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Intervenção Coronária Percutânea em Oclusão Total Crônica

Resumo

A intervenção coronária percutânea em oclusão total crônica é uma área em rápida evolução, sendo considerada a última fronteira da cardiologia intervencionista. Nos últimos anos, o desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos, assim como o treinamento de operadores especializados, elevaram sua taxa de sucesso, tornando o procedimento mais previsível. Apesar do número de estudos randomizados e controlados ainda ser limitado, resultados de grandes registros multicêntricos nos permitem oferecer essa intervenção aos pacientes com segurança, como mais uma opção de tratamento junto ao tratamento medicamentoso otimizado e ao lado cirurgia de revascularização miocárdica. Na presente revisão, resumimos as últimas e mais relevantes publicações sobre o assunto a fim de fornecer uma visão geral do atual estado da área.

Palavras-chave
Doença da Artéria Coronariana / complicações; Oclusão Coronária; Intervenção Coronária Percutânea

Abstract

Percutaneous coronary intervention in chronic total occlusion is a rapidly evolving area, being considered the last frontier of interventional cardiology. In recent years, the development of new techniques and equipment, as well as the training of specialized personnel, increased their success rates, making it the most predictable procedure available. Although the number of randomized and controlled studies is still limited, results from large multicentered registries allow us to safely offer this intervention to patients, as another treatment option along with the optimized drug treatment and myocardial revascularization surgery. This review summarizes the last and most relevant publications in the subject in order to provide an overall view of the field’s current status.

Keywords
Coronary Artery Disease / complications; Coronary Occlusion; Percutaneous Coronary Intervention

Introdução

A intervenção coronária percutânea (ICP) em oclusões totais crônicas (CTO) tem apresentado grande expansão e evolução com o desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos, e com o treinamento de operadores especializados. Esses fatores elevaram significativamente as taxas de sucesso, tornando esses procedimentos mais efetivos e previsíveis. O objetivo do presente manuscrito é apresentar uma atualização em relação às indicações, aos aspectos do procedimento, aos resultados e à aplicabilidade clínica das ICPs em CTO.

Definição e epidemiologia

CTO são definidas como obstruções coronarianas que produzem a oclusão total da luz do vaso com fluxo TIMI 0 e duração maior que 3 meses. As oclusões com mínima passagem de contraste sem opacificação do vaso distal são consideradas “CTO funcionais”.

As CTO estão presentes em 18-52% dos pacientes submetidos à coronariografia e que apresentam doença arterial coronária.11 Christofferson RD, Lehmann KG, Martin GV, Every N, Caldwell JH, Kapadia SR. Effect of chronic total coronary occlusion on treatment strategy. Am J Cardiol. 2005;95(9):1088-91.

2 Fefer P, Knudtson ML, Cheema AN, Galbraith PD, Osherov AB, Yalonetsky S, et al. Current perspectives on coronary chronic total occlusions: the Canadian Multicenter Chronic Total Occlusions Registry. J Am Coll Cardiol. 2012;59(11):991-7.
-33 Jeroudi OM, Alomar ME, Michael TT, El Sabbagh A, Patel VG, Mogabgab O, et al. Prevalence and management of coronary chronic total occlusions in a tertiary Veterans Affairs hospital. Catheter Cardiovasc Interv. 2014;84(4):637-43. Registros mais recentes demonstraram uma prevalência entre 16e 20%.44 Azzalini L, Jolicoeur EM, Pighi M, Millan X, Picard F, Tadros VX, et al. Epidemiology, management strategies, and outcomes of patients with chronic total coronary occlusion. Am J Cardiol. 2016;118(8):1128-35.,55 Ramunddal T, Hoebers LP, Henriques JP, Dworeck C, Angeras O, Odenstedt J, et al. Chronic total occlusions in Sweden--a report from the Swedish Coronary Angiography and Angioplasty Registry (SCAAR). PloS One. 2014;9(8):e103850. Nesses estudos, o percentual de pacientes com CTO submetidos à ICP foi baixo. Em dois estudos canadenses, apenas 9-10% dos pacientes foram submetidos à ICP, enquanto que 57 a 64% permaneceram em tratamento clínico e 26 a 34% foram encaminhados para cirurgia.22 Fefer P, Knudtson ML, Cheema AN, Galbraith PD, Osherov AB, Yalonetsky S, et al. Current perspectives on coronary chronic total occlusions: the Canadian Multicenter Chronic Total Occlusions Registry. J Am Coll Cardiol. 2012;59(11):991-7.,44 Azzalini L, Jolicoeur EM, Pighi M, Millan X, Picard F, Tadros VX, et al. Epidemiology, management strategies, and outcomes of patients with chronic total coronary occlusion. Am J Cardiol. 2016;118(8):1128-35.

Aspectos histopatológicos

A compreensão da histopatologia das CTO é passo fundamental para a definição da melhor estratégia terapêutica percutânea. As CTO são compostas por uma capa proximal e outra distal, com um segmento ocluído entre elas. Análises histológicas dessas lesões demonstram que, na capa proximal, predominam mais componentes fibrosos e com calcificação do que na distal e que, apesar da oclusão completa angiográfica, elas podem apresentar microcanais intravasculares que atravessam o segmento ocluído.66 Katsuragawa M, Fujiwara H, Miyamae M, Sasayama S. Histologic studies in percutaneous transluminal coronary angioplasty for chronic total occlusion: comparison of tapering and abrupt types of occlusion and short and long occluded segments. J Am Coll Cardiol. 1993;21(3):604-11.

