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Gerenciamento de doença crônica: equívoco para o grupo etário dos idosos

Gerenciamiento de enfermedad crónica: equivocación para el grupo etario de los ancianos

Resumos

Alterações nos estilos de vida (mudanças dos hábitos alimentares, aumento do sedentarismo e estresse) e maior expectativa de vida aumentam a incidência das doenças crônicas não transmissíveis, principais causas de óbito e incapacidade no Brasil. Sua gestão passou a ser considerada importante pelos gestores na busca de intervenções e estratégias para reduzir custos, diminuir hospitalizações e combater agravos. Mas a maior parte dos programas de atendimento foca exclusivamente na doença, e isso é um erro. Modelos que funcionem de modo integrado e deem conta das necessidades dos pacientes serão mais efetivos. O objetivo deste artigo foi contribuir para a discussão de políticas e estratégias que permitam a indução de modelos de atenção ao idoso com ênfase em projetos preventivos e resolutivos.

Idoso; Doença Crônica; Assistência de Longa Duração; Assistência ao Paciente; Serviços de Saúde para Idosos; Promoção da Saúde


Alteraciones en los estilos de vida (cambios de los hábitos alimenticios, aumento del sedentarismo y estrés) y mayor expectativa de vida aumentan la incidencia de las enfermedades crónicas no transmisibles, principales causas de óbito e incapacidad en Brasil. Su gestión pasó a ser considerada importante por los gestores en la búsqueda de intervenciones y estrategias para reducir costos, disminuir hospitalizaciones y combatir agravios. Sin embargo, la mayor parte de los programas de atención se enfoca exclusivamente en la enfermedad, y esto es un error. Modelos que funcionen de modo integrado y tomen en cuenta las necesidades de los pacientes serán más efectivos. El objetivo de este artículo fue contribuir para la discusión de políticas y estrategias que permitan la inducción de modelos de atención al anciano haciendo énfasis en proyectos preventivos y resolutivos.

Anciano; Enfermedad Crónica; Cuidados a Largo Plazo; Atención al Paciente; Servicios de Salud para Ancianos; Promoción de la Salud


Lifestyle changes, including unhealthy eating habits and high rates of physical inactivity and stress, along with an increase in life expectancy have been accompanied by increasing rates of chronic non-communicable diseases. Chronic diseases are the main causes of death and disability in Brazil. Chronic disease management is one of the most important challenges facing health managers who are constantly seeking interventions and strategies to reduce costs and hospital admissions and to prevent other conditions. However, most existing models of health care have focused exclusively on disease, but it is a mistaken approach. An integrated approach is required to effectively meet patient needs. The purpose of this article was to further discuss policies and strategies for the development of new models of care for the elderly with an emphasis on prevention and resolution actions.

Aged; Chronic Disease; Long-Term Care; Patient Care; Health Services for the Aged; Health Promotion


ARTIGO ESPECIAL

Gerenciamento de doença crônica: equívoco para o grupo etário dos idosos

Chronic disease management: mistaken approach in the elderly

Gerenciamiento de enfermedad crónica: equivocación para el grupo etario de los ancianos

Renato Peixoto Veras

Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI). Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Renato Peixoto Veras Rua São Francisco Xavier, 524 - 10º andar - Bloco F 20550-013 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: veras@uerj.br

RESUMO

Alterações nos estilos de vida (mudanças dos hábitos alimentares, aumento do sedentarismo e estresse) e maior expectativa de vida aumentam a incidência das doenças crônicas não transmissíveis, principais causas de óbito e incapacidade no Brasil. Sua gestão passou a ser considerada importante pelos gestores na busca de intervenções e estratégias para reduzir custos, diminuir hospitalizações e combater agravos. Mas a maior parte dos programas de atendimento foca exclusivamente na doença, e isso é um erro. Modelos que funcionem de modo integrado e deem conta das necessidades dos pacientes serão mais efetivos. O objetivo deste artigo foi contribuir para a discussão de políticas e estratégias que permitam a indução de modelos de atenção ao idoso com ênfase em projetos preventivos e resolutivos.

