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Educação em saúde participativa sobre (re)inclusão escolar de adolescente sobrevivente de câncer

RESUMO

Objetivos:

analisar a (re)inclusão escolar de adolescente sobrevivente de câncer antes/depois da educação em saúde participativa com adolescentes. Métodos: pesquisa qualitativa e participatória, que incluiu dados do prontuário de uma adolescente sobrevivente de rabdomiossarcoma e da dinâmica Mapa Falante (para diagnosticar a demanda de aprendizagem e avaliar mudanças). Na intervenção educativa, aplicou-se a dinâmica corpo-saber. Em uma escola pública do Rio de Janeiro, a adolescente (caso referência) e nove pessoas (quatro professores e cinco adolescentes) geraram materiais empíricos, objeto da análise de conteúdo.

Resultados:

o estranhamento às mudanças na imagem corporal de adolescente sobrevivente de câncer, bullying e aceitação foram problematizados na dinâmica educativa corpo-saber através das relações entre as mudanças e barreiras ao acolhimento. O processo educativo participativo foi essencial na tomada de consciência ao promover ações reinclusivas.

Conclusões:

a educação participativa-problematizadora contribuiu para a construção de uma nova identidade coletiva e melhoria na convivência escolar entre pares.

Descritores:
Adolescente; Sobreviventes de Câncer; Enfermagem Oncológica; Educação em Saúde; Inclusão Escolar

ABSTRACT

Objectives:

to analyze school (re)inclusion of an adolescent cancer survivor before/after participatory health education with adolescents.

Methods:

qualitative and participatory research that included data from the medical record of an adolescent rhabdomyosarcoma survivor and Talking Map dynamics (to diagnose the demand for learning and assess changes). The body-knowledge dynamics were applied in the educational intervention. In a public school in Rio de Janeiro, the adolescent (reference case) and nine people (four teachers and five teenagers) generated empirical materials, which became the content analysis objects.

Results:

strangeness to changes in an adolescent cancer survivor’s body image, bullying, and acceptance were problematized in educational body-knowledge dynamics through relationships between changes and barriers to welcoming. The participatory educational process was essential in raising awareness by promoting re-inclusive actions.

Conclusions:

participatory-problematizing education contributed to constructing a new collective identity and improvement in school interaction among peers.

Descriptors:
Adolescent; Cancer Survivors; Oncology Nursing; Health Education; Mainstreaming, Education

RESUMEN

Objetivos:

analizar la (re)inclusión escolar de adolescentes sobrevivientes de cáncer antes/después de la educación participativa en salud con adolescentes.

Métodos:

investigación cualitativa y participativa, que incluyó datos de la historia clínica de un adolescente sobreviviente de rabdomiosarcoma y la dinámica Mapa Falante (para diagnosticar la demanda de aprendizaje y evaluar cambios). En la intervención educativa se aplicó la dinámica cuerpo-conocimiento. En una escuela pública de Río de Janeiro, el adolescente (caso de referencia) y nueve personas (cuatro profesores y cinco adolescentes) generaron materiales empíricos, objeto de análisis de contenido.

Resultados:

el alejamiento de los cambios en la imagen corporal de un adolescente sobreviviente de cáncer, el bullying y la aceptación se problematizaron en la dinámica educativa cuerpo-conocimiento a través de las relaciones entre cambios y barreras de recepción. El proceso educativo participativo fue fundamental en la sensibilización a la hora de promover acciones reinclusivas.

Conclusiones:

la educación participativa-problematizadora contribuyó a la construcción de una nueva identidad colectiva y al mejoramiento de la convivencia escolar entre pares.

Descriptores:
Adolescente; Supervivientes de Cáncer; Enfermería Oncológica; Educación en Enfermería; Integración Escolar

INTRODUÇÃO

Por sobrevivência de câncer, compreende-se o período dos cinco primeiros anos após o fim do tratamento, sendo que muitas crianças e adolescentes permanecem com uma ou mais sequelas ou, no mínimo, uma condição crônica na vida adulta(11 Robison LL, Hudson MM. Survivors of childhood and adolescent cancer: life-long risks and responsibilities. Nat Rev Cancer. 2014;14(1):61-70. doi:10.1038/nrc3634
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-22 Armstrong GT, Chen Y, Yasui Y, Leisenring W, Gibson TM, Mertens AC, et al. Reduction in late mortality among 5-year survivors of childhood cancer. N Engl J Med. 2016;374(9):833-42. doi: 10.1056/NEJMoa1510795
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). Nas últimas quatro décadas, a taxa de sobrevivência da maioria dos cânceres infanto-juvenil tem sido superior a 80%, particularmente em países mais industrializados. Portanto, a sobrevivência deixou de ser um evento raro, ao mesmo tempo em que se tornou uma realidade cada vez mais frequente, gerando situações limites com as quais as instituições escolar e hospitalar precisam aprender a lidar para favorecer a reinclusão escolar de adolescentes sobreviventes do câncer.

Após a conclusão do seu tratamento, o adolescente precisa ser reincluído plenamente na escola e na vida social, mas pode haver insuficiente preparo ou apoio da escola para receber o sobrevivente do câncer. Entre outros aspectos, a reinclusão se torna uma problemática multidimensional que envolve distanciamento entre pares e de professores, falta de informação sobre o que aconteceu no tratamento e as razões das mudanças corporais gerados pelos efeitos do tratamento oncológico(33 Soejima T, Sato I, Takita J, Koh K, Maeda M, Ida K, et al. Support for school reentry and relationships between children with cancer, peers, and teachers. Pediatr Int. 2015;57(6):1101-7. doi: 10.1111/ped.12730
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-44 World Health Organization. Cancer in children[Internet]. 2018[cited 2020 Jan. 02]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/cancer-in-children. 2018
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
).

A imagem corporal de qualquer adolescente após o tratamento pode ser resultado de múltiplas marcas deixadas pelo tipo de câncer, pelo adoecimento e tratamento, que transversalizam o retorno à vida social na escola, o que aumenta a exposição ao bullying. As vítimas de bullying podem apresentar manifestações psicossomáticas, como tristeza profunda, fobia social e escolar, os mais variados tipos de transtornos (alimentares - anorexia, bulimia e comer compulsivo -, de pânico, ansiedade generalizada, obsessivo compulsivo e estresse pós-traumático) e, nos casos mais graves, esquizofrenia, homicídio, risco de ideação suicida e abandono escolar(55 Santos MM, Perkoski IR, Kienen N. Bullying: atitudes, consequências e medidas preventivas na percepção de professores e alunos do ensino fundamental. Temas Psicol [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 04];23(4):1017-33. doi: 10.9788/TP2015.4-16
https://doi.org/10.9788/TP2015.4-16...
-66 Choquette A, Rennick JE, Lee V. Back to school after cancer treatment: making sense of the adolescent experience. Cancer Nurs. 2016;39(5):393-401. doi: 10.1097/NCC.0000000000000301
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). Portanto, evitá-los no retorno à escola requer esforço intersetorial para constituir ou reconstituir vínculos desse adolescente com seus pares, professores e toda comunidade escolar. Isso exige abordagens educativas inovadoras e participativas.

