ARTIGO
Relação custo/volume/lucro para multiprodutos
Magnus Amaral da Costa
Professor na FEA/USP e FEA/PUCSP
1. INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, estuda-se a questão de equilíbrio, em contabilidade e ciências afins, entre as receitas e as despesas, sob a forma de "ponto de equilíbrio" (ou com outras denominações: ponto de ruptura, ponto de nivelamento, ponto crítico ou break-even -point).
Por conseguinte, se a empresa produz e vende um único produto, incorrendo em custos e despesas fixos e variáveis, na hipótese linear, temos a quantidade de equilíbrio determinada pela fórmula
a receita de equilíbrio determinada pela fórmula
Entretanto, as fórmulas citadas são utilizadas também para empresas que produzem e vendem mais de um produto (o caso normal), a primeira para os casos nos quais se identificam custos e despesas fixos diretamente relacionados aos produtos, calculando-se pontos de equilíbrio por produto, enquanto a segunda é utilizada generalizadamente, quando se obtém a margem de contribuição em porcentagem do preço de venda a partir de uma situação específica.
De posse do ponto de equilíbrio, obtemos um indicador denominado "margem de segurança" que mostra, em termos relativos ou quantitativos (cruzados ou unidades físicas), o afastamento da situação atual àquele ponto.
Objetivamos, neste trabalho, alertar os que se utilizam desses números a respeito de suas limitações e, ao mesmo tempo, sugerir uma fórmula que supomos mais adequada para o cálculo da margem de segurança.
2. O CONJUNTO DE POSSIBILIDADE DE EQUILÍBRIO
Quando a empresa produz e vende dois produtos, na existência de custos e despesas fixos e variáveis, na hipótese linear, o lucro da empresa é obtido pela venda da quantidade XA do produto A e da quantidade xB do produto B, ambas multiplicadas pelas respectivas margens de contribuição unitárias a e b, e cujo resultado é deduzido dos custos e despesas fixos, c.
Considerando o lucro como π, temos a seguinte fórmula:
Como o equilíbrio é obtido quando o lucro é igual a zero (π = 0), a equação acima se transforma em:
Tendo em vista quedem (2) temos uma equação e duas incógnitas, xA e xB, e considerando a, b e c positivos, observa-se que não existe um ponto de equilíbrio, dado que a igualdade é sempre válida para qualquer x'A ou x'B especificado.
Geometricamente (veja figura 1), trata-se de uma reta que intercepta o eixo xA em c/a e o eixo xB em c/b, posto que xA = c/a - xB b/a e xB = c/b - xA a/b.
Figura 1 Qualquer combinação linear da reta definida por (2) no semiplano definido por xA, xB> 0 é um ponto de equilíbrio e, como qualquer segmento de reta tem infinitos pontos, há infinitos pontos de equilíbrio para uma empresa que produz e vende dois produtos, se a unidade de produção de ambos for uma variável contínua, ou finitos pontos, se a unidade de produção de um deles for uma variável discreta.
Á esse conjunto de pontos de equilíbrio denominamos "conjunto de possibilidade de equilíbrio".
Entretanto, podemos também encontrar uma equação de receita total, Rt, se associarmos às quantidades vendidas os respectivos preços de venda, PA e PB:
Desta forma, dado um ponto x'A e x'B de equilíbrio, há uma R't de equilíbrio especificada, que somente será constante dentro do conjunto de possibilidade de equilíbrio quando as retas Rt e π no plano definido por xA e xB forem coincidentes. Nos demais casos, ocorre somente um ponto (x'A, x'B), como se verifica na figura 2.
Pode-se visualizar no gráfico que, vendendo x"A e X"B, a empresa obtém uma receita igual àquela R't considerada de equilíbrio. Contudo, xA de equilíbrio para x"B de equilíbrio seria x+A, e x+A é maior que x"A; donde se conclui que a empresa rena, naquele ponto, um prejuízo no montante de a(x+A - x"A).
