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Associação Brasileira de Enfermagem: luta por um espaço na nova capital federal

RESUMO

Objetivos:

analisar o processo de transferência da Associação Brasileira de Enfermagem para sua nova sede em Brasília/Distrito Federal.

Métodos:

estudo qualitativo, sócio-histórico, documental. A análise gerou as seguintes categorias: Reorganização associativa: movimento de transferência da sede da ABEn Central; e Estratégias utilizadas na luta pela apropriação de espaço.

Resultados:

a Associação Brasileira de Enfermagem esteve engajada em uma luta, a qual durou nove anos, pela aquisição de um terreno na nova capital federal, Brasília, no intuito de assegurar um lugar de prestígio para a Associação, bem como para enfermagem.

Considerações Finais:

a Associação Brasileira de Enfermagem, juntamente com as suas seções, empreendeu esforços e implementou estratégias para a ocupação de espaço na nova capital federal, possibilitando visibilidade e reconhecimento à profissão da enfermagem.

Descritores:
História da Enfermagem; Sociedades; Organizações; Brasil; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the transfer process of the Brazilian Nursing Association to its new headquarters in Brasília/Federal District.

Methods:

qualitative, socio-historical, and documental study. The analysis generated the following characteristics: Associate reorganization: the transfer from the Central ABEn headquarters; and the Strategies used in the struggle for the appropriation of space.

Results:

the Brazilian Nursing Association was engaged in a struggle, which lasted nine years, for the acquisition of land in the new Federal Capital, Brasília, to ensure a prestigious place for the Association, and for nursing as well.

Final Considerations:

together with their sections, undertook efforts and implemented strategies to find a space in the new Federal Capital, allowing visibility and recognition to the nursing profession.

Descriptors:
History of Nursing; Societies; Organizations; Brazil; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

analizar el proceso de transferencia de la Asociación Brasileña de Enfermería a la nueva sede en Brasília/Distrito Federal.

Métodos: estudio cualitativo, sociohistórico, documental. El análisis generó las siguientes categorías: Reorganización asociativa: movimiento de transferencia de la sede de la ABEn Central; y Estrategias utilizadas en la lucha por apropiación de espacio.

Resultados:

la Asociación Brasileña de Enfermería estuvo comprometida en una lucha, la cual duró nueve años, por la adquisición de un terreno en la nueva capital federal, Brasília, con el objetivo de asegurar un lugar de prestigio a la Asociación, así como a la enfermería.

Consideraciones Finales:

la Asociación Brasileña de Enfermería, juntamente con sus secciones, emprendió esfuerzos e implementó estrategias para la ocupación de espacio en la nueva capital federal, posibilitando visibilidad y reconocimiento a la profesión de enfermería.

Descriptores:
Historia de la Enfermería; Sociedades; Organizaciones; Brasil; Enfermería

INTRODUÇÃO

A década de 1960 representou um período de importantes transformações no cenário político-geográfico do país em razão da transferência da capital federal da cidade do Rio de Janeiro para a cidade de Brasília. Para a enfermagem, dentre outras consequências, esse evento implicou a transferência da sede da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), com 34 anos de existência e única entidade representativa da enfermagem à época.

A transferência da capital ocorreu na data simbólica de 21 de abril de 1960. Cabe destacar que a mudança para o interior do país já era planejada desde o início da República, conforme descrito na Constituição de 1891. Entretanto por tratar-se de um feito consideravelmente caro, somente após décadas de discussões, finalmente, a transferência da capital ocorreu no governo do presidente Juscelino Kubitschek(11 Fausto B. História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2015. 688 p.).

Outros aspectos diziam respeito ao fato de que a construção da nova capital traria consigo o ideal de modernização da sociedade brasileira. Economicamente, a justificativa consistia no interesse de aumento das fronteiras econômicas visando à expansão capitalista nacional. A soma desses fatores dificultou a permanência da capital federal na cidade do Rio de Janeiro, apresentando a cidade, então, como não qualificada para continuar a exercer tal função(22 Motta MS. Rio, cidade-capital. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2004. 71 p.).

Com a transferência da capital, a ABEn foi obrigada a fazer o mesmo caminho porque, de acordo com seu estatuto, a sede da Associação deveria localizar-se na capital federal. Ademais, diante do cenário político do país, emergiam questões relacionadas à composição e demarcação de um espaço na nova capital, Brasília.

Criada por meio da união de ex-alunas da Escola de Enfermagem Anna Nery em 1926, a ABEn, inicialmente, denominava-se Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED). Passando por diferentes modificações no decorrer de sua história, alterou a denominação para Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) em 1954 e contava, no início de 1960, com seções em vários estados da federação, inclusive em Brasília(33 Teixeira KRB, Queirós PJP, Pereira LA, Peres MAA, Almeida Filho AJ, Santos TCF. Associative organization of nursing: struggles for the social recognition of the profession (1943-1946). Rev Bras Enferm. 2017;70(5):1075-82. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0186
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4 Silva JL, Machado DM. Enfermagem brasileira em 90 anos de história associativa: contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem. Here-Hist Enferm Rev Eletrôn [Internet]. 2018 [cited 2019 Nov 10];9(2):131-40. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/v9/n2/a4.pdf
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-55 Germano RM. Organização da enfermagem brasileira. Enferm Foco. 2010;1(1):14-7. https://doi.org/10.21675/2357-7007X.2010.v1.n1.3
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). A inserção das seções que levavam seu nome gerou ainda a necessidade de diferenciação da Associação principal/Associação Nacional, que passou a ser referida como ABEn Central, motivo pelo qual será assim denominada doravante neste estudo.

