Conhecimento dos cuidadores e fatores associados ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças

RESUMO

Objetivos:

analisar o conhecimento dos cuidadores e os fatores associados ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças.

Métodos:

estudo transversal, de abordagem quantitativa, realizado com 220 binômios criança-cuidador atendidos nos serviços públicos de saúde do município de Parnaíba, estado do Piauí. Foi utilizado o “Teste de Denver II” e o “Inventário do Conhecimento de Desenvolvimento Infantil”.

Resultados:

197 crianças foram classificadas com desenvolvimento normal; e 23, com desenvolvimento suspeito. Cuidadores com maior nível de conhecimento sobre o desenvolvimento infantil foram associados a crianças com melhor desenvolvimento. Mediante o modelo de regressão, encontrou-se conhecimento dos cuidadores, idade gestacional e aleitamento materno exclusivo como fatores protetores para um desenvolvimento neuropsicomotor adequado.

Conclusões:

para a melhora do desenvolvimento infantil, ações destinadas aos indicadores que apresentaram associações positivas devem ser realizadas, como atividades de educação para aumento do nível de conhecimento dos cuidadores, melhora do acompanhamento pré-natal e incentivo ao aleitamento materno.

Descritores:
Desenvolvimento Infantil; Cuidadores; Conhecimento; Saúde da Criança; Educação em Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the knowledge of caregivers and the factors associated with neuropsychomotor development in children.

Methods:

a cross-sectional study, with a quantitative approach, was conducted with 220 child-caregiver binomials attended in the public health services of the municipality of Parnaíba, State of Piauí. The study used the “Denver Test II” and the “Inventory of Child Development Knowledge”.

Results:

the study classified 197 children with natural development and 23 with suspicious development. Caregivers with a higher level of knowledge about child development were associated with children with better development. The study considered caregiver knowledge, gestational age, and exclusive breastfeeding as protective factors for appropriate neuropsychomotor development when used the regression model.

Conclusions:

actions aimed at indicators that presented positive associations must be implemented to improve child development, such as educational activities to increase the level of knowledge of caregivers, improvement of prenatal monitoring, and encouragement of breastfeeding.

Descriptors:
Child Development; Caregivers; Knowledge; Child Health; Health Education

RESUMEN

Objetivos:

analizar el conocimiento de los cuidadores y factores relacionados al desarrollo neuropsicomotor en niños.

Métodos:

estudio transversal, de abordaje cuantitativo, realizado con 220 binomios niño-cuidador atendidos en los servicios públicos de salud del municipio de Parnaíba, estado de Piauí. Fue utilizado el “Test de Denver II” e “Inventario del Conocimiento de Desarrollo Infantil”.

Resultados:

197 niños fueron clasificados con desarrollo normal; y 23, con desarrollo sospechoso. Cuidadores con mayor nivel de conocimiento sobre el desarrollo infantil fueron relacionados a niños con mejor desarrollo. Mediante el modelo de regresión, se encontró conocimiento de los cuidadores, edad gestacional y lactancia materna exclusiva como factores protectores para un desarrollo neuropsicomotor adecuado.

Conclusiones:

para la mejora del desarrollo infantil, acciones destinadas a los indicadores que presentaron relaciones positivas deben ser realizadas, como actividades de educación para aumento del nivel de conocimiento de los cuidadores, mejora del acompañamiento prenatal e incentivo a lactancia materna.

Descriptores:
Desarrollo Infantil; Cuidadores; Conocimiento; Salud del Niño; Educación en Salud

INTRODUÇÃO

Iniciado desde a vida intrauterina, o desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) infantil é um processo essencial e único que toda criança vivencia. É considerado uma transformação complexa, contínua, dinâmica e progressiva que provoca mudanças em diversas áreas (física, social, emocional e cognitiva), numa mista interação entre elas e o meio ambiente, na qual cada período é construído com base nas etapas anteriores(¹-²).

Esse desenvolvimento é resultante da influência mútua entre herança genética e influências do ambiente em que a criança vive. Visto que a arquitetura cerebral da criança é moldada nos primeiros anos de vida, uma maior atenção na primeira infância (marcada de 0 aos 6 anos de idade) vai resultar em benefícios que perduram por toda vida e que vão repercutir na saúde, aprendizagem, autonomia e consciência social(³).