7 Srivatsa SS, Edwards WD, Boos CM, Grill DE, Sangiorgi GM, Garratt KN, et al. Histologic correlates of angiographic chronic total coronary artery occlusions: influence of occlusion duration on neovascular channel patterns and intimal plaque composition. J Am Coll Cardiol. 1997;29(5):955-63.
-88 Sakakura K, Nakano M, Otsuka F, Yahagi K, Kutys R, Ladich E, et al. Comparison of pathology of chronic total occlusion with and without coronary artery bypass graft. Eur Heart J. 2014;35(25):1683-93. As capas rombas apresentam diferenças histopatológicas quando comparadas às afiladas, apresentando com menor frequência microcanais intravasculares.77 Srivatsa SS, Edwards WD, Boos CM, Grill DE, Sangiorgi GM, Garratt KN, et al. Histologic correlates of angiographic chronic total coronary artery occlusions: influence of occlusion duration on neovascular channel patterns and intimal plaque composition. J Am Coll Cardiol. 1997;29(5):955-63.

A viabilidade do miocárdio irrigado pela artéria ocluída é mantida por circulação colateral, que pode se desenvolver por angiogênese ou por ação das células progenitoras endoteliais circulantes.99 Modarai B, Burnand KG, Sawyer B, Smith A. Endothelial progenitor cells are recruited into resolving venous thrombi. Circulation. 2005;111(20):2645-53.A capacidade dos vasos colaterais de manter a perfusão coronária é de difícil avaliação, não sendo a angiografia o método mais acurado para prever a funcionalidade das colaterais. O conhecimento tradicional de que o vaso ocluído tem “colaterais adequadas e suficientes” para prevenção de isquemia em CTO é desafiado por evidências fisiológicas com análises de reserva de fluxo fracionada (FFR).1010 Werner GS, Surber R, Ferrari M, Fritzenwanger M, Figulla HR. The functional reserve of collaterals supplying long-term chronic total coronary occlusions in patients without prior myocardial infarction. Eur Heart J. 2006;27(20):2406-12.

Seleção de pacientes

As diretrizes europeias de revascularização miocárdica recomendam que a ICP de CTO deve ser considerada para redução de isquemia no território miocárdico correspondente e/ou para redução de angina (classe IIa, nível de evidencia B).1111 Windecker S, Kolh P, Alfonso F, Collet JP, Cremer J, Falk V, et al; Authors/Task Force members. 2014 ESC/EACTS Guidelines on myocardial revascularization: The Task Force on Myocardial Revascularization of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS)Developed with the special contribution of the European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions (EAPCI). Eur Heart J. 2014;35(37):2541-619. De acordo com as diretrizes para o manejo de doença coronária estável, as indicações para revascularização de CTO devem ser as mesmas de uma estenose subtotal, desde que estejam presentes viabilidade, isquemia de um território suficientemente grande e/ou sintomas de angina.1212 Montalescot G, Sechtem U, Achenbach S, Andreotti F, Arden C, Budaj A, et al; Task Force Members. 2013 ESC guidelines on the management of stable coronary artery disease: the Task Force on the management of stable coronary artery disease of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2013;34(38):2949-3003. Com as atuais técnicas, equipamentos, taxas de sucesso e de complicações, a seleção de pacientes não deve depender do tipo de lesão presente (total, subtotal ou gravemente obstrutiva), mas sim da sintomatologia e dos achados em exames complementares.1313 Patel MR, Calhoon JH, Dehmer GJ, Grantham JA, Maddox TM, Maron DJ, et al. ACC/AATS/AHA/ASE/ASNC/SCAI/SCCT/STS 2017 Appropriate Use Criteria for Coronary Revascularization in Patients With Stable Ischemic Heart Disease: a report of the American College of Cardiology Appropriate Use Criteria Task Force, American Association for Thoracic Surgery, American Heart Association, American Society of Echocardiography, American Society of Nuclear Cardiology, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society of Cardiovascular Computed Tomography, and Society of Thoracic Surgeons. J Am Coll Cardiol. 2017;69(17):2212-41. Embora seja fundamental para garantir a viabilidade do território miocárdico suprido por um vaso cronicamente ocluído, a presença de circulação colateral não evita a ocorrência de isquemia nessa área.1010 Werner GS, Surber R, Ferrari M, Fritzenwanger M, Figulla HR. The functional reserve of collaterals supplying long-term chronic total coronary occlusions in patients without prior myocardial infarction. Eur Heart J. 2006;27(20):2406-12. Desta maneira, o tamanho da circulação colateral não deve ser utilizado como critério para contraindicar a revascularização.

Isquemia e viabilidade miocárdica

Além dos sintomas, a avaliação da presença de isquemia e viabilidade miocárdica são fundamentais. Em pacientes assintomáticos, sugere-se a avaliação de isquemia antes de se considerar a ICP de CTO. Análises de curva de característica de operação do receptor (ROC) de uma coorte envolvendo 301 pacientes mostraram 12,5% como a quantidade de isquemia ótima pré-procedimento para identificar pacientes que se beneficiaram da intervenção em termos de redução de isquemia.1414 Shaw LJ, Berman DS, Maron DJ, Mancini GB, Hayes SW, Hartigan PM, et al; COURAGE Investigators. Optimal medical therapy with or without percutaneous coronary intervention to reduce ischemic burden: results from the Clinical Outcomes Utilizing Revascularization and Aggressive Drug Evaluation (COURAGE) trial nuclear substudy. Circulation. 2008;117(10):1283-91.