Apesar de parte da imprensa no Rio de Janeiro chegar a tratar o caso como “mentira carioca”(22 Motta MS. Rio, cidade-capital. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2004. 71 p.), a mudança da capital realmente se concretizou, portanto a Associação precisou movimentar-se a fim de adquirir um espaço para hospedar a nova sede.

OBJETIVOS

Analisar o processo de transferência da Associação Brasileira de Enfermagem para sua nova sede em Brasília/Distrito Federal.

MÉTODOS

Aspecto ético

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética e Pesquisa atendendo ao previsto na Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Ademais, por se tratar de um estudo que utiliza exclusivamente documentos públicos e de acesso aberto, também está respaldado pela Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016, do referido conselho.

Referencial teórico-metodológico

O presente estudo está imbricado ao processo histórico-social de lutas simbólicas empreendidas pelas enfermeiras, sendo a análise dos dados fundamentada nos conceitos de “campo”, “capital”, “poder” e “luta simbólica”, desenvolvidos pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. Tais conceitos foram úteis ao entendimento do capital simbólico das enfermeiras, o qual concedia o poder simbólico necessário a elas na luta pela apropriação de espaço geográfico que era também um espaço social, qual seja a construção da nova sede da Associação, entidade representativa do campo da enfermagem à época.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo qualitativo, histórico-social do tipo documental. As fontes históricas diretas(66 Barros JD. Fontes Históricas: revisitando alguns aspectos primordiais para a Pesquisa Histórica. Mouseion. 2012;12:129-159. https://doi.org/10.18316/332
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) do estudo incluíram documentos escritos: o estatuto da ABEn, relatórios das presidentes, ofícios, cartas e correspondências, edições da Revista Brasileira de Enfermagem das décadas de 1960 e 1970 e o documentário da ABEn (1926-1976), produzido por Anayde Correia de Carvalho. Os documentos estão descritos no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1
Fontes diretas que subsidiaram a pesquisa apresentadas em ordem cronológica, Brasília e Rio de Janeiro, Brasil, 1960-2008

Cenário

As fontes foram localizadas no Centro de Memória da Enfermagem Brasileira (CEMEnf), na sede da ABEn Nacional, em Brasília; e no Centro de Documentação (CDOC) e Biblioteca Setorial da Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte dos dados

A produção dos dados ocorreu no período de novembro de 2017 a maio de 2019. Foram definidos como critérios de inclusão: documentos escritos pertencentes ao recorte temporal do estudo, que compreendessem o período entre 1960 e 1975, cujos conteúdos contemplassem as estratégias empreendidas pela ABEn no processo de transferência de sua sede para a ocupação de espaço. Utilizou-se um roteiro para cada documento, de modo a subsidiar sua descrição e análise, entretanto os documentos foram analisados em seu conjunto e não isoladamente. Ainda, considerouse a cronologia dos eventos durante o período investigado.

Coleta e tratamento dos dados

As fontes selecionadas foram submetidas ao processo de crítica externa e interna, ou seja, a uma análise cuidadosa com o intuito de se determinar a autenticidade e a pertinência das informações contidas(77 Padilha MI, Bellaguarda MLR, Nelson S, Maia ARC, Costa R. The use of sources in historical research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e2760017. https://doi.org/10.1590/0104-07072017002760017
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-88 Abreu MSA, Haddad VCN, Costa LMC, Teixeira KRB, Peres MAA, Santos TCF. First officer nurses of the military police of the state of Rio de Janeiro (1994-1995): incorporation of military habitus. Esc Anna Nery. 2015;19(4):535-541. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150071
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). Para a seleção das fontes, foi aplicada a análise de adequação, a fim de verificar sua sintonia com os objetivos do estudo. Para tanto, essa análise comportou os seguintes aspectos: pertinência, visando à escolha de documentos adequados aos objetivos do estudo; suficiência, por meio do qual o corpus documental contemplou todos os lados do problema; exaustividade, prezando por não desconsiderar documentos por motivos que estivessem alheios aos objetivos do estudo ou da análise; representatividade, atentando para que o universo retirado do conjunto documental representasse o universo global; homogeneidade, considerando a similaridade na forma de obtenção dos dados retirados das fontes por intermédio de técnicas semelhantes; e organização dos documentos por setores(99 Barros JD. A fonte histórica e seu lugar de produção. Cad Pesqui Cdhis. 2012;5(2):407-29. https://doi.org/10.14393/cdhis.v25i2.15209
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).

Análise dos dados

Para a análise do corpus documental, foi empregada a análise da unidade de contexto, levando-se em conta estruturas sociais e simbólicas que influenciaram a produção do discurso contido na fonte e que são, portanto, inerentes ao processo. Essa escolha se deu por, neste estudo, ser mais importante explorar o contexto no qual determinada unidade ocorreu do que apenas a sua frequência(1010 Cardoso FC, Vainfas R. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 693p.). Da análise dos achados, emergiram duas categorias: Reorganização associativa: movimento de transferência da sede da ABEn Central; e Estratégias utilizadas na luta pela apropriação de espaço.

