Acessibilidade / Reportar erro

Manejo do Paciente com Prótese Valvar Metálica no Período Gravídico-Puerperal

Próteses Valvares Cardíacas; Trombose; Anticoagulantes / uso terapêutico; Gravidez; Mortalidade; Aborto Espontâneo

Resumo

A trombose de prótese é uma complicação incomum, porém com grande mortalidade e morbidade. Mulheres jovens em idade fértil que possuem prótese metálica apresentam maior risco de trombose durante a gestação devido a alterações nos fatores de coagulação. A anticoagulação com controle adequado e o acompanhamento frequente, se a gestação ocorrer, devem ser realizados para evitar complicações relacionadas ao uso de anticoagulantes. A cirurgia permanece como tratamento de escolha para a trombose de prótese metálica na maioria das condições clínicas.

Pacientes portadoras de prótese valvar metálica apresentam um risco estimado de 5% de trombose valvar durante a gestação e de mortalidade de materna de 1,5% relacionada ao evento. A anticoagulação com antagonistas da vitamina K durante a gestação está relacionada a graus variáveis de complicações a cada fase do ciclo gravídico‑puerperal. A varfarina sódica atravessa a barreira placentária e, quando usada no primeiro trimestre, é teratogênica, acarretando 1 a 3% de malformações caracterizadas pela síndrome varfarínica-fetal, e também é a grande causa de abortamento espontâneo em 10 a 30% dos casos. No terceiro trimestre e parto, o uso da varfarina está associado à hemorragia materna e neonatal em cerca de 5 e 15% dos casos, respectivamente. Em contrapartida, a anticoagulação inadequada, incluindo a suspensão do anticoagulante oral, com intuito de proteção do feto, apresenta um risco materno de cerca de 25% de trombose de prótese metálica, sendo particularmente maior na posição da valva mitral. Este fato deve-se também ao estado de hipercoagulabilidade materna com a ativação dos fatores de coagulação V, VI, VII, IX, X, da atividade plaquetária e da síntese do fibrinogênio, e a diminuição da proteína S. O Registry of Pregnancy and Cardiac Disease (ROPAC) no estudo de 212 gestantes portadoras de próteses metálicas mostrou que a trombose da próteses ocorreu em 4,7% dos pacientes e hemorragia materna em 23,1%, concluindo que somente 58% das pacientes com próteses metálicas tiveram a gravidez livres de complicações11. Whitlock RP, Sun JC, Fremes SE, Rubens FD, Teoh KH; American College of Chest Physicians. Antithrombotic and thrombolytic therapy for valvular disease: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141(2 Suppl):e576S-600S.

2. Sbarouni E, Oakley CM. Outcome of pregnancy in women with valve prostheses. Br Heart J. 1994;71:196-201.

3. Casais P, Rolandi F. Prosthetic valve thrombosis in pregnancy: a promising treatment for a rare and mostly preventable complication. Circulation. 2013;128(5):481-2.

4. Elkayam U, Bitar F. Valvular heart disease and pregnancy: part II: prosthetic valves. J Am Coll Cardiol. 2005;46(3):403-10.

5. Katz M, Tarasoutchi F, Grinberg M. [Thrombolytic therapy in prosthetic valve thrombosis]. Arq Bras Cardiol. 2005;85(1):76-8.

6. Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Guyton RA, et al; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):e57-185. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):2489.
-77. Van Hagen IM, Roos-Hesselink JW, Ruys TP, Merz WM, Goland S, Gabriel H, et al; ROPAC Investigators and the EURObservational Research Programme (EORP) Team. Pregnancy in women with a mechanical heart valve: data of the European Society of Cardiology Registry of Pregnancy and Cardiac Disease (ROPAC). Circulation. 2015;132(2):132-42..