Estudos apontam altas taxas de atraso no DNPM infantil, marcado na literatura internacional com prevalência de 16% a 18% das crianças(⁴), encontrando-se um percentual ainda maior (29,5% a 30,8%) em estudos brasileiros(⁴-⁵). Ainda, estima-se que profissionais da saúde só consigam detectar 30% das crianças com atraso no desenvolvimento e, em geral, apenas nas crianças com atrasos mais graves(⁶). Tratando-se de um problema de saúde pública, um diagnóstico e intervenção precoces no DNPM infantil chegam a ser cem vezes menores do que o custo para tratar uma criança com diagnóstico tardio(⁷).

Desse modo, o ambiente no qual a criança está introduzida é um importante fator para o seu desenvolvimento. A família é a primeira estrutura social em que a criança está inserida, possuindo grande influência em seu desenvolvimento global(⁸). Dentro desse aspecto, evidências apontam que mães com melhor conhecimento sobre o DNPM infantil possuem maior probabilidade de criar um ambiente doméstico apropriado que ajude seu filho em todas as fases do desenvolvimento(⁹).

Considerando os diversos fatores de risco para o DNPM infantil, que englobam desde variáveis do pré-natal até questões relacionadas ao ambiente e aspectos parentais, não se encontram na literatura estudos que associem o nível de conhecimento dos cuidadores ao desenvolvimento da criança, como fator de risco independente ou ajustado com outras variáveis. Isto posto, questionase: O conhecimento dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil está independentemente associado ao desenvolvimento neuropsicomotor e mantém a associação quando inseridas variáveis relacionadas às características sociodemográficas e clínicas da criança e do cuidador?

Responder esse questionamento traz avanços à assistência de enfermagem prestada no âmbito da saúde da criança, orientando o profissional sobre estratégias de manejo para a obtenção de um melhor desenvolvimento neuropsicomotor infantil e melhor cuidado ofertado à tríade criança-cuidador-família.

OBJETIVOS

Analisar o conhecimento dos cuidadores e os fatores associados ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo respeita os preceitos éticos previstos pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí. Este trabalho é derivado da dissertação de mestrado acadêmico intitulada “Desenvolvimento infantil: conhecimento dos cuidadores e outros fatores associados”, apresentada dentro do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Piauí em abril de 2021.

Desenho, período e local do estudo

Estudo observacional transversal, de abordagem quantitativa, norteado pela ferramenta STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology). Foi realizado nos serviços públicos de saúde do município de Parnaíba, estado do Piauí, Brasil, no período de fevereiro de 2020 a janeiro de 2021. No âmbito da Atenção Básica, o município é subdividido em quatro distritos de saúde. Coletaram-se os dados em quatro Unidades de Saúde da Família, uma de cada distrito. Essas unidades foram escolhidas por conveniência, e o critério de inclusão foi: dispor de sala apropriada para avaliação da criança, com a presença de maca fixa para consultório. A coleta ainda ocorreu em dois serviços especializados de pediatria do município.

População e amostra

A população do estudo foi de 2.531 crianças com até 2 anos de idade que eram acompanhadas pela rede pública de saúde do município e seus respectivos cuidadores. Calculou-se a amostra pela fórmula para população finita, adotando-se erro de 5%, intervalo de confiança de 95% e taxa de prevalência de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor de 19%(¹⁰). Esta pesquisa utilizou técnica de amostragem por conglomerados. O cálculo resultou em uma amostra de 217 participantes. Coletaram-se os dados de 220 binômios criança-cuidador.

Foram adotados como critérios de inclusão: o cuidador ter 18 anos ou mais; a criança ter entre 0 e 24 meses, por se tratar da etapa extrauterina em que o tecido nervoso mais se desenvolve e está mais sujeito a agravos. Devido à plasticidade, é também nessa época que a criança responde melhor a terapias e aos estímulos que recebe do ambiente(¹¹).