RESULTADOS

Reorganização associativa: movimento de transferência da sede da Associação Brasileira de Enfermagem Central

Os primeiros movimentos em relação à transferência da sede da ABEn Central para Brasília datam de 1957, quando, em reunião do Conselho Deliberativo, ocorrida em 19 de março daquele ano, a enfermeira Haydée Guanais Dourado abordou o assunto, lembrando a necessidade de se pleitear às autoridades competentes a doação de um terreno em Brasília. No entanto, na ocasião, o assunto não foi debatido, conforme consta no Documentário da ABEn (1926-1976), no qual Carvalho afirma que “os membros presentes àquela reunião ainda não estavam preparados para ouvir semelhante proposta, pois a ideia lançada nem sequer foi discutida”.

No ano seguinte, as discussões sobre a transferência da capital federal da cidade do Rio de Janeiro para Brasília se tornaram mais frequentes. Nesse contexto, a enfermeira Haydée Guanais Dourado, então Presidente da Comissão de Legislação da ABEn Central, se encontrava à frente dos acontecimentos, no intuito de garantir um bom lugar para a Associação e assegurar a representação da profissão na nova capital federal.

A primeira ação concreta nessa direção foi realizada em 1958, pela então presidente da ABEn Central, Maria Rosa de Souza Pinheiro. Nesse mesmo ano, ela havia recebido uma carta de uma associada da Seção de Goiás, enfermeira Cacilda Rosa Bertoni, sugerindo a aquisição de um terreno em Brasília. Essa sugestão também constou no relatório das atividades dessa seção, referente aos anos de 1958/59, no qual consideraram que a solicitação deveria ser realizada naquele momento enquanto a sua aquisição estava facilitada.

Após considerações e por decisão da diretoria da ABEn Central, a presidente fez o encaminhamento do ofício ao presidente da República em 6 de agosto de 1958, com o pedido de doação de terreno para a construção da nova sede. No ano seguinte, foi organizada uma comissão, presidida pela enfermeira Maria Geralda Franco, para tratar especificamente do assunto. Essa comissão, ao entrar em contato com o diretor da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (NOVACAP) no mesmo ano, 1959, tomou ciência de que o pedido ainda não havia sido analisado. Durante todo esse processo, a ABEn também contou com o auxílio de sua Comissão de Legislação e, mais tarde, criou uma Comissão Especial para tratar especificamente do assunto.

O processo envolveu inúmeros envios de solicitação de doação do terreno, os quais eram providos dos documentos necessários, além da descrição dos imóveis que a ABEn Central possuía no Rio de Janeiro, que poderiam ser colocados como hipoteca para aquisição do terreno. Os documentos davam conta de informar as características da Associação, ressaltando a sua utilidade pública e sua importância em âmbito nacional.

Em junho de 1960, a presidente da ABEn Central, Marina de Andrade Resende, enviou ofício ao diretor da NOVACAP, informando que, após o Congresso Brasileiro de Enfermagem (CBEn) daquele ano, estava programada a visita de algumas enfermeiras à Brasília, solicitando que, no ensejo da visita, fosse feito o ato público de doação do terreno. Entretanto, isso não ocorreu naquela ocasião.

Nesse mesmo ano de 1960, a presidente da Comissão de Legislação da ABEn Central informou em relatório da comissão que ela e a enfermeira Maria José de Abreu, a qual era encarregada de acompanhar o andamento do processo em Brasília, foram juntas à NOVACAP, aos gabinetes do presidente e do diretor, para entregarem novamente os documentos necessários ao andamento do processo. Na oportunidade, lhes foi prometido atenção ao processo em tela.

Maria José de Abreu era a pessoa responsável pelo acompanhamento do processo na NOVACAP, para manter a diretoria da Associação Central informada. Ela deu continuidade ao acompanhamento em 1963, durante a gestão de Clarice Ferrarini (gestão 1962-1964), e depois passou a função para a enfermeira Haydée Guanais Dourado, que ficou responsável pelo recebimento de doação do terreno e assumiu todas as responsabilidades inerentes à posse da procuração, pela presidente da ABEn Central.

A doação do terreno foi concedida em dezembro de 1963, porém o termo de posse permaneceu em tramitação até 1967, quando foi finalmente assinado. Em ofício enviado pelo diretor da NOVACAP à presidente da ABEn Central, em 1964, consta a autorização de doação do terreno e a solicitação de “imediato comparecimento para que fosse ultimado o processo de doação”. Nele, era ainda informado o prazo de 120 dias para a conclusão do processo, “sob pena de caducidade da doação e sua oferta a outras entidades que [estavam] interessadas em investir na Capital da República”. Apesar de acontecimentos políticos retardarem a tramitação do processo de doação do terreno para a sede no Distrito Federal, o processo encontrava-se em fase final, aguardando somente a liberação para pagamento de impostos.

Dessa forma, a lentidão da tramitação do processo não era somente em face da burocracia nos processos internos na NOVACAP, pois a própria Associação tinha dificuldades no acompanhamento do processo, como informado pela presidente. Tais dificuldades culminaram no tempo de seis anos desde a primeira solicitação para a doação do terreno, com a assinatura do termo de posse ocorrendo somente em 1967, três anos após o ato de doação.