Ainda se visualiza no gráfico que, vendendo x"A e x"B, a empresa obtém uma receita igual àquela R't considerada de equilíbrio. Porém, xA de equilíbrio para x"'B seria x++A que é menor que x'"A, donde se conclui que a empresa naquele ponto teria um lucro no montante de a(x'"A - x++A).
Entretanto, existe uma família de retas de receita de equilíbrio e, por conseguinte, infinitos pontos de receita de equilíbrio.
Posto que a probabilidade de o ponto ocorrer (dado um segmento de reta) é zero, conclui-se que obter a receita de equilíbrio calculada para uma empresa que vende dois produtos é preocupar-se com uma informação de valor bem limitado, senão de nenhum valor, a não ser em casos especiais nos quais o mix de produção tenha pequenas alterações no período de validade daquele conjunto de possibilidade de equilíbrio, ou, então, quando as declividades das duas retas forem quase iguais. Nesses casos, é melhor obterem-se duas receitas de equilíbrio para pontos (x'A, x'B) e (x"A e x"B) que definam aquele intervalo razoável no qual possa oscilar o mix, como se observa nas figuras 3a e 3b.
Qualquer ponto de equilíbrio daquele conjunto pode ser determinado a partir da equação (2), posto que a taxa de substituição de A por B, ou vice-versa, pode ser facilmente encontrada a partir de uma solução básica da equação (2) reduzida à forma escalonada, como se segue:
a) taxa de substituição de A por B: dividindo-se a equação (2) por a, temos:
= xA + xB
b/a representa, então, a taxa de substituição de A pela entrada de uma unidade de B;
b) taxa de substituição de B por A: dividindo-se a equação (2) por b, temos:
= xA + xB
a/b representa, então, a taxa de substituição de B pela entrada de uma unidade de A.
Ilustrando os argumentos acima, vejamos um exemplo numérico, graficamente solucionado na figura 4, no qual a empresa tenha um montante de custos e despesas fixos de Cz$ 100 mil, fabrique os produtos A e B, com os preços, custos e despesas variáveis e margens de contribuição unitárias discriminados no quadro 1.
Neste quadro, a equação de equilíbrio fica a seguinte:
Um intervalo de equilíbrio poderia ser o que se segue:
Logo, obtemos:
a) equação da reta de receita de equilíbrio no ponto inferior:
b) equação da reta de receita de equilíbrio no ponto superior:
Observa-se na figura 4 que a receita de equilíbrio é no ponto onde xA = 5.000 e xB = 0, enquanto a receita de equilíbrio máxima é no ponto onde xA = 0 e xB = 10.000, acusando montantes respectivos de Cz$500 mil e Cz$800 mil, valores determinados por substituição nas equações de equilíbrio e receita total:
Para x'A (= 5.000) e x'B (= 0)
Para x"A (= 0) e x"B (= 10.000)
Verifica-se, portanto, que, para receitas que variam entre Cz$500 mil e Cz$800 mil, podemos ainda encontrar infinitos pontos de receita de equilíbrio, sendo aqueles os limites mínimo e máximo.
Entretanto, para uma receita de Cz$500 mil, verificamos infinitos pontos de combinação entre xA e xB, que apresentam prejuízo; e para uma receita de Cz$800 mil, verificamos infinitos pontos que apresentam lucro.
Desta forma, a receita de equilíbrio só é válida para um determinado ponto, que pertence ao conjunto de possibilidade de equilíbrio e, ao mesmo tempo, à reta de receita, cujos montantes xA e xB são encontrados pela interseção das duas retas citadas.
Por exemplo, se Rt = Cz$ 620.000,00, teríamos:
620.000 = 100xA+ 80xB
100.000 = 20xA + 10xB
Resolvendo o sistema, encontramos o ponto xA 3.000 e xB = 4.000, um dos pontos de equilíbrio do conjunto de possibilidade de equilíbrio.
3. MARGEM DE SEGURANÇA
Até quando as quantidades vendidas atualmente poderão cair e a empresa não ter prejuízo? E a receita? E a margem de contribuição?
A resposta a esta questão é o que se denomina de margem de segurança.