Tanto os colegas como os pais, professores e profissionais de saúde estão de alguma forma implicados, porque têm o poder de transformar essa realidade. Há necessidade de redirecionar a assistência para a qualidade de vida de adolescentes e suas famílias, na tentativa de minimizar os efeitos psicológicos e sociais, precoces e tardios do tratamento do câncer(77 Anders JC, Souza AIJ. Crianças e adolescentes sobreviventes ao câncer: desafios e possibilidades. Ciênc Cuid Saúde. 2009;8(1):131-7. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v8i1.7788
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8 Helms AS, Schmiegelow K, Brok J, Johansen C, Thorsteinsson T, Simovska V, et al. Facilitation of school re-entry and peer acceptance of children with cancer: a review and meta-analysis of intervention studies. Eur J Cancer Care. 2016;25(1):170-9. doi: 10.1111/ecc.12230
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-99 Freitas NB, Santos JLF, Estanislau AM, Palitot RM, Fonsêca PN. As percepções das crianças e adolescentes com câncer sobre a reinserção escolar. Rev Psicopedag [Internet]. 2016 [cited 2020 Jan 4];33(101):175-83. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v33n101/07.pdf
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).

A educação em saúde na escola é uma das ações que favorece o diálogo entre os dois setores (saúde e educação) devido à facilidade de a equipe de saúde dialogar com a escola para realizar atividades de promoção da saúde(1010 Brasil EGM, Silva RM, Silva MRF, Rodrigues DP, Queiroz MVO. Adolescent health promotion and the School Health Program: complexity in the articulation of health and education. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03276. doi: 10.1590/S1980-220X2016039303276
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), respeitando-se as visões de mundo de professores e alunos. A problemática nos leva a questionar: como concepções de professores e alunos sobre acolhimento de adolescente sobrevivente de câncer podem ser abordadas em uma dinâmica educativa participativa desenvolvida em uma escola pública de ensino fundamental?

OBJETIVOS

Analisar a (re)inclusão escolar de adolescente sobrevivente de câncer antes/depois da educação em saúde participativa com adolescentes.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Pesquisa aprovada nas instituições proponente e coparticipante. Os participantes com menos de 18 anos de idade confirmaram sua participação assinando o Termo de Assentimento, somente após autorização dos pais, por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para que participassem da pesquisa.

Referencial teórico-metodológico

De acordo com a abordagem educativa freiriana, ninguém aprende sozinho, o aprendizado é mediado pela experiência construída pelo educando ao imergir profundamente na realidade do objeto da aprendizagem. Nessa concepção de educação, os processos de transitividade da consciência mobilizam a consciência semintransitiva, a transitiva ingênua e desta à transitiva crítica(1111 Freire P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morales, 1979.). Essa imersão implica em se apropriar de instrumentos e signos simbolicamente mediados para que educandos sejam conduzidos às fronteiras das zonas de desenvolvimento proximal, que é onde acontece a aprendizagem. Somente atinge-se a função psicológica superior quando é interrelacionado o processo de conscientização à formação intrapsicológica do objeto da aprendizagem(1212 Vigotski LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7ªed. São Paulo: Martins e Fontes, 2007.).

Pesquisas implementadas com crianças e familiares sobre o cuidar do corpo da criança em quimioterapia e crianças com diabetes tiveram como ponto de partida as experiências de cuidado com o corpo, que foram problematizadas a partir de produções do tipo artística(1313 Silva LN, Silva LF, Goes FGB, Machado MED, Paiva ED. Orientações sobre quimioterapia junto à criança com câncer: método criativo sensível. O Braz J Nurs. 2015;14(suppl.):471-80. doi: 10.17665/1676-4285.20155310
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14 Alvim NAT, Ferreira MA, Cabral IE, Almeida Filho AJ. O uso de plantas medicinais como recurso terapêutico: das influências da formação profissional às implicações éticas e legais de sua aplicabilidade como extensão da prática de cuidar realizada pela enfermeira. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006;14(3):316-323. doi: 10.1590/S0104-11692006000300003.
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15 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: Contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: 10.5935/1414-8145.20160046
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-1616 Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1078-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680612i.
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). Desse modo, ao manipular objetos simbólicos (o desenho de um corpo em uma folha de papel), os membros do grupo respondem questões que resgatam memórias de experiências passadas que foram internalizadas como parte dos processos interpsicológicos(1212 Vigotski LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7ªed. São Paulo: Martins e Fontes, 2007.

13 Silva LN, Silva LF, Goes FGB, Machado MED, Paiva ED. Orientações sobre quimioterapia junto à criança com câncer: método criativo sensível. O Braz J Nurs. 2015;14(suppl.):471-80. doi: 10.17665/1676-4285.20155310
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14 Alvim NAT, Ferreira MA, Cabral IE, Almeida Filho AJ. O uso de plantas medicinais como recurso terapêutico: das influências da formação profissional às implicações éticas e legais de sua aplicabilidade como extensão da prática de cuidar realizada pela enfermeira. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006;14(3):316-323. doi: 10.1590/S0104-11692006000300003.
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15 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: Contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: 10.5935/1414-8145.20160046
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-1616 Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1078-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680612i.
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). Desse modo, transitam pelos estágios do processo de conscientização em favor de um aprendizado coletivo conduzido por narrativas individuais compartilhadas no espaço grupal.

Tipo de estudo

Desenvolveu-se a abordagem qualitativa, com metodologia participatória(1717 Streck DR. Participatory research methodologies and popular education: reflections on quality criteria. Interface (Botucatu). 2016;20(58):537-47. doi: 10.1590/1807-57622015.0443
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), no trabalho de campo da pesquisa. Entre os diferentes campos de aplicação da pesquisa do tipo participatória, situa-se a educação popular pautada nos princípios freirianos de investigação da temática e sistematização de experiências anteriores dos educandos. O respeito aos valores e experiências dos educandos é uma prerrogativa ética e política do educador, antes de iniciar uma abordagem educativa. Nesse sentido, ir ao campo para explorar a realidade onde vive o educando e suas necessidades de aprendizagem antecede o ato educativo dialógico e participativo(1111 Freire P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morales, 1979.). Para fazê-lo, nesta pesquisa, desenvolvemos as etapas diagnóstico e avaliação da aprendizagem, respectivamente, antes e depois da implementação de uma abordagem educativa.

Como estratégia de investigação para operacionalizar os princípios da pesquisa participatória, elegeu-se o método criativo sensível (MCS), cujo eixo estruturante é a dinâmica de criatividade e sensibilidade (DCS)(1616 Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1078-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680612i.
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,1818 Cabral IE, Neves ET. Pesquisar com o método criativo e sensível na enfermagem: fundamentos teóricos e aplicabilidade. In: Lacerda MR, Costenaro RGS (Orgs). Metodologias da pesquisa para a enfermagem e saúde: da teoria à prática. Porto Alegre: Moriá; 2016, p. 325-50.-1919 Silveira A, Neves ET. The social network of adolescents who need special health care. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):442-9. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0543
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). Nesse método, privilegia-se a interação grupal mediada por questão geradora de debate, produção do tipo artística e reflexão coletiva do material empírico gerado no espaço plural e dialógico.

Procedimentos metodológicos

Entre as dinâmicas do MCS, elegeu-se a DCS Mapa Falante como parte dos procedimentos de produção de dados, para que os participantes tracem os caminhos percorridos na comunidade(1616 Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1078-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680612i.
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,1919 Silveira A, Neves ET. The social network of adolescents who need special health care. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):442-9. doi: 10.1590/0034-7167-2018-0543
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), no desencadeamento de relações sociais no território (lugares) onde vivem e com quem (as pessoas) convivem.

Além da DCS, procedeu-se com o registro do tipo etnográfico nos encontros de observação da interação grupal. Para se obter informações sobre o caso de referência, consultou-se o prontuário e os registros na instituição de referência para o tratamento do câncer infanto-juvenil.

Consequentemente, a triangulação de técnicas (DCS, observação e consulta do prontuário) permitiu um maior rigor na condução da pesquisa qualitativa, em atendimento aos critérios de cientificidade - confirmabilidade, credibilidade, dependabilidade e transferabilidade(2020 Morse JM. Critical analysis of strategies for determining rigor in qualitative inquiry. Qual Health Res. 2015;25(9):1212-22. doi: 10.1177/1049732315588501
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).