Estratégias utilizadas na luta pela apropriação de espaço

Em 1964, no intuito de concentrar esforços para a construção da sede, a Associação constituiu uma Comissão Especial, sob a presidência documento de Diva Câmera, enfermeira, que já havia sido tesoureira da ABEn Central. No intitulado “Recomendações de Assembleias Gerais”, de julho de 1965, consta a sugestão de que a “Comissão de Legislação tivesse uma sede em Brasília e uma representação na Guanabara, ou vice-versa”. O documento se baseava no entendimento de que o país naquele momento e por alguns anos mais teria sua capital administrativa em duas cidades, quais sejam, Brasília e Rio de Janeiro.

Durante a Assembleia Geral, realizada em julho de 1965, a presidente da Comissão Especial Pró-Construção da Sede, enfermeira Diva Câmera, informou que havia conseguido uma prorrogação de três meses para o início da obra. Esse adiamento foi importante, pois havia a ameaça de perda do terreno caso as obras não fossem realizadas imediatamente. Vale ressaltar que, mesmo com o processo de transmissão de posse pendente, a Associação dava continuidade às providências que adiantariam o processo até a doação ser oficializada. Nesse sentido, no início desse mesmo ano (1965), a ABEn Central providenciou o plano de custo da construção, bem como realizou a mensuração do terreno, o cercamento da área e a produção das plantas, para entrega à NOVACAP.

Paralelamente a essas ações, a ABEn Central criou em 18 de maio de 1960 a seção de Brasília, a qual foi importante aliada nesse processo. Essa união foi cabalmente evidenciada quando, em menos de um mês, a então presidente da ABEn Central, Maria de Andrade Resende (gestão 1958-1962), enviou carta à presidência com as congratulações, afirmando a importância da colaboração da recém-criada seção à Comissão de Legislação da ABEN Central ao responsabilizarse pelo seguimento do processo nº 3.867, de 11 de dezembro de 1959, que tratava sobre o pedido do lote do terreno para a construção da futura sede da Associação em Brasília.

A Seção do Distrito Federal se mostrou bem atuante. Tanto assim que, em 1962, dois anos após a sua criação, encaminhou recomendações à ABEN Central, as quais foram aprovadas no mesmo ano em Assembleia de Delegados realizada durante o XIV CBEn. As recomendações eram:

1. Que a ABEn, em nome da Assembleia Geral, [telegrafasse] ao Deputado Janduhy Carneiro, relator da emenda ao orçamento da União para 1963, solicitando-lhe esforçar-se pela manutenção da verba de Cr$ 10,000,000,00 para a construção da sede, em Brasília, 2. Que as seções trabalhassem juntos aos seus Deputados no mesmo sentido. 3. Que [fosse] instituída, pela ABEn, a “campanha do tijolo para a construção da sede”.

A Seção do Distrito Federal também promoveu cursos, eventos científicos e sociais, tendo sediado, em 1967, o XIX CBEn. Nessa ocasião, a presidente da ABEn Central, Circe de Melo Ribeiro (gestão 1964-1968), explicou os motivos da escolha da cidade para realização do evento, ressaltando que isso representava a confiança que a Associação depositava no projeto da nova capital. Circe de Melo também pontuou que a construção da sede própria da Associação, em Brasília, estava sendo possível em face do atendimento, pela NOVACAP, das solicitações das enfermeiras brasileiras.

A assinatura de posse definitiva do terreno ocorreu em março de 1967, nove anos após o ato de doação. De acordo com o Boletim Informativo da ABEn Central, de julho de 1969, a doação oficial do terreno foi feita no dia 5 de março de 1967, na sede da Prefeitura do Distrito Federal. A escritura de doação foi lavrada no 1º Ofício de Notas, com as representações do presidente da NOVACAP, Israel Novaes, e da presidente da ABEn Central, Circe de Melo Ribeiro. A partir da data da posse do terreno, ficou estabelecido um prazo de dois anos e dois meses para início e término da obra, entretanto novamente houve dificuldades no cumprimento dos prazos estabelecidos devido à falta de recursos financeiros.

Ainda no ano de 1967, foi lavrada a escritura do terreno após aprovação da terceira planta. No dia 21 de julho desse mesmo ano, durante a assembleia de delegados ocorrida no último dia do XIX CBEn, em Brasília, também foi lançada a pedra fundamental da sede. Nessa cerimônia, realizada no terreno da nova sede, localizado no módulo B da Superquadra 603, da Avenida L 2, N, estiveram presentes o presidente da NOVACAP, representando o prefeito do Distrito Federal, e um grande número de congressistas.

Apesar da regularização da doação do terreno em 1967, somente em 1968, as obras foram iniciadas, após inúmeros avisos de retomadas do terreno em face do atraso do início das obras. Os adiamentos se deram em razão da necessidade de que a comissão procedesse ao levantamento de recursos financeiros e adequações às exigências para a construção da sede. Não obstante, tais adiamentos também aconteceram devido ao atraso na aprovação do projeto por parte da Prefeitura do Distrito Federal. Tal aprovação ocorreu em 23 de julho de 1968, sendo o alvará concedido em 9 de dezembro do mesmo ano.