Descritores: Idoso. Doença Crônica. Assistência de Longa Duração. Assistência ao Paciente. Serviços de Saúde para Idosos. Promoção da Saúde.

ABSTRACT

Lifestyle changes, including unhealthy eating habits and high rates of physical inactivity and stress, along with an increase in life expectancy have been accompanied by increasing rates of chronic non-communicable diseases. Chronic diseases are the main causes of death and disability in Brazil. Chronic disease management is one of the most important challenges facing health managers who are constantly seeking interventions and strategies to reduce costs and hospital admissions and to prevent other conditions. However, most existing models of health care have focused exclusively on disease, but it is a mistaken approach. An integrated approach is required to effectively meet patient needs. The purpose of this article was to further discuss policies and strategies for the development of new models of care for the elderly with an emphasis on prevention and resolution actions.

Descriptors: Aged. Chronic Disease. Long-Term Care. Patient Care. Health Services for the Aged. Health Promotion.

RESUMEN

Alteraciones en los estilos de vida (cambios de los hábitos alimenticios, aumento del sedentarismo y estrés) y mayor expectativa de vida aumentan la incidencia de las enfermedades crónicas no transmisibles, principales causas de óbito e incapacidad en Brasil. Su gestión pasó a ser considerada importante por los gestores en la búsqueda de intervenciones y estrategias para reducir costos, disminuir hospitalizaciones y combatir agravios. Sin embargo, la mayor parte de los programas de atención se enfoca exclusivamente en la enfermedad, y esto es un error. Modelos que funcionen de modo integrado y tomen en cuenta las necesidades de los pacientes serán más efectivos. El objetivo de este artículo fue contribuir para la discusión de políticas y estrategias que permitan la inducción de modelos de atención al anciano haciendo énfasis en proyectos preventivos y resolutivos.

Descriptores: Anciano. Enfermedad Crónica. Cuidados a Largo Plazo. Atención al Paciente. Servicios de Salud para Ancianos. Promoción de la Salud.

INTRODUÇÃO

À medida que a sociedade envelhece, os problemas de saúde dos idosos desafiam os modelos de cuidado. Os avanços da tecnologia e da ciência da saúde oferecem àqueles que utilizam as modernas ferramentas para a manutenção da saúde a chance de desfrutar melhor qualidade de vida na velhice por mais anos. Estratégias de prevenção ao longo da vida tornaram-se mais importantes para resolver os desafios de hoje e, de forma crescente, os de amanhã.13

Alguns esforços se percebem no País, embora tímidos. O Ministério da Saúdeª a Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diario Oficial Uniao, 20 out. 2006 [citado 2012 set 5]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/2528%20aprova%20a%20politica%20nacional %20de%20saude%20da%20pessoa%20idosa.pdf incluiu a saúde do idoso como item prioritário em sua agenda e promulgou nova Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, na qual são introduzidos conceitos contemporâneos. Essa política está embasada no paradigma da capacidade funcional, que é abordada de maneira multidimensional. Seu efeito prático ainda não foi sentido, pois o peso da assistência tradicional é preponderante.

Em consonância com a perspectiva de preservar a saúde e propiciar mais anos de vida saudável, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Resolução Normativa nº 265, incentiva a participação de usuários de planos de saúde em programas de envelhecimento ativo, com a possibilidade de descontos nas mensalidades.b b Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa - RN nº 265, de 19 de agosto de 2011 [citado 2011 out 3]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/texto_lei.php?id=1796 Esse é um fato novo no Brasil: propor que as operadoras de planos de saúde ofereçam benefícios pecuniários aos clientes que participarem de programas de prevenção de doenças e detecção precoce de enfermidades - sem dúvida, uma iniciativa oportuna. A proposta da ANS vale para todas as faixas etárias, mas tem impacto particularmente importante na população da terceira idade, ao estimular ações de envelhecimento ativo.