Excluíram-se desse contingente crianças/cuidadores com sintomas respiratórios, deficiência auditiva e pessoas que não se comunicavam verbalmente. Além desses fatores, foram excluídas crianças portadoras de malformação congênita, como fenda palatina, lábio leporino e/ou com algum déficit visual, auditivo ou sequelas decorrentes de acometimento do sistema nervoso central. Esses fatores foram verificados por observação direta e/ou questionados ao cuidador. Tais critérios foram adotados por causa do risco de viés na avaliação do desenvolvimento da criança.

Protocolo do estudo

A pesquisa ocorreu nos serviços públicos de saúde do município. A abordagem foi realizada nas salas de esperas dos estabelecimentos com a apresentação do pesquisador, explicação da pesquisa e dos seus objetivos, bem como da importância do estudo. Devido à pandemia de COVID19 (SARS-CoV-2), adotaram-se medidas de prevenção e controle conforme as recomendações do Ministério da Saúde. Os cuidados foram relacionados ao uso de máscara durante a coleta para evitar propagação de gotículas; uso de álcool a 70% para higienização das mãos e dos materiais utilizados durante a pesquisa; distanciamento social de no mínimo 1 metro(¹²).

Cada binômio criança-cuidador foi convidado a se deslocar a uma sala reservada para a pesquisa, sendo, em seguida, realizado o convite para a participação no estudo. Aqueles que concordaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), fornecido em duas vias (uma para o entrevistado e outra para o pesquisador), garantindo ao participante o direito de retirar-se da pesquisa a qualquer momento.

Para a coleta dos dados sociodemográficos e clínicos da amostra, utilizou-se um questionário estruturado elaborado pelos autores. As questões referentes à criança contemplavam nove itens: sexo, idade, peso ao nascer, tipo de parto, idade gestacional, o fato de possuir irmão(s), triagem neonatal, vacinação e aleitamento materno exclusivo (AME). Já as questões referentes a informações maternas e/ou do cuidador contemplavam oito itens: idade atual, idade que engravidou, acompanhamento pré-natal, raça/cor, escolaridade, situação laboral, situação conjugal e renda.

Para avaliar o nível de conhecimento dos cuidadores sobre o DI, utilizou-se a versão em português do Inventário de Conhecimento do Desenvolvimento Infantil (KIDI, Knowledge of Infant Development Inventory(¹³)), traduzida e adaptada por Ribas et al.(¹⁴). Trata-se de um instrumento composto por 75 questões, subdivididas em quatros grupos: 1) Normas e Aquisição (períodos mais prováveis para aquisição de habilidades motoras, perceptuais e cognitivas); 2) Princípios (fatores responsáveis pelo desenvolvimento); 3) Cuidados (práticas parentais mais adequadas para cuidar de crianças); 4) Saúde e Segurança (cuidados relacionados à alimentação, higiene e segurança).

Dessas questões, 48 requerem que o entrevistado escolha uma entre três respostas (concordo, discordo ou não estou certo/a) sobre uma série de declarações. Outras 20 questões requerem que se escolha uma entre quatro respostas (concordo, mais jovem, mais velho, não tenho certeza) relacionadas a afirmações sobre em qual idade a criança adquire determinadas habilidades. Por fim, sete questões requerem que se escolha uma entre cinco respostas. A análise do conhecimento foi feita por meio da contabilização do número de acertos, erros e indecisões dos entrevistados acerca das questões aplicadas, fazendo-se uma avaliação não só geral, mas também específica de cada área abordada.

Para avaliação do DNPM da criança, variável dependente (desfecho) deste estudo, utilizouse o Teste de Denver II, de acordo com as instruções de uso do seu manual(¹⁵). Esse teste pode ser aplicado em crianças de 0 a 6 anos de idade e é constituído por 125 itens, divididos em quatro áreas: 1) Pessoal-social; 2) Motor fino-adaptativo; 3) Linguagem; e 4) Motor-grosso. Cada item corresponde a uma tarefa para verificar se a criança domina determinada habilidade. Esses itens são registrados observando-se diretamente a criança ou, em alguns casos, solicita-se que o cuidador informe se a criança realiza ou não determinada tarefa.

