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Interação terapêutica enfermeiro-paciente deprimido

Nursing therapeutic relationship with a depressed patient

Resumos

Este é o relato de uma interação terapêutica desenvolvida com um paciente deprimido. Aplicando os princípios da técnica não diretiva, centrada no paciente, o enfermeiro tentou compreender o problema apresentado por ele e suas alternativas de solução, estabelecendo uma relação de ajuda com interferência mínima. A análise destaca os problemas apresentados pelo paciente assim como os aspectos positivos e negativos do desempenho do enfermeiro.

Interação terapêutica; Paciente deprimido; Enfermagem psiquiátrica; Relacionamento interpessoal


This is the report about a therapeutic relationship developed with a depressed patient Using the principles of non directive techiniques centralized on the patient, the nurse tried to understand the problem brought up by him and his alternative of solution establishing the help relationship with the least interference. The analysis point out the patient problems such as the positive and negative aspects of the nurse perfomance.

Therapeutic interaction; Depressed patient; Psychiatric nurse; Interpersonal relationship


ARTIGOS ORIGINAIS

Interação terapêutica enfermeiro-paciente deprimido* * Projeto desenvolvido a partir da disciplina ERP - 731 - Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente.

Nursing therapeutic relationship with a depressed patient

José Lucimar TavaresI; Antonia Regina Furegato RodriguesII; Maria Cecília Morais ScatenaII

IProfessor Assistente da Escola de Enfermagem da UFBa. Doutorando do Prog. Interunidades de doutorado em enfermagem-USP

IIDoutoras em Enfermagem. Professoras do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas- EERP - USP

RESUMO

Este é o relato de uma interação terapêutica desenvolvida com um paciente deprimido. Aplicando os princípios da técnica não diretiva, centrada no paciente, o enfermeiro tentou compreender o problema apresentado por ele e suas alternativas de solução, estabelecendo uma relação de ajuda com interferência mínima. A análise destaca os problemas apresentados pelo paciente assim como os aspectos positivos e negativos do desempenho do enfermeiro.

Unitermos: Interação terapêutica. Paciente deprimido. Enfermagem psiquiátrica. Relacionamento interpessoal.

ABSTRACT

This is the report about a therapeutic relationship developed with a depressed patient Using the principles of non directive techiniques centralized on the patient, the nurse tried to understand the problem brought up by him and his alternative of solution establishing the help relationship with the least interference. The analysis point out the patient problems such as the positive and negative aspects of the nurse perfomance.

Uniterms: Therapeutic interaction. Depressed patient. Psychiatric nurse. Interpersonal relationship.

1 INTRODUÇÃO

O enfermeiro assumiu que é um terapeuta quando percebeu que através da comunicação interpessoal ocorre a ajuda e que, este procedimento, tanto pode ser aprendido quanto aperfeiçoado.

Na relação de ajuda, segundo RUDIO (1990), duas pessoas que desempenham papéis específicos interagem, comunicando-se através de uma "conversa" que tem como objetivos: a compreensão e a resolução do problema apresentado.

A comunicação interpessoal ocorre a todo momento, no desempenho do profissional. Entretanto, ela pode ser terapêutica ou não-terapêutica. A comunicação é terapêutica quando ajuda, quando promove, quando dá oportunidade ao paciente de crescer, amadurecer, equilibrar-se, enfim, ser atendido nas suas necessidades.

Nos estudos de RODRIGUES (1993, 1996) encontramos descrições de situações em que o enfermeiro ajuda o paciente a compreender e / ou resolver seus problemas e outras em que atitudes não-terapêuticas interferem negativamente no processo de ajuda.

Ter uma atitude compreensiva para com a pessoa que precisa de ajuda é um dos primeiros passos no sentido da aceitação incondicional da pessoa com seus problemas (ROGERS, 1977, 1982). Aceitação incondicional não significa estar de acordo com tudo o que a pessoa faz, mas aceitar que tudo o que ela faz tem um sentido.

