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Compreendendo o insucesso da tentativa de parar de fumar: abordagem da fenomenologia social

Resumo

OBJETIVO

Compreender a experiência de pessoas tabagistas frente ao insucesso da tentativa de parar de fumar.

MÉTODO

Estudo fundamentado na fenomenologia social. Realizaram-se nove entrevistas abertas com os fumantes que tentaram cessar o hábito de fumar, em novembro e dezembro de 2014, cujo conteúdo foi analisado e discutido com base na literatura.

RESULTADOS

O insucesso da tentativa de parar de fumar relaciona-se à dependência do cigarro, visto como um suporte para o enfrentamento de situações estressantes do cotidiano. As tentativas de cessar o hábito foram alicerçadas na necessidade de melhoria da saúde e insistência de pessoas próximas. O fumante refere utilizar estratégias de cessação do hábito aprendidas no grupo de tabagismo, mas expressa a expectativa de apoio psicológico especializado.

CONCLUSÃO

Evidencia-se a necessidade de ampliar as estratégias de abordagem ao fumante, reforçando o suporte psicológico com vistas à obtenção de êxito na tentativa de parar de fumar.

Descritores:
Hábito de Fumar; Abandono do Hábito de Fumar; Enfermagem em Saúde Pública; Pesquisa Qualitativa

Abstract

OBJECTIVE

The aim of this paper is to understand the experience of smokers in view of unsuccessful attempts to quit smoking.

METHOD

This study is based on social phenomenology. Between November and December of 2014, nine interviews were conducted with people that had attempted to quit smoking. The content of these interviews was analyzed and discussed based on the related literature.

RESULTS

Unsuccessful attempts to quit smoking are related to tobacco addiction; cigarettes are seen as a support to cope with everyday stressful situations. Attempts to quit the smoking habits were based on the need of health improvement and insistence of family and friends. Smokers reported the use of habit cessation strategies learned in support groups, but they also express expectation of specialized psychological support.

CONCLUSION

The study points out the need to expand the strategies of approaching smokers, and reinforcing psychological support in order to achieve success in the attempt to quit smoking.

Descriptors
Smoking; Smoking Cessation; Public Health Nursing; Qualitative Research

Resumen

OBJETIVO

Comprender la experiencia de personas tabaquistas ante el fracaso del intento de dejar de fumar.

MÉTODO

Estudio fundado en la fenomenología social. Se llevaron a cabo nueve entrevistas abiertas con fumadores que intentaron cesar el hábito de fumar, en noviembre y diciembre de 2014, cuyo contenido fue analizado y discutido en base a la literatura.

RESULTADOS

El fracaso del intento de dejar de fumar se relaciona con la dependencia del tabaco, visto como un soporte para el enfrentamiento de situaciones estresantes del cotidiano. Los intentos de dejar el hábito fueron cimentados en la necesidad de mejoría de la salud e insistencia de personas próximas. El fumador relata utilizar las estrategias de cesación del hábito aprendidas en el grupo de tabaquismo, pero expresa la expectación de apoyo psicológico especializado.

CONCLUSIÓN

Se evidencia la necesidad de ampliar las estrategias de abordaje al fumador, reforzando el soporte psicológico con vistas a la obtención de éxito en el intento de dejar de fumar.

Descriptores
Hábito de Fumar; Cese del Tabaquismo; Enfermería en Salud Pública; Investigación Cualitativa

Introdução

O estímulo para o abandono do hábito de fumar ganhou destaque nas políticas públicas nos últimos anos. Isso porque o tabagismo constitui-se um problema de saúde pública, considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável no mundo. Estima-se que um terço da população mundial adulta fume, o que representa aproximadamente 47% da população masculina e 12% da feminina(11 World Health Organization. WHO Report on the Global Tobacco Epidemic, 2013: enforcing bans on tobacco advertising, promotion and sponsorship [Internet]. Geneva; 2013 [cited 2015 Apr 13]. Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/85380/1/9789241505871_eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
). Nas capitais brasileiras, a prevalência de tabagismo varia de 12,9 a 25,2%. O índice mais elevado apresenta-se nas pessoas com menor escolaridade e entre os homens, sendo que cerca de 200 mil brasileiros morrem por ano em decorrência do fumo(22 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2011: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico [Internet]. Brasília; 2012 [citado 2015 abr. 13]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2011_fatores_risco_doencas_cronicas.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Nas últimas décadas, a preocupação com os danos à saúde e a mudança de paradigma social em relação ao uso do tabaco têm estimulado o governo brasileiro a elaborar leis com vistas à criação de estratégias para o controle do fumo, que incluem medidas para desencorajar o início do seu uso e estimular a cessação do hábito. As ações de combate ao fumo estão ancoradas no Programa Nacional de Controle do Tabagismo e outros Fatores de Risco de Câncer(33 Silva ST, Martins MC, Faria FR, Cotta RMM. Combating smoking in Brazil: the strategic importance of government actions. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(2):539-52.).