Cenário do estudo

A pesquisa de campo foi implementada em uma escola municipal localizada na cidade do Rio de Janeiro, onde havia uma única adolescente sobrevivente de câncer regularmente matriculada.

Fontes de dados e participantes da pesquisa

As fontes de informações foram três, o levantamento de dados no prontuário, o encontro grupal (dinâmica Mapa Falante) e a observação participante. Para a intervenção educativa, adaptaram-se as etapas da dinâmica de criatividade e sensibilidade corpo-saber como recurso pedagógico.

No prontuário, buscaram-se dados sobre o caso referência de adolescente que preencheu os critérios de seleção, a saber: a) estar até no segundo ano de sobrevivência de câncer; b) ser indicada por profissionais de saúde do ambulatório de seguimento de uma instituição de referência para tratamento de câncer infanto-juvenil; c) ter sido liberado recentemente para retorno pleno a escola; d) apresentar maior exposição a vulnerabilidade à inclusão escolar; e) ter sido tratada para tumor sólido que determina mudanças na imagem corporal. O caso referência representava um em 333 sobreviventes de câncer acompanhados na citada instituição, que reunia maior complexidade e necessidade de intervenção. Foi o único caso que correspondeu aos critérios de seleção, contando com a autorização da escola e do serviço de saúde, consentimento do familiar responsável e assentimento da adolescente, para o desenvolvimento da proposta de intervenção. A pesquisadora de campo apresentou a proposta de pesquisa à direção da escola, que agendou uma reunião com pais e professores separadamente. Do total de 20 pais presentes na reunião, 17 assinaram o TCLE e 5 alunos adolescentes concordaram em participar; dos 6 professores presentes, 2 não ministravam aulas à turma da adolescente sobrevivente, então os 4 que ministravam concordaram em participar; logo, nove pessoas concordaram em engajar em todas as etapas da pesquisa: 4/4 professores que ministravam aula na classe da adolescente (grupo), sendo três homens, com idades de 40, 53 e 55 anos, ministrando as disciplinas de História, Matemática e Geografia; e uma mulher, com idade de 41 anos, lecionando a disciplina de Língua Portuguesa, 5 alunos/25 adolescentes (grupo). Esse conjunto de pessoas foi somado à adolescente sobrevivente do câncer, totalizando 10 participantes.

Os cinco alunos adolescentes do grupo de pesquisa também formaram o grupo de educandos, sendo três meninas e dois meninos, com idade de 14 e 15 anos, que frequentavam a mesma classe da adolescente do caso referência. Eram alunos-adolescentes que apresentavam graus variados de afinidade e afetividade com ela. Dois meninos mantinham um relacionamento social mais amistoso, duas meninas se relacionavam superficialmente e uma adolescente possuía laços afetivos mais fortes.

Adotou-se o seguinte código alfanumérico para a anonimização dos participantes: G, para grupo; P, para participante professor; A, para participante aluno-adolescente; E, para educandos; d, para diagnóstica; a, para avaliativa. Foi também utilizada a sequência de 1 a 5 para designar o número do participante.

Etapas da pesquisa

A etapa diagnóstica incluiu informações coletadas do prontuário da adolescente caso referência e da DCS Mapa Falante. Do prontuário, extraíram-se dados sociodemográficos, dados clínicos (diagnóstico do câncer, tempo de tratamento, sequelas corporais), seguimento ambulatorial e situação da adolescente no momento em que o trabalho de campo estava sendo desenvolvido.

A DCS Mapa Falante foi implementada em dois encontros com dois grupos distintos de participantes, gerando dois Mapas Falante: um com o grupo de professores e o outro com o de alunos-adolescentes (20 dias depois das férias escolares).

Conforme recomendado pelo MCS, a pesquisadora de campo seguiu os cinco momentos de implementação da DCS tanto no grupo de professores quanto no de alunos-adolescentes. No primeiro, cada participante se apresentou, explicaram-se os objetivos da dinâmica e os materiais disponíveis (folha de papel A4 e canetas coloridas), e foi enunciada a questão geradora de debate: que caminhos podem ser percorridos por um adolescente em pós-tratamento de câncer para ter uma má/boa convivência na escola? No segundo, os participantes desenharam um Mapa Falante (a produção artística individual). No terceiro e quarto momentos, cada participante apresentou sua produção e refletiu criticamente sobre temas convergentes e singulares relativos ao câncer em adolescente, seu tratamento e efeitos deste, baseados em concepções espontâneas do cotidiano. No último momento, sintetizaram diferentes temas e subtemas, recodificando-os em temas mais abrangentes para serem abordados em intervenções educativas. O tempo de duração da DCS variou entre 40 e 50 minutos.

A etapa de implementação da dinâmica educativa consistiu na aplicação da dinâmica corpo-saber como recurso pedagógico e cujas etapas de implementação estão descritas na seção resultados. Para problematizar a inclusão de adolescente sobrevivente de câncer na escola como objeto de aprendizagem, estratégias educativas participativas e baseadas em arte podem ser produtivas e adequadas. No conjunto das estratégias com esse potencial, destaca-se a dinâmica corpo-saber, primariamente desenvolvida no Brasil, como recurso de pesquisa(1414 Alvim NAT, Ferreira MA, Cabral IE, Almeida Filho AJ. O uso de plantas medicinais como recurso terapêutico: das influências da formação profissional às implicações éticas e legais de sua aplicabilidade como extensão da prática de cuidar realizada pela enfermeira. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006;14(3):316-323. doi: 10.1590/S0104-11692006000300003.
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). O processo criativo-sensível da dinâmica favorece espaços de interação grupal e troca de saberes. Os participantes respondem a questão geradora, problematizam situações existenciais concretas, codificam temas e subtemas, recodificam esses temas em um conjunto de sínteses temáticas constituindo novas compreensões sobre temas sensíveis. Além disso, estimula a reflexão e o diálogo grupal ao compartilhar situações existenciais constitutivas das experiências de cada um durante a apresentação da produção do tipo artística(1313 Silva LN, Silva LF, Goes FGB, Machado MED, Paiva ED. Orientações sobre quimioterapia junto à criança com câncer: método criativo sensível. O Braz J Nurs. 2015;14(suppl.):471-80. doi: 10.17665/1676-4285.20155310
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14 Alvim NAT, Ferreira MA, Cabral IE, Almeida Filho AJ. O uso de plantas medicinais como recurso terapêutico: das influências da formação profissional às implicações éticas e legais de sua aplicabilidade como extensão da prática de cuidar realizada pela enfermeira. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006;14(3):316-323. doi: 10.1590/S0104-11692006000300003.
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15 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: Contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: 10.5935/1414-8145.20160046
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
-1616 Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1078-85. doi: 10.1590/0034-7167.2015680612i.
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).

A etapa avaliativa foi implementada em dois períodos diferentes após a implementação da dinâmica educativa, envolvendo dois procedimentos. O primeiro período consistiu de uma observação do tipo etnográfica dos cinco alunos-adolescentes, que participaram da dinâmica Mapa Falante, interagindo com a adolescente do caso referência. Em três dias (com intervalo de uma semana) e três ambientes diferentes (aula de educação física, no pátio da escola; sala de aula de português; recreio), registraram-se 150 minutos de eventos de interação, sendo 120 para as aulas e 30 minutos do recreio. Todos os momentos da observação do tipo participante foram previamente agendados em dias e horários com os professores e com a secretaria da escola. A pesquisadora de campo esteve em diferentes dias e horas do turno escolar, permitindo que sua presença se tornasse familiar para a comunidade escolar. O registro da observação foi feito quando a presença da observadora se tornava menos perceptível à dinâmica da sala de aula, posicionando-se no fundo da sala ou pátio. Para homogeneizar os registros dos eventos, priorizou-se a posição de cada um na cena observada, o tipo de interação, o tom de voz nas expressões verbais e os movimentos corporais não verbais, etc.