Para ter essa atitude compreensiva, a assistência (na visão humanista) está focalizada na pessoa que apresenta algum problema e não no problema apresentado pela pessoa. Na enfermagem, podemos exemplificar que o profissional “sabe tratar pacientes depressivos” ou “cuidar do paciente José, ajudando-o a lidar com sua depressão”. No 1º caso, o enfermeiro focaliza o problema depressão, segundo o modelo médico. No 2º caso, o enfermeiro volta sua atenção para a pessoa que tem problemas ( paciente José deprimido).

Esse cuidar exige , do profissional , conhecimentos científicos sobre o problema (físicos, psicológicos e sociais), conhecimentos técnicos, (observação, comunicação e linguagem), conhecimento/reconhecimento dos seus próprios sentimentos e preconceitos à respeito deste problema, disposição para estar tão próximo quanto possível do cerne da questão apresentada, flexibilidade para enfrentar o inesperado e, uma atitude avaliativa constante,durante todo o processo interativo.

O processo interativo ocorre através de um ou muitos contatos enfermeiro-paciente, sempre tendo como meta a ajuda. Na relação de ajuda, segundo ROGERS (1982), pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade , melhor funcionamento e maior capacidade para enfrentar a vida.

Como descrito em RODRIGUES (1993, 1996), este processo interativo tem sempre um inicio, (diagnóstico/terapêutico/contratual ), um desenvolvimento (quando se dá o principal trabalho terapêutico) e um final (quando são atingidos os objetivos estabelecidos).

O primeiro contato tem características especiais descritas desde SULLIVAN (1953) e tem despertado interesse de outros estudiosos como TRAVELBEE (1982) e RODRIGUES (1993, 1996). Dependendo da capacidade de ouvir apresentada pelo profissional, o outro pode sair beneficiado ao final de apenas um contato enfermeiro-paciente. Cada interação é única, isto é, não se repete. Mesmo sabendo que podemos ter muitas oportunidades de nos encontrar com a pessoa (porque o paciente está internado ou porque faremos um seguimento de enfermagem), cada interação deve ter especial atenção do enfermeiro. Isto vem confirmar a idéia já apontada anteriormente de que a comunicação interpessoal pode ser terapêutica, não-terapêutica ou até causar danos, dependendo do desempenho do profissional.

Dessa forma, nos propusemos a estabelecer um contato com paciente internado em hospital psiquiátrico, na tentativa de aprender um pouco mais sobre nosso próprio desempenho numa dada situação, neste caso, com um paciente depressivo.

OBJETIVO: Apresentar e analisar uma interação terapêutica com paciente deprimido, usando os princípios da técnica não-diretiva, centrada na pessoa, destacando os aspectos positivos e negativos identificados pelo enfermeiro nas suas comunicações com o paciente.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

Foi entrevistado um paciente internado em Hospital Psiquiátrico tradicional da cidade de Ribeirão Preto. Após permissão formal da Instituição, optamos por trabalhar com um paciente da Unidade de Agudos-masculino.

A sala utilizada para a entrevista estava localizada ao lado do Posto de Enfermagem a qual funcionava como consultório médico.

Por ter esta sala apenas meia parede de divisória com o Posto de Enfermagem, tivemos o inconveniente de muitos ruidos.

O paciente A.M. foi indicado pela enfermeira. Em seu prontuário havia os seguintes dados: A.M., 59 anos, viuvo, trabalhava com serviços gerais; essa era sua 4ª internação. História de "depressão crônica", há cerca de 2 anos, iniciada logo após a morte da mulher com quem viveu 30 anos. Consta que ele apresentou anorexia, insônia, idéias suicidas (duas tentativas), descuidou-se da aparência e dos afazeres. Pela manhã, agitava-se, batendo a cabeça nas paredes, rasgando roupas, esfregando as mãos. À tarde, tornava-se triste, arredio, se escondia das pessoas e referia que um vulto o perseguia.

Foi realizada a entrevista com as devidas apresentações a qual durou cerca de 40 minutos. Foi gravada em fita cassete, com a permissão do paciente.

A gravação foi transcrita e apresentada na disciplina ERP-731 "Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente" onde os docentes e pós-graduandos discutiram e analisaram os pontos aqui destacados.

A análise da interação teve como suporte os conceitos de comunicação terapêutica preconizados pelos autores citados na introdução do estudo. Cada passo da interação foi considerado nos seus aspectos técnicos e do conteúdo, com vistas ao objeto da atuação do enfermeiro que é ajudar a pessoa que apresenta problemas.