No ano seguinte, 1969, a Seção de Brasília se fez presente quando a primeira-dama do país, Dona Scila Nogueira Médici, ofereceu um chá às alunas e professoras do Curso de Emergências no Lar, patrocinado por essa Seção. Esse evento social contou ainda com a presença da presidente da ABEn Central, Amália Correa de Carvalho.

Ao final de 1969, quando a ABEn Central já se encontrava sob nova gestão, tendo como presidente Amália Corrêa de Carvalho (gestão 1968-1972), a associação enfrentou novamente a ameaça de retomada de posse do terreno, devido ao não andamento das obras. Foram diversas as tentativas de retomada de posse deste, pois outras associações começaram a se interessar pelo terreno, não apenas pela extensão, mas também pela localização no setor de Grandes Áreas Norte, destinado a instituições. Diante disso, a presidente da ABEn Central juntamente com a Irmã Maria Tereza Notarnicola, de modo a garantir a continuidade da posse do terreno, apresentaram as atividades que haviam sido realizadas pela Associação, em prol do andamento da obra, tais como a pesquisa geológica e o preparo do terreno para a ligação da água.

Vale ressaltar que a enfermeira Irmã Maria Tereza Notarnicola ocupava o cargo de 1ª tesoureira da ABEn Central, responsável pela prestação de contas do processo de construção da sede, trabalhando em conjunto com a Comissão Especial de Finanças. Essa comissão foi criada em 1967, com vistas a concentrar esforços em prol da construção da sede e teve como presidente eleita a Irmã Catarina Colavite, da congregação das irmãs de Caridade, entretanto ela não passou muito tempo à frente da comissão por motivo de transferência do Distrito Federal, resultando na solicitação de demissão do cargo.

Para tentar solucionar a situação, a Irmã Maria Tereza Notarnicola foi chamada para auxiliar as enfermeiras de Brasília enquanto se reorganizava uma nova comissão. Essa nova comissão foi constituída em reunião da diretoria da Associação, realizada em 22 de julho de 1967, com fins de construção da sede. Foram indicadas as enfermeiras Alice Andrade Maciel, na presidência; Diva Câmera, como tesoureira; e Maria das Graças Negromonte, Maria de Lourdes Cunha e Margarida M. Pequeno Fernandes como colaboradoras. No atestado escrito pela Presidente da ABEn Central em 1967, constava que à comissão foi concedida “plenos poderes para autorizar o início da construção, firmar documentos e tratar de todo e qualquer assunto referente à construção da sede”. Em ofício da presidente da comissão, Alice Maciel, à Presidente da ABEn Central, foi informado que a retomada do terreno não ocorreu devido à influência da enfermagem sobre o Conselho Deliberativo da NOVACAP. Ao todo, entre 1967 e 1969, a ABEn Central enfrentou três tentativas de retomada de posse por parte da NOVACAP.

A atuação da comissão rendeu agradecimentos da Presidente Amália Corrêa de Carvalho (gestão 1968-1972) em seu relatório de 1969. Ela informou que a construção se encontrava em fase final graças à dedicação da Comissão Especial de Construção da Sede (localizada no Distrito Federal), em especial, de Alice Andrade Maciel e de Diva Câmera, presidente e tesoureira respectivamente, e à liberalidade dos enfermeiros por meio das Seções a que pertenciam.

Após esses anos de intensas lutas e modificações, a cerimônia de inauguração da primeira parte da obra foi finalmente realizada, como parte das comemorações da 32ª Semana de Enfermagem, na data de 15 de maio de 1971. No momento, foram colocadas duas placas, uma institucional e outra individual, com os nomes das pessoas e instituições que contribuíram para o término da obra, como reconhecimento à sua ajuda. Foram ainda concedidos diplomas de honra ao mérito às pessoas que se destacaram com contribuições monetárias; ou com serviços para a construção bem como para as seções que ultrapassaram a meta estabelecida. Estiveram presentes na cerimônia autoridades civis, militares e religiosas, além de membros da diretoria da ABEn Central, da Seção de Brasília, e representantes de quase todas as seções estaduais.

Foram 13 anos de luta intensa nesse processo de transferência da sede. Durante esse longo percurso, que durou de 1958 a 1971, a Associação passou por cinco gestões, com as seguintes presidentes: Maria Rosa Souza Pinheiro (gestão 1954-1958), Marina de Andrade Resende (gestão 1958-1962), Clarice Ferrarini (gestão 1962-1964), Circe de Melo Ribeiro (gestão 1964-1968) e Amália Corrêa de Carvalho (gestão 1968-1972).

A enfermeira Amália Corrêa de Carvalho assumiu em 1972, para gestão 1972-1974, e teve a incumbência de terminar a urbanização e paisagismo da área externa e construir as galerias de águas pluviais. Sua sucessora Maria da Graça Simões Côrte Imperial (gestão 1974-1976) teve como missão o remate da obra, decoração e instalação definitiva da sede; e para a concretização desses dois últimos itens, a presidente contou com o trabalho da secretária executiva, Clarice Ferrarini.