A lógica do sistema de saúde é pautada pelo ciclo de tratamento das doenças, não da prevenção. Inverter esse modelo é imperativo para assegurar mais qualidade de vida aos idosos e bem-estar à população como um todo.14,16

O objetivo deste artigo foi contribuir para a discussão de políticas e estratégias que permitam a indução de modelos de atenção ao idoso com ênfase em projetos preventivos e resolutivos, pois essas ações ainda estão engatinhando. Existem muitas iniciativas mal formuladas e, por conseguinte, malsucedidas, o que reforça o abandono das ações preventivas. Identificar os equívocos cometidos é imperativo para o sucesso de tais programas.12 Entre os procedimentos de baixo impacto destaca-se o gerenciamento da doença crônica que, embora apresentado como solução e inovação, se configura como fracasso para o público idoso.

ÊNFASE NO GERENCIAMENTO DE DOENÇA CRÔNICA PELO SETOR PRIVADO

Com base em estudo realizado para a ANS foram obtidas informações de como as operadoras trabalham programas sobre promoção e prevenção de saúde e ações de identificação precoce das doenças mais prevalentes ao longo da vida. Foi analisada uma planilha com os projetos cadastrados na ANS.c c Veras R. Relatório analisando as vantagens e desvantagens para as operadoras de planos privados de assistência à saúde ofertarem programas de atenção à saúde, especialmente formulados para idosos. Rio de Janeiro; 2012. Contrato OPAS/ANS BR/CNT/1100826.001, produto 03, 2012.

A planilha é extensa, composta por 511 colunas que representam as operadoras. As linhas são as variáveis dos programas e contemplam a saúde do adulto e do idoso. Na análise dos programas específicos para os idosos, as variáveis informavam os tópicos das ações - e.g.: programa de hipertensão (sim; não), programas de alimentação saudável, programas antitabagismo, entre outros. Apenas o título do projeto não garantia a avaliação da abrangência e da eficiência do programa. Apesar de ser uma informação sem detalhamento, foi possível identificar eixos para a presente discussão.

Nas ações especificamente dirigidas aos idosos, foram observadas as seguintes variáveis, que significam as áreas de ações desenvolvidas pelas operadoras de saúde: alcoolismo, alimentação saudável, câncer de cólon e reto, câncer de pulmão, outros tipos de câncer, cuidados paliativos, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doenças sexualmente transmissíveis (DST), doenças cardiovasculares, doenças ocupacionais, hipertensão arterial sistêmica, imunização, inatividade física, insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória/reabilitação pulmonar, osteoporose, saúde bucal, sobrepeso/obesidade, tabagismo e outras. Há outras moléstias que foram elencadas no rol das prioritárias na planilha da ANS. A maioria das propostas das operadoras foi de programas com foco na doença, majoritariamente programas para clientes com diabetes e hipertensão arterial. De fato, são doenças de grande prevalência nesse grupo etário. No entanto, o foco para o idoso não deve ser centrado única e exclusivamente na doença. O idoso não possui apenas uma patologia. Além da multiplicidade de patologias, é preciso considerar a forte influência dos determinantes sociais nas enfermidades que afetam esse grupo. Diferentemente do observado, o foco no enfrentamento das doenças (vários tipos de câncer, diabetes, DPOC, doenças cardiovasculares, osteoporose, entre outras) deveria ter o mesmo peso que os fatores de risco que levam a essas doenças.

São cinco grandes categorias de fatores de risco para doenças bastante estudadas: alcoolismo, tabagismo, estresse, inatividade física e alimentação inadequada. Trata-se de fatores que retiram anos de vida e - o que é mais importante - subtraem qualidade dos anos adicionais que serão vividos. A maior longevidade é fato nos dias atuais. Com a preocupação dirigida para essas cinco categorias, poderemos não apenas ampliar os anos de vida, mas, acima de tudo, oferecer as condições para usufruir da grande conquista da sociedade: viver 20 ou 30 anos mais do que as gerações anteriores - e com qualidade.