A presença de viabilidade miocárdica é importante para identificar os pacientes que se beneficiariam da recanalização de CTO. Uma combinação de parâmetros de viabilidade pode prever a melhora da função miocárdica com maior precisão do que o uso de um único parâmetro, sendo eles a extensão transmural do infarto, avaliação da reserva contrátil com dobutamina e espessamento da parede miocárdica normal na ressonância magnética cardíaca, especialmente em segmentos com extensão intermediária de infarto.1515 Kirschbaum SW, Rossi A, Boersma E, Springeling T, van de Ent M, Krestin GP, et al. Combining magnetic resonance viability variables better predicts improvement of myocardial function prior to percutaneous coronary intervention. Int J Cardiol. 2012;159(3):192-7.

O procedimento

Planejando o procedimento

A utilização de escores angiográficos para estimar a probabilidade de sucesso e o tipo de abordagem é essencial no planejamento do procedimento. O escore J-CTO é o escore mais antigo e disseminado (Figura 1).1616 Morino Y, Abe M, Morimoto T, Kimura T, Hayashi Y, Muramatsu T, et al; J-CTO Registry Investigators. Predicting successful guidewire crossing through chronic total occlusion of native coronary lesions within 30 minutes: the J-CTO (Multicenter CTO Registry in Japan) score as a difficulty grading and time assessment tool. JACC Cardiovasc Interv. 2011;4(2):213-21. Pacientes com escores J-CTO mais altos têm taxas de sucesso significativamente menores, além de procedimentos mais longos, maior uso de contraste e uso mais frequente da abordagem retrógrada.1717 Christopoulos G, Wyman RM, Alaswad K, Karmpaliotis D, Lombardi W, Grantham JA, et al. Clinical utility of the Japan-Chronic Total Occlusion Score in coronary chronic total occlusion interventions: results from a multicenter registry. Circ Cardiovasc Interv. 2015;8(7):e002171.,1818 Karacsonyi J, Karatasakis A, Karmpaliotis D, Alaswad K, Yeh RW, Jaffer FA, et al. Effect of previous failure on subsequent procedural outcomes of chronic total occlusion percutaneous coronary intervention (from a Contemporary Multicenter Registry). Am J Cardiol. 2016;117(8):1267-71. Outros escores relevantes são o PROGRESS-CTO escore e o ClinicalandLesion (CL) escore.1919 Christopoulos G, Kandzari DE, Yeh RW, Jaffer FA, Karmpaliotis D, Wyman MR, et al. Development and Validation of a Novel Scoring System for Predicting Technical Success of Chronic Total Occlusion Percutaneous Coronary Interventions: The PROGRESS CTO (Prospective Global Registry for the Study of Chronic Total Occlusion Intervention) Score. JACC Cardiovasc Interv. 2016;9(1):1-9.,2020 Alessandrino G, Chevalier B, Lefevre T, Sanguineti F, Garot P, Unterseeh T, et al. A Clinical and angiographic scoring system to predict the probability of successful first-attempt percutaneous coronary intervention in patients with total chronic coronary occlusion. JACC Cardiovasc Interv. 2015;8(12):1540-8. Esses três sistemas de pontuação apresentam capacidades preditivas semelhantes para sucesso técnico, sendo mais acurados em casos anterógrados.2121 Karatasakis A, Danek BA, Karmpaliotis D, Alaswad K, Jaffer FA, Yeh RW, et al. Comparison of various scores for predicting success of chronic total occlusion percutaneous coronary intervention. Int J Cardiol. 2016;224:50-6.

Figura 1
Escore J-CTO: escore angiográfico utilizado para estimar a probabilidade de sucesso do procedimento. São 5 variáveis analisadas: tipo da capa proximal (afilada ou romba), presença de calcificação em oclusões coronárias totais crônicas (CTO), presença de angulação maior de 45 graus dentro do segmento da CTO, comprimento da oclusão (maior ou igual a 20mm) e tentativa prévia de abordagem sem sucesso. O grau de dificuldade do procedimento aumenta quanto maior for o escore J-CTO.

Aspectos técnicos gerais

A realização de ICP de CTO ad hoc ao procedimento diagnóstico é amplamente desencorajada, a fim de permitir uma revisão cuidadosa e apropriada da angiografia, a obtenção de consentimento informado e limitar o uso de contraste e o tempo do procedimento.

A injeção de contraste no vaso da oclusão simultaneamente com a injeção no vaso doador da circulação colateral (injeção simultânea contralateral) é indispensável para a determinação das características de CTO, incluindo o comprimento da lesão, a morfologia das capas proximal e distal, o local dos ramos laterais e a extensão e morfologia dos ramos colaterais. A injeção anterógrada deve ser evitada a partir do momento em que ocorrer dissecção subintimal no espaço anterógrado, uma vez que a pressão hidráulica da injeção do contraste pode aumentar o plano de dissecção, aumentando o hematoma subintimal. A utilização das combinações de acessos bi-femoral, femoral-radial ou bi-radial dependerá da preferência do operador, da disponibilidade dos materiais necessários, das características do paciente, do procedimento e da anatomia.2222 Rinfret S, Dautov R. Radial or femoral approach for chronic total occlusion revascularization?: The answer is both. JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(3):244-6.

Visando um melhor planejamento para o tratamento das CTO, foi elaborado o denominado algoritmo híbrido, que tem permitido maximizar o sucesso e reduzir o tempo do procedimento, a radiação e o uso de contraste, possibilitando o ensino e a disseminação das técnicas e reduzindo a variabilidade inter- e intra-operador de abordagem e de taxas de sucesso. O núcleo desse algoritmo é a identificação rápida do modo de insucesso/falha de cada estratégia seguida da troca imediata por outro tipo de técnica.

O algoritmo ou abordagem híbrida consiste em dois caminhos (anterógrado e retrógrado) e duas maneiras de cruzar CTO: pelo lúmen verdadeiro ou pelo espaço subintimal (com dissecção e posterior reentrada ao lúmen verdadeiro). A definição de qual caminho utilizar e como cruzar a oclusão é determinada por 4 fatores anatômicos principais: anatomia da capa proximal, comprimento da oclusão, presença de uma zona sem doença para reentrada no vaso distal e presença de colaterais septais ou epicárdicas utilizáveis (Figura 2).