Há controvérsias sobre o melhor esquema de anticoagulação durante a gravidez, parto e puerpério de mulheres portadoras de prótese valvar metálica. Não existem diretrizes no intuito da melhor opção terapêutica isolada ou combinada face os riscos presumidos de trombose, porque não há evidências quanto à eficácia materna ao lado da proteção fetal. A recomendação atual, apoiada na literatura, tem sido para a substituição da varfarina sódica no primeiro trimestre da gravidez pela Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM) até a 12ª semana de gestação. Após essa idade gestacional, reintroduzimos a varfarina até 36ª semana de gestação e, posteriormente, esta é novamente substituída pela HBPM 24 horas antes do parto88. Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Piñeiro DJ, Sánchez CR, Bacelar AC, et al. [Brazilian Guidelines for Valve Disease - SBC 2011 / I Guideline Inter-American Valve Disease - 2011 SIAC]. Arq Bras Cardiol. 2011;97(5 Suppl 1):1-67.. O alvo da relação normatizada internacional (RNI) durante o período gestacional deve ser de 2,5 a 3,5 (média 3,0), quando prótese mitral, e de 2,0 a 3,0, quando aórtica, valores que conferem as maiores taxas de proteção materna (5,7% de risco de morte ou tromboembolismo) comparada com a heparina88. Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Piñeiro DJ, Sánchez CR, Bacelar AC, et al. [Brazilian Guidelines for Valve Disease - SBC 2011 / I Guideline Inter-American Valve Disease - 2011 SIAC]. Arq Bras Cardiol. 2011;97(5 Suppl 1):1-67.. Revisão publicada sobre desfechos de gestantes com prótese demonstrou que a varfarina confere proteção superior do que a heparina como profilaxia de eventos tromboembólicos em mulheres com próteses metálicas, mas com maior risco de embriopatia99. Chan WS, Anand S, Ginsberg JS. Anticoagulation of pregnant women with mechanical heart valves: a systematic review of the literature. Arch Intern Med. 2000;160(2):191-6.. No entanto, estudo retrospectivo observacional com três regimes de anticoagulação (enoxaparina antes de 6 semanas de gestação, entre 6 e 12 semanas ou anticoagulante oral durante toda gestação) observou que, com uso de enoxaparina, as complicações tromboembólicas foram vistas em 14,9% dos casos, nos quais a maioria estava relacionada com doses subterapêuticas verificadas por meio da dosagem do fator Anti-Xa1010. McLintock C, McCowan LM, North RA. Maternal complications and pregnancy outcome in women with mechanical prosthetic heart valve treated with enoxaparin. BJOG. 2009;116(12):1585-92.. Regime de anticoagulação em níveis subterapêuticos é a principal causa de trombose de valva, sendo encontrado em até 93%, independente do regime usado1111. Özkan M, Çakal B, Karakoyun S, Gürsoy OM, Çevik C, Kalçik M, et al. Thrombolytic therapy for the treatment of prosthetic heart valve thrombosis in pregnancy with low-dose, slow infusion of tissue-type plasminogen activator. Circulation. 2013;128(5):532-40.,1212. Ramos AI, Ramos RF, Togna DJ, Arnoni AS, Staico R, Galo MM, et al. Fibrinolytic therapy for thrombosis in cardiac valvular prosthesis short and long term results. Arq Bras Cardiol. 2003;81(4):393-8, 387-92.. O risco de trombose é provavelmente menor se a dose do anticoagulante for adequada e dependente ainda do tipo e posição da valva metálica, levando também em consideração os fatores de risco da paciente.