O grande número de ações voltadas prioritariamente para um conjunto de doenças prevalentes da terceira idade mostra que a maioria dos programas executados pelas operadoras é de "gerenciamento de doenças crônicas". Sua eficiência é limitada nesse grupo etário. Essa lógica assistencial é eficiente nas faixas mais jovens, que costumam apresentar apenas uma doença crônica. Entre os idosos, normalmente, há múltiplas enfermidades. Uma vez instaladas, permanecem com o indivíduo até a morte. A atenção, portanto, deve se voltar à estabilização de tais moléstias, evitando seu agravamento em busca da qualidade de vida.1

O esforço de algumas operadoras que já identificaram a necessidade de ações de promoção e prevenção deve ser bem visto. Algumas dessas ações são adequadamente conduzidas, com efeitos vantajosos para clientes e empresa. Parcela significativa, porém, serve apenas para o discurso e para peças publicitárias, não apresentando efeito prático. E pior: desperdiça dinheiro e serve como um suposto demonstrativo da pouca eficiência de programas preventivos e de monitoramento de ações, o que não é verdadeiro. Esses programas precisam ser desenvolvidos de forma profissional e qualificada - na verdade, como tudo na vida, qualquer ação malfeita só acarreta desgaste, descrédito e ineficiência.

OPERACIONALIZAÇÃO DE MODELOS PREVENTIVOS

Há grande distância entre o desejo de aplicar novas ações de saúde e sua prática efetiva. Há também carência de conhecimento teórico e de informação sobre modelos preventivos que sejam eficientes e adequados. Apesar de os conceitos preventivos estarem bem estruturados e aceitos pelas operadoras e pelos profissionais de saúde, sua operacionalização é bastante precária, particularmente no grupo etário dos idosos, que envolve complicadores teóricos. O modelo preventivo foi concebido em um mundo menos envelhecido que o atual. A ênfase, portanto, foi conferida aos grupos populacionais mais jovens.

Artigos sobre o tema mostram que o gerenciamento de doença crônica é majoritariamente voltado para a redução de custos e a diminuição das internações e focado nas pessoas enfermas e com doenças crônicas instaladas.3-6,21

Estamos assumindo que existe concordância na aplicação das estratégias preventivas e no cuidado integral da saúde. Existe um discurso favorável ao método entre os profissionais de saúde, possivelmente pelo fato de que ser contrário à prevenção é algo demasiadamente retrógrado - e, portanto, difícil de assumir. Porém, na prática, apesar do discurso hegemônico da prevenção, existe ênfase nos serviços assistenciais tradicionais.2,d d Azevedo ERFC. Os desafios das operadoras de planos de saúde de autogestão em um cenário de envelhecimento populacional e cronificação de doenças [monografia de especialização]. Rio de Janeiro: Universidade Anhanguera para o Desenvolvimento do Pantanal; 2010 [citado 2011 out 15]. Disponível em: http://www.santosediniz.com.br/wp-content/uploads/2011/09/os_desafios-das-operadoras_de_planos_de_saude_de_autogestao.pdf

A desculpa das operadoras para tamanha dicotomia é imputada à difícil mensuração da eficácia, do ponto de vista financeiro, de tais programas. Desde a Carta de Ottawa em 1986,e e Carta de Ottawa: Promoção da Saúde nos Países Industrializados. In: Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde; 1986; Ottawa, Canadá. [citado 2012 set 5]. Disponível em: http://www.saudepublica.web.pt/05promocaosaude/Dec_Ottawa.htm havia a preocupação em mostrar a efetividade do modelo preventivo e de caracterizar aquelas práticas eficazes que conduzem a mudanças nos determinantes de saúde.

DIFICULDADES OPERACIONAIS PARA A MUDANÇA DO MODELO

O conhecimento acumulado e as novas pesquisas deveriam estimular o setor de saúde a desenhar e/ou ampliar modelos mais contemporâneos, que ofereçam maior resolutividade e custo mais adequado.18,19

A maioria das operadoras sabe que é significativo o número de idosos que apresentam múltiplos problemas coexistentes, o que com frequência os leva a consultas com inúmeros especialistas, como resultado da fragmentação do sistema de saúde. Além de elevar o custo da assistência, isso não representa necessariamente relação de custo-efetividade positiva, pois dela podem resultar iatrogenias importantes, com consequências indesejáveis.