Os itens são aplicados de acordo com a idade da criança, e é registrado se ela passa ou falha na tarefa ou se ela recusa-se a fazê-la. Caso a criança falhe na tarefa ou se recuse a realizar alguma em que ela já passou da idade para realizar, recebe um sinal de atraso. Caso a criança falhe ou se recuse a fazer uma tarefa para a idade atual, recebe um sinal de cautela. A classificação global do teste é feita de acordo com o número de falhas (atraso e cautela), de modo que o DNPM é considerado: 1) normal - quando não houve atrasos e no máximo uma cautela; (2) suspeito - quando houve duas ou mais cautelas e/ou um ou mais atrasos.

Crianças prematuras, nascidas antes das 37 semanas de gestação, e que possuíam idade de até 12 meses no momento do teste, tiveram suas idades corrigidas a fim de impedir superestimativas de resultados suspeitos. Essa correção foi realizada por meio da fórmula: Idade corrigida (semanas) = Idade cronológica (semanas) - 40 semanas (idade gestacional ideal). A coleta de dados possuiu duração média de 25 minutos.

Análise dos resultados e estatística

Os dados obtidos foram armazenados em um banco virtual e receberam tratamento estatístico por meio do software SPSS (versão 20, Windows), que estimou as porcentagens das variáveis dicotômicas, médias e desvios-padrão das variáveis contínuas e as associações entre as variáveis. Foi aplicado o teste de Kolmolgorov-Smirnov para observar a normalidades dos dados.

Na análise bivariada, utilizou-se o teste t de Student para verificar associação do Denver II com as variáveis contínuas. Para as variáveis nominais, foram usados os testes qui-quadrado e razão de verossimilhança. Na análise multivariada, foi realizada regressão logística múltipla pelo método de backward stepwise. As variáveis foram escolhidas para inserção quando p menor que 0,20, e a permanência da variável no modelo ocorreu quando p menor que 0,05. Na realização dos testes estatísticos, foi considerado o nível de significância de 95% (p < 0,05). A análise ocorreu de acordo com a literatura pertinente, e os resultados foram expostos de forma descritivo-analítica em gráficos e tabelas, permitindo sua melhor explanação.

RESULTADOS

Na amostra de crianças, a maioria era do sexo masculino (55,5%); média de idade de 8,5 meses (±6,1 DP), apresentando maior número de crianças na faixa etária inferior a 6 meses (40,9%); nascidas com idade gestacional a termo (85,5%); de parto vaginal (52,7%) e com peso adequado (2.500 g - 4.000 g) (73,6%). Notou-se que a maior parte das crianças haviam realizado os exames de triagem neonatal recomendados (triagem biológica, auditiva, avaliação do frênulo lingual, oximetria de pulso e teste do reflexo vermelho) (65,5%); estiveram ou estavam em aleitamento materno exclusivo (AME) até o 6º mês de vida (51,8%); possuíam registro vacinal atualizado (65,9%); e possuíam irmãos (61,8%).

Quanto às características sociodemográficas e clínicas dos cuidadores, a idade média foi de 28,2 anos (±7,5 DP). Verificou-se que a maior parte das mães das crianças engravidou na faixa etária dos 15 aos 35 anos (90%), com média de 26,1 anos (±5,9 DP) e realizou seis ou mais consultas de pré-natal (78,2%); se autodeclararam pardas (63,2%); o ensino médio foi o grau de escolaridade mais encontrado entre os cuidadores (57,3%); a maior parte estava desempregada (70%), tinha renda de até um salário mínimo (68,2%) e era casada ou possuía união estável (80,5%).

A Tabela 1 apresenta os resultados do teste de Denver II. Notou-se que a maior parte das crianças apresentou o desenvolvimento normal (n = 197; 89,5%), mas 10,5% evidenciaram desenvolvimento suspeito. Dentre os quatro aspectos avaliados no teste, a área da Linguagem foi a que apresentou maior quantidade de crianças com atrasos/cautelas (n = 15; 6,8%), seguida do Motor fino adaptativo (n = 9; 4,1%) e Motor grosseiro (n = 8; 3,6%). A área mais bem avaliada foi a Pessoalsocial, apresentando maior percentual de crianças com desenvolvimento adequado (n = 215; 97,7%).