Esse programa recomenda que os profissionais de saúde, sobretudo no nível da Atenção Primária à Saúde, ao acompanharem o fumante, utilizem o método da abordagem cognitiva-comportamental. Esse método consiste na combinação de intervenções cognitivas com treinamento de habilidades comportamentais, podendo ser associado à farmacoterapia que aumenta substancialmente o sucesso da cessação do hábito de fumar(44 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 571, 5 de abril de 2013. Atualiza as diretrizes de cuidado à pessoa tabagista no âmbito da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas do Sistema Único de Saúde (SUS) e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2013 [citado 2015 abr. 13]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0571_05_04_2013.html
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). Apesar de as atuais estratégias assistenciais incluírem abordagem cognitiva-comportamental e uso de medicamentos, parece que somente esse arsenal terapêutico não garante que todos os fumantes sejam bem-sucedidos na tentativa de parar de fumar.

A literatura internacional aponta elevadas taxas de tentativas de abandono do tabaco. Estudo epidemiológico realizado com a população da Itália mostrou que, do total de fumantes, cerca de 40% tentaram parar de fumar, mas apenas 8% tiveram sucesso na primeira tentativa(55 D'Argenzio A, D'Argenio P, Ferrante G, Minardi V, Possenti V, Quarchioni E et al. 40% of smokers try to stop smoking, only 8% succeed in. Epidemiol Prev. 2011;35(5-6):362.). Nos Estados Unidos, foi constatado que grande parte dos fumantes gostaria de parar de fumar e que quase metade já fez alguma tentativa de interrupção do uso do tabaco em algum momento de suas vidas, contudo a maioria dessas tentativas fracassou(66 Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Quitting smoking among adults-United States, 2001-2010. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2011;60(44):1513-9.).

No Brasil, um estudo que comparou o uso do cigarro em ambos os sexos constatou que as mulheres apresentaram maiores percentuais de tentativas de parar de fumar do que os homens(77 Pawlina MMC, Rondina RC, Espinosa MM, Botelho C. Anxiety and low motivational level associated with the failure in smoking cessation. J Bras Psiquiatr. 2014;63(2):113-20.). Outra pesquisa mostrou que 42,1% de fumantes que tentaram parar de fumar em algum momento tiveram recaídas(88 Ferreira SAL, Teixeira CC, Corrêa APA, Lucena AF, Echer IC. Motivos que contribuem para indivíduos de uma escola de nível superior tornarem-se ou não tabagistas. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(2):287-93.).

Evidencia-se que enquanto as taxas de tentativas de abandono do tabaco são elevadas, as de sucesso são extremamente baixas, indicando a existência de uma lacuna entre a necessidade de estimular a diminuição do consumo de tabaco e os meios existentes para atingir esse objetivo(99 Rafful C, García-Rodríguez O, Wang S, Secades-Villa R, Martínez-Ortega JM, Blanco C. Predictors of quit attempts and successful quit attempts in a nationally representative sample of smokers. Addict Behav. 2013;38(4):1920-3.). Abandonar o tabaco pode ser uma experiência difícil, pois a dependência engloba um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos, sociais e fisiológicos, que fazem com que poucos fumantes consigam interromper com sucesso o hábito de fumar em sua primeira tentativa(11 World Health Organization. WHO Report on the Global Tobacco Epidemic, 2013: enforcing bans on tobacco advertising, promotion and sponsorship [Internet]. Geneva; 2013 [cited 2015 Apr 13]. Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/85380/1/9789241505871_eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
,55 D'Argenzio A, D'Argenio P, Ferrante G, Minardi V, Possenti V, Quarchioni E et al. 40% of smokers try to stop smoking, only 8% succeed in. Epidemiol Prev. 2011;35(5-6):362.).

