Tendência e fatores associados à comorbidade tuberculose-diabetes mellitus em um município do Nordeste brasileiro

RESUMO

Objetivos:

identificar a tendência e os fatores associados à comorbidade tuberculose-diabetes mellitus em Imperatriz, Maranhão.

Métodos:

estudo epidemiológico de séries temporais, realizado em um município do Nordeste brasileiro. A população foi constituída pelos casos de tuberculose com agravo associado ao diabetes mellitus notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação entre 2009 e 2018. Determinou-se a prevalência e tendência da comorbidade utilizando regressões de Prais Winsten. Para identificar os fatores associados, empregou-se regressão de Poisson.

Resultados:

a prevalência variou de 3,23% em 2014 para 19,51% em 2018, com média de 11,5% para o período, apresentando tendência crescente. As faixas etárias de 30 a 59 anos e ≥ 60 anos, escolaridade < 8 anos e forma clínica da tuberculose pulmonar foram fatores de risco para a comorbidade.

Conclusões:

a tendência crescente da comorbidade e seus fatores associados alertam para a necessidade de aperfeiçoamento do atendimento nos níveis de atenção à saúde.

Descritores:
Tuberculose; Diabetes Mellitus; Comorbidade; Prevalência; Monitoramento Epidemiológico

ABSTRACT

Objectives:

to identify the trend and factors associated with Tuberculosis-Diabetes Mellitus comorbidity in Imperatriz, Maranhão.

Methods:

epidemiological temporal-series study, conducted in a Northeastern Brazilian municipality. The population consisted of Tuberculosis cases with Diabetes Mellitus-associated aggravation notified in the Notifiable Diseases Information System (SINAN) between 2009 and 2018. We determined the prevalence and trend of comorbidity using Prais-Winsten regressions and to identify associated factors employed Poisson regression.

Results:

prevalence ranged from 3.23% in 2014 to 19.51% in 2018, with a mean of 11.5% for the period, showing an increasing trend. Age groups 30 to 59 years and ≥ 60 years, education < 8 years, and clinical form of pulmonary Tuberculosis were risk factors for comorbidity.

Conclusions:

The increasing trend of comorbidity and its associated factors alert us to the need to improve customer service at all levels of health care.

Descriptors:
Tuberculosis; Diabetes Mellitus; Comorbidity; Prevalence; Epidemiological Monitoring

RESUMEN

Objetivos:

identificar tendencia y factores relacionados a la comorbilidad tuberculosis diabetes mellitus en Imperatriz, Maranhão.

Métodos:

estudio epidemiológico de series temporales, realizado en municipio del Nordeste brasileño. La población constituida por casos de tuberculosis con agravio relacionado a diabetes mellitus notificados en Sistema de Información de Agravios de Notificación entre 2009 y 2018. Determinó la prevalencia y tendencia de la comorbilidad utilizando regresiones de Prais-Winsten. para identificar los factores relacionados empleó regresión de Poisson.

Resultados:

la prevalencia varió de 3,23% en 2014 para 19,51% en 2018, con mediana de 11,5% para el período, presentando tendencia creciente. Rango etario de 30 a 59 años y ≥ 60 años, escolaridad < 8 años y forma clínica de la tuberculosis pulmonar fueron factores de riesgo para la comorbilidad.

Conclusiones:

la tendencia creciente de la comorbilidad y sus factores relacionados alertan para la necesidad de perfeccionamiento de la atención en los niveles de atención de salud.

Descriptores:
Tuberculosis; Diabetes Mellitus; Comorbilidad; Prevalencia; Monitoreo Epidemiológico

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB), principal causa de morte por doença infecciosa em todo o mundo, é provocada por um único agente infeccioso denominado Mycobacterium tuberculosis, transmitido por meio das vias aéreas superiores e que atinge principalmente os pulmões⁽¹⁾. Apresenta, ainda, índices elevados de morbimortalidade, sobretudo em países com maiores desigualdades sociais^(2-3).

Dados globais apontaram que 10 milhões de pessoas adoecerem por TB no mundo e 1,4 milhão morreu no ano de 2019⁽¹⁾. O maior risco de adoecimento pela TB ocorre nos dois primeiros anos após o contato inicial com o bacilo, mas ele pode permanecer incubado por várias décadas⁽⁴⁾. Estima-se que um quarto da população mundial esteja infectada com o agente etiológico da TB⁽¹⁾, e alguns fatores associados às alterações no sistema imunológico constituem-se como riscos para o desenvolvimento de TB ativa, destacando-se os casos de infecção pelo HIV, doenças e/ou tratamentos imunossupressores, extremos de idade, crianças menores do que 2 anos ou idosos e diabetes mellitus(DM)⁽⁴⁾.