Figura 2
Algoritmo Híbrido para Cruzamento de Oclusões Coronárias Crônicas: o algoritmo híbrido começa com a injeção coronária dupla (Item 1), que permite a avaliação de diversos parâmetros angiográficos (Item 2) e a seleção do tipo de abordagem primária: anterógrada (Itens 3 a 5) ou retrógrada (Item 6). Mudanças na estratégia são realizadas (Item 7) dependendo da evolução e progresso do procedimento.

Mesmo utilizando técnicas modernas em centros de excelência, o insucesso ainda pode ocorrer, o que não inviabiliza uma nova tentativa.2323 Wilson WM, Walsh SJ, Yan AT, Hanratty CG, Bagnall AJ, Egred M, et al. Hybrid approach improves success of chronic total occlusion angioplasty. Heart. 2016;102(18):1486-93. Casos mal sucedidos em que a lesão é “modificada” - em especial a capa proximal, seja com múltiplas dissecções feitas por fios-guias específicos ou microcateteres, seja com angioplastia com balão, mesmo que subintimal - são chamados de “procedimentos de investimento”, cujo objetivo é facilitar uma futura tentativa de recanalização.2323 Wilson WM, Walsh SJ, Yan AT, Hanratty CG, Bagnall AJ, Egred M, et al. Hybrid approach improves success of chronic total occlusion angioplasty. Heart. 2016;102(18):1486-93.

Técnica anterógrada com escalonamento de fios

O escalonamento de fios por via anterógrada é a abordagem mais utilizada. Um micro cateter é avançado até a capa proximal, seguido de tentativas de cruzamento de CTO usando fios guias específicos de acordo com a morfologia da capa. De maneira geral, inicia-se com um fio guia de ponta macia (1,0 g) e afilada, revestido de polímero. Se não houver êxito no cruzamento, é usado um fio com ponta um pouco mais pesada (4,0 g), também revestido de polímero ou um fio rígido e afilado, com ponta de 12 g. A recente introdução de fios guias rígidos com núcleo composto parece melhorar ainda mais o sucesso do cruzamento anterógrado por permitir um melhor controle e transmissão do torque.

A compreensão do trajeto do fio guia é fundamental tanto para aumentar a probabilidade de sucesso quanto para minimizar o risco de complicações. Se o fio guia entrar no lúmen verdadeiro distal (confirmado em duas projeções ortogonais), o micro cateter é avançado através da oclusão e o fio guia é trocado por um fio guia tradicional, seguido de angioplastia com balão e implante de stents. Caso o fio guia saia da arquitetura do vaso, este deve ser recuado e redirecionado. Se o fio guia cruzar a oclusão, mas entrar no espaço subintimal, a reentrada no lúmen verdadeiro pode ser obtida através da técnica de “fios paralelos” (menos utilizada atualmente) ou do uso de um sistema dedicado de reentrada.

Técnica anterógrada de dissecção e reentrada

Dissecção e reentrada estão relacionadas ao uso intencional do espaço subintimal para o cruzamento da oclusão, estratégia que deve ser considerada quando a extensão de CTO é superior a 20 mm. Estratégias para provocar dissecções limitadas e controladas parecem ter melhores resultados em curto e longo prazos, quando comparadas àquelas que causam extensas dissecções.2424 Valenti R, Vergara R, Migliorini A, Parodi G, Carrabba N, Cerisano G, et al. Predictors of reocclusion after successful drug-eluting stent-supported percutaneous coronary intervention of chronic total occlusion. J Am Coll Cardiol. 2013;61(5):545-50.

25 Mogabgab O, Patel VG, Michael TT, Fuh E, Alomar M, Rangan BV, et al. Long-term outcomes with use of the CrossBoss and stingray coronary CTO crossing and re-entry devices. J Invasive Cardiol. 2013;25(11):579-85.
-2626 Rinfret S, Ribeiro HB, Nguyen CM, Nombela-Franco L, Urena M, Rodes-Cabau J. Dissection and re-entry techniques and longer-term outcomes following successful percutaneous coronary intervention of chronic total occlusion. Am J Cardiol. 2014;114(9):1354-60.

A dissecção controlada pode ser alcançada com micro cateteres dedicados que criam um plano de dissecção limitado. A reentrada é obtida com o auxílio de um balão específico para esse fim. Um estudo recente demonstrou que o uso de equipamentos dedicados foi associado a menores taxas de eventos cardiovasculares maiores (MACE) (4,3 vs. 15,4%, p = 0,02) e de revascularização do vaso alvo (3,1 vs. 15,5%, p = 0,02) quando comparados a técnicas mais antigas.2727 Azzalini L, Dautov R, Brilakis ES, Ojeda S, Benincasa S, Bellini B, et al. Impact of crossing strategy on mid-term outcomes following percutaneous revascularisation of coronary chronic total occlusions. EuroIntervention. 2017;13(8):978-85.