Investigações quantitativas(55 D'Argenzio A, D'Argenio P, Ferrante G, Minardi V, Possenti V, Quarchioni E et al. 40% of smokers try to stop smoking, only 8% succeed in. Epidemiol Prev. 2011;35(5-6):362.,77 Pawlina MMC, Rondina RC, Espinosa MM, Botelho C. Anxiety and low motivational level associated with the failure in smoking cessation. J Bras Psiquiatr. 2014;63(2):113-20.)e qualitativas(1010 Bommelé J, Schoenmakers TM, Kleinjan M, van-Straaten B, Wits E, Snelleman M, et al. Perceived pros and cons of smoking and quitting in hard-core smokers: a focus group study. BMC Public Health. 2014;14:175.-1111 Uppal N, Shahab L, Britton J, Ratschen E. The forgotten smoker: a qualitative study of attitudes towards smoking, quitting, and tobacco control policies among continuing smokers. BMC Public Health. 2013;13:432.), no âmbito nacional e internacional, mostraram que a tentativa de parar de fumar tem sido amplamente discutida por pesquisadores da temática. Entretanto, observou-se nos estudos qualitativos revisados a predileção pela utilização do grupo focal como técnica de coleta de dados. Nesse contexto, salienta-se a relevância desta pesquisa de abordagem fenomenológica que, ao evidenciar o aspecto intersubjetivo inscrito na tentativa de cessar o hábito de fumar, amplia a discussão desta importante questão de saúde pública.

As evidências produzidas nesta investigação poderão contribuir para que sejam repensadas a abordagem e as estratégias de intervenção utilizadas pelos profissionais de saúde, especialmente o enfermeiro, no apoio ao tabagista que tenta abandonar esse hábito.

O objetivo deste estudo foi compreender a experiência de pessoas tabagistas frente ao insucesso da tentativa de parar de fumar. Para tanto, as seguintes questões nortearam esta pesquisa:O que contribui para o insucesso da tentativa de cessar o hábito de fumar ? eQuais as expectativas do fumante, após o insucesso de várias tentativas de cessar o hábito de fumar ?

Método

Pesquisa qualitativa que teve como referencial teórico-metodológico a Fenomenologia Social de Alfred Schutz. O ponto central da fenomenologia social refere-se à ação do homem no mundo da vida - cenário das relações sociais. A ação do homem nesse mundo orienta-se por sua situação biográfica - situação atual, constituída por uma história sedimentada por experiências subjetivas prévias. Essa experiência agrega um acervo de conhecimentos que está disponível e acessível, de acordo com a situação biográfica. Tal acervo é constituído por informações transmitidas por meio dos progenitores, educadores e por experiências vividas, que estruturam sua bagagem de conhecimentos(1212 Wagner HR, organizador. Sobre a fenomenologia e relações sociais: Alfred Schutz. Petrópolis: Vozes; 2012.).

A situação biográfica e o acervo de conhecimentos disponíveis e acessíveis fundamentam a projeção da ação no mundo social. Essa ação é interpretada pelo sujeito a partir de motivos existenciais derivados de suas experiências inscritas na subjetividade, os quais se constituem em fios condutores da ação. Aqueles que se fundamentam nos antecedentes, acervo de conhecimentos e experiência vivida no âmbito biopsicossocial, são denominados de motivos porque e os que se relacionam ao alcance de objetivos, expectativas, projetos são chamados motivos para(1212 Wagner HR, organizador. Sobre a fenomenologia e relações sociais: Alfred Schutz. Petrópolis: Vozes; 2012.).

No presente estudo, a ação social refere-se à tentativa do fumante em abandonar o cigarro. O tabagista da atualidade está situado em um mundo que coíbe o uso do fumo e que reforça os malefícios do hábito de fumar. O conhecimento adquirido no meio social, assim como em suas experiências com o cigarro, impulsiona a pessoa a tentar cessar o hábito de fumar.

Este estudo teve como cenário duas Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) de um município da Zona da Mata Mineira, que promovem a realização de grupos de prevenção e tratamento do tabagismo, conforme as diretrizes do Programa Nacional de Controle do Tabagismo e outros Fatores de Risco de Câncer. Os encontros do grupo ocorrem bimestralmente, sendo conduzidos pelos profissionais das unidades (assistentes sociais, enfermeiros e médicos). Entre as atividades realizadas no grupo, ressaltam-se as sessões estruturadas de abordagem cognitiva-comportamental compostas por quatro reuniões mensais, além de consultas médicas e de enfermagem, distribuição da medicação específica (Bupropiona e adesivos de reposição de nicotina) e entrega do manual do participante que reforça as discussões feitas em grupo. Além disso, há sessões de manutenção para aqueles que conseguiram deixar o cigarro.