Os arranjos finais para a mudança definitiva da sede foram realizados sob a incumbência da Irmã Maria Tereza Notarnicola, em 1974, como indicação da diretoria da ABEn Central. Como consta no Documentário da ABEn (1926-1976), esse movimento se deu porque legalmente a sede já se encontrava em Brasília pelos motivos seguintes:

1) pela emenda no artigo primeiro do Estatuto de 1973; 2) pelo cancelamento dos registros da ABEn no Rio de Janeiro e novos registros em Brasília, e 3) pelas publicações da mudança nos Diários Oficiais da União e do Estado da Guanabara.

A alteração dizia respeito ao artigo 1º, parágrafo 1º, do estatuto, o qual descrevia anteriormente: “A ABEn de tempo de duração indeterminado, tem provisoriamente sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, GB” (ABEn, 1966, p. 641). As alterações foram publicadas no Diário Oficial (D.O.) do Distrito Federal, em 9 de setembro de 1973; e no D.O. Guanabara, em 10 de dezembro de 1973. Finalmente em 1975, a administração da ABEn Central instalou-se definitivamente em Brasília.

As seções foram parte essencial desse movimento. Em balancete do ano de 1963, antes mesmo da criação da Comissão Especial Pró-Construção da Sede, a qual melhorou a articulação das ações com as seções, já constava a descrição de agradecimento às seções que já vinham se mobilizando no sentido de auxiliar a Associação no levantamento de recursos. No documento, estava incluído, por exemplo, um agradecimento especial à Seção de Sergipe, que tinha sido a primeira a contribuir com a “Campanha do Tijolo”.

Em carta à Presidente da ABEn Central, datada de 1964, a Irmã Tereza Notarnicola, presidente da Comissão de Finanças, após a autorização de concessão do terreno, escreveu que lançariam mão de todos os recursos disponíveis e contariam com o auxílio das seções, pois a ABEn não tinha outros meios de subsistência que não as suas seções.

Como forma de arrecadar mais fundos para o processo de construção, em 1968, a enfermeira Haydée Guanais Dourado propôs um plano geral por meio do qual as seções seriam divididas em grupos que ficariam responsáveis por realizar doações em favor da sede da ABEn Central, de acordo com o número de sócias da seção e da região em que se encontravam, visto que a quantidade de enfermeiras por região variava, bem como seus salários.

Os relatórios de gestão das presidentes apontaram que foram inúmeras as sugestões e propostas apresentadas para execução, pelas seções. Dentre elas, havia: a Campanha do Tijolo; rifas; bazares; subvenção por parte de deputados; campanha de recrutamento de associados; donativos individuais de enfermeiros, pessoas ou instituições relacionadas com a enfermagem; festas; campanha nas escolas de Enfermagem e auxiliares de enfermagem; elaboração de um livro de ouro, através do qual seriam realizadas doações para um fundo de construção; solicitação de doação às enfermeiras federais, que possivelmente eram as que recebiam melhores salários e, portanto, apresentavam maior possibilidade de doação; promoção de cursos para atualização de enfermeiros e auxiliares de enfermagem; e curso sobre Enfermagem no Lar. Tais estratégias tiveram início em 1958 e duraram até a finalização da obra.

Sobre as dificuldades enfrentadas no processo e ações empreendidas pelas seções, a presidente da ABEn Central, Amália Corrêa de Carvalho (gestão 1968-1972), registrou em seu relatório (1968-1969) as experiências únicas e ímpares do trabalho realizado no período. Pontuou também que os graves problemas financeiros vivenciados permitiram uma avaliação do grau de união da classe por meio das seções estaduais, as quais demonstraram, diante daquele cenário, um espírito de colaboração digno dos maiores elogios; e que somente mediante essa união foi possível continuar com o projeto. Por esse motivo, relatou que se sentia profundamente agradecida.

O investimento realizado nesse projeto requereu importantes doações de insumos financeiros e força de trabalho, sendo fundamental a ajuda das seções. O aspecto financeiro prejudicou outras atividades importantes da ABEn, a exemplo da proximidade entre a administração central e as próprias seções, como apresentou em seu relatório a presidente Amália Corrêa de Carvalho (gestão 1968-1972), afirmando que se tornou impossível destinar qualquer recurso financeiro para outras atividades, devido às pesadas obrigações financeiras relativas à construção da nova sede.

A presidente da ABEn Central, Amália Corrêa de Carvalho, registrou esse sentimento em relatório referente ao período entre setembro de 1969 e junho de 1970, quando afirmou que o processo de construção da nova sede evidenciou a união entre as associadas, bem como a visibilidade de pequeno grupo de mulheres, em prol de um ideal forte e válido, a saber, a construção de um patrimônio de incalculável valor social e cultural para a enfermagem brasileira, o qual ficaria sacralizado no capítulo destinado à narração das importantes realizações da associação.