Tabela 1
Avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor infantil por meio do Teste de Denver II, Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021

Resultados	Frequência	%
Resultado em duas categorias
Normal	197	89,5
Suspeito	23	10,5
Resultados por áreas testadas
Pessoal-social
Normal	215	97,7
Suspeito	5	2,3
Motor fino adaptativo
Normal	211	95,9
Suspeito	9	4,1
Linguagem
Normal	205	93,2
Suspeito	15	6,8
Motor grosso
Normal	212	96,4
Suspeito	8	3,6

Quanto ao conhecimento dos cuidadores, de acordo com o KIDI, obteve-se uma porcentagem média de acertos de 67,9% no total de questões do teste, seguida de 26,8% de erros e 0,5% de incertezas. O grupo de questões que mais apresentou acertos foi o de Saúde e Segurança (84,3%), seguido do grupo Práticas de Cuidado com 68,4%; e o que mais pontuou erros (31,2%) e incertezas (6,4%) foi o grupo de questões sobre Normas e Aquisição.

A Tabela 2 traz a associação do conhecimento dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil com o DNPM da criança. Evidenciou-se que os cuidadores de crianças classificadas com desenvolvimento normal apresentaram média de acertos maior do que os cuidadores de crianças com desenvolvimento suspeito. Esse fator foi observado tanto na média total quanto na subdivisão das questões por áreas — Cuidados; Saúde; Normas e Aquisição; e Princípios. Todos os parâmetros apresentaram associação significante (p < 0,05) entre o conhecimento e o desenvolvimento.

Tabela 2
Associação do nível de conhecimento dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil com a classificação do desenvolvimento neuropsicomotor da criança (Denver II), Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021

Conhecimento	Denver II	Média	Desvio-padrão	Valor de p*
Cuidados	Normal	9,70	2,27	0,021
	Suspeito	8,52	2,53
Saúde	Normal	10,20	1,33	0,002
	Suspeito	9,30	1,29
Normas e Aquisição	Normal	20,14	3,60	0,004
	Suspeito	17,86	3,13
Princípios	Normal	11,53	2,43	< 0,001
	Suspeito	8,86	2,71

• ^*
  teste t de Student.

A Tabela 3 apresenta a associação das variáveis sociodemográficas e clínicas das crianças com o resultado do teste de Denver II. No tocante às variáveis das crianças, apresentaram maior porcentagem de desenvolvimento adequado aquelas do sexo feminino, na fase lactente, nascidas a termo, de parto vaginal, com peso ao nascer adequado, triagem neonatal completa, que realizaram aleitamento materno exclusivo, possuíam registro vacinal atualizado e não tinham irmão(s). As variáveis “idade por fases”, “aleitamento materno exclusivo” e “vacinação” exibiram associação estatisticamente significante (p < 0,05).

Tabela 3
Prevalência e associação das variáveis sociodemográficas e clínicas das crianças com a classificação do desenvolvimento neuropsicomotor infantil (Denver II), Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021

Variáveis	Denver II (n = 220)		Valor de p
	Normal	Suspeito
Sexo
Masculino	108 (88,5%)	14 (11,5%)	0,579*
Feminino	89 (90,8%)	9 (9,2%)
Idade por fases
Recém-nascido < 28 dias	15 (100%)	0 (0%)	0,034*
Lactente 28 dias a 11 meses	130 (91,5%)	12 (8,5%)
Infante 12 a 24 meses	52 (82,5%)	11 (17,5%)
Idade gestacional
A termo	171 (91,0%)	17 (9,0%)	0,097†
Pré-termo	26 (81,2%)	6 (18,8%)
Tipo de parto
Cesáreo	91 (87,5%)	13 (12,5%)	0,348*
Vaginal	106 (91,4%)	10 (8,6%)
Peso ao nascer
Baixo peso	37 (86%)	6 (14%)	0,624†
Adequado	147 (90,7%)	15 (9,3%)
Sobrepeso	13 (86,7%)	2 (13,3%)
Triagem
Completa	132 (91,7%)	12 (8,3%)	0,157†
Incompleta	65 (85,5%)	11 (14,5%)
AME
Realizado	97 (85,1%)	17 (14,9%)	0,022*
Não realizado	100 (94,3%)	6 (5,7%)
Vacinação
Atualizada	135 (93,1%)	10 (6,9%)	0,020*
Desatualizada	62 (82,7%)	13 (17,3%)
Possui irmão(s)
Sim	121 (89%)	15 (11%)	0,723†
Não	76 (90,5%)	8 (9,5%)

• ^*
  razão de verossimilhança; † qui-quadrado.