Os dados da literatura11. Whitlock RP, Sun JC, Fremes SE, Rubens FD, Teoh KH; American College of Chest Physicians. Antithrombotic and thrombolytic therapy for valvular disease: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141(2 Suppl):e576S-600S.,88. Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Piñeiro DJ, Sánchez CR, Bacelar AC, et al. [Brazilian Guidelines for Valve Disease - SBC 2011 / I Guideline Inter-American Valve Disease - 2011 SIAC]. Arq Bras Cardiol. 2011;97(5 Suppl 1):1-67.,99. Chan WS, Anand S, Ginsberg JS. Anticoagulation of pregnant women with mechanical heart valves: a systematic review of the literature. Arch Intern Med. 2000;160(2):191-6. alertam para ineficácia do uso da Heparina Não Fracionada (HNF) subcutânea na prevenção de trombose de prótese valvar metálica durante a gravidez, devido às dificuldades de obtenção da anticoagulação eficaz, do seu controle e da aderência da paciente ao medicamento. Porém, em serviços que optam por essa alternativa, recomenda-se que a HNF seja iniciada em altas doses (17.500 a 20.000 UI 2xd subcutânea) e controlada pelo Tempo de Protrombina parcial Ativada (TTPa), que deve ser duas vezes acima do valor controle, lembrando‑se de que a resposta à heparina é modificada pelo estado fisiológico de hipercoagulabilidade materno. Quando selecionada a HBPM, sua dose deve ser administrada a cada 12 horas, subcutânea, apoiada no controle do fator Anti-XA entre 0,8 e 1,2 U/mL, que deve ser determinado após 4 a 6 horas da aplicação. Fatores que devem ser levados em consideração na decisão do melhor tratamento anticoagulante incluem preferências do paciente, expertise do médico assistente e disponibilidade de monitorização dos níveis das medicações1111. Özkan M, Çakal B, Karakoyun S, Gürsoy OM, Çevik C, Kalçik M, et al. Thrombolytic therapy for the treatment of prosthetic heart valve thrombosis in pregnancy with low-dose, slow infusion of tissue-type plasminogen activator. Circulation. 2013;128(5):532-40.

12. Ramos AI, Ramos RF, Togna DJ, Arnoni AS, Staico R, Galo MM, et al. Fibrinolytic therapy for thrombosis in cardiac valvular prosthesis short and long term results. Arq Bras Cardiol. 2003;81(4):393-8, 387-92.

13. Regitz-Zagrosek V, Blomstrom Lundqvist C, Borghi C, Cifkova R, Ferreira R, Foidart JM, et al; European Society of Gynecology (ESG); Association for European Paediatric Cardiology (AEPC); German Society for Gender Medicine (DGesGM); ESC Committee for Practice Guidelines. ESC Guidelines on the management of cardiovascular diseases during pregnancy: the Task Force on the Management of Cardiovascular Diseases during Pregnancy of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2011;32(24):3147-97.
-1414. McLintock C. Anticoagulant choices in pregnant women with mechanical heart valves: balancing maternal and fetal risks - the difference the dose makes. Thromb Res. 2013;131 Suppl 1:S8-10. (Tabela 1).

Tabela 1
Anticoagulação na paciente gestante

A European Society of Cardiology contraindica o uso de Ácido Acetilsalicílico (AAS) em adição a anticoagulação nos pacientes com valvas protéticas, por não haver dados na literatura que comprovem seu beneficio e segurança1313. Regitz-Zagrosek V, Blomstrom Lundqvist C, Borghi C, Cifkova R, Ferreira R, Foidart JM, et al; European Society of Gynecology (ESG); Association for European Paediatric Cardiology (AEPC); German Society for Gender Medicine (DGesGM); ESC Committee for Practice Guidelines. ESC Guidelines on the management of cardiovascular diseases during pregnancy: the Task Force on the Management of Cardiovascular Diseases during Pregnancy of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2011;32(24):3147-97.. Por outro lado, a American Heart Association/American College of Cardiology, em sua última diretriz, sugere adicionar o AAS 75 a 110 mg/dia ao regime de anticoagulação em todos os pacientes com valvas metálicas e nos pacientes com valvas biológicas anticoagular nos primeiros 3 meses e, após, manter o AAS na dose de 75 a 100 mg/dia por tempo indeterminado. A adição de aspirina diminui a incidência de fenômenos embólicos, morte cardiovascular e acidente vascular encefálico, e a Sociedade Brasileira de Cardiologia sugere sua associação em pacientes de alto risco tromboembólico (prótese de modelo antigo em posição mitral, fibrilação atrial, mais de uma prótese metálica etc.)66. Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Guyton RA, et al; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):e57-185. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):2489.,1515. Sociedade Brasileira de Cardiologia. [Guidelines for pregnancy in the woman with heart disease]. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 supl.1):e110-e78..