DISCUSSÃO

A Associação Brasileira de Enfermagem, durante nove anos, se envolveu em uma luta simbólica(1111 Souza DF, Silvino ZR. A Sociologia de Pierre Bourdieu: potencialidade teórica para o subcampo da enfermagem. Rev Bras Enferm. 2018;71(4):2055-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0505
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) no tocante ao processo de transferência da sede para a Brasília, tanto pela necessidade de cumprir o estatuto quanto pela compreensão dos lucros simbólicos advindos da ocupação de um espaço destinado às instituições na nova capital federal. Sendo assim, empreendeu estratégias para a aquisição do terreno e construção da sede nesse espaço. Para lograr êxito nesse intento, fez valer o capital simbólico angariado pela associação e suas lideranças, especialmente, no/pelo campo da educação em enfermagem. Isso porque o “capital é a energia que impulsiona o desenvolvimento de um campo através do tempo”(1212 Grenfell M. Pierre Bourdieu: conceitos fundamentais. Petrópolis (RJ): Vozes, 2018. 400 p.). Nesse sentido, a Associação, compreendida como um espaço de produção e distribuição social desses capitais simbólicos, empreendeu estratégias para fazer uso desse capital como instrumento simbólico na luta pela aquisição do terreno.

Essas estratégias se constituíam especialmente de: criação de comissões especiais com enfermeiras prestigiosas, ou seja, aquelas ocupantes de posições de poder em escolas de enfermagem ou na própria ABEn, sendo estas as credenciais que conferiam visibilidade à expertise do grupo e, consequentemente, seu reconhecimento profissional e social(1313 Aperibense PGG, Silva CPG, Santos TCF, Almeida Filho AJ, Nelson S, Peres MAA. The uniform of nursing students: a strategy for the construction of professional identity (1950-1960). Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20170593. https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0593
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-1414 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Peres MAA, Paim L. The nursing profession: its status: that is the question. Rev Enferm UERJ. 2016;24(2):e8591. https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.8591
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); reuniões diversas em Brasília com representantes governamentais; criação de uma nova seção em Brasília, a qual, ao mesmo tempo que se constituía em importante apoio às enfermeiras vindas do Rio de Janeiro, também dava visibilidade, pela criação de mais uma seção estadual, e prestígio à Associação.

Cumpre relembrar que o processo de transferência foi longo; e, sendo assim, a Associação deteve grande parte de sua administração no Rio de Janeiro. Para dar conta das providências cabíveis à mudança do local da sede, as viagens realizadas pela Presidente da Comissão de Legislação, Haydée Guanais Dourado, eram imprescindíveis tanto pelo aspecto da resolução das pendências como pelo efeito simbólico da presença de uma figura prestigiosa da enfermagem brasileira nos assuntos da entidade e da profissão.

A criação de uma Comissão Especial pela ABEn Central foi uma estratégia importante para o acompanhamento do processo de transferência, facilitando o desempenho da Comissão de Legislação no tocante à possibilidade de atender às demais demandas da enfermagem brasileira, de igual importância para o desenvolvimento da profissão. Compreende-se que a criação dessa Comissão para tratar de assuntos da construção da sede tenha sido a saída mais viável naquele momento, em vez da manutenção de duas sedes de comissão de legislação.

Também a criação da ABEn - Seção de Brasília foi um passo significativo tanto para evidenciar a unidade da associação, como já mencionado, quanto para dar visibilidade a ela, pois a capital é o lugar do capital; e, por sua vez, não estar na capital representa estar privado do capital(1515 Bourdieu P. Espaço físico, espaço social e espaço físico apropriado. Estud Av. 2013;27(79):133-44. https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000300010
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). Por meio da criação dessa seção, é possível também observar a preocupação da ABEn Central em se aproximar das enfermeiras locais, com o intuito de fazer com que elas pudessem participar do corpo associativo, possibilitando que estivessem a par das discussões da enfermagem, bem como pudessem levar outras questões da própria profissão advindas dos serviços nos quais trabalhassem, fortalecendo a união e a atuação da enfermagem mediante sua principal entidade organizativa à época.

O prestigio da Associação Brasileira de Enfermagem - Seção de Brasília pôde ser evidenciado no tocante às possibilidades de as lideranças dessa seção fazerem reivindicações diretamente às pessoas influentes no campo político. Certamente, o volume e peso de seus capitais sociais e simbólicos, agregados aos das associações, lhes conferiam um discurso legítimo e, portanto, autorizado simbolicamente a exercerem tais reivindicações(1616 Silva TF, David HMSL, Koopmans FF, Dahe DV. Construindo possibilidades em Bourdieu para análise do campo da enfermagem. Enferm Foco. 2018;9(1):49-53. https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n1.1384
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). Ademais, a presença de pessoas influentes nas cerimônias realizadas pela ABEn, tais como a primeira-dama do país, evidenciava o reconhecimento conferido às enfermeiras dessa seção, agregando mais capital simbólico para Seção de Brasília, bem como para a ABEn Central.

As recomendações da Seção de Brasília, bem como suas ações, destacam o engajamento das enfermeiras dessa associação em prol de seu desenvolvimento, em um período marcado pela luta da ABEn Central por um importante espaço físico na capital do país, o qual simboliza também um espaço social. Isso porque a capital é “o lugar do espaço físico onde estão concentrados os ápices de todos os campos e a maioria dos agentes que ocupam essas posições dominantes”(1515 Bourdieu P. Espaço físico, espaço social e espaço físico apropriado. Estud Av. 2013;27(79):133-44. https://doi.org/10.1590/S0103-40142013000300010
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).