3 DESCRIÇÃO DAS COMUNICAÇÕES ENFERMEIRO-PACIENTE

O paciente entra na sala, senta-se, e então o enfermeiro pergunta-lhe:

E** ** E - Enfermeiro - Então, como está o senhor?

P*** *** P - Paciente - O problema é que parei nesta situação sem vontade de viver, de comer, de tomar banho, larguei de trabalhar...

E - Parou de trabalhar?

P - É problema de nervoso, desgosto com a família, os filhos, meu, trabalho, minha vida...

E - O que o senhor acha que poderia lhe ajudar? P - O hospital é bom, o paciente se interna, aqui tem remédio, conversa com outros pacientes, os que estão melhor. Os outros eu evito... o remédio; o calmante é bom. E - Então o senhor acha que tomando remédio, o calmante, lhe ajuda?

P - Me ajuda sim, mas a gente também tem que se ajudar, está voltando aos poucos a vontade de se alimentar, durmo... Mas o bom é quando a gente trabalhava, ganhava dinheiro, acordava cedo, dormia cedo. Agora, a gente deita na cama e só vem o passado, a gente lembra de coisas imagina, não sei o que vai ser quando sair...

E - O senhor tem previsão de alta?

P - Não, ainda não estou bem. Melhorei, mas, só eu sei o que sinto. Tá aqui dentro da cabeça, ninguém vê. Um corte no braço, na perna, todo mundo vê, não aqui (aponta para a cabeça), ninguém sabe...

E - É...não sabe, mas a gente sente, percebe (falo com ênfase, demonstrando interesse).

P - Eu trabalhava, saía, tomava minha cerveja, tinha amigos... tomava cerveja...

E - Tomava. cerveja...

P - Não sou alcoólatra., tomava, minha cerveja, e tudo mais. Ia dormir cedo, saía para trabalhar, eu tinha capacidade.

E - O senhor falou que tinha capacidade?

P - É, agora, não tenho mais... Foi devagarinho... Fui me afastando das pessoas, perdi a mulher que tive, que amei muito. Vivemos 30 anos juntos. Larguei "mão" de trabalhar, não queria comer, nem ver ninguém.

E - Não queria ver ninguém...

P - Não sei, é da cabeça, não queria ver ninguém, pensei, em me matar... sem comer, tomar banho, aí fui procurar ajuda, primeiro no H. C., depois no Hospital dia, depois vim parar aqui. Ficar em casa é ruim, desgosto... sem trabalho, aqui as pessoas gostam de mim.. Antes eu trabalhava., tive amigos, tomava cerveja... depois do problema todos se afastaram. Agora mesmo o pessoal saiu e eu não quis ir, tenho vergonha de me verem assim...

E - Assim como?

P - Junto com pacientes do hospital, pensam logo que a gente é louco, porque tá na psiquiatria, mas é só um problema que a gente vem para tratar...

E - Para tratar...

P - É... aqui é bom, converso com todo mundo, o médico, a psicóloga... aqui eu trabalho, faço trabalho na TO... fico no quarto... melhora o meu problema.

E - Seu problema...

P - Eu trabalhei 30 anos, nunca precisei de médico, nada, saía, passeava... Agora eu vejo como era bom acordar cedo para ir trabalhar. Hoje estou no final do poço.

E - Então o senhor acha que está no final do poço, é isso?

P - É, antes eu trabalhava, tinha ânimo, enfrentava serviço, sabia que ia ganhar dinheiro, hoje não consigo...

E - Não consegue.. . (silêncio) O senhor já se aposentou?

P - Eu estou afastado, mas aqui eu trabalho... (o paciente cala-se por um tempo e fita o vazio).

E - Então...

P - poisé, eu não posso.

(Neste momento o paciente chora, chora bastante. O enfermeiro segura sua mão e paraense Assim, calado por algum tempo. O paciente acalmando-se, recomeçou a falar).

P - Eu não me conformo... é um sofrimento que ninguém vê.

E - Sofrimento que ninguém vê?

P - É. Quando se quebra um braço ou uma perna, todo mundo sabe, mas aqui, na cabeça, ninguém, ninguém vê.