Especificamente o DM, doença metabólica de origem multifatorial, responsável por elevar a glicose sanguínea, provoca danos, disfunção e falência de órgãos, como olhos, rins, nervos, coração e vasos sanguíneos^(5-6), gerando alterações no sistema imunológico do indivíduo que o tornam mais suscetível a infecções, como a TB^(6-8).

Nesse contexto, a associação TB-DM tem gerado preocupações quanto ao controle da primeira, visto que o DM contribui para a manutenção do ciclo de infecção. Indivíduos comórbidos apresentam mais chances de complicações e agravos relativos à TB, como a multirresistência ao tratamento, a diminuição das taxas de cura e o aumento das recaídas^(9-10).

Estudos apontam a associação do DM com elevados índices de TB, tendo em vista que países com alta prevalência daquele também apresentam maiores taxas de incidência para TB^(7,11-12). Isso ocorre porque a chance de desenvolvimento da TB é cerca de 1,5 a 3 vezes maior em pacientes com DM do que naqueles sem a doença^(13-14).

Contabiliza-se a alta carga de DM em pacientes com TB ativa no mundo, com prevalência de 15,3%⁽¹⁵⁾, e alta prevalência da comorbidade em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como Nigéria (9,4%), Etiópia (13,5%) e Índia (25,35%)^(16-18). Ainda, tem-se que a prevalência de DM entre pacientes com TB ativa foi impulsionada pela epidemia de DM na população em geral⁽¹⁵⁾.

Nessa perspectiva, destaca-se o Brasil, quinto país no mundo com maior número de indivíduos com DM⁽¹⁹⁾ e que está na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) entre os 30 países de alta carga de TB⁽¹⁾ - no país, o percentual de pessoas com TB que apresentaram DM aumentou de 5,5% para 7,7% nos anos de 2009 a 2017⁽²⁰⁾. Diante desse panorama epidemiológico, percebe-se a necessidade de ações direcionadas ao controle da comorbidade, tendo em vista que os impactos sociais e econômicos e os agravos à saúde são maiores quando essas doenças estão associadas⁽²¹⁾.

O DM está entre os cinco principais fatores de risco para desenvolvimento e mortalidade da TB, de modo que o monitoramento de sua prevalência constitui estratégia para redução da carga de TB no mundo, justificando a utilização de dados sobre a prevalência de DM em pacientes com TB para o planejamento de cuidado voltado à comorbidade⁽¹⁾. Informações sobre características sociodemográficas e clínico-epidemiológicas dos casos da comorbidade TB-DM e sua tendência são relevantes, pois constituem ferramentas que auxiliam no manejo clínico adequado entre ambas as enfermidades, o qual ainda é pouco compreendido entre os profissionais da saúde^(6,8).

Uma revisão integrativa da literatura⁽²²⁾ demonstrou que a alta prevalência de DM coopera para o aumento dos casos de TB, tendo influência sobre sua gravidade e provocando sintomas mais severos da doença. Os pacientes comórbidos, em sua maioria, apresentam idade avançada, sexo feminino e renda familiar baixa. Dos 16 estudos elegíveis, apenas 6 foram realizados no Brasil, e nenhum deles abordou cenário endêmico do Nordeste brasileiro, região cujos indicadores socioeconômicos e operacionais da TB demandam um olhar especial por parte dos sistemas e serviços de saúde⁽²³⁾.

Além das condições socioeconômicas desfavoráveis que apresentam forte relação com a TB, fatores como urbanização, estilo de vida sedentário, excesso de peso, crescimento e envelhecimento populacional têm impacto na maior prevalência de doenças crônicas, como o DM. Essa convergência de fatores favorece o desenvolvimento da TB, tornando essa doença uma prioridade para saúde pública mundial^(24-25), desvelando-se a necessidade de explorar e avançar no conhecimento da realidade epidemiológica dos casos da comorbidade TB-DM.