Quanto à associação das variáveis dos cuidadores com o resultado do teste de Denver II (Tabela 4), apresentaram maior porcentagem de filhos com desenvolvimento normal os cuidadores com idade entre 18 e 40 anos, que engravidaram acima dos 35 anos, realizaram pré-natal, raça/cor parda, ensino superior, com emprego, casados/união estável e com renda acima de três salários. A única variável dos cuidadores que apresentou associação estatística significante foi a escolaridade (p = 0,008).

Tabela 4
Prevalência e associação das variáveis sociodemográficas e clínicas dos cuidadores com a classificação do desenvolvimento neuropsicomotor infantil (Denver II), Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021

Variáveis	Denver (n = 220)		Valor de p
	Normal	Suspeito
Idade
< 18 anos	4 (80%)	1 (20%)	0,839*
18 a 40 anos	182 (89,7%)	21 (10,3%)
41 a 59 anos	9 (90%)	1 (10%)
Acima de 59 anos	2 (100%)	0 (0%)
Idade que engravidou
< 15 anos	1 (100%)	0 (0%)	0,884*
15 a 35 anos	9,4%)	21 (10,6%)
> 35 anos	19 (90,5%)	2 (9,5%)
Pré-natal
Realizado	156 (90,7%)	16 (9,3%)	0,290†
Não realizado	41 (85,4%)	7 (14,6%)
Raça/cor
Branca	41 (91,1%)	4 (8,9%)	0,096†
Preta	26 (83,9%)	5 (16,1%)
Amarela	3 (60%)	2 (40%)
Parda	127 (91,4%)	12 (8,6%)
Escolaridade
Ens. fundamental	52 (79,4%)	13 (20,6%)	0,008*
Ens. médio	117 (92,9%)	9 (7,1%)
Ens. superior	30 (96,8%)	1 (3,2%)
Situação laboral
Com emprego	61 (93,8%)	4 (6,2%)	0,144*
Desempregado	135 (87,7%)	19 (12,3%)
Aposentado	1 (100%)	0 (0%)
Conjugal
Casado/Estável	160 (90,4%)	17 (9,6%)	0,725*
Solteiro	33 (86,8%)	5 (13,2%)
Viúvo	1 (100%)	0 (0%)
Divorciado	3 (75%)	1 (25%)
Renda
Até 1 salário	133 (88,7%)	17 (11,3%)	0,200*
2 a 3 salários	50 (89,3%)	6 (10,7%)
Acima de 3	14 (100%)	0 (0%)

Nota:
• ^*
  razão de verossimilhança; † qui-quadrado.

A Tabela 5 apresenta as variáveis que, após ajuste na regressão logística, permaneceram associadas ao desenvolvimento infantil. O modelo final mostrou que o aumento de 1,1 ponto no nível de conhecimento dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil eleva as chances de um DNPM normal; crianças nascidas a termo e que realizam aleitamento materno exclusivo aumentam em até 80% a probabilidade de um desenvolvimento adequado. O modelo foi ajustado pela variável “triagem”.

Tabela 5
Modelo final de regressão logística hierárquica das variáveis preditoras do desenvolvimento infantil em crianças atendidas em serviços públicos de saúde, Parnaíba, Piauí, Brasil, 2021

Variável	Valor de p	IC 95%
KIDI total	< 0,001	1,141 (1,067;1,220)
Triagem	0,079	0,415 (0,155;1,106)
Aleitamento materno exclusivo	0,012	0,244 (0,081;0,735)
Idade gestacional	0,012	0,204 (0,059;0,703)
Constante	< 0,001	8,565

²²

DISCUSSÃO

Constatou-se que cuidadores com maior propriedade sobre o desenvolvimento infantil foram associados a crianças com melhor desenvolvimento neuropsicomotor. Tal associação foi verificada tanto na análise bivariada quanto na multivariada. Pesquisadores apontam que pais com maior nível de conhecimento acerca do desenvolvimento infantil e de suas etapas apresentam um comportamento mais apropriado em relação aos cuidados com seus filhos. Por outro lado, pais que não possuem conhecimento sobre essa temática estão mais propensos a se comportarem de maneira inadequada, podendo, de certa forma, afetar o desenvolvimento da criança(¹⁶).