E - hum-...

P - Penso em sair, mas é difícil sair.

E - porqueé difícil sair?

P - Não vou encontrar trabalho, ninguém que sai da psiquiatria, encontra, é dispensado; por isso que muita gente se mata, um colega saiu, não conseguiu trabalho...

E - O senhor sempre fala no que os outros fazem. O senhor não parece pensar Assim, o senhor é uma pessoa e tem seu próprio jeito de ser, de pensar, cada pessoa é diferente da outra...

P - É, não penso assim, penso em sair, trabalhar e penso que isso vai passar mas, só penso no passado...

E - No passado?

P - É, eu trabalhava, tinha dinheiro, amigos, gostava de tomar banho, sair, me arrumar...

E - O senhor acha que tudo pode voltar a ser assim?

P - É eu já tentei. Aqui no hospital eu trabalho, faço muita coisa na T.O. Acho que tenho capacidade... Quero viver, trabalhar. Eu tenho o juízo no lugar, eu não perdi o juízo.

E - Veja. O senhor diz que não perdeu o juízo que consegue enxergar essas coisas, será que isso não poderia ser um caminho, um começo?

P - É tudo o que faço, tudo o que falo é tudo certinho mas eu tenho os momentos de angústia, de tristeza, de insônia, pensando no que era e no que sou agora.

E - Sei. Hum...

P - Eu não aceito esta condição. Eu não aceito ficar nesta situação. Quando tou no hospital, eu vejo as coisas mais claras. Aqui as pessoas ajudam a gente, é todo mundo muito bom, a Enfermagem ajuda a gente mas, em casa eu não me sinto com segurança

E - O senhor diz que aqui sente segurança e que em casa não sente tanta segurança, pelo que entendi.

P - É, em casa eu fico assim, sem comer e sem dormir.

E - Esta insegurança que o senhor falou que sente em casa e que é diferente do hospital, o senhor atribui a quê?

P - É porque a gente tá só, em casa fica cismado de tudo, sem ter o que fazer.

E - Em casa o senhor não tem assim, uma atividade, uma coisa para fazer, é isso?

P - É, não tenho, me falta em casa tudo. Só fico pensando no passado e vou sofrendo, penso no que aconteceu de ruim.

E - O senhor sabe que na vida tem coisas boas e coisas ruins para todas as pessoas...

P- Sim, isto tudo a gente entende, mas penso que quando se está com saúde vai levando, vai levando...

E - O senhor então acha que não tem saúde...?

P - Não! fisicamente eu tenho saúde, o problema é a cabeça (fala forte, ergue os ombros, ajeita a postura).

E - O que tem a cabeça?

P - Não tá funcionando como funcionava, quem sabe amanhã, no futuro? (O paciente ri).

E - Então: O senhor tá conversado tão bem, trabalhando na T.O. reconhece estas coisas todas. Como é que esta cabeça tá ruim? O que não tá funcionando?

P - Não! Funciona, mas a responsabilidade da vida a gente não tem..

E - A responsabilidade da vida.

P- A responsabilidade da vida não tem mais...

E - Porque?

P - A- pessoa com este problema se perde, fica tomando remédio, calmante que melhora...

E - Hum...

P- O remédio ajuda muito.

E - O remédio ajuda...

P - É calmante, eu gosto daqui, converso com aqueles pacientes que tão melhor, cada um com seu problema.

E - Hum...

P - É, a gente vê uma pessoa que tá pior e a gente ajuda. Agora, não é porque o outro tá ruim que eu vou me conformar e dizer que tou bom, eu não comparo!

E - Mas o senhor pode se ajudar!

P- É, eu quero voltar a ser

E - Isso! O senhor é jovem ainda, é forte e pode fazer muitas coisas...

P - É vou fazer 60 anos...

E - Mas está forte, tem boa aparência e pode fazer muita coisa ainda!

P - Eu fico preocupado em sair. Veja! Teve um passeio agora, me chamaram e eu não fui. Fico achando que se as pessoas me verem e dizer que estou internado, não quero ver ninguém vão dizer logo: "ele tá doido, tá internado no ............" Não sabe que aqui trata tudo, gente que só tem insônia, doente dos nervos, pessoas boas que sabe e entende de tudo!