OBJETIVOS

Identificar a tendência e os fatores associados à comorbidade tuberculose-diabetes mellitus em Imperatriz, Maranhão.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Atendendo aos preceitos éticos da pesquisa, esta investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo epidemiológico de séries temporais⁽²⁶⁾, norteado pela ferramenta STROBE, realizado no período de 2009 a 2018, em Imperatriz, Maranhão, Região Nordeste do Brasil. Localizado no sudoeste do estado do Maranhão, a 626 km da capital São Luís, o município possui área territorial de 1.368,988 km² e população estimada em 258.016 habitantes, sendo mais de 94% dela residente em área urbana⁽²⁷⁾. É considerado o segundo maior centro populacional e polo comercial e de serviços do estado⁽²⁸⁾. Para o enfrentamento da TB no Brasil, desde 2017 foram definidos cenários a serem trabalhados nos próximos anos que tivessem relação com a meta de redução da incidência da doença no Brasil. O munícipio em questão está inserido no cenário 2.3, caracterizado pelos indicadores socioeconômicos e operacionais menos favorecidos^(23,29), apresentando, durante o período deste estudo, média de incidência de TB de 25,8/100 mil habitantes⁽³⁰⁾.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

No estudo, foram incluídos todos os casos de TB com agravo associado de DM registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) no período compreendido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, no município de Imperatriz. Foram excluídos os casos com erro de diagnóstico e aqueles em que não foi assinalada a variável “comorbidade TB-DM”.

Protocolo do estudo

A coleta de dados ocorreu em novembro de 2019 por meio da extração das variáveis via SINAN, do Serviço de Vigilância em Saúde (SVS) da Unidade Gestora Regional de Saúde de Imperatriz (UGRSI). Para caracterização dos casos em âmbito individual, variáveis referentes aos dados de notificação individual (idade, sexo, raça/cor e escolaridade), residência (zona) e complementares do caso (forma clínica, baciloscopia de escarro, radiografia do tórax e cultura de escarro) foram obtidas das fichas de notificação compulsória da TB.

Análise dos resultados e estatística

Realizou-se, inicialmente, análise descritiva das variáveis sociodemográficas e clínicoepidemiológicas por meio da determinação de frequências absolutas e relativas. Definiuse a prevalência em valores percentuais da comorbidade TB-DM a cada ano, dividindo-se o número de casos de pacientes com a comorbidade pelo número de casos existentes de TB. Determinou-se, ainda, a prevalência média para o período, levando-se em consideração a somatória das prevalências para o período, dividida por 10, referente ao período de estudo (dez anos).

Para a análise de tendência da prevalência entre os anos de 2009 e 2018, foram utilizadas regressões de Prais-Winsten, considerando-se a autocorrelação em séries temporais⁽³¹⁾. Para a taxa de incremento anual (TIA) e respectivos intervalos de confiança, empregou-se o cálculo proposto por Antunes⁽³²⁾. Com base nesses parâmetros, a TIA foi classificada como crescente, estável, ou decrescente, sendo que o valor de p não significante resultou em tendência de estabilidade (aceitandose a hipótese nula de que a taxa de prevalência não se modificou ao longo dos anos), e os valores de p significantes resultaram em classificação de tendência de crescimento (TIA positiva) e tendência de diminuição (TIA negativa).

Com o intuito de identificar os fatores associados à comorbidade TB-DM, adotaram-se modelos de regressão de Poisson com ajuste robusto da variância^(33-34). As variáveis sociodemográficas e clínico-epidemiológicas que apresentaram valor de p ≤ 0,20 foram incluídas no modelo ajustado. As razões de prevalências (RP) e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estimados diretamente pelos coeficientes de regressão do modelo. Nessa ocasião, os dados ignorados foram excluídos. Os dados foram tabulados em planilhas do Microsoft Office Excel ^® 2019, e os testes foram realizados no programa IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 24.0, a 5% de significância.

RESULTADOS

No período compreendido entre 2009 e 2018, foram notificados 721 casos de TB, dos quais 81 estiveram associados ao DM; e, em 15 dos casos de TB, a variável de comorbidade TB-DM não foi devidamente preenchida.

A prevalência variou de 3,23% em 2014 a 19,51% em 2018, com média de 11,29% em todo o período avaliado. Observou-se aumento na prevalência da comorbidade no decorrer dos dez anos, visto que o percentual foi de 7,59% em 2009 para 19,51% em 2018 (Figura 1). Além disso, a prevalência da TB-DM apresentou tendência crescente ao longo dos anos, com taxa anual de incremento de 21,6% (p = 0,048) (Tabela 1).