Os cursos realizados não só pela Seção de Brasília como pela maioria das seções da Associação nesse período, os quais eram incentivados pela diretoria da ABEn Central, mais do que se constituírem em uma das estratégias para levantar recursos financeiros em favor da construção da nova sede, representaram também uma possibilidade de transmissão de conhecimento para a população, bem como para as enfermeiras e demais profissionais de enfermagem. Nesse aspecto, as associações profissionais oferecem uma perspectiva de mudança, pois se configuram em espaços que favorecem o aprimoramento profissional, podendo propiciar também a formação críticoreflexiva e o entendimento do contexto político, social e profissional no qual estão inseridos(1717 Laitano ADC, Silva GTR, Almeida DB, Padilha MI, Peres MAA, Santos VPFA. Militancy of nurses in the institutionality field: printed media versions. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180835. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0835
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18 Castro AR, Nobrega-Therrien SM, Almeida MI, Vieira DVF, Montesuma FG. Análise da trajetória da Associação Brasileira de Enfermagem: Seção Ceará. Rev Rene [Internet]. 2017[cited 2020 Jun 12];18(3):321-8. Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=324053754006
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=3...
-1919 Santos TM, Silva BT, Miranda JS, Guimarães JCS, Aparibense PGGS, Peres MAA. Contribuições da Associação Brasileira de Enfermagem para a Enfermagem Psiquiátrica: um olhar sobre os Congressos Brasileiros de Enfermagem (1947- 1981). Here-Hist Enferm Rev Eletron [Internet] 2016. [cited 2020 Jun 10];7(2):406-22. Available from: http://here.abennacional.org.br/here/2a04.pdf
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).

O processo de doação do terreno foi longo e desafiador, pois nem sempre a ABEn Central pôde contar com a regularidade dos repasses dos recursos financeiros, já que as associações estaduais possuíam um quadro próprio de despesas; apesar disso, estas foram fundamentais para que o projeto de transferência da sede fosse concretizado.

O apoio das seções estaduais no concernente à aquisição do novo espaço para a sede foi objeto de exaltação e agradecimento por todas as presidentes da ABEn Central, ao longo de todo o processo de aquisição do espaço. Tal reconhecimento era importante para as seções estaduais, pois as presidentes são porta-vozes autorizados do grupo e, como tais, conseguem agir com palavras em relação a outros agentes, pois sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o mandato, sendo que, a despeito das difíceis decisões exigidas nesse período, o valor simbólico do projeto em questão excedia os sacrifícios(2020 Girardi Jr. L. Pierre Bourdieu: mercados linguísticos e poder simbólico. Rev FAMECOS [In-ternet] 2017. [cited 2019 May 21];24(3):1-14. Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495553932018
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). Assim, tais estratégias, além de lograrem êxito no que se refere à construção da sede da associação em área nobre da nova capital, também conferiram visibilidade ao trabalho das associações, pois o engajamento dos enfermeiros, representados por suas associações, constitui capital simbólico importante, para se fazerem ver e, portanto, se fazerem reconhecer.

Limitações do estudo

Como limitações do estudo, em face dos autores escreverem a partir de um lugar social, certamente são influenciados por questões do agora, portanto o trabalho historiográfico sofre múltiplas influências, as quais estão relacionadas aos espaços sociais que ocupam e são atualizadas ao longo do tempo.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou políticas públicas

O incremento de pesquisas nesta temática pode contribuir para uma maior atenção dos enfermeiros aos aspectos políticos da profissão, podendo encaminhar os profissionais para a construção de um projeto congregado e com compromisso social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os 17 anos entre a primeira solicitação do terreno (1958) e a concretização do projeto (1975) são um relevante demonstrativo da visão da enfermagem, de perseverança e união das enfermeiras da Associação, sem as quais, como visto, seria impossível atingir a consolidação de tal conquista.

Foram necessárias inúmeras estratégias para que o projeto fosse adiante. Nesse mister, as seções estaduais, em especial, a de Brasília, foram imprescindíveis para a transferência da sede para a capital. O engajamento e a articulação das seções ocorreram em um país de dimensões continentais, ou seja, elas conseguiram superar as dificuldades em termos de deslocamento entre as duas cidades (Rio de Janeiro e Brasília) onde estavam localizadas as questões relativas à administração da ABEn Central durante o período de transição para a capital. Nesse sentido, a criação de uma nova seção, em Brasília, e o auxílio das seções já existentes constituíram a ferramenta fundamental para o sucesso desse empreendimento, que representaria um ganho de valor inestimável não só para a ABEn, mas também para a enfermagem brasileira.

A concretização do ganho e a transferência da sede da ABEn para Brasília simbolizam a ocupação de espaço da enfermagem brasileira no local onde os jogos políticos acontecem, sendo, portanto, o lugar de importantes decisões dos rumos do país, no qual a enfermagem brasileira está inserida graças aos esforços das enfermeiras que eram conscientes do importante papel da Associação nas lutas pela enfermagem.

Dessa forma, a ABEn, como primeira entidade organizativa da enfermagem, protagonizou momentos significativos para a história da profissão. Tal protagonismo se expressou na sua própria existência, a qual sempre esteve voltada para o desenvolvimento da educação e ciência em enfermagem. Sendo assim, a associação esteve e está sempre presente nas lutas simbólicas pela visibilidade e reconhecimento profissional, com importante participação política e social.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2020
  • Aceito
    07 Fev 2021
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