Técnica retrógrada

A abordagem retrógrada para o cruzamento de CTO pode aumentar significativamente as taxas de sucesso, particularmente em lesões mais complexas. É considerada a estratégia de primeira linha quando a capa proximal é ambígua, a zona de reentrada anterógrada não é adequada ou a capa distal termina em uma bifurcação. O cruzamento retrógrado por enxertos (em especial os venosos) e por colaterais septais são preferidos aos colaterais epicárdicos por serem mais fáceis de atravessar e por apresentar um menor risco de tamponamento em caso de perfuração ou ruptura.2828 Dautov R, Manh Nguyen C, Altisent O, Gibrat C, Rinfret S. Recanalization of chronic total occlusions in patients with previous coronary bypass surgery and consideration of retrograde access via saphenous vein grafts. Circ Cardiovasc Interv. 2016;9(7). pii: e003515.,2929 Dautov R, Urena M, Nguyen CM, Gibrat C, Rinfret S. Safety and effectiveness of the surfing technique to cross septal collateral channels during retrograde chronic total occlusion percutaneous coronary intervention. EuroIntervention. 2017;12(15):e1859-67. Através de uma colateral, o fio guia avança até a região distal à oclusão e a partir desse ponto faz-se o cruzamento de CTO em direção contrária ao fluxo sanguíneo.3030 Joyal D, Thompson CA, Grantham JA, Buller CE, Rinfret S. The retrograde technique for recanalization of chronic total occlusions: a step-by-step approach. JACC Cardiovasc Interv. 2012;5(1):1-11. O cruzamento retrógrado pelo lúmen verdadeiro é geralmente mais fácil, porque a capa distal costuma apresentar características mais favoráveis (mais macia, em ponta de lápis, menos ambígua) do que a proximal.88 Sakakura K, Nakano M, Otsuka F, Yahagi K, Kutys R, Ladich E, et al. Comparison of pathology of chronic total occlusion with and without coronary artery bypass graft. Eur Heart J. 2014;35(25):1683-93. Se o cruzamento no lúmen verdadeiro não for possível, técnicas de dissecção e reentrada, diferentes das anterógradas, também podem ser aplicadas.

Escolha de stents

A reestenose intra-stent após ICP de CTO com stents convencionais era de aproximadamente 50%, o que praticamente impedia seu uso neste cenário. Com o implante de stents farmacológicos, os desfechos clínicos melhoraram significativamente, levando a taxas menores de reestenose (risco relativo: 0.25, IC 95%: 0,16-0,41, p < 0,001), reoclusão(risco relativo: 0,30, IC 95%: 0,18-0,49, p < 0,001) e nova revascularização do vaso alvo (risco relativo: 0,40, IC 95%: 0,28-0,58, p < 0,001).3131 Colmenarez HJ, Escaned J, Fernandez C, Lobo L, Cano S, del Angel JG, et al. Efficacy and safety of drug-eluting stents in chronic total coronary occlusion recanalization: a systematic review and meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2010;55(17):1854-66.

32 Niccoli G, Leo A, Giubilato S, Cosentino N, Galassi AR, Minelli S, et al. A meta-analysis of first-generation drug-eluting vs bare-metal stents for coronary chronic total occlusion: effect of length of follow-up on clinical outcome. Int J Cardiol. 2011;150(3):351-4.

33 Saeed B, Kandzari DE, Agostoni P, Lombardi WL, Rangan BV, Banerjee S, et al. Use of drug-eluting stents for chronic total occlusions: a systematic review and meta-analysis. Catheter Cardiovasc Interv. 2011;77(3):315-32.
-3434 Ybarra LF, Rinfret S. Third-generation drug-eluting stents: can they be used in chronic total occlusions? Coron Artery Dis. 2017;28(5):366-8. Com isso, o uso de stents farmacológicos passou a ser mandatório.

O uso de plataformas vasculares absorvíveis para o tratamento de CTO foi avaliado em uma série de estudos, com resultados promissores.3535 Azzalini L, Giustino G, Ojeda S, Serra A, La Manna A, Ly HQ, et al. Procedural and Long-Term Outcomes of Bioresorbable Scaffolds Versus Drug-Eluting Stents in Chronic Total Occlusions: The BONITO Registry (Bioresorbable Scaffolds Versus Drug-Eluting Stents in Chronic Total Occlusions). Circulation Cardiovascular interventions. 2016;9(10). pii: e004284.

36 Lesiak M, Lanocha M, Araszkiewicz A, Siniawski A, Grygier M, Pyda M, et al. Percutaneous coronary intervention for chronic total occlusion of the coronary artery with the implantation of bioresorbable everolimus-eluting scaffolds. Poznan CTO-Absorb Pilot Registry. EuroIntervention. 2016;12(2):e144-51.

37 Vaquerizo B, Barros A, Pujadas S, Bajo E, Jimenez M, Gomez-Lara J, et al. One-year results of bioresorbable vascular scaffolds for coronary chronic total occlusions. Am J Cardiol. 2016;117(6):906-17.
-3838 Mitomo S, Naganuma T, Fujino Y, Kawamoto H, Basavarajaiah S, Pitt M, et al. Bioresorbable vascular scaffolds for the treatment of chronic total occlusions: an international multicenter registry. Circ Cardiovasc Interv. 2017;10(1). pii: e004265. Contudo, após os resultados de longo-prazo do estudo ABSORB III indicando um aumento nas taxas de trombose muito tardia, seu uso provavelmente ficará restrito.3939 Kereiakes DJ, Ellis SG, Popma JJ, Fitzgerald PJ, Samady H, Jones-McMeans J, et al. Evaluation of a fully bioresorbable vascular scaffold in patients with coronary artery disease: design of and rationale for the ABSORB III randomized trial. Am Heart J. 2015;170(4):641-51 e3.

Uso de métodos intravasculares de imagem

Atualmente existem disponíveis dois métodos adjuntos de imagem intravascular para uso clínico: ultrassom intravascular (USIV) e tomografia de coerência óptica. A tomografia de coerência óptica necessita de uma injeção de fluido (geralmente contraste) para ser realizada, o que pode levar a um aumento de um plano de dissecção existente, e por isso não costuma ser utilizada nas ICPs de CTO.