Posteriores à observação e à abordagem educativa, realizaram-se dois encontros grupais; o primeiro com o grupo de professores (78 dias) e o segundo com os alunos-adolescentes (93 dias), que avaliaram as mudanças de comportamento possivelmente relacionadas à abordagem educativa. Naquela oportunidade, os mesmos materiais do Mapa Falante, elaborados na etapa diagnóstica, foram reapresentados separadamente a cada participante, que escolheu uma cor de caneta diferente àquela usada na etapa diagnóstica para acrescentar palavras-chave e/ ou produções artísticas que respondessem a questão geradora de debate: o que vocês avaliam como mudança e como permanência desde o primeiro Mapa Falante?

O engajamento do pesquisador de campo no desenvolvimento da DCS e registro do fenômeno observado, a checagem pelos membros de um grupo de pesquisa sobre o material empírico gerado e a análise de dados contribuíram para determinar o encerramento do trabalho campo e esclarecer sobre os possíveis vieses da pesquisa.

Coleta e organização dos dados

Os dados do diagnóstico incluíram informações sobre o diagnóstico e tratamento registrados no prontuário da adolescente sobrevivente de câncer (caso referência) e o relatório da DCS Mapa Falante (do grupo de adolescente e professores), formando o primeiro corpus textual de análise. Os dados das observações etnográficas e o relatório da retomada da DCS Mapa Falante da etapa avaliativa (com o grupo de adolescente e professores) constituíram o segundo corpus textual de análise.

Análise dos dados

Os dados foram analisados segundo a técnica da análise de conteúdo de Bardin(2121 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70;2016.). Na etapa de pré-análise, conferiu-se inteligibilidade e o máximo de completude da comunicação, com correções gramaticais e de vícios de linguagem (tá, né, pra, cê) próprios do coloquialismo da língua portuguesa. Além disso, para a constituição de significados, o texto adquiriu materialidade linguística (com as pontuações pertinentes), formando um corpus textual de análise.

Na etapa da análise, codificaram-se os enunciados em unidades de contexto, indexando-os segundo um mesmo assunto, para, em seguida, separá-los por índices. Adotaram-se quadros analíticos para a organização do corpus textual em sistemas de codificação das unidades de registro e de unidades de significado. Desse modo, aproximou-se um conjunto de unidades de registro por convergência de assuntos em índices (“sentimentos” e “atitudes”, “necessidade especial” e “desconhecimento”), reagrupados em unidades de contexto com o mesmo índice para extrair os significados e formar categorias temáticas primárias e secundárias. Em seguida, aplicaram-se os referenciais teóricos para constituir as inferências, as quais deram luz ao conhecimento novo.

RESULTADOS

Os resultados foram agrupados em quatro itens: o caso referência, o diagnóstico dos temas educativos, a abordagem educativa e a avaliação do processo pedagógico.

O caso referência

A adolescente do caso referência concluiu as seções de radioterapia e quimioterapia para rabdomiosarcoma, no ano de 2015, quando estava com 13 anos de idade. Em fevereiro de 2016, foi liberada para retorno pleno à escola após ser considerada curada. O rabdomiossarcoma deixou uma discreta protrusão ocular, pela lesão tumoral residual interna no olho direito, e redução da acuidade visual, hiperemia e edema de esclerótica, alopecia na região de sobrancelha e pálpebra, levando-a a usar um tampão ocular direito. Sua família a matriculou em uma escola diferente da que ela frequentou durante a etapa de adoecimento pelo câncer, porque mudou de casa para um bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Ingressou na nova escola, nesse mesmo ano, onde encontrou novos colegas e professores. Sua aparência chamava a atenção de todos na nova escola, sem que as pessoas tivessem conhecimento do que a provocou. No mês de julho de 2017, quando implementou-se a pesquisa de campo, ela estava com 15 anos de idade e cursava o ensino fundamental naquela escola pública.

O diagnóstico dos temas educativos

a) A imagem corporal após o tratamento oncológico

A aparência visual de uma adolescente com tampão ocular e o cabelo cobrindo a órbita direita chamou a atenção dos colegas de turma, ao tempo em que gerou questionamentos aos professores sobre o que havia acontecido com aquela menina nova que iniciava o ano escolar. Qual era o significado daquela imagem corporal alterada? A aceitação social de uma desconhecida entre pares representava um desafio para professores, que se sentiam inseguros ao responder as demandas de perguntas formuladas pelos seus alunos-adolescentes na sala de aula. O início da convivência na nova escola foi marcado por antecipações, expectativas e constrangimento público.

Havia uma consciência transitiva ingênua dos professores que sabiam vagamente de que ela teve câncer, mas desconhecia o tipo que provocou essa mudança na imagem corporal. Por sua vez, os alunos viviam em um estado de consciência semintransitiva que os levavam a se sentir desconfortáveis em perguntar publicamente. Quando perguntavam, o faziam de modo reservado e diretamente ao professor, em nome de uma aparente discrição, porém na presença da adolescente do caso referência que frequentava a mesma sala de aula. Os reais motivos da aparência daquela menina estranha ao grupo e o que havia acontecido no passado permaneciam no plano da curiosidade ingênua dos colegas de turma.

Alguns alunos perguntavam para nós [professores] [...] queriam saber qual era o problema dela. Eu falei que ela teve câncer para alguns alunos da turma que me perguntavam em particular. Sem entrar em detalhes sobre o motivo do uso do tapa-olho, porque eu mesma não sabia. A adolescente poderia ter pensado: ‘Será que vão me aceitar? Será que vão me aprovar?’. (GP2d.)

Então, a princípio [em 2016], eu tive que lidar com a curiosidade deles [colegas da turma]. Eles vinham à minha mesa e perguntavam, “professora, aquela menina [aponta discretamente para ela], o que ela tem?”. Eram discretos quando perguntavam, falavam baixo, acredito que ela nunca tenha percebido. (GP2d.)

Eu não sabia que ela teve câncer e eu fiquei constrangida de perguntar. Depois ela me contou o que teve. (GA3d.)

b) Aceitação, bullying e barreiras ao acolhimento

Por conseguinte, os ruídos de comunicação repercutiam sobre o imaginário da adolescente, gerando medo de não ser aceita entre pares na escola e de sofrer bullying (zoação). Paralelo à consciência semitransitiva dos pares e transitiva ingênua dos professores, há uma ausência de iniciativa da escola para refletir sobre a necessidade de se promover a inclusão daquela recém-ingressada aluna na escola.

Depois que ela veio estudar aqui na escola, no ano passado [2016], ela ficava com medo dos outros garotos da outra turma zoarem dela. (GA1d.)

Ela não aceitava, pensou logo nos garotos, porque os garotos iam zoar ela. As amigas não iam zoar. (GA2d.)

Os estados de consciência semintransitva e transitiva ingênua produzem barreiras de comunicação, antecipações de que será vítima de bullying, desconforto, constrangimento e desacolhimento. O desconforto é um efeito dominó que se desencadeia pela dificuldade de se falar abertamente sobre a recuperação do câncer infanto-juvenil na escola, mesmo tendo a adolescente sobrevivente do câncer compartilhamento com os pares e professores o mesmo ambiente da sala de aula.

Desse modo, ambas as situações-limite, enunciadas pelos participantes na dinâmica Mapa Falante diagnóstica, apontam temas sensíveis para reflexão e aprendizagem na escola: imagem corporal após tratamento de câncer, aceitação de adolescente sobrevivente do câncer e barreiras de acolhimento.