Figura 1
Prevalência da comorbidade tuberculose-diabetes mellitus no período de 2009 a 2018, Imperatriz, Maranhão, Brasil Nota: TB - tuberculose; DM - diabetes mellitus.

Tabela 1
Tendência da prevalência da comorbidade tuberculose-diabetes mellitus entre os anos de 2009 a 2018, Imperatriz, Maranhão, Brasil

Período	Taxa de Incremento Anual (%)	IC95%		R2	Valor de p*	Situação
		Inferior	Superior
2009-2018	21,6	-27,3	103,3	0,0449	0,048	Crescente

• Nota:
• ^*
  Regressão de Prais-Winsten (p < 0,05); IC95% - intervalo de 95% de confiança; R² - coeficiente de determinação.

Quanto à caracterização sociodemográfica dos casos com comorbidade, a maioria dos indivíduos era do sexo masculino (n = 50; 61,73%), com idade ≥ 60 anos (n = 37; 45,68%), raça/cor parda (n = 47; 58,02%), escolaridade ≤ 8 anos de estudo (n = 53; 65,43%) e residentes na zona urbana (n = 80; 98,77%). Houve predomínio da forma clínica pulmonar da TB (n = 79; 97,54%), com alterações pulmonares na radiografia de tórax (n = 72; 88,90%) e baciloscopia de escarro positiva (n = 46; 56,80%). Destacaram-se, ainda, variáveis-resposta de escolaridade ignorada (n =16; 19,76%) e cultura de escarro não realizada (n = 72; 88,89%) (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição das características sociodemográficas e clínico-epidemiológicas dos casos de comorbidade tuberculose-diabetes mellitus, Imperatriz, Maranhão, Brasil, 2009 a 2018

Variáveis	Comorbidade TB-DM
	Sim n (%)	Não n (%)
Sexo
Feminino	31 (38,27)	236 (37,76)
Masculino	50 (61,73)	389 (62,24)
Idade (anos)
0-19	1 (1,23)	59 (9,44)
20-39	13 (16,05)	271 (43,36)
40-59	30 (37,04)	180 (28,80)
≥ 60	37 (45,68)	115 (18,40)
Raça/cor
Amarela	2 (2,47)	12 (1,92)
Preta	12 (14,81)	79 (12,64)
Branca	20 (24,70)	142 (22,72)
Parda	47 (58,02)	383 (61,28)
Indígena	0 (0,00)	4 (0,64)
Ignorada	0 (0,00)	5 (0,80)
Escolaridade (anos)
> 8	11 (13,58)	197 (31,52)
≤ 8	53 (65,43)	313 (50,08)
Ignorada	16 (19,76)	99 (15,84)
Não se aplica	1 (1,23)	16 (2,56)
Zona de residência
Rural	0 (0,00)	9 (1,44)
Urbana	80 (98,77)	606 (96,96)
Ignorada	1 (1,23)	10 (1,60)
Forma clínica
Pulmonar + extrapulmonar	1 (1,23)	11 (1,76)
Extrapulmonar	1 (1,23)	68 (10,88)
Pulmonar	79 (97,54)	546 (87,36)
Radiografia
Normal	1 (1,23)	20 (3,20)
Suspeita	72 (88,90)	505 (80,80)
Outra patologia	1 (1,23)	10 (1,60)
Não realizada	7 (8,64)	86 (13,76)
Ignorada	0 (0,00)	4 (0,64)
Baciloscopia de escarro
Negativa	24 (29,63)	189 (30,24)
Positiva	46 (56,80)	271 (43,36)
Não realizada	10 (12,34)	155 (24,80)
Não se aplica	1 (1,23)	10 (1,60)
Cultura de escarro
Positiva	2 (2,47)	18 (2,88)
Negativa	7 (8,64)	50 (8,00)
Em andamento	0 (0,00)	2 (0,32)
Não realizada	72 (88,89)	555 (88,80)
Total	81,00	625,00

• Nota: TB - tuberculose; DM - diabetes mellitus.

