazonas: o que desencadeia a vontade de morrer? Diversitates Int J [Internet]. 2017 [cited 2019 Dec 17];09(1):03-26. Available from: http://www.diversitates.uff.br/index.php/1diversitates-uff1/article/view/176/110
http://www.diversitates.uff.br/index.php...
). Ainda, destaca-se que esse modo de vida inibe a disponibilidade para o olhar atento e solidário capaz de identificar possíveis alterações emocionais e ideações suicidas(3939 Santos EGO, Oliveira YOMC, Azevedo UNA, Nunes ADS, Amador AE, Barbosa, IR. Análise espaço-temporal da mortalidade por suicídio em idosos no Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(6):854-65. doi: 10.1590/1981-22562017020.170115
https://doi.org/10.1590/1981-22562017020...
-4040 Azuero AJ, Arreaza-Kaufman D, Coriat J, Tassinari S, Faria A, Castañeda-Cardona C, et al . Suicide in the Indigenous Population of Latin America: a systematic review. Rev Colomb Psiquiatr. 2017;46 (4):237-242. doi: 10.1016/j.rcp.2016.12.002
https://doi.org/10.1016/j.rcp.2016.12.00...
).

O aumento de casos de suicídio no município de Altamira, tanto em indígenas como em não indígenas, pode ser atribuído ao acelerado e intenso processo de alteração no meio social, geográfico e econômico instalado no território desde 2010, com a liberação da licença de instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte. O anúncio de investimentos na região sudoeste do Pará, em decorrência da construção da hidrelétrica, impulsionou o processo migratório em busca de oportunidades de trabalho nem sempre bem-sucedido, além do aumento da população local, ocupação desordenada do solo e aumento da violência. Ademais, tal empreendimento atingiu terras indígenas, ocasionando redução de território, necessidade de realocação para outras áreas e consequente comprometimento do modo de vida dessa população(4242 Simoni AT, Dagnino RS. Dinâmica demográfica da população indígena em áreas urbanas: o caso da cidade de Altamira, Pará. Rev Bras Est Pop. 2016;33(2)43-51. doi:10.20947/S0102-30982016a0020
https://doi.org/10.20947/S0102-30982016a...
).

Por fim, a análise revelou desigualdades nas taxas de suicídio entre a população indígena e não indígena, denotando a necessidade de ações específicas para prevenção desse agravo. A estratificação do suicídio por todo o estado do Pará, segundo os municípios, permitiu conhecer a magnitude do problema de forma regionalizada, contribuindo para orientar políticas públicas pontuais e mais eficazes.

Limitações do Estudo

As limitações do estudo dizem respeito à utilização de dados secundários, portanto, passíveis de incompletudes e incorreções, capazes de produzir vieses nos resultados. O banco de dados oferecido pela SESPA não contemplou a distribuição dos casos estratificados por faixa etária, sexo e escolaridade por município, nem por etnia indígena.

Contribuições para a Área

Para a enfermagem, conhecer a realidade dos indivíduos que cometem suicídio e os fatores que levam a esse desfecho é de extrema relevância, especialmente em grupos mais vulneráveis como a população indígena. A atuação qualificada da enfermagem no enfrentamento desse mal que acomete pessoas independentemente de raça/cor é uma necessidade, destacando-se que a atuação em saúde indígena requer a compreensão do processo saúde-doença, além de conhecimento e habilidades baseadas na interculturalidade. Salienta-se a importância de aprofundamento por estudos relativos ao contexto social, cultural e modo de vida capazes de resultar na ocorrência do suicídio, para adoção de medidas assistenciais e práticas preventivas, além da implementação de políticas públicas voltadas para esse agravo. A capacitação dos profissionais de saúde para atender diferentes grupos étnicos configura-se uma necessidade, que precisa ser priorizada dentro das políticas públicas específicas.

CONCLUSÃO

Os achados permitiram identificar a heterogeneidade do suicídio no território paraense, assim como sendo o grupo indígena aquele com maior vulnerabilidade ao evento. Dessa forma, a realidade instalada nos espaços territoriais que caracterizam o modo de vida das pessoas mostra relação com a dinâmica do suicídio, devendo ser valorizada nas políticas de intervenção e práticas educativas de promoção à vida.

As incursões do poder público no meio social e ambiental, sobretudo aquelas de cunho econômico, devem ser cuidadosamente planejadas para minimizar o impacto e as consequências na vida dos moradores locais e daqueles que migram em busca de oportunidades. Tais medidas são fundamentais para reduzir situações de exposição dos indivíduos a fatores desencadeadores de estresse, angústias, incertezas e até desespero pela não concretização de necessidades, planos e sonhos.

Merece destaque a diversidade cultural das populações indígenas, que remete a ações diferenciadas de valorização étnica, cabendo ao Sistema Único de Saúde a priorização de ações que contemplem as especificidade de vida de cada grupo humano, culturalmente significadas.

Ademais, o suicídio envolve fatores das mais diversas ordens, perpassando por questões econômicas, sociais, culturais, ambientais e interpessoais, devendo ser tratado em todas as suas dimensões. Nesse sentido, é fundamental o estabelecimento de parcerias institucionais e ações intersetoriais congregando esforços para enfrentamento do problema e redução de sua ocorrência.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Jun 2020
  • Aceito
    09 Set 2020
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