A abordagem da dinâmica educativa corpo-saber.

Uma semana depois da investigação de campo, agendou-se um novo encontro com os mesmos alunos-adolescentes para a abordagem dos temas, os quais foram problematizados, tomando-se o corpo como metáfora para sua implementação da estratégia de aprendizagem. Nesse sentido, elegeu-se a dinâmica corpo-saber para ser desenvolvida em quatro passos: preparo do ambiente, a elaboração da produção artística coletiva, a problematização (análise e discussão coletiva) e desfecho (síntese temática).

Preparo do ambiente

Os cinco adolescentes foram três meninas (com 15 anos de idade) e dois meninos (ambos com 14 anos de idade) que frequentavam a mesma turma e residiam no mesmo bairro da adolescente do caso referência, sobrevivente do câncer de tumor sólido – o rabidomiosarcoma. O ambiente foi uma sala de aula da escola, um espaço amplo, confortável, arejado, com boa iluminação natural e artificial.

O primeiro momento, correspondente à apresentação, durou em torno de 10 minutos, quando a pesquisadora assumiu o papel de mediadora do grupo no processo educativo, lhes explicando a forma de participação no encontro programado para aquele dia. Proporcionou-se um ambiente de acolhimento e descontração, em que todos preferiram se sentar no chão com o material a ser usado na dinâmica, disponível em uma roda. Esse posicionamento permitiu o entreolhar durante a elaboração da produção artística coletiva.

A elaboração da produção artística coletiva

Em seguida, cada um registrou na silhueta do corpo no papel sulfite 40 kg A4, usando lápis de cor e canetas coloridas, palavras-chave ou desenhos para responder à pergunta disparadora do processo educativo: onde e como o corpo (imagem corporal) de um adolescente pode ser afetado pelo câncer (aceitação e barreiras de acolhimento), seu tratamento e sobrevivência? Nesse segundo momento, reservou-se um tempo de até 20 minutos para a elaboração da produção grupal, quando os participantes do grupo interagiram, trocaram experiências, buscaram consenso e particularidades relacionadas aos temas, com o material da produção artística disponível na parte central do círculo da roda.

A problematização (análise e discussão coletiva)

O terceiro momento, com o tempo de duração aproximado de 28 minutos, consistiu na apresentação da contribuição individual à produção coletiva, ao mesmo tempo em que se desenvolveu o diálogo grupal. Problematizou-se o que estava registrado na produção artística (Figura 1), iniciando-se o tema imagem corporal após tratamento do câncer.

Figura 1
Dinâmica educativa corpo-saber. Produção artística coletiva dos adolescentes-educandos

Ela vinha [para a escola] com uma faixa no braço. Ela tem uma faixa, Eu já vi. Eu pensei que era estilo. (GE4, menino)

O que ela usava era a faixa. Acho que era um remédio aplicado na veia, que pegava aqui [no braço, cicatriz da implantação do cateter venoso central]. Só que Eu não perguntava isso para Ela, Ela só falava que tinha um remédio lá dentro da faixa, por dentro da faixa. (GE1, menina)

A produção incluiu mudanças corporais relacionadas a diversos tipos de câncer infanto-juvenil (no sangue, pulmão, coração, olho, cabeça), diferentes modalidades de tratamento (cirurgia, radioterapia e quimioterapia) com membro amputado e uso de dispositivo assistivo (bengala), que não correspondiam à totalidade da imagem apresentada pela adolescente que eles conheciam. Sobre a adolescente, a representaram com o tampão ocular (na órbita esquerda e não na direita) e uma faixa no braço esquerdo, aproximando-se da imagem da adolescente sobrevivente do câncer com quem eles e elas conviviam na escola, despertando tanta curiosidade.

Na medida em que analisaram coletivamente a produção, no sentido cabeça-pés, abordava-se a alopecia parcial, a tristeza no olhar, a finalidade do tampão ocular esquerdo, o uso da bengala na mão esquerda e os múltiplos tipos de câncer que podem afetar diferentes órgãos do corpo (cabeça, braço direito, pulmão direito, o coração, vasos sanguíneos).

Os efeitos do tratamento se materializaram no desenho do corpo para refletir o que se via (olho e braço esquerdo) e o que não se via (nos sistemas cardiovascular, nervoso, geniturinário, hematológico). Em um movimento dialógico e adotando-se uma linguagem acessível à idade e à realidade dos adolescentes educandos, os conhecimentos foram circulando horizontalmente, com a produção artística mobilizando o diálogo e direcionando a construção de conhecimentos. O corpo, como metáfora, proporcionou uma linha de fuga para se refletir sobre um tema sem nominar a adolescente do caso referência. O processo educativo problematizou a metáfora do corpo desenhado e mobilizou a construção da consciência semintransitiva para a transitiva ingênua sobre as mudanças na imagem corporal provocadas no adoecimento pelo câncer.

A aceitação da adolescente (sobrevivente do câncer) na escola dependia da compreensão do significado das mudanças corporais. Os adolescentes-educandos desconheciam o significado da experiência daquela adolescente com quem estavam convivendo.

Eu nem sabia, eu não sabia que [a faixa no braço] ela tinha um [cateter venoso central], eu nem conhecia ela direito, nunca tinha conversado com ela. (GE, menino)

No ano passado, ela tirou [o cateter venoso central] a faixa no braço que protegia [o cateter]. Ainda tem a cicatriz. (GE1, menina)

Refletiu-se sobre o valor social e pessoal da imagem corporal na adolescência, uma fase da vida em que a estética do belo se associa a um corpo ideal. Entretanto, esse corpo pode ser afetado pelo câncer e seu tratamento, com mudanças que podem ser precoces ou tardias, transitórias ou definitivas, produzindo repercussões na vida do adolescente, sua família e na sociedade.

O tampão ocular, os cabelos cobrindo o tampão, a tristeza no olhar e a faixa no braço esquerdo se constituem em barreiras físicas para a aceitação da imagem corporal e acolhimento da adolescente sobrevivente de câncer no ambiente escolar.

Desfecho

No debriefing, os três temas se convergiram para substantivo da sobrevivência do câncer na adolescência. Refletimos sobre como o quanto a quimioterapia, a radioterapia e a cirurgia podem afetar os sistema orgânicos (cardiovascular, urinário, tegumentar e hematológico), bem como as possíveis alterações na imagem corporal do adolescente devido a esses tratamentos. A produção artística foi o instrumento de transformação de uma consciência intransitiva ingênua para uma possibilidade geradora de criticidade. O corpo metafórico na produção foi o signo revelador da situação-limite que desvelou a necessidade de mudança de comportamentos favoráveis à inclusividade na escola, mediada pelo verdadeiro acolhimento.

Nesse processo de conscientização, o movimento pelos estágios de transitividade da consciência fez com que todos finalizassem aquele dia de encontro reflexivos e agradecidos com a oportunidade de diálogo.

A avaliação do processo pedagógico

Na etapa avaliativa, observam-se movimentos de transformação das concepções dos alunos-adolescentes que participaram do grupo de educandos, após 78 dias de a dinâmica educativa corpo-saber ter sido implementada. Na observação, percebe-se que o relacionamento dos colegas com a adolescente do caso referência é manifestado como afetuoso, acolhedor, respeitoso e inclusivo.