O USIV, por outro lado, pode ser utilizado em diversas situações do procedimento(definindo a ambiguidade da capa proximal, facilitando a reentrada no lúmen verdadeiro, limitando o plano de dissecção e confirmando o posicionamento distal do fio-guia no lúmen verdadeiro), além daquelas em que é utilizado em ICPs tradicionais.4040 Furuichi S, Airoldi F, Colombo A. Intravascular ultrasound-guided wiring for chronic total occlusion. Catheter Cardiovasc Interv. 2007;70(6):856-9.

41 Rathore S, Terashima M, Suzuki T. Value of intravascular ultrasound in the management of coronary chronic total occlusions. Catheter Cardiovasc Interv. 2009;74(6):873-8.

42 Galassi AR, Sumitsuji S, Boukhris M, Brilakis ES, Di Mario C, Garbo R, et al. Utility of intravascular ultrasound in percutaneous revascularization of chronic total occlusions: an overview. JACC Cardiovasc Interv. 2016;9(19):1979-91.
-4343 Song L, Maehara A, Finn MT, Kalra S, Moses JW, Parikh MA, et al. Intravascular ultrasound analysis of intraplaque versus subintimal tracking in percutaneous intervention for coronary chronic total occlusions and association with procedural outcomes. JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(10):1011-21.

Resultados e complicações

A abordagem híbrida tem permitido taxas de sucesso de 85-90% nos estudos mais recentes.2323 Wilson WM, Walsh SJ, Yan AT, Hanratty CG, Bagnall AJ, Egred M, et al. Hybrid approach improves success of chronic total occlusion angioplasty. Heart. 2016;102(18):1486-93.,4444 Christopoulos G, Karmpaliotis D, Alaswad K, Yeh RW, Jaffer FA, Wyman RM, et al. Application and outcomes of a hybrid approach to chronic total occlusion percutaneous coronary intervention in a contemporary multicenter US registry. Int J Cardiol. 2015;198:222-8.

45 Habara M, Tsuchikane E, Muramatsu T, Kashima Y, Okamura A, Mutoh M, et al; Retrograde Summit Investigators. Comparison of percutaneous coronary intervention for chronic total occlusion outcome according to operator experience from the Japanese retrograde summit registry. Catheter Cardiovasc Interv. 2016;87(6):1027-35.

46 Maeremans J, Walsh S, Knaapen P, Spratt JC, Avran A, Hanratty CG, et al. The hybrid algorithm for treating chronic total occlusions in Europe: the RECHARGE registry. J Am Coll Cardiol. 2016;68(18):1958-70.
-4747 Sapontis J, Salisbury AC, Yeh RW, Cohen DJ, Hirai T, Lombardi W, et al. Early procedural and health status outcomes after chronic total occlusion angioplasty: a report from the OPEN-CTO registry (Outcomes, Patient Health Status, and Efficiency in Chronic Total Occlusion Hybrid Procedures). JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(15):1523-34. A ocorrência de MACE intra-hospitalar varia de 0,5 a 2.6%.2424 Valenti R, Vergara R, Migliorini A, Parodi G, Carrabba N, Cerisano G, et al. Predictors of reocclusion after successful drug-eluting stent-supported percutaneous coronary intervention of chronic total occlusion. J Am Coll Cardiol. 2013;61(5):545-50.

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A incidência de infarto do miocárdio (IM) peri-procedimento está associada a fatores como técnica retrógrada, calcificação moderada/grave e procedimentos sem sucesso.4949 Stetler J, Karatasakis A, Christakopoulos GE, Tarar MN, Amsavelu S, Patel K, et al. Impact of crossing technique on the incidence of periprocedural myocardial infarction during chronic total occlusion percutaneous coronary intervention. Catheter Cardiovasc Interv. 2016;88(1):1-6.,5050 Di Serafino L, Borgia F, Maeremans J, Pyxaras SA, De Bruyne B, Wijns W, et al. Periprocedural myocardial injury and long-term clinical outcome in patients undergoing percutaneous coronary interventions of coronary chronic total occlusion. J Invasive Cardiol. 2016;28(10):410-4. O impacto do IM peri-procedimento no seguimento a médio e longo prazo ainda não está bem definido.5151 Jang WJ, Yang JH, Choi SH, Song YB, Hahn JY, Kim WS, et al. Association of periprocedural myocardial infarction with long-term survival in patients treated with coronary revascularization therapy of chronic total occlusion. Catheter Cardiovasc Interv. 2016;87(6):1042-9.,5252 Lo N, Michael TT, Moin D, Patel VG, Alomar M, Papayannis A, et al. Periprocedural myocardial injury in chronic total occlusion percutaneous interventions: a systematic cardiac biomarker evaluation study. JACC Cardiovasc Interv. 2014;7(1):47-54.

A prevalência de lesões em bifurcação em intervenções de CTO é de 33%. Os ramos laterais devem ser considerados e tratados como em procedimentos de intervenção convencionais.5353 Ojeda S, Pan M, Gutierrez A, Romero M, Chavarria J, de Lezo JS, et al. Bifurcation lesions involved in the recanalization process of coronary chronic total occlusions: incidence, treatment and clinical implications. Int J Cardiol. 2017;230:432-8. A oclusão de ramos laterais pode afetar os desfechos de longo e curto prazo da ICP de CTO, sendo mais frequente quando o stent é implantado sobre o ramo e quando se utiliza a técnica de dissecção e reentrada.5454 Nguyen-Trong PK, Rangan BV, Karatasakis A, Danek BA, Christakopoulos GE, Martinez-Parachini JR, et al. Predictors and outcomes of side-branch occlusion in coronary chronic total occlusion interventions. J Invasive Cardiol. 2016;28(4):168-73.