Na análise bruta, as variáveis que apresentaram associações significantes para comorbidade TB-DM foram idade, faixas etárias de 40 a 59 anos e ≥ 60 anos, escolaridade < 8 anos, raça/cor parda e baciloscopia positiva. Na análise ajustada, as faixas etárias de 30 a 59 anos (RP = 1,50; IC95% 1,381,72) e ≥ 60 anos (RP = 2,00; IC95% 1,89-2,21), escolaridade < 8 anos (RP = 2,05; IC95% 1,932,19) e forma clínica da TB pulmonar (RP = 1,49; IC95% 1,36-1,69) foram as variáveis que aumentaram as chances para a ocorrência da comorbidade TB-DM (Tabela 3).

Tabela 3
Análise de regressão de Poisson bruta e ajustada das características sociodemográficas e clínico-epidemiológicas dos casos de comorbidade tuberculose-diabetes mellitus, Imperatriz, Maranhão, Brasil, 2009 a 2018

Variáveis	Comorbidade TB-DM
	RP bruta (IC95%)	Valor de p*	RP ajustada (IC95%)	Valor de p*
Sexo
Feminino	1	-	-	-
Masculino	1,00 (0,96-1,03)	0,93	-	-
Idade (anos)
0-19	1	-	1	-
20-39	1,00 (0,97-1,06)	0,26	1,04 (0,99-1,08)	0,09
40-59	1,27 (1,20-1,34)	< 0,001**	1,50 (1,38-1,72)	< 0,001**
≥ 60	1,51 (1,39-1,78)	< 0,001**	2,00 (1,89-2,21)	< 0,001**
Raça/cor
Indígena	1	-	1	-
Amarela	1,15 (0,96-1,39)	0,23	1,14 (0,94-1,39)	0,19
Preta	1,01 (0,93-1,05)	0,21	1,09 (0,99-1,21)	0,19
Branca	1,14 (0,97-1,19)	0,25	1,08 (0,97-1,16)	0,17
Parda	1,10 (1,03-1,15)	0,04**	1,06 (0,96-1,14)	0,08
Escolaridade (anos)
> 8	1	-	1	-
≤ 8	1,60 (1,55-1,655)	< 0,001**	2,05 (1,93-2,19)	0,02**
Forma clínica
Pulmonar + extrapulmonar	1	-	-	-
Extrapulmonar	0,93 (0,80-1,10)	0,40	-	-
Pulmonar	1,22 (1,11-1,37)	0,09	1,49 (1,36-1,69)	0,02**
Radiografia
Normal	1	-	-	-
Suspeita	1,08 (0,98-1,19)	0,28	-	-
Outra patologia	1,04 (0,86-1,27)	0,66	-	-
Não realizada	1,03 (0,92-1,14)	0,62	-	-
Baciloscopia de escarro
Não realizada	1	-	1	-
Negativa	1,05 (0,99-1,11)	0,27	1,03 (0,96-1,10)	0,39
Positiva	1,09 (1,03-1,15)	0,02**	1,08 (1,01-1,15)	0,18
Cultura de escarro
Positiva	1	-	-	-
Negativa	1,02 (0,94-1,11)	0,60	-	-
Não realizada	1,02 (0,99-1,04)	0,24	-	-

• Nota:
• ^*
  Qui-quadrado de Wald;
• ^**
  Significância estatística - RP bruta p ≤ 0,20; RP ajustada p < 0,05; TB - tuberculose; DM - diabetes mellitus; RP - razão de prevalência; IC95% - intervalo de 95% de confiança.

DISCUSSÃO

O objetivo foi identificar a tendência e os fatores associados à comorbidade TB-DM em Imperatriz, Maranhão. Dessa forma, observou-se que a prevalência da TB-DM no município apresentou tendência significantemente crescente entre os anos de 2009 e 2018. Ao investigar a tendência da prevalência do DM de forma isolada, um estudo realizado no Brasil, no período de 1980 a 2014, apontou aumento progressivo do DM ao longo do tempo⁽³⁵⁾. Em Taiwan, durante o período de 2000 a 2010, as prevalências de DM entre pacientes com TB aumentaram progressivamente de 21,6% para 31,5%, com taxa média de 27,9%⁽³⁶⁾, demonstrando que, em países nos quais a prevalência do DM é crescente, a TB tem se mantido um problema de saúde⁽²⁴⁾.