No que concerne às áreas de conhecimento dos cuidadores avaliadas pelo KIDI, a presente pesquisa corroborou os resultados de estudo semelhante realizado com mães e cuidadoras no estado do Pará, que também encontrou maior número de acertos nas questões de Saúde e Segurança e maior número de erros/incertezas nas questões de Normas e Aquisição(¹⁷).

Dentre os atributos da Atenção Básica, estudiosos mostram que o aspecto “orientação familiar e orientação comunitária” é o que apresenta maior índice de insatisfação entre os cuidadores de crianças. Esse achado revela a necessidade da promoção de ações de saúde voltadas tanto para o indivíduo quanto para sua família, com o intuito de realizar mudanças no meio em que vivem(¹⁸).

O Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil estrutura a atenção à saúde em três níveis de complexidade: primário, secundário e terciário. Esses níveis são organizados de maneira articulada e ordenada, objetivando-se o oferecimento de uma atenção em saúde integral por meio de ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação dos indivíduos(¹⁹).

Dentro do campo de promoção, a educação em saúde consiste em uma estratégia prioritária para alcance desse objetivo. As ações de educação em saúde estão inseridas dentro do componente assistencial da enfermagem e podem ser utilizadas pelo enfermeiro como um direcionamento para reflexão da população. Essa estratégia, além de proporcionar uma atenção integral, também é transformadora, tornando os usuários ativos e autônomos no que diz respeito à saúde, para que possam repensar suas realidades(²⁰).

Nesse contexto, quando buscamos na literatura estudos referentes a práticas de educação em saúde no âmbito materno-infantil, os achados mais recorrentes são relacionados a: aleitamento materno, direitos da gestante, prevenção de doenças parasitárias, cuidados de higiene e alimentação(²¹-²⁵). Visto que a área de conhecimento Normas e Aquisição (do KIDI) é a que apresentou maior porcentagem de erros/incertezas neste estudo, e não se identificam na literatura estudos voltados para esse tema, verifica-se a necessidade de o enfermeiro realizar ações de educação em saúde que envolvam a orientação dos cuidadores sobre os marcos do DNPM da criança. Essas atividades podem ser realizadas em consultório, em visitas domiciliares, em grupos operativos ou rodas de conversa(²⁰), visando ao aumento desse saber e consequente melhora do DNPM infantil.

Quanto à triagem do DNPM infantil por meio do Denver II, estudo similar realizado no Rio Grande do Sul também encontrou o domínio da Linguagem como a área mais afetada entre as crianças(²⁶). Os atrasos no desenvolvimento da linguagem podem ocorrer por diversas razões, como a baixa escolaridade dos pais, ter quatro ou mais crianças habitando na mesma residência, histórico familiar de atraso, pai que exerce atividade profissional fora de casa o dia inteiro, pouca qualidade da comunicação com a mãe e o fato de a família não ter o hábito de ler para a criança. Entre os fatores de proteção para desenvolvimento da linguagem, pontua-se a maior escolaridade dos pais, cuidador conversar frequentemente com a criança, ser filho único, ler para a criança diariamente e responsividade materna(²⁷).

Nas questões preventivas no âmbito da saúde da criança, os resultados desta pesquisa mostraram que crianças que realizaram AME apresentaram melhor desenvolvimento quando comparadas às que não realizaram. O leite materno é um alimento de extrema importância para o bebê, apresentando inúmeros benefícios quando comparado a outros tipos de leite. Apresenta vantagens nutritivas que promovem o crescimento e desenvolvimento adequado, além de ser rico em gorduras, minerais, vitaminas, enzimas e imunoglobulinas. O aleitamento é um importante vínculo entre a mãe e o filho, sendo a estratégia isolada que mais previne mortes infantis, além de promover a saúde física, mental e psíquica da criança e da mãe(²⁸).