Para selecionar os participantes, os pesquisadores fizeram visitas às UAPS e contataram os enfermeiros. Estes forneceram listas com o número de telefone de 30 fumantes que participaram das atividades do grupo de prevenção e tratamento do tabagismo e que, apesar disso, não abandonaram o cigarro ao final da quarta reunião. De posse da lista de cada UAPS, fez-se contato telefônico com os possíveis participantes, com o objetivo de convidá-los a participar do estudo.

Obteve-se êxito no contato com 15 fumantes. Destes, dez compareceram para a entrevista. Um dos depoimentos foi excluído, uma vez que seu conteúdo não foi suficiente para atender aos objetivos propostos. Desse modo, foram incluídas na pesquisa nove pessoas, de ambos os sexos e maiores de 18 anos, que aceitaram participar voluntariamente, fizeram uso da medicação prescrita, participaram de todas as sessões do grupo e não conseguiram parar de fumar.

Os depoimentos foram obtidos nos meses de novembro e dezembro de 2014, por meio de entrevista aberta que durou em média 50 minutos, a partir das seguintes questões orientadoras: fale sobre sua tentativa de parar de fumar. Considerando que você não teve êxito na tentativa de deixar o cigarro, pergunto: e agora, o que você pretende fazer?

Todos os participantes foram entrevistados em sala privativa, nas dependências da UAPS. Solicitou-se a permissão para o uso do gravador a fim de possibilitar o registro, na íntegra, de seus depoimentos e sua posterior análise. Antes da entrevista, os objetivos da pesquisa foram explicitados e essa teve início após autorização formal por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os depoimentos dos participantes mostraram convergência dos significados após a sétima entrevista, não havendo ocorrência de novos temas até o nono depoimento(1313 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato EB, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):388-94.). Desse modo, nove entrevistas foram suficientes para atingir o objetivo e responder as questões norteadoras do estudo.

Para garantir o anonimato, os depoimentos foram identificados pela letra E (Entrevista) e a numeração arábica correspondente à ordem das entrevistas: E1 a E9.

A organização e a análise dos resultados foram fundamentadas em estudo teórico da Fenomenologia Social de Alfred Schutz(1414 Jesus MCP, Capalbo C, Merighi MAB, Oliveira DM, Tocantins FR, Rodrigues BM et al. The social phenomenology of Alfred Schutz and its contribution for nursing. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(3):736-41.). Após a leitura cuidadosa das entrevistas realizou-se o agrupamento das unidades de significados convergentes (trechos similares das falas), que permitiu a composição das categorias do estudo. Estas foram discutidas à luz da literatura relacionada ao tema, tendo como fio condutor o referencial teórico-metodológico adotado.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética em pesquisas com seres humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, sob o Parecer nº 699.381, de 24 de junho de 2014.

Resultados

Oito participantes eram mulheres, a maior parte dos entrevistados era casada, com seis anos de estudo e renda mensal média de um salário mínimo. A média de idade foi de 46,85 anos. Somente um participante não relatou doenças associadas ao tabagismo, os demais mencionaram hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, alteração nos níveis lipídicos, asma, bronquite, osteoporose, câncer de mama e de pele. Oito pessoas referiram estar em tratamento de sintomas de ansiedade e depressão com uso de ansiolíticos e antidepressivos.

O tempo de tabagismo variou entre 11 e 62 anos, com média de 37 anos. A maior parte iniciou o uso do fumo ainda na adolescência (média de 13 anos de idade). Sete participantes fumavam entre 11 e 20 cigarros/dia. A média de tentativas de parar de fumar foi de sete vezes, variando entre uma e 20 tentativas. Todos os entrevistados já usaram algum medicamento para tentar abandonar o vício, principalmente a Bupropiona associada ao adesivo de reposição de nicotina.

As categorias O cigarro me acalma, Sou dependente do cigarro, Quero parar de fumar porque o cigarro é caro e faz mal para minha saúde e a A família pede para eu parar de fumar revelam o cotidiano do fumante que fez várias tentativas para se livrar do vício do cigarro sem êxito (Motivos porque). A categoriaComo conseguir parar de fumar , expressa as expectativas dos fumantes após as tentativas frustradas para cessar o hábito de fumar (Motivos para).