No arremesso da bolsa na cesta, em dupla. Começa pela adolescente 3 vai quicando a bola no chão e passa para a adolescente 4; em seguida, essa adolescente passa a bola para a adolescente do caso referência. E assim se revezam até chegar a cesta, para que a última a arremesse. Eles jogam naturalmente a bola, de forma respeitosa, sorrindo todo o tempo, demonstrando prazer e alegria. (Evento observado na aula de educação física. Adolescentes-educando e a adolescente do caso referência)

No encontro grupal com o grupo de professores, reapresentou-se a produção artística da dinâmica Mapa Falante diagnóstica, para que comparassem o antes e o depois da educação em saúde participativa.

Agora, ela está com o rosto completamente livre, completamente livre! Eu não sei se houve uma mudança da turma [X para a turma Y]. Eu acredito que a mudança é porque ela deve ter se sentido mais confiante, a partir de alguma coisa que tenha acontecido [a dinâmica educativa] que a gente não presenciou, ela se sentiu mais à vontade, mais confiante, mais sorridente. (GP2a)

O grupo refletiu sobre os comportamentos e atitudes de acolhimento da adolescente do caso referência. Uma professora destacou que a aparência dessa adolescente mudou, pois ela deixou de usar tampão e óculos, o cabelo não esconde mais parte de seu rosto. Não só a imagem corporal mudou, mas também seu comportamento se apresenta mais autoconfiante e mais alegre.

Nesse sentido, o bom acolhimento dos pares produziu mais segurança na adolescente, e a mobilização intersetorial hospital-escola parece ter melhorado o acolhimento e a inclusão sócio-escolar. A dinâmica educativa corpo-saber parece ter mobilizado atitudes de mudança de comportamento da adolescente do caso referência, reconhecido por professores, e não só o que foi observado no registro etnográfico da interação grupal.

A aluna [adolescente sobrevivente de câncer] mudou o compor­tamento de esconder o olho comprometido pela doença. Não sei se a melhora foi por um novo tratamento ou tem relação com uma nova atitude dos colegas, após a dinâmica [educativa] de vocês. (GP3a.)

Ela melhorou seu comportamento, está mais feliz. (GP2a)

A adolescente do caso referência adotou uma nova imagem corporal (passou a não esconder mais a órbita e olhos acometidos), mais alegre e autoconfiante. Os professores refletem sobre essa mudança, associando-a à auto-aceitação da imagem corporal, resultado da aceitação dos pares.

A metodologia participativa e problematizadora da dinâmica educativa corpo-saber desempenhou um papel fundamental para a construção de uma nova identidade coletiva, contribuindo para a reconstrução de identidade dos pares, o que permitiu a auto-aceitação e aceitação por seus pares. O processo de transitividade de uma consciência identitária foi disparado pela metáfora do corpo problematizado no espaço dialógico, grupal e interativo. Alunos-adolescentes que não conversavam com a adolescente do caso referência passam a fazê-lo. Tanto no Mapa Falante avaliativo como na observação participante etnográfica foi constatado que houve interação e atitudes de preocupação mútua.

O jeito dela [...] agora está [...] mais solta, conversando mais com as pessoas, agora ela se abre mais para as pessoas. Eu acho que ela foi aceitando mais o jeito dela, que ela não está mais usando óculos [para esconder] o olho. (GA2a e GA3a)

[Depois da dinâmica educativa], a convivência dela com as pessoas da turma aumentou [melhorou] bastante. Antes eu não falava, não nos falávamos. Só de vez em quando eu falava com ela. Mas, depois [da dinâmica educativa], a gente foi se falando mais. (GA5a.)

Ela está vendo que está sendo acolhida por mais pessoas da turma [...]. Que a gente está do lado dela para o que der e vier. (GA2a.)

Aqui vemos o caminhar em direção à transitividade crítica da consciência de outro adolescente-aluno, que, três meses após o desenvolvimento da dinâmica corpo-saber, pediu perdão publicamente à adolescente sobrevivente e encorajou os demais alunos-adolescentes que a expuseram ao bullying a procederem da mesma forma.

Eu errei com uma única pessoa na escola e isso pesava minha consciência até aquele momento da ação educativa. Errei com Ela [...] e eu pensei “O que eu fiz?”. Admiti meu erro diante de todos os alunos da turma. Porque, a última vez que eu falei com ela [depois da dinâmica educativa], eu senti que ela não havia me perdoado profundamente. Ela permanecia distante, tinha medo que eu fizesse de novo, que não era de coração [Figura 2], que era só da boca para fora. Era um perdão só de palavras. (GA4a)

Figura 2
Produção artística de GA4a, Mapa Falante avaliativo

Esse adolescente prova a si mesmo que o conhecimento construído sobre a sobrevivência do câncer não era algo transitório. Ele precisou consolidá-lo após refletir que o bullying produziu um mar de dor (cor azul e o registro da palavra dor) na vida da adolescente do caso referência, que precisava ser riscado. A transitividade de sua consciência gerou ação na esfera pessoal e coletiva.

Durante a aula de artes, pedi para que aqueles que fizeram bullying se levantassem, que essa pessoa chegaria e pediria perdão. Propus esse exercício, para Eu falar com Ela [a adolescente] sobre a brincadeira de mal gosto que eu havia feito com ela no início do ano [2016]. Para pedir o perdão. Levantei, conversei com ela e pedi perdão... ela me perdoou. A partir daquele dia, eu me sinto mais leve. (GA4a)

A metodologia participativa da dinâmica educativa corpo-saber desempenhou um papel ativo para que alunos adolescentes saíssem da esfera puramente ingênua e de pressuposições sobre quem era aquela adolescente diferente que chegou na escola no ano de 2016, para assumir uma postura pró-ativa de acolhimento baseado na reflexividade, no conhecimento e compreensão. Percebe-se uma abertura do processo de conscientização, disparado por uma metodologia que combina participação, arte e compartilhamento de experiências e conhecimento. Partiu-se de uma consciência semintransitiva para a transitividade ingênua rumo à transitividade crítica. O registro das mudanças corporais causadas pelo câncer em um corpo desenhado no papel foi o recurso pedagógico da dinâmica corpo-saber disparador do processo educativo participativo.

DISCUSSÃO

As “situações-limite” desafiaram a convivência da adolescente sobrevivente do câncer no contexto escolar. Os alunos-adolescentes e os professores problematizaram a aceitação da adolescente do caso referência, as mudanças na imagem corporal e o (des)acolhimento como parte do conjunto dessas situações.

Desconhecer as razões das mudanças na imagem corporal e as novas necessidades de saúde especiais, geradas pelo diagnóstico e tratamento do câncer, podem interferir negativamente na convivência e reinclusão escolar exitosa, como analisado na etapa diagnóstica. Entre os problemas da reinclusão da adolescente sobrevivente do câncer, destacam-se o medo da reação dos novos colegas de sala de aula e dos professores, o preconceito com o diferente e a exposição à prática de bullying pelos pares(55 Santos MM, Perkoski IR, Kienen N. Bullying: atitudes, consequências e medidas preventivas na percepção de professores e alunos do ensino fundamental. Temas Psicol [Internet]. 2015 [cited 2020 Jan 04];23(4):1017-33. doi: 10.9788/TP2015.4-16
https://doi.org/10.9788/TP2015.4-16...
,77 Anders JC, Souza AIJ. Crianças e adolescentes sobreviventes ao câncer: desafios e possibilidades. Ciênc Cuid Saúde. 2009;8(1):131-7. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v8i1.7788
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
-88 Helms AS, Schmiegelow K, Brok J, Johansen C, Thorsteinsson T, Simovska V, et al. Facilitation of school re-entry and peer acceptance of children with cancer: a review and meta-analysis of intervention studies. Eur J Cancer Care. 2016;25(1):170-9. doi: 10.1111/ecc.12230
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,2222 Winterling J, Jervaeus A, Sandeberg Ma, Johansson E, Wettergren L, Perceptions of school among childhood cancer survivors: a comparison with peers. J Pediatr Oncol Nurs. 2015;32(4):201-8. doi: 10.1177/1043454214563405
https://doi.org/10.1177/1043454214563405...
).

