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Pesquisa Translacional em Saúde: para onde vamos?

Os contributos das pesquisas científicas são incontestáveis para o avanço da ciência e para a sociedade. Por isso, cada vez mais reflexões acerca dos impactos e da aplicabilidade dos estudos têm permeado o centro das discussões em nível global, sobretudo diante do aumento crescente da produção de conhecimentos. Nesse cenário, a translação da pesquisa (TP) assume um relevo notável na medida em que o compromisso social da pesquisa estabelece que o conhecimento advindo das investigações deve reverberar em resultados profícuos e benéficos para a sociedade, configurando-se uma premissa medular das pesquisas. Todavia, ainda são notórias as fragilidades no que tange à transferência e à aplicação do conhecimento oriundo das pesquisas na prática dos serviços de saúde(11 Baixinho CL, Ferreira O, Marques FM, Presado MH, Cardoso M, Sousa AD, et al. Conhecimento na clínica em saúde: da produção à utilização. New Trends Q Res. 2021;5:93-103. https://doi.org/10.36367/ntqr.5.2021.93-103
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).

A TP sintoniza-se e correlaciona-se com a translação do conhecimento, evocando, para sua compreensão, a variação imaginativa que expressa um movimento dinâmico, interativo, multidirecional e participativo que envolve diversas nuances atinentes às demandas de saúde e características dos desenhos das pesquisas, atores institucionais, pontos de partida e interseções. Nessa ótica, a TP visa utilizar as evidências e conhecimentos para dirimir hiatos e alavancar transformações de forma ética, responsável e efetiva na prática dos cuidados à saúde.

Para tanto, torna-se crucial o entendimento da distinção tênue entre a translação do conhecimento e a evidência(22 Baixinho CL, Ferreira O, Marques FM, et al. Investigação Qualitativa e transferência do conhecimento para a clínica. In: Brandão C, Carvalho JL, Ribeiro J, et al. A prática na Investigação Qualitativa: exemplos de estudos. Oliveira de Azeméis: Ludomédia; 2018, p. 179-208.), dado que, muitas vezes, o conhecimento desvelado não é transferido e implementado concretamente nas práticas de saúde e nas políticas de gestão e formação em saúde. Nesse sentido, a incipiência na compreensão e implicação da TP apresenta-se como um desafio complexo, especialmente diante da pluralidade de concepções e terminologias que tangenciam a TP, assim como das lacunas referentes às formas de implementação(33 Martinez-Silveira MS, Silva CH, Laguardia J. Concept and models of 'knowledge translation' in the health area. Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2020;14(1):225-46. https://doi.org/10.29397/reciis.v14i1.1677
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).

Portanto, a TP apresenta-se como uma área ainda em desenvolvimento e revestida de complexidade. Isso ocorre devido à necessidade pungente de superar entraves, como a inclusão da perspectiva translacional no planejamento da pesquisa, fragilidades no percurso formativo do pesquisador, resultando em despreparo e inexperiência para a TP, ausência de diálogo entre pesquisadores e os serviços, inacessibilidade das evidências para os serviços, gestores e potenciais usuários do conhecimento, restrição do conhecimento à academia, carência de recursos e investimentos, além da desvalorização histórica dos resultados das pesquisas qualitativas.

Por outro lado, a partir da identificação dos desafios, delineiam-se perspectivas e iniciativas para superá-los, destacando-se o resgate do compromisso social das pesquisas, o desenvolvimento de redes para disseminação e transferência dos resultados obtidos, a utilização de metodologias e desenhos de pesquisa rigorosos, reprodutíveis e transparentes que incluam a translação, a reflexão sobre a compreensibilidade dos achados, maiores investimentos e estratégias de comunicação. Tais ações favorecem a acessibilidade à pesquisa e fomentam a ruptura com modelos tradicionais e conservadores que tendem a perpetuar padrões unidirecionais e limitados, os quais não garantem a efetivação da utilidade pública do estudo e o fortalecimento dos sistemas de saúde e pesquisa(11 Baixinho CL, Ferreira O, Marques FM, Presado MH, Cardoso M, Sousa AD, et al. Conhecimento na clínica em saúde: da produção à utilização. New Trends Q Res. 2021;5:93-103. https://doi.org/10.36367/ntqr.5.2021.93-103
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).

Nessa tônica, frente às considerações expostas, bem como à pulverização de conhecimentos desassociados da incorporação efetiva das evidências nos locais de prestação de cuidados, o que repercutiria em avanços na assistência à saúde, emergiram as seguintes reflexões: existe compreensão, apoio e preparo para a TP no Brasil? Quais caminhos e pontes precisamos construir para garantir a implementação efetiva dos resultados das pesquisas? Qual o futuro da TP? Para onde vamos?

As discussões ora suscitadas convergem para a necessidade premente de (re)pensarmos as pesquisas, suas aplicações e finalidades, com o intuito de orquestrá-las sob a égide da translação do conhecimento e do compromisso social, tornando a TP uma questão prioritária e tencionando construir caminhos e perspectivas que valorizem a reflexividade, a disseminação do conhecimento e o trabalho colaborativo, promovendo transformações potentes, seguras e assertivas na prática dos cuidados à saúde da população.

Em síntese, espera-se que este editorial promova novas reflexões acerca da temática, contribuindo para ressignificação da TP por meio da redução do distanciamento entre a teoria e a prática, além de impulsionar o engajamento e a concentração de esforços dos pesquisadores, centros de pesquisas e serviços para aprimorar a transferência e a utilização do conhecimento obtido, com o intuito de remodelar práticas e fornecer subsídios para nortear o processo de tomada de decisão de forma segura e fundamentada, seja na prática clínica ou nas políticas de saúde.

REFERENCES

  • 1
    Baixinho CL, Ferreira O, Marques FM, Presado MH, Cardoso M, Sousa AD, et al. Conhecimento na clínica em saúde: da produção à utilização. New Trends Q Res. 2021;5:93-103. https://doi.org/10.36367/ntqr.5.2021.93-103
    » https://doi.org/10.36367/ntqr.5.2021.93-103
  • 2
    Baixinho CL, Ferreira O, Marques FM, et al. Investigação Qualitativa e transferência do conhecimento para a clínica. In: Brandão C, Carvalho JL, Ribeiro J, et al. A prática na Investigação Qualitativa: exemplos de estudos. Oliveira de Azeméis: Ludomédia; 2018, p. 179-208.
  • 3
    Martinez-Silveira MS, Silva CH, Laguardia J. Concept and models of 'knowledge translation' in the health area. Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2020;14(1):225-46. https://doi.org/10.29397/reciis.v14i1.1677
    » https://doi.org/10.29397/reciis.v14i1.1677

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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