A presença de comorbidades associadas às perdas relacionadas ao envelhecimento não deve ser vista como condição de envelhecimento malsucedido. É a administração de tais perdas (evitando, postergando ou compensando suas limitações), por meio do correto manejo de um modelo contemporâneo de assistência, aliado a competências e recursos disponíveis, que poderá garantir ao idoso e à sua família a condição de vivenciar essa fase da vida como uma conquista.8,16

O processo de envelhecimento, mesmo sem doenças crônicas, envolve alguma perda funcional compatível com a fisiologia, expressa por diminuição de vigor, força, prontidão ou velocidade de reação sistêmica. Populações envelhecidas têm elevadas prevalências de doenças crônicas, que acompanham a perda funcional de órgãos e tecidos ao longo dos anos - menos de 10% das pessoas de 65 anos ou mais estão livres de algum tipo de agravo crônico à saúde e mais de 10% referem pelo menos cinco doenças crônicas concomitantes. Essa alta prevalência de doenças crônicas exacerba a perda da capacidade funcional dos sujeitos que envelhecem.15

Um dos "gargalos" do modelo assistencial diz respeito à insuficiente identificação e à precária captação dessa clientela. A baixa resolubilidade dos serviços ambulatoriais, o não acompanhamento das doenças mais prevalentes e dos seus fatores de risco e os escassos serviços domiciliares fazem com que o primeiro atendimento ocorra, muitas vezes, em estágio avançado. Isso aumenta os custos e diminui as chances de um prognóstico favorável.9 Além disso, a abordagem médica tradicional, focada em uma queixa principal, e o hábito médico de reunir todos os sintomas e sinais em um único diagnóstico podem até se adequar, com algumas restrições, ao adulto jovem, mas certamente não se aplicam aos idosos.

Com o rápido e intenso envelhecimento da população brasileira, delineia-se um novo paradigma na saúde: numa população envelhecida, o indicador de saúde estratégico não é a presença ou ausência de doença, mas o grau de capacidade funcional dos indivíduos e a habilidade de conduzir a própria vida de maneira independente e autônoma.f f Gordilho A, Sérgio J, Silvestre J, Ramos LR, Freire MPA, Espíndola N, et al. Desafios a serem enfrentados no terceiro milênio pelo setor saúde na atenção integral ao idoso. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2000.

A maioria das doenças crônicas que acometem o indivíduo idoso tem na própria idade seu principal fator de risco. Envelhecer sem nenhuma doença crônica é mais a exceção do que a regra. O foco de qualquer política de saúde contemporânea deve ser a promoção do envelhecimento saudável, com manutenção ou melhoria progressiva da capacidade funcional dos idosos, prevenção de doenças, recuperação da saúde dos que adoecem (e/ou a estabilização das doenças) e reabilitação daqueles com restrição da capacidade funcional.17

A parcela de pessoas idosas fragilizadas só tende a crescer com a ampliação do tempo de vida. Poder-se-ia propor uma política com foco na manutenção da capacidade funcional, em programas de prevenção, no investimento em metodologias para detecção precoce de doenças, no monitoramento dos agravos, no sistema do médico pessoal (o bom e velho médico da família), entre outras medidas. Tudo isso em detrimento do foco em algumas doenças e no abandono das demais, como ocorre com o gerenciamento das doenças crônicas para os idosos.7,20

Um exemplo emblemático das tentativas praticadas no mercado de saúde pode ser observado no Reino Unido. Os clientes de uma das maiores seguradoras, a PruHealth,g g Informações sobre a PruHealth podem ser obtidas em: < http://www.ifaonline.co.uk/tag/pruhealth> recebem benefícios financeiros para trocar o carro por caminhada, usando podômetro com monitor cardíaco. Também obtêm descontos na compra de frutas e legumes em um supermercado associado à empresa de saúde e recebem incentivo financeiro para a prática de exercícios físicos em academias. Todos esses fatores positivos podem levar à redução no valor da sua apólice de saúde.