O adoecimento pelo câncer infanto-juvenil foi o drama humano vivido pela adolescente quando entrou na nova escola, passou a viver em um novo bairro e a conviver com novos pares, sem que os mesmos compreendessem as razões da aparência que não correspondiam ao corpo ideal de alguém na adolescência. O adolescente vive a “idade de transição”, em que conforma uma nova estrutura de personalidade, modifica e ascende a um nível superior de conduta social(1212 Vigotski LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7ªed. São Paulo: Martins e Fontes, 2007.). Nesse sentido, privar os adolescentes do retorno à escola é de algum modo negar-lhes a oportunidade de desenvolvimento e de ter uma vida completa(88 Helms AS, Schmiegelow K, Brok J, Johansen C, Thorsteinsson T, Simovska V, et al. Facilitation of school re-entry and peer acceptance of children with cancer: a review and meta-analysis of intervention studies. Eur J Cancer Care. 2016;25(1):170-9. doi: 10.1111/ecc.12230
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-99 Freitas NB, Santos JLF, Estanislau AM, Palitot RM, Fonsêca PN. As percepções das crianças e adolescentes com câncer sobre a reinserção escolar. Rev Psicopedag [Internet]. 2016 [cited 2020 Jan 4];33(101):175-83. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v33n101/07.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v...
). A ausência de iniciativas de acolhimento da comunidade escolar pode maximizar esses problemas, levando ao afastamento desse adolescente da escola, impedindo-os de prosseguir ascendendo para um nível superior de formação intrapsíquica.

O bullying foi praticado pelos pares como resultado do desconhecimento, da incompreensão e da falta de diálogo inclusivo promovido entre os setores saúde e educação. Na medida em que se desvelou a situação-limite, nessa mesma medida, chegou-se à possibilidade, antes não experimentada, de formular novas palavras. Palavras entre professores, adolescentes alunos e a adolescente sobrevivente do câncer que superaram o comportamento excludente. Segundo uma perspectiva freiriana, passou-se a compreender a leitura da palavra a partir da leitura de mundo, desvelado no ato educativo e dialógico da pedagogia inerente a dinâmica educativa corpo-saber.

A conscientização é um processo que se constrói a partir de verdades interpsicológicas que se transformam em intrapsicológicas e que mobilizam o ser humano a transitar pelos estágios da consciência semintransitiva, ingênua até a crítica. Em outras palavras, a experiência formada por instrumentos e signos promove a mediação simbólica capaz de gerar aprendizado e transformação da consciência(1111 Freire P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morales, 1979.-1212 Vigotski LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7ªed. São Paulo: Martins e Fontes, 2007.).

A arte representou, na metodologia participativa da dinâmica educativa corpo-saber, uma projeção de quem a produziu, seja na etapa diagnóstica seja na avaliativa. A arte projeta concepções internas, por vezes desconhecidas pela própria pessoa, pois, na arte, as pessoas são capazes de conduzir de forma criativa as discussões da periferia para o centro(2323 Lobo TR, Cabral IE. Concepções de professores e alunos sobre acolhimento de adolescente após o tratamento de câncer. Atas CIAIQ 2019. Invest Qualit Saúde [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 4];2: 956-964. Available from: : https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2169
https://proceedings.ciaiq.org/index.php/...

24 Pentassuglia M. "The Art(ist) is present": Arts-based research perspective in educational research. Cogent Educ. 2017;(4):1301011. doi: 10.1080/2331186X.2017.1301011
https://doi.org/10.1080/2331186X.2017.13...
-2525 McNiff S. Artistic Expressions as Primary Modes of Inquiry. British J Guid Counsel. 2011;39:385-96. doi: 10.1080/03069885.2011.621526
https://doi.org/10.1080/03069885.2011.62...
).

Na literatura internacional, destaca-se a body-mapping com uma abordagem semelhante à dinâmica corpo-saber na abordagem de temas sensíveis na clínica, na pesquisa e em práticas educativas. Tanto a dinâmica corpo-saber como a técnica do body-mapping mobilizam o participante a refletir sobre a relação entre corpo e justiça social e pode servir como ferramenta de tradução de conhecimento, entre outros aspectos(2626 Wallace HJ, McDonald S, Belton S, Miranda AI, Costa E, Matos LC, et al. Body mapping to explore reproductive ethno-physiological beliefs and knowledge of contraception in Timor-Leste. Qualit Health Res. 2018;28(7):1171-84. doi: 10.1177/1049732317750382
https://doi.org/10.1177/1049732317750382...
-2727 De Jager A, Tewson A, Ludlow B, Boydell K. Embodied ways of storying the self: a systematic review of body-mapping. Forum Qualitative Sozialforschung/Forum: Qualitative Social Research [Internet]. 2016;17 (2):31p. doi: 10.17169/fqs-17.2.2526
https://doi.org/10.17169/fqs-17.2.2526...
). Abordar condições crônicas em adolescentes e adultos jovens, como o engajamento de adolescentes e jovens com diabetes mellitus tipo 1 no manejo do seu cuidado com o corpo(2727 De Jager A, Tewson A, Ludlow B, Boydell K. Embodied ways of storying the self: a systematic review of body-mapping. Forum Qualitative Sozialforschung/Forum: Qualitative Social Research [Internet]. 2016;17 (2):31p. doi: 10.17169/fqs-17.2.2526
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).

A etapa de implementação da dinâmica educativa corpo-saber disparou a problematização sobre estranhamento às mudanças na imagem corporal relacionadas ao câncer. Parece que, inicialmente, essas mudanças atuaram como barreira de acolhimento para adolescente sobrevivente de câncer na escola. A metodologia participativa da dinâmica educativa corpo-saber foi estruturada com base nesses pressupostos, para o desenvolvimento de estratégias de trabalho grupal. Nesse sentido, compreende-se que os instrumentos mediadores e signos da prática grupal podem criar oportunidades de diálogo. O processo educativo participativo foi essencial na tomada de consciência ao promover rupturas e ações reinclusivas.

Se, por um lado, o desenvolvimento-libertação é a “possibilidade não-experimentada”, por outro, a “situação-limite” das sociedades dirigentes é o novo comportamento que pode ser produzido pelos caminhos da educação(1111 Freire P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morales, 1979.). Assim, a metodologia participativa da dinâmica educativa corpo-saber implementada com os adolescentes educandos pode influenciar os demais adolescentes no desenvolvimento de comportamentos acolhedores e inclusivos.

Como a participação na escola pode ter um significado adicional para os adolescentes com câncer, o envolvimento escolar representa um senso de normalidade, fornecendo uma sensação de esperança para o futuro(88 Helms AS, Schmiegelow K, Brok J, Johansen C, Thorsteinsson T, Simovska V, et al. Facilitation of school re-entry and peer acceptance of children with cancer: a review and meta-analysis of intervention studies. Eur J Cancer Care. 2016;25(1):170-9. doi: 10.1111/ecc.12230
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). O retorno à escola após o tratamento do câncer pode ser um momento singular e complexo para os adolescentes, devido à sua necessidade de desenvolvimento para obter reconhecimento pelos pares e estabelecer independência. Com o fim do tratamento do câncer, o adolescente pode retornar às atividades normais e participar ativamente na determinação dos objetivos da vida e na tomada de decisões significativas(66 Choquette A, Rennick JE, Lee V. Back to school after cancer treatment: making sense of the adolescent experience. Cancer Nurs. 2016;39(5):393-401. doi: 10.1097/NCC.0000000000000301
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7 Anders JC, Souza AIJ. Crianças e adolescentes sobreviventes ao câncer: desafios e possibilidades. Ciênc Cuid Saúde. 2009;8(1):131-7. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v8i1.7788
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-88 Helms AS, Schmiegelow K, Brok J, Johansen C, Thorsteinsson T, Simovska V, et al. Facilitation of school re-entry and peer acceptance of children with cancer: a review and meta-analysis of intervention studies. Eur J Cancer Care. 2016;25(1):170-9. doi: 10.1111/ecc.12230
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).