E - Hum...

P- Antes tinha muitos amigos que chamavam pra sair, conversar. Hoje, eu olho pra mim, hoje não tenho nada, sou doente, falta dinheiro no bolso, né?

E - O senhor acha que as pessoas, seus amigos, iriam fazer isso?

P- Tinha muita amizade, rudiava assim (movimenta os dedos), bebia cerveja comigo, hoje estou desprezado.

E - Desprezado...

P - A gente num hospital psiquiátrico não é mais como era, eles hoje nem olha pra mim, não vem amigo nenhum aqui me trazer um maço de cigarro...

E - Hum...

P - Não é que eu preciso de cigarro, não preciso de nada.

E - De nada... alguém vem lhe visitar?

P - Minha filha vem, amigo não é que vem, amigo de sair, de trabalhar, de nós beber juntos...

E - Como é que o senhor vê isto?

P - Se eu sair e voltar a trabalhar todos vão me procurar e eu é que não vou querer saber deles, isso pode mudar!

E - O senhor acha que tudo isso pode mudar!

P - É, pode mudar, eu só tenho que me tratar, acho que os remédios ajuda. A psicóloga, o psiquiatra, os enfermeiros ajuda muito a gente; trabalho. Aqui faço muita coisa. Este colar que tá no meu pescoço foi eu que fiz... (puxa o colar sob a gola da camisa e exibe-o).

E - Olha, o senhor não vê isso como uma possibilidade de trabalhar lá fora? Ganhar dinheirinho?

P - Eu acho que posso, já pensei nisso mas se eu sair daqui agora eu não vou conseguir ... (silêncio).

E - Hum....

P - Mais depois do tratamento posso pensar...

E - Sei. Veja! O senhor diz que o remédio ajuda, mas esta já é sua 4º internação. Por outro lado, o senhor diz que tem como trabalhar, o que o senhor acha disso?

P - Agora já estou melhor, comendo, dormindo, tomo refrigerante, mando o enfermeiro comprar, já tou bem melhor. O tempo passando, penso em sair, não sei quando.

E - Não sabe quando?

P - Não. por enquanto estou bem. Aqui a gente tem calor humano.

E - Sei.

P - Eu estou contente.

E - Está contente?

P - Tou, todo mundo aqui ajuda.

E - Espero também ter ajudado de alguma forma.

P - Foi muito bom, é sempre bom um contato positivo, negativo não! Eu vou levando, um dia vou sair e aos poucos vou melhorando, não quero ficar parado, sem fazer nada... Com saúde, a vida é ruim, mas a gente vai levando...

E - Hum...

P- Passando esta tristeza, esta angústia, vai ficar tudo certinho.

E - Não está tudo certinho?! (enfatizando).

P- Tá., é pena que a gente esteja ruim!

E-Ruim...

P- É, vou pedir a Deus prá gente voltar a conversar, as vezes a gente fala, fala dos problemas e melhora. Melhor que ficar isolado, que dá angústia, tensão, vontade de sumir... Tem um colega que saiu daqui e se matou, rapaz novo, 34 anos. Saiu daqui e chegou na casa dele se matou. Outro se matou no banheiro...

E - E o que o senhor acha disso?

P- Acho assim, que era um rapaz novo, trinta e poucos anos, uma vida pela frente!

E - Hum., Hum...

P - É ele fez isso ... Eu não sou louco, eu pensava em me matar. Hoje já não penso mais, antes não...

E - Pois é, ainda bem que as pessoas são diferentes. (O enfermeiro enfatiza, o paciente esboça um sorriso)

P - Eu vou tomar um remédio, vou sair, voltar a trabalhar, da outra vez eu saí, mas não tive coragem de trabalhar não.

E - Não teve coragem de trabalhar.

P- Sim, da outra vez, não tive coragem de sair, de ver as pessoas, hoje já sei. Quando a gente trabalha sabe o que quer no dia de amanhã.

E - Sei... (O paciente para um pouco, fica em silêncio... pensando....).

E - Como está se sentindo agora?

P - Me sinto bem, conversando com o senhor a gente vai desabafando... agora estou comendo, dormindo. Antes quando vinha pra aqui tinha fraqueza, me segurava nas paredes para levantar e tomando medicamento forte, sem alimentar era difícil.