As ICPs de CTO apresentam maior risco de perfurações do que aquelas em lesões não-oclusivas. Em centros de excelência, utilizando-se o tratamento contemporâneo, a incidência de perfurações é de aproximadamente 1-2%.5555 Werner GS. A Randomized multicentre trial to evaluate the utilization of revascularization or optimal medical therapy for the treatment of chronic total coronary occlusions (EuroCTO). Euro PCR Abstracts. Paris (France); 2017. O manejo desta complicação varia com o tipo de perfuração, devendo o operador estar familiarizado com as técnicas e os dispositivos necessários para o seu tratamento.5656 Ellis SG, Ajluni S, Arnold AZ, Popma JJ, Bittl JA, Eigler NL, et al. Increased coronary perforation in the new device era. Incidence, classification, management, and outcome. Circulation. 1994;90(6):2725-30.

As altas doses de radiação necessárias para realizar procedimentos cada vez mais complexos são uma preocupação para médicos e pacientes. Protocolos dedicados a intervenções em CTO, equipamentos mais modernos e a adoção pelos operadores de atitudes que reduzem a exposição à radiação ionizante, têm permitido a realização desses procedimentos com doses cada vez menores.5757 Christakopoulos GE, Christopoulos G, Karmpaliotis D, Alaswad K, Yeh RW, Jaffer FA, et al. Predictors of excess patient radiation exposure during chronic total occlusion coronary intervention: insights from a contemporary multicentre registry. Can J Cardiol. 2017;33(4):478-84.,5858 Balter S, Brinkman M, Kalra S, Nazif T, Parikh M, Kirtane AJ, et al. Novel radiation dose reduction fluoroscopic technology facilitates chronic total occlusion percutaneous coronary interventions. EuroIntervention. 2017;13(12):e1468-e1474.

A decisão de interromper o procedimento deve ser individualizada, não existindo evidências científicas que corroborem o uso de critérios específicos. Cinco parâmetros costumam ser utilizados (radiação, contraste, complicações, futilidade e relação risco/benefício), mas a decisão final depende muito do julgamento do operador.

Os cuidados intra- e pós-hospitalares devem ser os mesmos que os de qualquer outra ICP complexa, levando-se em consideração as complicações ocorridas durante o procedimento e as quantidades de contraste e radiação utilizadas.

Benefícios clínicos

A recanalização bem sucedida de CTO está associada a diversos benefícios clínicos, como melhora da angina, da qualidade de vida e da limitação física, melhora da função ventricular e diminuição da mortalidade quando comparada a pacientes cuja recanalização não foi bem sucedida.

Sapontis et al. avaliaram a qualidade de vida de 1.000 pacientes submetidos à ICP de OCT. Em seguimento clínico de um mês, observou-se melhora significativa de todos os domínios dos escores Seattle Angina Questionnaire (SAQ), Rose DyspneaScale e PHQ-8.4747 Sapontis J, Salisbury AC, Yeh RW, Cohen DJ, Hirai T, Lombardi W, et al. Early procedural and health status outcomes after chronic total occlusion angioplasty: a report from the OPEN-CTO registry (Outcomes, Patient Health Status, and Efficiency in Chronic Total Occlusion Hybrid Procedures). JACC Cardiovasc Interv. 2017;10(15):1523-34. Em outro estudo com 184 pacientes em seguimento de um ano, também foi observada uma significativa melhora da qualidade de vida em pacientes submetidos à ICP de CTO com sucesso. A melhora foi semelhante em todos os pacientes, independentemente da complexidade clínica, anatômica ou do procedimento.5959 Ybarra LF, Dautov R, Gibrat C, Dandona S, Rinfret S. Mid-term angina-related quality of life benefits after percutaneous coronary intervention of chronic total occlusions. Can J Cardiol. 2017;33(12):1668-74. Em Mashayekhie et al., avaliaram o impacto da recanalização de CTO na capacidade física de 50 pacientes submetidos a testes cardiopulmonares antes e após 7 meses. A intervenção com sucesso melhorou a capacidade de exercício (consumo máximo de oxigênio e limiar anaeróbio aumentaram 12 e 28%, respectivamente; p = 0,001 para ambos).6060 Mashayekhi K, Neuser H, Kraus A, Zimmer M, Dalibor J, Akin I, et al. Successful percutaneous coronary intervention improves cardiopulmonary exercise capacity in patients with chronic total occlusions. J Am Coll Cardiol. 2017;69(8):1095-6.

Diversos estudos observacionais mostram uma relação da recanalização de CTO na redução de eventos clínicos. Jang et al. comparou a revascularização de CTO (por ICP ou por cirurgia) com terapia medicamentosa em 738 pacientes com colaterais bem desenvolvidas. A análise de propensão combinada no seguimento de 42 meses demonstrou uma redução de 73% na incidência de morte cardíaca.6161 Jang WJ, Yang JH, Choi SH, Song YB, Hahn JY, Choi JH, et al. Long-term survival benefit of revascularization compared with medical therapy in patients with coronary chronic total occlusion and well-developed collateral circulation. JACC Cardiovasc Interv. 2015;8(2):271-9. O Registro Italiano de CTO avaliou os desfechos clínicos de 1.777 pacientes, demonstrando menor mortalidade cardíaca (1,4, 4,7 e 6,3%, p < 0,001) e MACE em um ano (2,6, 8,2 e 6,9%, p < 0,001) em pacientes tratados por ICP quando comparados ao tratamento clínico ou cirurgia. Nesse estudo, o grupo que recebeu tratamento médico otimizado apresentou maiores taxas de MACE, morte e re-hospitalização.6262 Tomasello SD, Boukhris M, Giubilato S, Marza F, Garbo R, Contegiacomo G, et al. Management strategies in patients affected by chronic total occlusions: results from the Italian Registry of Chronic Total Occlusions. Eur Heart J. 2015;36(45):3189-98.