A experiência inglesa não chegou ao Brasil e não se sabe se teria efeito positivo ou aceitação da sociedade. De qualquer forma, merece reflexão a mensagem passada: os planos de saúde operam numa espécie de mutualismo, em que os menos saudáveis consomem mais serviços médicos e inflacionam os valores pagos por quem está com sua capacidade funcional preservada e em boa forma. Por muitos anos, tivemos dificuldade de aceitar estímulos financeiros para cuidar de nossa saúde.

A aplicação do aporte epidemiológico e a ênfase em prevenção fazem com que essa nova abordagem favoreça a redução dos custos assistenciais em paralelo à ampliação da qualidade de vida ao conferir prioridade à tecnologia do conhecimento e não à tecnologia das máquinas e imagens. Isso implica reorganizar o modelo vigente de saúde.

A mensagem é simples e única: as empresas terão de se adaptar às novas tecnologias da moderna gerontologia. Não é cabível manter a lógica da doença.

BONIFICAÇÃO E AÇÕES PREVENTIVAS

Fato importante foi o entendimento da ANS sobre a necessidade de lançar mecanismos de indução também para os consumidores, cuja adesão é fundamental para o sucesso das ações de prevenção.h h Oliveira M. Políticas para o envelhecimento ativo. Jornal O Globo, 2011 maio 20; Seção Opinião, p. 7. Assim, o consumidor poderá ganhar duas vezes, evitando doenças e obtendo descontos e prêmios. A relação entre prestadoras e clientes de mais idade sempre foi de desconfiança. Os prestadores nunca foram entusiastas da prestação de serviços para os idosos. Sua política sempre foi tentar reduzir o peso desse segmento em suas carteiras. Os clientes idosos, por seu lado, viviam reclamando das dificuldades de atendimento e das glosas a muitos dos exames solicitados, o que dificultava a utilização do seu plano de saúde, considerado muito caro. Para as prestadoras, o valor pago por esse segmento etário é reduzido e não cobre adequadamente os riscos de uma população com alta probabilidade de adoecer e impactar seus custos.

Esse é um fato único. Não existe relação de comércio em que prestador e clientes possuem posições tão antagônicas e tudo fazem para se livrar um do outro. Caso fosse possível, as prestadoras de saúde não aceitariam esses clientes; os idosos sonham com um plano que cubra suas necessidades. Com esse clima beligerante e de hostilidade, é tradicionalmente difícil sugerir e implantar alguma ação preventiva, pois a desconfiança da clientela é grande.

GERENCIAMENTO DAS DOENÇAS CRÔNICAS

O gerenciamento da doença crônica, caracterizado pela abordagem prospectiva e focada na doença, integra a prestação dos cuidados de saúde em todas as suas etapas na busca de uma relação mais custo-efetiva.i i Veras RP. Qualidade para os anos adicionais de vida: 40 anos de aniversário [publicação comemorativa]. [S.L] Unimed; 2011. p.20-1. Um programa para gerenciamento de doentes crônicos tem por objetivo: identificar os indivíduos doentes e com alto risco assistencial; prevenir as exacerbações e complicações das doenças; aumentar o envolvimento do paciente no autocuidado e construir uma base de dados sobre esses doentes. Considerando-se a complexidade sistêmica e a natureza multifatorial das doenças crônicas degenerativas e comorbidades associadas, a definição do escopo das atividades programáticas e a capacitação de equipe multidisciplinar são imperativas para o sucesso do programa.

Os programas de gerenciamento de doenças para idosos têm relação custo-benefício baixa, já que tratar adequadamente uma doença leva à redução dos índices de morbidade de tal patologia. No entanto, como são pacientes com múltiplas doenças crônicas e que utilizam cuidados de diferentes especialidades médicas, focar numa doença não é a medida mais adequada. A melhor opção é estruturar modelos que funcionem de modo integrado e consigam atender toda a gama de cuidados. Se não for assim, o problema dificilmente será resolvido, pois as demais doenças e sua fragilidade serão mantidas. Além disso, os recursos serão utilizados inadequadamente.4