Se o nível de atividade for x'A e x da figura 5, mantendo-se x'A, verificamos que xB pode cair até x. Mantendo-se x, observamos que xA pode cair até . A distância de (x'A, x'B), nível de atividade atual, à reta de equilíbrio varia para cada ponto definido naquela.
Entretanto, pode-se calcular a menor distância de um ponto a uma reta e, desta forma, a menor margem de segurança.
Porém, observada a figura 6, notar-se-á que a distância da reta de lucro atual para a reta de equilíbrio é única e, por conseguinte, temos uma única margem de segurança para redução de margem de contribuição, independentemente do mix considerado.
Se detectamos a reta de lucro (π = e) que passa pelo ponto P(x'A, x'B) e que é paralela à reta de equilíbrio (π = 0), basta calcularmos sua distância d1 à origem (π = c), conforme figura 6, e deduzirmos da distância d2 à origem, e teremos a margem de segurança da empresa, d3.
Note-se que d1 é perpendicular à reta de lucro atual (π = e) e à reta de equilíbrio (π = 0) e, por conseguinte, d3 mede a menor distância do ponto atual P(x'A, x'B) que gera π = e à reta de equilíbrio, medindo, por conseguinte, o montante de margem de contribuição que pode ser diminuído da margem atual antes que a empresa tenha prejuízo.
Em números relativos, a margem de segurança seria:
Como e = axA + bxB - c, a sua distância à origem seria dada pelo teorema
enquanto que d2 seria dado por
e a margem de segurança, por
A fórmula (4) representa a razão entre a diferença da margem de contribuição atual (c + e) e a margem de contribuição do conjunto de possibilidade de equilíbrio (c), que é igual aos custos e despesas fixos, pela margem de contribuição atual (c + e); isto é, o lucro atual dividido pela margem de contribuição atual.
Se em vez de (4) utilizássemos o conceito de receita atual e receita de equilíbrio, chegaríamos ao mesmo resultado, posto que a reta que define a receita atual é a mesma que define a margem de contribuição atual, e a reta que define a receita de equilíbrio mantém a mesma combinação do mix atual, isto é:
A demonstração de (4) é a que se segue: como
temos
A demonstração de (5) é a que se segue: considere que as quantidades x'A e x'B de equilíbrío sejam proporcionais às quantidades vendidas atualmente, e x.
Assim, encontramos
Isto implica que
Fazendo = β temos que qualquer xB = βxA.
Como Rt de equilíbrio é dada por
substituindo x por , temos:
Por outro lado, as quantidades de equilíbrio poderiam ser determinadas a partir da equação (2):
Substituindo x por β, temos:
donde
Multiplicando ambos os termos por PA + PB, encontramos:
Igualando as equações (6) e (7), obtemos:
donde
e, então verificamos
Aplicando ao exemplo ilustrativo anterior e considerando um volume de vendas atual de xA = 4.000 e xB = 5.000, temos:
Fazendo e = Cz$ 30.000,00, a reta de lucro para aquele montante é dada por:
Sua distância à origem é
e a distância de π = 0 (reta de equilíbrio) à origem é
Logo, a margem de segurança já pode ser determinada:
Como a margem de contribuição atual é de Cz$ 130.000,00 [= 20(4.000) + 10(5.000)], poder-se-ia reduzi-la em um máximo de 23,07%, ponto no qual a empresa não teria lucro ou prejuízo, isto é, 23,07% de Cz$ 130.000, um montante de Cz$ 30.000,00.
Aplicando a redução de 23,07% ao mix atual e avaliando em cruzados, obtemos:
Entretanto, se tivéssemos utilizando o conceito tradicional de margem de segurança em relação ao volume das receitas, teríamos:
Cz$ 800.000,00
margem de
contribuição
atual
Cz$ 130.000,00
equilíbrio
130.000
800.000
segurança
O que demonstra a assertiva de que a receita de equilíbrio encontrada na forma usual tem utilidade somente para se detectar a margem de segurança, já que esta se dá pela redução de volumes em A e B acompanhando o mix atual, porém interpretada para redução da margem de contribuição para qualquer mix do conjunto de possibilidade de equilíbrio, e jamais como redução da receita, posto que há infinitas receitas de equilíbrio e, para cada receita verificada de equilíbrio, há somente um ponto no qual a receita de equilíbrio pertence ao conjunto de possibilidade de equilíbrio, e infinitos pontos daquela que não pertence, senão vejamos no exemplo: podemos obter uma receita de Cz$ 615.384, e ocorrer lucro (observem a figura 4), como, por exemplo, fazendo xA = 6153,84 e xB = 0. Substituindo na equação (1), encontramos
4. ALAVANCAGEM OPERACIONAL
Mede a variação no lucro decorrente de uma variação infinitesimal na quantidade vendida.