O uso dos novos anticoagulantes (inibidores diretos da trombina e inibidores orais do Fator Xa) é formalmente contraindicado em pacientes com prótese valvar metálica.

No puerpério, deve-se usar HBPM com controle do fator Anti-Xa e posterior suspensão após atingir RNI 3,0 com varfarina. Durante esse período, a trombose de valva deve ser suspeitada quando a paciente desenvolver dispneia progressiva, edema agudo de pulmão, síncope, sintomas de baixo débito cardíaco ou instabilidade hemodinâmica, excluindo as taquiarritmias como causa, especialmente em pacientes com anticoagulação inadequada. Além disso, um achado auscultatório que sugere a trombose valvar é o desaparecimento ou abafamento do clique de fechamento da prótese. O ecocardiograma transesofágico parece ser o método mais sensível para confirmação diagnóstica1616. Parro A Jr, Carramona ML, Amaral CA, Jacob JL, Nicolau JC. Bioprosthetic mitral valve thrombosis. Importance of transesophageal echocardiography in the diagnosis and follow-up after treatment. Arq Bras Cardiol. 2004;82(4):346-59..

O tratamento da trombose durante o período puerperal deve ser o mesmo proposto para os pacientes portadores de valva protética fora do período gravídico-puerperal, levando em consideração sua condição clínica, o tamanho do trombo e a localização da prótese afetada. A cirurgia impõe-se como o tratamento de escolha e deve ser indicada preferencialmente em pacientes com dispneia classe funcional III e IV da New York Heart Association (NYHA), sem contraindicação cirúrgica, trombose de próteses à esquerda, trombo ≥ 10 mm ou área do trombo > 0,8 cm266. Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Guyton RA, et al; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):e57-185. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):2489.,1717. Tong AT, Roudaut R, Ozkan M, Sagie A, Shahid MS, Pontes Júnior SC, et al; Prosthetic Valve Thrombolysis-Role of Transesophageal Echocardiography (PRO-TEE) Registry Investigators. Transesophageal echocardiography improves risk assessment of thrombolysis of prosthetic valve thrombosis: results of the International PRO-TEE registry. J Am Coll Cardiol. 2004;43(1):77-84.. A desvantagem da cirurgia deve-se a alta mortalidade perioperatória (entre 5 a 18%) estreitamente associada à classe funcional, sendo este o principal preditor. Os pacientes em classes funcional de I a III (NYHA) apresentam 4 a 7% de mortalidade, enquanto que, em classe funcional IV, apresentam 17,5 a 31,3%. Porém, em comparação à trombólise, a cirurgia apresenta as maiores taxas de sucesso (81% vs. 70,9%)1818. Roudaut R, Lafitte S, Roudaut MF, Reant P, Pillois X, Durrieu-Jaïs C, et al. Management of prosthetic heart valve obstruction: fibrinolysis versus surgery. Early results and long-term follow-up in a single-centre study of 263 cases. Arch Cardiovasc Dis. 2009;102(4):269-77.,1919. Huang G, Schaff HV, Sundt TM, Rahimtoola SH. Treatment of obstructive thrombosed prosthetic heart valve. J Am Coll Cardiol. 2013;62(19):1731-6..