Corroborando tais achados, estudos realizados nos Estados Unidos⁽³⁷⁾ e na Espanha⁽³⁸⁾ também mostraram aumento na prevalência da comorbidade ao longo do tempo. Em países como os Estados Unidos, embora o número de casos de TB venha diminuindo, a prevalência de DM como comorbidade relatada entre adultos com TB aumentou de forma constante, devido à alta prevalência de DM⁽³⁷⁾.

A prevalência de DM aumentou mais rapidamente em países de baixa e média renda, o que gerou impacto nos índices das doenças transmissíveis, visto que a disfunção imunológica provocada pelo DM está relacionada à alta suscetibilidade de infecções, incluindo a infecção por TB⁽³⁹⁾. Esse resultado pode ser explicado porque a disglicemia, definida como anormalidade nos níveis de glicose no sangue, prejudica a resposta imunológica dos indivíduos, aumentando a probabilidade de pacientes diabéticos e pré-diabéticos terem TB latente, quando comparados àqueles sem DM, e, além disso, facilita a infecção primária por TB ou a reativação da TB latente⁽³⁹⁾.

A média de 11,29% da prevalência da comorbidade TB-DM detectada durante o período avaliado foi maior em relação a outros estudos realizados no Brasil, que indicaram prevalência de 6,0%⁽⁴⁰⁾ e 7,2%⁽²⁴⁾. Uma revisão sistemática com metanálise realizada para estimar a prevalência de diabetes entre pacientes com TB em nível global, regional e nacional demonstrou que a prevalência da comorbidade foi de 15,3% em nível global, e o Brasil apresentou média de 7,2%, variando entre 3,3% e 33,1% nos estudos realizados em âmbito nacional⁽¹⁵⁾. Os achados desta investigação revelaram resultados superiores aos da média nacional, mas estiveram dentro da variação de taxas encontradas no país.

Considerando-se, ainda, a prevalência global, outro estudo apresentou resultado semelhante, com média aproximada de 16%, variando entre 1,9% e 45% até o ano de 2016, sendo reportada em diversos países⁽⁴¹⁾. Estudos realizados no México (33%)⁽¹¹⁾ e no Paraguai (6,2%)⁽⁴²⁾ são exemplo da variabilidade da prevalência em determinados cenários, que pode ser ocasionada pela diversidade econômica, demográfica, geográfica e epidemiológica inerente a determinadas populações, resultando na heterogeneidade da distribuição da comorbidade pelo mundo^(42-43).

Essas acentuadas diferenças entre as taxas de prevalência da comorbidade podem ser explicadas pela variação na taxa de prevalência de DM na população em geral dos respectivos países^(15,41) e também pela forma como os dados são coletados, já que são utilizados diferentes métodos de rastreamento do DM. Em alguns estudos, o rastreio foi realizado por meio de dados primários, coletados pelo monitoramento da glicemia capilar e da hemoglobina glicada (HbA1c) durante a internação hospitalar do paciente ou realização de exames de triagem^(8,15). Outros trabalhos utilizaram informações obtidas de dados secundários por meio dos sistemas de informação nacional, a exemplo das investigações realizadas no Brasil que utilizaram o SINAN^(21,40).

A prevalência estimada neste estudo se baseou em dados secundários e, portanto, pode se apresentar inferior à relatada em pesquisas que avaliaram progressivamente a comorbidade e utilizaram métodos para diagnosticar o DM em todos os pacientes com TB^(8,42). Apesar de este estudo não ter feito tal investigação, existe a possibilidade de que, até o momento da notificação da TB, os pacientes não tenham sido submetidos a exames para detecção do DM. Esse fato pode ter influenciado diretamente a prevalência da comorbidade indicada no ano de 2014 (3,23%), que apresentou queda acentuada, seguida de expressivo aumento em 2015 (12,50%). Sobre isso, a literatura aponta que a prevalência da comorbidade é maior quando são realizados exames de rastreio do DM no momento do diagnóstico da TB^(36,43).

Um estudo que determinou a prevalência de DM entre pacientes recém-diagnosticados com TB indicou que, ao se rastrearem cerca de 31 pacientes com TB sem história de DM, um caso de DM recém-diagnosticado poderia ser encontrado⁽³⁶⁾; ao se investigar a prevalência da TB pulmonar de quatro países endêmicos, identificou-se que dois terços dos pacientes com DM já tinham diagnóstico prévio de DM; o terço restante foi determinado no momento do diagnóstico de TB⁽⁴³⁾.