E - É...

P- Hoje não. Estou bem, melhor, to sentindo que tá tudo bem. Sinto saudade da vida, do dia-a-dia. Hoje vejo que a vida do dia-a-dia é o melhor que tem, trabalhar, acordar, sair, tomar banho, ter dinheiro...

E - Hum...

P - Mas a doença traz estas coisas,... fica sem vontade de comer, dormir, tomar banho, trabalhar, sair, mas a gente vai recuperar.

E - Sei...

P - Porque se a gente perde a cabeça de uma vez é ruim, mas quando não, a gente sabe o que é certo e o que é errado. Só a gente sabe explicar e sentir esta doença.

E -Muito bem...

Paciente pára, fica pensativo e depois diz:

P - Tá bom, muito obrigado! (estende a mão e levanta) Vou trabalhar um pouco...

E - O senhor é quem sabe...

P - Aqui tudo entrevista eu, psicólogo, T.O., médico, e isso ajuda a gente...

E - Espero também ter ajudado...

P - Oh! Se... muito obrigado.

E - Obrigado ao senhor... Até outra vez!

4 RESULTADOS DA ANÁLISE DA INTERAÇÃO ENFERMERIO-PACIENTE.

O paciente A . M. apresenta, sem dúvida, um quadro característico de depressão. Tal depressão parece ser proveniente da sua história de vida, a qual ele relata de maneira explícita e, quando implicitamente, deixa margem à inferência de que sua história é extremamente responsável pela situação atual. Entretanto,- estaríamos sendo simplistas se não considerássemos outros fatores ambientais/sociais na sua individualidade, sua vontade, paixões e emoções e mesmo uma possível tendência depressiva como traço de sua personalidade agravada com a crise da perda de um ente querido.

Sob o aspecto técnico, observamos nesta entrevista que, no inicio, o enfermeiro estava ansioso e pouco à vontade tanto é que interferiu, cortou a sequência da comunicação e foi inadequado.

O paciente iniciou falando de si e dos seus problemas. O enfermeiro cortou sua fala pedindo-lhe uma solução "o que o senhor acha que poderia lhe ajudar?" Logo depois, o enfermeiro (ainda na superficialidade e na externalidade da comunicação), pergunta-lhe "o senhor tem previsão de alta?" O paciente que precisava falar de si e de seus problemas, volta a focalizar sua dor que "ninguém sabe". O enfermeiro começa a mostrar interesse e diz enfaticamente "É ... não sabe mas a gente sente, percebe". O paciente, aparentemente, não se importou com esta comunicação e prosseguiu. Parece que ele "acreditou" no sentimento do enfermeiro. Nas falas seguintes, ele começa a mostrar bom nível de entendimento e, aos poucos vai deixando a externalidade da situação, centrando-se em si mesmo.

O enfermeiro foi concentrando sua atenção na pessoa do paciente na medida em que conseguiu deixar de lado os estereótipos (ajuda, alta, remédios) e concentrou-se nas comunicações, conforme estas foram acontecendo.

Ficou claro o uso da não-diretividade a partir do momento em que o enfermeiro acompanha reflexivamente as falas do paciente e, suas comunicações, ajudam o paciente a concentrar-se e a expressar seus sentimentos.

O enfermeiro criou um clima permissivo onde o paciente foi capaz de sentir-se à vontade para comunicar o que percebia, sentia e representava em sua consciência a respeito do seu estado atual.

Analisando as falas de A.M., foi possível perceber muitos de seus conceitos, preconceitos e valores em relação a aspectos de sua vida, especialmente do trabalho, do lar e das amizades. Estes aspectos estão ligados ao seu passado e têm sua parcela de influência no estado em que se encontra o paciente hoje. Então, é importante o enfermeiro ajudá-lo a verbalizar. Por outro lado, são aspectos diretamente ligados ao seu processo de ressocialização que ocorrerá principalmente após a sua alta. Estes são importantes, tanto do ponto de vista da sua recuperação quanto da sua adaptação social.