O uso de trombolítico pode ser considerado em pacientes críticos que apresentem grande risco de morte se submetidos à cirurgia, em locais onde não há equipe cirúrgica disponível, ou trombose das valvas tricúspide ou pulmonar2020. Vahanian A, Alfieri O, Andreotti F, Antunes MJ, Barón-Esquivias G, Baumgartner H, et al; Joint Task Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC); European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Guidelines on the management of valvular heart disease (version 2012). Eur Heart J. 2012;33(19):2451-96.. A trombólise apresenta risco de embolização sistêmica de 5 a 19%, sangramentos maiores de 5 a 8%, recorrência de 15 a 31% e mortalidade de 6 a 12,5%. Taxas de sucesso variam entre 64 a 89%, com alta chance de ser eficaz se o trombo tiver presumidamente menos de 14 dias1212. Ramos AI, Ramos RF, Togna DJ, Arnoni AS, Staico R, Galo MM, et al. Fibrinolytic therapy for thrombosis in cardiac valvular prosthesis short and long term results. Arq Bras Cardiol. 2003;81(4):393-8, 387-92.,1919. Huang G, Schaff HV, Sundt TM, Rahimtoola SH. Treatment of obstructive thrombosed prosthetic heart valve. J Am Coll Cardiol. 2013;62(19):1731-6.,2121. Cáceres-Lóriga FM, Pérez-López H, Morlans-Hernández K, Facundo-Sánchez H, Santos-Gracia J, Valiente-Mustelier J, et al. Thrombolysis as first choice therapy in prosthetic heart valve thrombosis: a study of 68 patients. J Thromb Thrombolysis. 2006;21(2):185-90.,2222. Bonou M, Lampropoulos K, Barbetseas J. Prosthetic heart valve obstruction: thrombolysis or surgical treatment? Eur Heart J Acute Cardiovasc Care. 2012;1(2):122-7.. Nos casos de sucesso parcial, ou seja, trombo residual, o paciente deve ser encaminhado à cirurgia após 24 horas da descontinuação da infusão do trombolítico. Nesse cenário, a cirurgia deve ser considerada de urgência ou emergência, dependendo da condição clínica do paciente, com altas taxas de mortalidade. Isso reforça a importância da escolha da terapia inicial para os pacientes com trombose de valva, para minimizar riscos de reintervenções e aumentar taxa de resolução completa1919. Huang G, Schaff HV, Sundt TM, Rahimtoola SH. Treatment of obstructive thrombosed prosthetic heart valve. J Am Coll Cardiol. 2013;62(19):1731-6.. Monitorização com ecocardiograma transesofágico deve ser realizada durante o procedimento. As doses recomendadas de trombolíticos são: estreptoquinase 1.500.000 UI em 60 minutos sem HNF e alteplase (rT-PA) 10 mg em bólus + 90 mg em 90 minutos com HNF2020. Vahanian A, Alfieri O, Andreotti F, Antunes MJ, Barón-Esquivias G, Baumgartner H, et al; Joint Task Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC); European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Guidelines on the management of valvular heart disease (version 2012). Eur Heart J. 2012;33(19):2451-96.. Recentemente, protocolo com trombolítico em baixa dose e infusão lenta (rT-PA 25 mg infusão endovenosa em 6 horas, repetindo em 24 horas e, se necessário, até seis vezes, atingindo dose máxima de 150 mg, sem bólus ou uso de heparina concomitante) em gestantes com trombose de prótese apresentou trombólise eficaz, sem mortes maternas e mortalidade fetal em torno de 20%, resultado melhor do que as estratégias habitualmente usadas1111. Özkan M, Çakal B, Karakoyun S, Gürsoy OM, Çevik C, Kalçik M, et al. Thrombolytic therapy for the treatment of prosthetic heart valve thrombosis in pregnancy with low-dose, slow infusion of tissue-type plasminogen activator. Circulation. 2013;128(5):532-40.. No entanto, o autor compara com trabalhos antigos e, talvez, com o aprimoramento das técnicas cirúrgicas, essa diferença seja menor. Portanto, não podemos inferir que a trombólise seja melhor que a estratégia cirúrgica nas grávidas.