Uma pesquisa que relacionou dados do SINAN-TB e do Sistema de Gestão Clínica de Hipertensão Arterial e Diabetes Mellitus da Atenção Básica (SISHIPERDIA) mostrou discordâncias nos registros, visto que 3.181 casos da comorbidade não estavam com o campo de agravo associado ao DM assinalado no SINAN-TB, evidenciando casos da comorbidade que não são notificados⁽²¹⁾, fato que também pode ter repercutido na variação da prevalência no cenário sob investigação.

Nessa perspectiva, emerge a necessidade de realização de triagem pelo serviço de Atenção Primária à Saúde (APS) em pacientes com TB para identificação dos casos de DM não diagnosticados previamente, pois torna-se essencial para um melhor monitoramento e controle da comorbidade, favorecendo a implantação de ações voltadas ao manejo integrado das doenças^(8,41).

Tratando-se das variáveis sociodemográficas e clínico-epidemiológicas dos casos de TB-DM, os dados obtidos na presente investigação corroboram os de outros estudos, em que a população também foi composta, em sua maioria, por indivíduos do sexo masculino, com idade avançada, raça/cor parda e com baixo grau de escolaridade^(6,8,40). Ademais, outras pesquisas também apresentaram similaridades nos aspectos clínicos, nos quais os casos foram caracterizados como novos, portadores da forma clínica pulmonar da TB⁽⁶⁾, apresentando alterações pulmonares na radiografia de tórax e baciloscopia de escarro positiva^(9,38).

Referente à associação da comorbidade com os fatores sociodemográficos, observou-se, nesta investigação, que o risco de apresentar a comorbidade foi potencializado com o aumento da idade, chegando a ser duas vezes maior em pessoas com idade igual a superior a 60 anos. Um estudo realizado no Brasil demonstrou que o risco foi cerca de 12 vezes maior nas faixas etárias de 40 a 59 anos e 17,5 vezes maior na idade acima dos 60 anos⁽²⁴⁾. Em outros cenários pelo mundo, a idade avançada (≥ 60 anos) também foi apontada como fator associado ao desenvolvimento da TD/DM^(7,9,12).

Torna-se importante frisar que, apesar de a TB ser mais comum em adultos jovens, a população idosa continua sendo a mais atingida pelo DM tipo 2, e a ocorrência da TB na faixa etária acima de 40 anos coincide com o adoecimento do DM, o que torna a meia-idade e a idade avançada fatores de risco para a ocorrência dessa comorbidade^(7,14). Essa relação pode ser atribuída às alterações fisiológicas que afetam as funções do sistema imune e metabólico com o avançar da idade, deixando o organismo do indivíduo suscetível tanto para infecções quanto para ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis⁽⁴¹⁾.

Além disso, as alterações da função pulmonar e no clearance mucociliar em pessoas de idade avançada, associadas à vulnerabilidade imunológica causada pelo DM, favorecem o desenvolvimento da TB⁽¹⁴⁾. O DM e o processo fisiológico de envelhecimento reduzem sinergicamente os níveis de interferon-gama, prejudicando a imunidade mediada por células que contribuem para a ativação da TB latente de longa data⁽³⁷⁾.

Nesta pesquisa, os indivíduos com até oito anos de estudo tiveram duas vezes mais chances de apresentar a comorbidade. Assim como evidenciado na literatura^(14,21,24), os achados revelaram que a comorbidade esteve relacionada às condições socioeconômicas desfavoráveis, atingindo aqueles que estão em vulnerabilidade social⁽⁷⁾.

O baixo grau de escolaridade está associado a uma maior prevalência tanto da TB⁽⁴⁴⁾ quanto do DM⁽⁴⁵⁾. Isso ocorre devido às limitações no acesso às informações e à não compreensão das patologias, acarretando ocorrência de DM e maior transmissibilidade da TB. Ademais, a escolaridade é utilizada como indicador socioeconômico; portanto, o risco de adoecimento também pode estar relacionado à dificuldade de acesso aos serviços de saúde e à ineficácia de medidas preventivas^(44,46).

Ainda, evidencia-se que o abandono da terapia, a resistência medicamentosa e, consequentemente, a falha no tratamento podem estar relacionados aos poucos anos de estudos, pois o conhecimento insuficiente das patologias e do seu próprio estado de saúde contribui para uma baixa adesão às medidas terapêuticas⁽⁴⁶⁾. Ademais, quanto menor o grau de escolaridade, melhor deve ser o diálogo entre os profissionais de saúde e doentes para que haja compreensão dos cuidados direcionados ao manejo clínico da comorbidade⁽¹⁴⁾.