A abordagem em equipe multidisciplinar (com enfermeiros e funcionários da escola) é muito importante para apoiar a retorno de crianças à escola(66 Choquette A, Rennick JE, Lee V. Back to school after cancer treatment: making sense of the adolescent experience. Cancer Nurs. 2016;39(5):393-401. doi: 10.1097/NCC.0000000000000301
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). Pouco se sabe de que forma a volta às aulas após o tratamento do câncer pode influenciar no desenvolvimento da identidade pessoal e das relações sociais do adolescente, visto que os dados sobre a perspectiva do próprio adolescente são particularmente limitados. A maioria dos estudos se concentrou nas perspectivas de pais, irmãos e professores, no que se refere aos desafios que esta população adolescente enfrenta(33 Soejima T, Sato I, Takita J, Koh K, Maeda M, Ida K, et al. Support for school reentry and relationships between children with cancer, peers, and teachers. Pediatr Int. 2015;57(6):1101-7. doi: 10.1111/ped.12730
https://doi.org/10.1111/ped.12730...
,66 Choquette A, Rennick JE, Lee V. Back to school after cancer treatment: making sense of the adolescent experience. Cancer Nurs. 2016;39(5):393-401. doi: 10.1097/NCC.0000000000000301
https://doi.org/10.1097/NCC.000000000000...
,88 Helms AS, Schmiegelow K, Brok J, Johansen C, Thorsteinsson T, Simovska V, et al. Facilitation of school re-entry and peer acceptance of children with cancer: a review and meta-analysis of intervention studies. Eur J Cancer Care. 2016;25(1):170-9. doi: 10.1111/ecc.12230
https://doi.org/10.1111/ecc.12230...
).

Na etapa avaliativa constataram-se mudanças na convivência escolar após a implementação da metodologia participativa da dinâmica educativa corpo-saber responderam à necessidade socioescolar de uma adolescente sobrevivente do câncer com necessidades especiais de saúde. Assim, o cuidado sócio-escolar representa uma demanda de cuidados que essa metodologia educativa foi resolutiva na produção de novas formas de consciência. Embora as necessidades psicossociais estejam bem definidas (psicológicas, psiquiátricas, emocionais, sociais, vocacionais, comportamentais e estilo de vida), o desafio reside em prover cuidados efetivos direcionados para essas necessidades(2828 Recklitis CJ, Syrjala KL. Provision of integrated psychosocial services for cancer survivors post-treatment. Lancet Oncol. 2017;18(1):e39-e50. doi: 10.1016/S1470-2045(16)30659-3
https://doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30...
).

Neste estudo, o retorno à escola após a cura do câncer foi tão desafiador quanto aquele observado durante o curso da doença, ao tempo em que o processo educativo participativo foi essencial na tomada de consciência ao promover rupturas e ações reinclusivas.

Limitações do estudo

A participação na metodologia participativa da dinâmica educativa corpo-saber não foi expandida para adolescentes que não participaram da etapa diagnóstica, o que reduziu o número de agentes multiplicadores do conhecimento para toda a comunidade escolar. A implementação desta metodologia em um único encontro e com um número limitado de participantes e não com toda a classe onde a adolescente (caso de referência) estudava foi outro limite do estudo. Os professores envolvidos nas etapas diagnósticas e avaliativa são potenciais promotores de inclusão na transição do hospital para a escola, mas também não participaram do encontro educativo.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou políticas públicas

A melhoria crescente nos índices de cura do câncer infanto-juvenil tem proporcionado um retorno dos sobreviventes à vida social plena e é uma realidade cada vez mais frequente. Assim, precisa-se repensar a reinclusão educacional plena de adolescente sobrevivente do câncer na transição hospital-escola. Nesse processo, o tema convivência social escolar deve ser pautado na agenda de acompanhamento do adolescente na conclusão do tratamento oncológico. Instituições que tratam adolescentes com câncer devem trabalhar no estabelecimento e fortalecimento de vínculo entre saúde e educação. Do mesmo modo, compartilhar este conhecimento e as necessidades especiais em saúde do adolescente em pós-tratamento de câncer com a atenção básica promove uma articulação entre as redes de atenção da alta complexidade com a atenção básica. Um diálogo é necessário entre os setores saúde e a educação, por meio do Programa Saúde na Escola(1010 Brasil EGM, Silva RM, Silva MRF, Rodrigues DP, Queiroz MVO. Adolescent health promotion and the School Health Program: complexity in the articulation of health and education. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03276. doi: 10.1590/S1980-220X2016039303276
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201603...
).

Portanto, difundir a educação em saúde com abordagem na convivência social dos adolescentes em pós-tratamento de câncer deve incluir a escola e outras esferas sociais onde os adolescentes transitam. A reinclusão escolar plena representa mais um desafio que se soma a tantos outros que surgem com o desfecho exitoso da cura do câncer infanto-juvenil, sendo uma responsabilidade intersetorial da saúde e educação na implementação de abordagens inovadoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O agir da enfermagem se materializou com a aplicação da metodologia de educação participativa, mediada pela arte, reflexão e ação. Como uma ação educativa, a metodologia participativa da dinâmica corpo-saber representou uma via de diálogo aberto entre os setores saúde e educação, com capacidade para detectar e intervir nos problemas emergentes da convivência escolar que afetam diretamente a reinclusão escolar plena de adolescentes sobrevivente de câncer.

Na implementação da metodologia, a arte das produções coletivas se constituiu nos instrumentos e signos disparadores do processo de conscientização, levando os adolescentes alunos a transitarem pelos estágios da consciência semintransitiva para a transitiva ingênua e possibilidades de expressão da consciência crítica. A abordagem educativa estabeleceu uma relação nexo-causal com a mudança da imagem corporal, mobilizando sentimentos que levaram os pares e a própria adolescente (sobrevivente do câncer) a mudar seus comportamentos, saindo do campo abstrato para o concreto. Todos assumiram atitudes positivas na convivência sócio-escolar, pois o conhecimento tomou forma, ao se materializar em ação e reinclusão de adolescente sobrevivente de câncer. Nesse sentido, a metodologia participativa da dinâmica educativa corpo-saber gerou conhecimento sobre as mudanças na imagem corporal produzidas pelo câncer e seu tratamento, compreensão e habilidades de relacionamento, sendo um instrumento promotor de melhoria na convivência escolar entre os pares, por meio de atitudes de acolhimento de adolescente em pós-tratamento de câncer.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 – bolsa de doutorado à Camille Xavier de Mattos. Apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bolsa de produtividade em pesquisa (Processo nº 303149/2019-1) e Edital Universal Chamada MCTIC/CNPq nº 28/2018 (Processo nº 430213/2018-2) concedido à Ivone Evangelista Cabral.

AGRADECIMENTO

Às Professora Juliana Rezende Montenegro Medeiros de Moraes; à mestrada em 2016, Thais Guilherme Pimentel; à bolsista de Iniciação científica Isabella da Silva Motta; e membros do Grupo de Pesquisa Criança com Necessidades de Saúde Especiais (Grupo CRIANES) pelas contribuições à de análise de dados.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Valladares Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2020
  • Aceito
    07 Set 2020
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