Até o momento, três ensaios clínicos randomizados avaliaram os potenciais benefícios da ICP de CTO. O estudo EXPLORE incluiu 304 pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) submetidos à ICP primária e que apresentavam CTO em artéria não-relacionada ao infarto. Eles foram randomizados para ICP de CTO em um segundo momento versus tratamento médico otimizado (TMO). No seguimento de 4 meses, observou-se função ventricular esquerda semelhante nos dois grupos, embora tenha sido observado melhora significativa da fração de ejeção no subgrupo de pacientes com IAM de parede anterior. A inclusão de pacientes sem pesquisa de viabilidade pode ter limitado um possível resultado positivo da ICP.6363 Henriques JP, Hoebers LP, Ramunddal T, Laanmets P, Eriksen E, Bax M, et al. Percutaneous intervention for concurrent chronic total occlusions in patients with STEMI: the EXPLORE trial. J Am Coll Cardiol. 2016;68(15):1622-32.

O estudo DECISION-CTO randomizou 834 pacientes com CTO para TMO vs. TMO + ICP de CTO.6464 Park S-J. Drug-Eluting Stent Implantation Versus Optimal Medical Treatment in Patients With Chronic Total Occlusion (DECISION-CTO). American College of Cardiology's 66th Annual Scientific Session & Expo; Washington, DC, USA2017. No seguimento clínico de três anos, a ICP da CTO como estratégia inicial no tratamento não proporcionou diminuição de MACE, desfecho primário do estudo. No entanto, este estudo apresentou importantes limitações: foi encerrado precocemente antes de atingir o número pré-especificado de pacientes necessários, com baixa taxa de inclusão de pacientes por centro; foram incluídos pacientes com baixo perfil de gravidade e pouco sintomáticos; e houve alta taxa de cross-over para o grupo intervenção (20%).

O Euro CTO Trial randomizou 407 pacientes com doença coronariana estável para TMO vs. TMO + ICP de CTO. O desfecho primário foi a melhora de qualidade de vida, avaliada pelo SAQ.5555 Werner GS. A Randomized multicentre trial to evaluate the utilization of revascularization or optimal medical therapy for the treatment of chronic total coronary occlusions (EuroCTO). Euro PCR Abstracts. Paris (France); 2017. Apesar de também apresentar limitações referentes a viés de seleção (término do estudo com somente um terço da amostra planejada, devido à lenta inclusão), os pacientes randomizados para ICP de CTO apresentaram significativa melhora na frequência da angina, na limitação física, e na qualidade de vida no seguimento de 12 meses.

Em uma meta-análise recente que incluiu 9 estudos com mais de 6.400 pacientes, os desfechos clínicos a longo prazo da recanalização de CTO com sucesso foram comparados com aqueles nos quais a recanalização foi mal sucedida. Neste estudo, o risco de morte, IAM e MACE foi aproximadamente 50% menor em pacientes com recanalização da CTO, com incidência 90% menor de revascularização cirúrgica do miocárdio.6565 Gao L, Wang Y, Liu Y, Cao F, Chen Y. Long-term clinical outcomes of successful revascularization with drug-eluting stents for chronic total occlusions: A systematic review and meta-analysis. Catheterization and cardiovascular interventions : official journal of the Society for Cardiac Angiography & Interventions. 2017;89(S1):574-81.

Realidade brasileira

O tratamento percutâneo de CTO no Brasil com as técnicas contemporâneas aqui descritas pode ainda ser considerado incipiente devido à limitada disponibilidade de materiais dedicados em nosso país, impactando o adequado treinamento dos operadores. Recentemente, acompanhando a tendência mundial de tratamento dessas lesões baseada não só na anatomia, mas também nos sintomas e na indicação clínica, várias instituições e intervencionistas passaram a se dedicar a esta área. A Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI) tem estimulado este desenvolvimento, já tendo organizado dois cursos dedicados (CTO Summit Brazil 2016 e 2017) e apoiando eventos específicos regionais.

O papel do treinamento específico para a realização desse tipo de procedimento é imperativo, tanto pelo conhecimento das técnicas quanto dos equipamentos utilizados. A maioria dos operadores desenvolvem suas habilidades participando de cursos e procedimentos com acompanhamento de tutores (proctors). Existem também programas de treinamento dedicados, contudo limitados a poucos centros no mundo.4848 Brilakis ES, Banerjee S, Karmpaliotis D, Lombardi WL, Tsai TT, Shunk KA, et al. Procedural outcomes of chronic total occlusion percutaneous coronary intervention: a report from the NCDR (National Cardiovascular Data Registry). JACC Cardiovasc Interv. 2015;8(2):245-53.,6666 Hannan EL, Zhong Y, Jacobs AK, Stamato NJ, Berger PB, Walford G, et al. Patients With Chronic Total Occlusions Undergoing Percutaneous Coronary Interventions: Characteristics, Success, and Outcomes. Circulation Cardiovascular interventions. 2016;9(5):e003586.

Conclusão

A ICP de CTO é um campo em rápido avanço. Com o uso dos equipamentos adequados e das técnicas atuais, centros de grande volume e expertise alcançam altas taxas de sucesso. Embora as atuais evidências sejam favoráveis à ICP, estudos randomizados controlados prospectivos de boa qualidade ainda são necessários para definir as melhores indicações e as técnicas mais adequadas para a intervenção nessa população de manejo tão desafiador.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo foi parcialmente financiado pela Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação Ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2017
  • Revisado
    23 Fev 2018
  • Aceito
    07 Mar 2018
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