Outra estratégia preventiva que apresentou associação estatística significante com o desenvolvimento adequado foi a vacinação, responsável pela redução da morbimortalidade de doenças imunopreveníveis. A imunização mostra-se como uma das intervenções em saúde pública mais seguras, econômicas e efetivas para a prevenção de mortes e melhora da qualidade de vida, principalmente em populações de maior vulnerabilidade social. Ela contribui para o cumprimento de um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a redução da mortalidade infantil, visto que crianças não vacinadas estão suscetíveis à maior morbimortalidade infantil(⁴).

Na discussão das variáveis dos cuidadores associadas ao DNPM infantil, os cuidadores participantes que possuíam ensino superior, emprego e que recebiam acima de três salários mínimos foram associados a crianças com melhor DNPM. Entre os aspectos sociodemográficos, a escolaridade e a renda parecem exercer um papel importante no desenvolvimento infantil. Crianças de famílias que têm menor poder aquisitivo e cujos pais possuem menores níveis de escolaridade tendem a apresentar atrasos no desenvolvimento cognitivo e motor ao longo do primeiro ano de vida(²⁹).

Limitações do estudo

Podemos citar como limitações do estudo a ausência de variáveis sociodemográficas ou clínicas dos cuidadores no modelo final da regressão logística, abrindo espaço para a realização de novos estudos com esse propósito. Levando-se em consideração a influência das questões locorregionais no conhecimento dos cuidadores e no DNPM infantil, os resultados encontrados neste estudo podem ser diferentes em outras regiões/populações.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

O estudo possibilitou caracterizar o perfil das crianças/cuidadores atendidos na rede pública de saúde do município de Parnaíba, Piauí; detectar precocemente crianças com alertas de atraso; orientar os cuidadores de crianças com desenvolvimento suspeito na investigação de possível atraso no desenvolvimento; averiguar o nível de conhecimento dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil; e relacionar quais variáveis estão associadas a um melhor ou pior desenvolvimento.

Acredita-se no potencial da pesquisa para fundamentar ações de promoção e prevenção de agravos pelos profissionais da saúde, incluindo-se o enfermeiro, no âmbito do cuidado com a criança, família e coletividade. Espera-se que os resultados encontrados possam servir de fomento para mais pesquisas na área, investigando-se de quais maneiras podem-se melhorar a saúde e desenvolvimento infantil.

CONCLUSÕES

Por meio deste estudo, verificou-se que o conhecimento dos cuidadores sobre o desenvolvimento infantil está diretamente relacionado ao desenvolvimento neuropsicomotor das crianças: quanto maior o nível de conhecimento, aumenta-se a probabilidade de um desenvolvimento adequado. Conclui-se que a hipótese da pesquisa foi aceita parcialmente, uma vez que se pôde observar a influência positiva do conhecimento dos cuidadores no desenvolvimento da criança de forma independente, como também na presença de variáveis clínicas da criança (aleitamento materno exclusivo e idade gestacional). Entretanto, não se verificou influência de variáveis sociodemográficas ou clínicas dos cuidadores no DNPM das crianças.

Entre as variáveis independentes relacionadas a um melhor desenvolvimento, destaca-se a idade da criança, o aleitamento materno exclusivo, a importância do registro vacinal atualizado e o nível de escolaridade dos cuidadores. Todos esses fatores apresentaram um impacto positivo na saúde da criança. Nesse sentido, ações relacionadas à educação em saúde devem ser incentivadas. Essas ações devem abranger o conhecimento dos cuidadores sobre os cuidados com a criança e seus marcos do desenvolvimento, além do incentivo ao aleitamento materno exclusivo e à vacinação.

O estudo merece destaque, já que a maioria das pesquisas não trata da compreensão dos cuidadores sobre o desenvolvimento de suas crianças, nem sobre as atitudes de cuidado para sua promoção. A falta de conhecimento dos profissionais de saúde sobre a compreensão dos cuidadores diminui a capacidade de resposta satisfatória às suas demandas e, de certo modo, pode provocar mais inseguranças e ansiedades.

AGRADECIMENTO

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí e ao Centro Integrado de Especialidades Médicas de Parnaíba, Piauí.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Nov 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  30 Jul 2021
• Aceito
  08 Set 2021