Esta investigação também identificou que houve associação da comorbidade TB-DM com a forma clínica da doença, na qual os munícipes tiveram cerca de 1,5 vez mais chances de apresentar TB pulmonar, resultado similar ao de outros estudos^(6,14). Tais achados são resultantes da vulnerabilidade imunológica nos casos de DM, a qual provoca falhas nos mecanismos de defesa pulmonar, ocasionadas pela incapacidade dos macrófagos alveolares em eliminar a infecção micobacteriana e pela diminuição da função mucociliar dos pulmões, sobretudo em indivíduos idosos, favorecendo a manifestação da TB na forma pulmonar, o que influencia diretamente a maior transmissão da doença em pacientes comórbidos⁽⁴⁾.

Limitações do estudo

Como limitações deste estudo, destaca-se que, na ficha do SINAN, o campo agravo associado à TB não é de preenchimento obrigatório, colaborando com a subnotificação da comorbidade. Além disso, as fichas do SINAN-TB apresentam limitações relacionadas à baixa completude de campos nas variáveis de preenchimento essencial, como escolaridade e raça/cor, e referentes ao acompanhamento do tratamento, como realização de baciloscopias. Também, campos relacionados a exames laboratoriais, como o de cultura de escarro, não são atualizados⁽⁴⁷⁾.

Existem deficiências na capacitação dos profissionais para realização dos registros, tendo em vista que alguns percebem o preenchimento das fichas de notificação como tarefa meramente burocrática da vigilância. Desse modo, sugere-se que, além de implementar ações de educação permanente com os profissionais responsáveis pela notificação, sejam realizados estudos voltados a identificar as lacunas de conhecimento quanto aos registros de vigilância em saúde para guiar as ações que visam melhorar a qualidade dos registros de casos de TB e morbidades concomitantes⁽⁴⁷⁾. Há de se considerar, ainda, a limitação referente ao desenho transversal, que não permite o estabelecimento de relações de causa e efeito.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde, ou políticas públicas

Pesquisas que envolvem a vigilância em saúde são de grande relevância para a enfermagem, pois, no decorrer da formação acadêmica, os enfermeiros são preparados para atuar na investigação epidemiológica, encontrando-se na linha de frente do cuidado em saúde e em contato direto com os usuários, famílias, comunidade e equipe multidisciplinar, participando ativamente do processo saúdedoença da população e atuando, assim, na condução das ações em saúde pública⁽⁴⁸⁾.

Além disso, os estudos epidemiológicos se tornam essenciais, visto que o enfermeiro é um dos profissionais responsáveis pelas ações de controle da TB, realizando o trabalho assistencial e de prevenção e promoção da saúde. Tais dados podem servir como instrumentos que auxiliam no gerenciamento e no planejamento de estratégias de saúde direcionadas para o controle dessa enfermidade⁽⁴⁹⁾.

CONCLUSÕES

Com base nos resultados obtidos, verificou-se que a prevalência da comorbidade TB-DM apresentou tendência crescente no decorrer do período avaliado. Fatores sociodemográficos e clínicoepidemiológicos, como idade nas faixas etárias de 30 a 59 anos e acima de 60 anos, baixa escolaridade e forma clínica pulmonar da TB, estiveram associados à comorbidade no cenário investigado.

Essa tendência e seus fatores associados alertam para a necessidade de aperfeiçoamento do atendimento nos níveis de atenção à saúde. Os resultados também geram subsídios para o planejamento estratégico da gestão e dos serviços de saúde, contribuindo para o controle da dupla carga das doenças, tendo em vista a implementação de medidas efetivas para o manejo integrado, redução das diferenças de exposição e vulnerabilidade às doenças, bem como introdução de dispositivos que beneficiem as ações intersetoriais e de proteção social.

• FOMENTO
  Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão - FAPEMA e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.

AGRADECIMENTO

Agradecemos ao Serviço de Vigilância em Saúde (SVS) da Unidade Gestora Regional de Saúde de Imperatriz (UGRSI), pela concessão dos dados.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Jul 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  24 Nov 2020
• Aceito
  05 Fev 2021