Após cirurgia ou trombólise, as pacientes devem ser anticoaguladas. A diretriz americana orienta RNI 3-4 para prótese em posição aórtica e RNI 3,5-4,5 com adição de AAS em posição mitral. Já a diretriz europeia norteia a anticoagulação de acordo com a trombogenicidade da prótese e dos fatores de risco para eventos tromboembólicos do paciente (troca de valva mitral ou tricúspide, tromboembolismo prévio, fibrilação atrial, estenose mitral, disfunção ventricular FE < 35%), variando de RNI 2,5 a 3,5 para baixo risco, RNI 3,0 a 4,0 para alto risco, independente da posição da prótese66. Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Guyton RA, et al; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):e57-185. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):2489.,2020. Vahanian A, Alfieri O, Andreotti F, Antunes MJ, Barón-Esquivias G, Baumgartner H, et al; Joint Task Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC); European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Guidelines on the management of valvular heart disease (version 2012). Eur Heart J. 2012;33(19):2451-96..

Diante do exposto, verifica-se a importância de alertar as mulheres em idade fértil e que possuem prótese metálica quanto aos riscos durante o período gestacional, orientando anticoagulação com controle adequado e acompanhamento frequente se a gestação ocorrer, preferencialmente em centros de excelência em valvopatias, para evitar complicações relacionadas ao uso de anticoagulantes, tais como embriopatias, aborto, sangramentos e trombose de prótese2323. Avila WS, Grinberg M. [Anticoagulation, pregnancy and cardiopathy. A triad, three dominions and five moments]. Arq Bras Cardiol. 2005;84(1):44-8.. O tratamento deve ser individualizado, dependendo das condições clínicas da paciente, conforme algoritmo proposto por nossa equipe (Figura 1).

Figura 1
Algoritmo proposto para tratamento da trombose de prótese metálica na gestante e puérpera. CF: Classe Funcional da New York Heart Association (NYHA).
  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