Foi também possível identificar, em vários momentos da sua comunicação, o que ele pensava/ sentia em relação à doença/loucura e a hospitalização/tratamento. Estes aspectos são carregados de preconceitos e de temores os quais podem influir positiva ou negativamente na evolução de seu problema. Ao enfermeiro, atento à estas comunicações , foi possível ajudar o paciente a abordar essas questões dentro de parâmetros que lhe permitem enfrentar as situações que virão, no decorrer do seu processo de recuperação.

Neste caso, percebe-se o quanto é importante a tarefa de OUVIR atentamente. O paciente, A.M. não se identifica e nem quer ser reconhecido como doente mental. O louco, para ele, perdeu o juízo (ele não) e não consegue mais emprego. Ele está ali porque "só tem um problema para tratar". Os sintomas que ele mesmo refere e que são característicos do comportamento do paciente depressivo, com freqüência ele nega ou atribui à questões externas. Segundo VISCOTT (1982), na depressão, a pessoa busca razões adicionais no ambiente externo para justificar sua tristeza interior: "...antes eu tinha amigos me chamavam para sair, conversar...", a própria hospitalização é um ponto cheio de contradições pois, ao mesmo tempo em que ele considera um lugar bom, (onde se curam os loucos e ele melhora) e também um esconderijo. Dentro do hospital, ele tem novamente "amigos", pois, fora dali, ele os perdeu a todos principalmente "porque não tem mais dinheiro". Um dos sintomas da depressão é sentir-se sem energia para sair ou trabalhar, cuidar-se. Embora o paciente fale que atualmente percebe que é "... o dia a dia é o melhor que tem..." logo em seguida volta a falar de seus sintomas: "fica sem vontade de comer, dormir, tomar banho, trabalhar, sair..." como forma de continuar falando de sua tristeza e sensação de abandono.

O enfermeiro tem diante de si uma rica situação de trabalho em que deverá conduzir as próximas sessões ajudando o paciente a verbalizar para compreender o que se passa consigo e ter uma noção da realidade da situação. A partir dessa compreensão, a qual deve acontecer, de acordo com o ritmo e a capacidade do paciente, ele próprio encontra as saídas mais adequadas e construtivas.

Outra situação que RODRIGUES (1993) chama a atenção é à respeito das perguntas tipo "porque?" visto que denotam investigação, curiosidade ou detalhamento, e por vezes, têm o sentido de ameaça ou de reprovação. Como diz BENJAMIN (1978), um "porque" pode levar o outro a se fechar e a defender-se. Foi o que ocorreu. Quando o paciente estava falando do seu sofrimento mental, o enfermeiro perguntou "Porque é difícil sair?". O paciente passou a focalizar os problemas apenas na sua externalidade.

Nesta entrevista, identificamos vários exemplos de comunicação compreensiva do enfermeiro. Quando o paciente começa a falar que já tentou "É, eu já tentei. Aqui no hospital um trabalho... ", o enfermeiro vai conduzindo de forma que demonstra interesse, compreensão e o paciente vai confirmando e acrescentando os sentimentos e outras comunicações à respeito de si próprio.

Há ainda alguns pontos positivos que merecem destaque: quando o enfermeiro acompanha as comunicações ajudando o paciente a concentrar-se, aprofundando suas reflexões; quando o enfermeiro ajuda-o a perceber a realidade, objetivando suas próprias comunicações em situações como “o senhor sempre fala no que os outros fazem. O senhor não parece pensar assim” “senhor então acha que não tem saúde..."; quando o enfermeiro demostra sua compreensão diante das manifestações emotivas do paciente - choro, riso, silêncio.

Constatamos, durante a entrevista, que surgem dele e por ele, possíveis soluções e caminhos pelos quais poderia enveredar, no intuito de solucionar o seu “Problema”. Ao mesmo tempo, parece demonstrar clareza de que tal solução não dependerá exclusivamente dele, sendo coerente, uma vez que, o homem é um ser gregário e só através do estabelecimento de relações bem sucedidas poderá realizar-se.

O cliente deixa entrever o significado que dá ao trabalho como meio à sua recuperação, bem como à sua relação com a família e os amigos, e a falta que estes lhe fazem.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO

O presente texto é o resultado de estudos teóricos que temos feito à respeito da humanização da assistência de enfermagem através das relações interpessoais. É o resultado também da aplicação, na prática, desse conhecimento nas mais diferentes situações do cotidiano do desempenho do enfermeiro.