Para Porter,10 é fundamental que os gestores do setor saúde mantenham foco na criação de valores e não apenas no corte de custos. Segundo esse autor, há uma crise no modelo atual de saúde adotado em diversos países, segundo o qual um tem de perder para o outro ganhar. Porter,10 em análise recente do sistema atual em todo o mundo, conclui que o grande problema é o foco no tratamento de doenças em detrimento da prevenção, o que propicia uma relação de perde-ganha na qual alguém sempre paga a conta. Porter & Teisberg11 apresentam o novo Ciclo de Atendimento à Saúde, no qual a saúde precede a assistência, e afirmam que é latente a necessidade de medir e minimizar o risco de enfermidades, oferecer um gerenciamento abrangente de doenças e disponibilizar serviços de prevenção para todos os clientes, mesmo os saudáveis. Acrescentam ainda que a saúde não pode envolver meramente a assistência, mas a preparação para o serviço (que aumenta a eficiência da cadeia de valor), a intervenção, a recuperação, o monitoramento/gerenciamento da condição clínica, a promoção do acesso, a mensuração de resultados e, por fim, a disseminação da informação. O argumento parte da comprovação de que, a cada dólar investido em prevenção e gerenciamento de doenças crônicas, o retorno é de US$ 2,9, i.e., benefício de quase 3 por 1.

Existem divergências sobre o percentual ideal de investimento em promoção da saúde, em comparação com o volume destinado à assistência em todo o mundo. Apesar de essa conta ser complexa e depender do modelo aplicado, permite concluir que é cada vez mais necessário investir recursos para evitar que as pessoas adoeçam. A prevenção não é um custo, mas um investimento com lucro certo.

As concepções aqui relatadas têm respaldo em estudos científicos e, do ponto de vista da qualidade de vida, são o instrumental mais adequado a ser aplicado. Portanto, a partir desse ponto, podemos apresentar alguns questionamentos pouco praticados. O gerenciamento de doenças é eficaz para populações com apenas uma moléstia a ser tratada, i.e., adultos não idosos. Para aqueles com apenas uma doença crônica, estabelecer programas que evitem seu recrudescimento é a política mais adequada e correta. Nossa crítica se dá quando se expande essa proposta para todas as faixas etárias, em particular para os idosos, que são pacientes com múltiplas patologias crônicas.

Para essa faixa da população, as ações devem acontecer de forma integrada. Não se trata de gerenciamento de doença crônica, mas do monitoramento do perfil de saúde do doente. Muitas vezes, o tratamento de alguma manifestação só pode ser conduzido com a redução ou a suspensão de outras ações que já vinham sendo desenvolvidas. É por isso que a equipe de saúde da geriatria/gerontologia tem um perfil distinto em relação às equipes de atenção às demais faixas etárias. Como o slogan "gerenciamento de doença crônica" é consagrado e aceito por todos, devemos colocar essa clara advertência: não se podem aplicar no idoso as mesmas ações realizadas para o adulto jovem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A força da preocupação aqui apresentada reside na compreensão da heterogeneidade que caracteriza a população idosa, no alto custo dos procedimentos de saúde a ela destinados, na diversidade dos gastos em subgrupos dessa população e na quantidade insuficiente de especialistas em geriatria. Entretanto, seu valor encontra-se também na percepção de que, sem uma abordagem preventiva e integral que associe a reflexão epidemiológica e o planejamento sistemático de ações de saúde, não há saída possível para a crise de financiamento e reestruturação do setor.

Essas reflexões têm por objetivo estimular a discussão sobre a necessidade de novas estratégias. Foco inovador e criativo deve ser dirigido ao cuidado do idoso e das suas doenças crônicas, porém com abordagem integral, incluindo a prevenção, seus fatores de risco e o tratamento das enfermidades. Esses indivíduos são os que mais sofrem os efeitos de sua própria fragilidade e, por conseguinte, os que mais desejam serviços de qualidade e necessitam de eficiência no setor saúde.

Recebido: 29/2/2012

Aprovado: 28/6/2012

O autor declara não haver conflitos de interesse.

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  • Correspondência | Correspondence:

    Renato Peixoto Veras
    Rua São Francisco Xavier, 524 - 10º andar - Bloco F
    20550-013 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      29 Fev 2012
    • Aceito
      28 Jun 2012
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