References

  • 1
    Whitlock RP, Sun JC, Fremes SE, Rubens FD, Teoh KH; American College of Chest Physicians. Antithrombotic and thrombolytic therapy for valvular disease: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141(2 Suppl):e576S-600S.
  • 2
    Sbarouni E, Oakley CM. Outcome of pregnancy in women with valve prostheses. Br Heart J. 1994;71:196-201.
  • 3
    Casais P, Rolandi F. Prosthetic valve thrombosis in pregnancy: a promising treatment for a rare and mostly preventable complication. Circulation. 2013;128(5):481-2.
  • 4
    Elkayam U, Bitar F. Valvular heart disease and pregnancy: part II: prosthetic valves. J Am Coll Cardiol. 2005;46(3):403-10.
  • 5
    Katz M, Tarasoutchi F, Grinberg M. [Thrombolytic therapy in prosthetic valve thrombosis]. Arq Bras Cardiol. 2005;85(1):76-8.
  • 6
    Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Guyton RA, et al; American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):e57-185. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2014;63(22):2489.
  • 7
    Van Hagen IM, Roos-Hesselink JW, Ruys TP, Merz WM, Goland S, Gabriel H, et al; ROPAC Investigators and the EURObservational Research Programme (EORP) Team. Pregnancy in women with a mechanical heart valve: data of the European Society of Cardiology Registry of Pregnancy and Cardiac Disease (ROPAC). Circulation. 2015;132(2):132-42.
  • 8
    Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Piñeiro DJ, Sánchez CR, Bacelar AC, et al. [Brazilian Guidelines for Valve Disease - SBC 2011 / I Guideline Inter-American Valve Disease - 2011 SIAC]. Arq Bras Cardiol. 2011;97(5 Suppl 1):1-67.
  • 9
    Chan WS, Anand S, Ginsberg JS. Anticoagulation of pregnant women with mechanical heart valves: a systematic review of the literature. Arch Intern Med. 2000;160(2):191-6.
  • 10
    McLintock C, McCowan LM, North RA. Maternal complications and pregnancy outcome in women with mechanical prosthetic heart valve treated with enoxaparin. BJOG. 2009;116(12):1585-92.
  • 11
    Özkan M, Çakal B, Karakoyun S, Gürsoy OM, Çevik C, Kalçik M, et al. Thrombolytic therapy for the treatment of prosthetic heart valve thrombosis in pregnancy with low-dose, slow infusion of tissue-type plasminogen activator. Circulation. 2013;128(5):532-40.
  • 12
    Ramos AI, Ramos RF, Togna DJ, Arnoni AS, Staico R, Galo MM, et al. Fibrinolytic therapy for thrombosis in cardiac valvular prosthesis short and long term results. Arq Bras Cardiol. 2003;81(4):393-8, 387-92.
  • 13
    Regitz-Zagrosek V, Blomstrom Lundqvist C, Borghi C, Cifkova R, Ferreira R, Foidart JM, et al; European Society of Gynecology (ESG); Association for European Paediatric Cardiology (AEPC); German Society for Gender Medicine (DGesGM); ESC Committee for Practice Guidelines. ESC Guidelines on the management of cardiovascular diseases during pregnancy: the Task Force on the Management of Cardiovascular Diseases during Pregnancy of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2011;32(24):3147-97.
  • 14
    McLintock C. Anticoagulant choices in pregnant women with mechanical heart valves: balancing maternal and fetal risks - the difference the dose makes. Thromb Res. 2013;131 Suppl 1:S8-10.
  • 15
    Sociedade Brasileira de Cardiologia. [Guidelines for pregnancy in the woman with heart disease]. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6 supl.1):e110-e78.
  • 16
    Parro A Jr, Carramona ML, Amaral CA, Jacob JL, Nicolau JC. Bioprosthetic mitral valve thrombosis. Importance of transesophageal echocardiography in the diagnosis and follow-up after treatment. Arq Bras Cardiol. 2004;82(4):346-59.
  • 17
    Tong AT, Roudaut R, Ozkan M, Sagie A, Shahid MS, Pontes Júnior SC, et al; Prosthetic Valve Thrombolysis-Role of Transesophageal Echocardiography (PRO-TEE) Registry Investigators. Transesophageal echocardiography improves risk assessment of thrombolysis of prosthetic valve thrombosis: results of the International PRO-TEE registry. J Am Coll Cardiol. 2004;43(1):77-84.
  • 18
    Roudaut R, Lafitte S, Roudaut MF, Reant P, Pillois X, Durrieu-Jaïs C, et al. Management of prosthetic heart valve obstruction: fibrinolysis versus surgery. Early results and long-term follow-up in a single-centre study of 263 cases. Arch Cardiovasc Dis. 2009;102(4):269-77.
  • 19
    Huang G, Schaff HV, Sundt TM, Rahimtoola SH. Treatment of obstructive thrombosed prosthetic heart valve. J Am Coll Cardiol. 2013;62(19):1731-6.
  • 20
    Vahanian A, Alfieri O, Andreotti F, Antunes MJ, Barón-Esquivias G, Baumgartner H, et al; Joint Task Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC); European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Guidelines on the management of valvular heart disease (version 2012). Eur Heart J. 2012;33(19):2451-96.
  • 21
    Cáceres-Lóriga FM, Pérez-López H, Morlans-Hernández K, Facundo-Sánchez H, Santos-Gracia J, Valiente-Mustelier J, et al. Thrombolysis as first choice therapy in prosthetic heart valve thrombosis: a study of 68 patients. J Thromb Thrombolysis. 2006;21(2):185-90.
  • 22
    Bonou M, Lampropoulos K, Barbetseas J. Prosthetic heart valve obstruction: thrombolysis or surgical treatment? Eur Heart J Acute Cardiovasc Care. 2012;1(2):122-7.
  • 23
    Avila WS, Grinberg M. [Anticoagulation, pregnancy and cardiopathy. A triad, three dominions and five moments]. Arq Bras Cardiol. 2005;84(1):44-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2015
  • Revisado
    19 Ago 2015
  • Aceito
    27 Ago 2015
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br