Temos nos empenhado na busca do conhecimento referente às relações interpessoais e divulgar esse conhecimento para outros enfermeiros interessados.

Apresentamos e analisamos aqui um relacionamento enfermeiro-paciente deprimido. Além da descrição da interação que poderá suscitar novas discussões à quem a analisar, destacamos os problemas identificados pelo enfermeiro nas comunicações do paciente, assim como, os aspectos positivos e negativos do desempenho do enfermeiro. Foi possível perceber manifestações de ansiedade do enfermeiro nos momentos iniciais da interação e a ajuda que ele pode oferecer ouvindo atentamente as comunicações, comunicando-se adequadamente com o paciente. O clima permissivo propiciou, ao paciente, as condições para que pudesse comunicar com tranquilidade o que sentia. Entretanto, em alguns momentos, o enfermeiro interferiu inadequadamente, prejudicando a sequência das comunicações do paciente.

O paciente deixa entrever o significado que dá ao trabalho como meio para sua recuperação, bem como sua relação com a família e os amigos; deixa entrever também o que pensa à respeito da doença mental, seu tratamento e suas consequências.

Concluindo, percebe-se nesta interação que o enfermeiro, tendo uma atitude compreensiva, acompanhando as indicações fornecidas pelo paciente, em suas comunicações, tem as condições de ajudá-lo a encontrar as suas próprias soluções.

Acreditar que ninguém conhece tão bem o outro quanto ele próprio, que todo ser humano está em constante desenvolvimento na busca de sua autorealização e que o enfermeiro pode criar condições para que a pessoa melhore sua comunicação consigo mesma e encontre as soluções cabíveis para sua situação foram os pontos considerados mais importantes na interação que acabamos de analisar.

Destacamos as limitações impostas pelo tempo que impossibilitam o estabelecimento de vínculo efetivo enfermeiro - paciente. Na realização de entrevistas subsequentes, a relação de ajuda poderia se firmar traduzindo-se em provável mudança de comportamento do paciente. Tal mudança poderia ocorrer por conta do próprio paciente, na medida em que fossem sendo encontradas soluções, por ele consideradas factíveis e conduzindo-o a uma reorganização positiva de sua atual situação.

Finalmente, não é sobre o diagnóstico de "depressão" que o enfermeiro atua terapeuticamente. Seu foco de atenção é a pessoa que apresenta comportamentos depressivos e, seu instrumento é o uso adequado da comunicação. O enfermeiro através da atitude compreensiva, dá o suporte necessário para que a pessoa possa tomar consciência da situação que enfrenta e encontrar as suas próprias soluções para o que vivencia.

  • BENJAMIN, A. A entrevista de ajuda. São Paulo, Martins Fontes, 1978. 195 p.
  • RODRIGUES, A.R.F. Enfermagem psiquiátrica - saúde mental: prevenção e intervenção. São Paulo, E. P. U. 1996.
  • RODRIGUES, A.R.F. Relações interpessoais enfermeiro-paciente: análise teórica e prática com vistas à humanização da assistência em saúde mental. Ribeirão Preto, 1993. 187 p. Tese (Livre Docência) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
  • ROGERS, C.R. A pessoa como centro. São Paulo, EPU/EDUSP, 1977.
  • ROGERS, C.R. Tornar-se pessoa . São Paulo, Martins Fontes, 1982.
  • RUDIO, F.V. Orientação não diretiva na educação, no aconselhamento e na psicoterapia. Petropólis, Vozes, 1990.
  • SULLIVAN, H.S. The interpersonal theory of psychiatry. New York, Norton, 1953.
  • TRAVELBEE, J. Interventión en enfermeria psiquiatrica. Colombia, Carvajal,1982.
  • VISCOTT, D.S. A linguagem dos sentimentos. São Paulo, Sumus,1982.
  • *
    Projeto desenvolvido a partir da disciplina ERP - 731 - Relacionamento Interpessoal Enfermeiro-Paciente.
  • **
    E - Enfermeiro
  • ***
    P - Paciente
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 1998
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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