Considerando (1), temos que
Como se observa na figura 7, o grau de alavancagem varia em função da taxa de substituição de A por B, ou de B por A, posto que, sendo
o acréscimo no lucro decorrente de Δ xA (π = 63) seria menor que o acréscimo no lucro decorrente de Δ xB (π = e4).
Porém, se considerarmos que a variação nas quantidades se dá a uma taxa constante para ambos os produtos, mantendo-se a combinação contida no mix atual, obtemos:
Substituindo x e x em (8), temos:
isto é, a margem de contribuição atual dividida pelo lucro atual.
Aplicando ao exemplo anterior, temos:
AO =
4,3Logo, um acréscimo de 1% na quantidade vendida, considerando o mix atual, implica um acréscimo de 4,3% no lucro da empresa.
Com um aumento de 10% nas quantidades vendidas atualmente, xA = 4.000 e xg = 5.000, temos xA = 4.400 e xB = 5.500 e
Então, Δ π = 13.000, AO 4,3 e Δ π/π 43%, isto é, AO multiplicado por 10%.
5. CONCLUSÕES
Existe um conjunto de possibilidade de equilíbrio nas empresas que produzem e vendem dois produtos (como também para as que têm três ou mais produtos) e, por este motivo, o conceito de ponto de equilíbrio só é válido em raríssimos casos, se houver algum.
Na prática, pode-se calcular um intervalo de equilíbrio, a partir de um mix possível, considerando-se as possibilidades de mudança, identificando-se dois pontos (ou mais) daquele intervalo, mais importante que um simples ponto (cuja probabilidade de ocorrência é zero).
Quanto à margem de segurança, o método tradicional, aplicado empiricamente, dado pela razão entre a diferença de receita atual e a de equilíbrio, e a receita atual, é adequada e produz o mesmo resultado que a fórmula alternativa proposta
porém interpretada em relação à margem de contribuição atual e jamais em relação à receita atual.
Já a alavancagem operacional, calculada pelas fórmulas tradicionais, é válida somente quando o mix relativo de produção é mantido e, para os demais casos, só pode ser calculada para situações especificadas, variando para cada uma delas.
Cabe, finalmente, a observação de que a margem de segurança é a alavancagem operacional inversa, isto é
BIBLIOGRAFIA
- Gersdoff, Ralph C.J. von. Análise do ponto crítico do Brasil. Revista Brasileira de Contabilidade, Rio de Janeiro, (39):4-7, out./nov./dez. 1981; (40):16-24, jan./fev./ mar. 1982.
- Gonçalves, Ilydio Augusto. O ponto de equilíbrio e sua aplicação prática nas empresas. Revista Brasileira de Contabilidade, (42):48-9,jul./ago./set. 1982.
- IOB. Temática contábil. Um ponto de equilíbrio às avessas. Boletim, (21), 1986.
- Iudícibus, Sérgio. Análise de balanços. São Paulo, Atlas, 1980.
- Kaplan, Robert S. Advanced management accounting. Englewood Cliffs, New Jersey, Prentice-Hall, 1982.
- Martins, Eliseu. Contabilidade de custos. São Paulo, Atlas, 1985.
- Rochi, Carlos Antonio de. Análise CVL nas empresas de produção múltipla. Revista Brasileira de Contabilidade, Rio de Janeiro, (38):30-16, jul./ago./set. 1981.
- ______ Um modelo estocástico para a análise CVR nas empresas com produção diversificada. Revista do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, (39):27-50,1984.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Jun 2013 -
Data do Fascículo
Mar 1988