O cigarro me acalma

O fumante justifica a manutenção do hábito de fumar ancorado na ansiedade gerada pelo estresse decorrente dos problemas do seu cotidiano. O cigarro é visto como um calmante, uma válvula de escape para o enfrentamento das situações estressantes vividas no dia a dia. Tais situações contribuem para o fracasso das tentativas de cessar o hábito de fumar:

(...)o dia a dia (...)o estresse, os problemas não me deixam conseguir parar de fumar (E5) .

Estou muito estressada, muito nervosa (...)Parece que a única coisa que me acalma é o cigarro (...)Quando eu fico em tempo de ter um ataque de nervoso, fumo um cigarro e pronto! Some! (E7).

Eu desconto tudo no cigarro, porque eu sou ansiosa. É difícil para mim deixar o cigarro (...)porque parece que ele é uma válvula de escape (...)parece que, se eu tirar isso, eu fico doida, louca (E8).

As relações familiares conflituosas também foram mencionadas pelos participantes como fatores desencadeantes do estresse que motiva a manutenção do hábito de fumar:

(...)é problema familiar, problema com meu filho, eu fico muito ansiosa. Eu sou separada, então fui pai e mãe. (...)acarreta tudo em cima de mim, fico naquela ansiedade de resolver tudo e fazer o melhor em relação ao meu filho. (...)qualquer coisa que afeta meu filho me faz fumar mais (E3).

(...)com os problemas de família, eu comecei a fumar e não parei mais. Eu sou assim, se tenho um problema, eu desconto no cigarro. (...)minha ex-nora não deixa meu filho ver meu neto e isso aí acaba comigo (E4).

Outra questão reportada pelos entrevistados diz respeito à dependência física, psicológica e associação de comportamento que contribuem para o fracasso das tentativas de parar de fumar.

Sou dependente do cigarro

Os fumantes reconhecem que são dependentes da nicotina e que os sintomas de abstinência dificultam a obtenção de êxito nas tentativas de abandono do tabaco:

A primeira vez fiquei o dia inteiro sem cigarro, tive que ir para o hospital com falta de ar, porque sou dependente daquela química. A segunda foi quando fiquei internado (...)era uma fissura por cigarro, essa foi as duas vezes que eu tentei (E1).

(...)parece que está entranhado no sangue (...)é um vício desgraçado (...)no domingo, eu esqueci de comprar cigarro, aí, na segunda-feira, eu amanheci querendo um cigarro, eu estava até cega, quase que eu fui atropelada, estava passando mal, nervosa (...)Fumei e voltei calma, parece que tinha tomado um calmante (E7).

Os participantes referem o uso do cigarro como um apoio para o enfrentamento dos problemas emocionais do dia a dia. Isso colabora para o fracasso na tentativa de parar de fumar:

Sinto um pouco de solidão, porque a família é pai, mãe e filhos e a gente, não tendo esse pai, acho que enfraquece um pouco (...)Porque, na realidade, eu busco no cigarro um amuleto que me fortifica, me ajuda a tomar mais decisão (E3).

(...)é engraçado, se eu estou com um problema, acendo um cigarro (...)parece que ele me dá um suporte para aguentar o chumbo grosso que vem na minha vida (...)o cigarro é um companheiro (...)me ajudando a resolver, o que eu sinto no cigarro é isso (...)sei que não me ajuda, me atrapalha, mas, no meu ponto de vista, ele está me ajudando, aí eu acendo o cigarro (...)dou uma relaxada (E4).

(...) a gente se sente muito sozinha, aí parece que o cigarro é a salvação, infelizmente (E7).

A associação de comportamentos entre as atividades cotidianas e o hábito de fumar também foi mencionada pelos participantes como um fator dificultador do êxito nas tentativas de cessação do tabaco:

Acho que está na minha cabeça a vontade de fumar, porque não é possível (...)eu fico a tarde inteira sem fumar, porque eu fumo na hora da refeição? (...)fumo quatro cigarros: depois do café da manhã, depois do café da tarde, depois do almoço e do jantar (...)tenho que fumar, nem que seja meia hora depois, fumo mesmo, não adianta (E5).

Quero parar de fumar porque o cigarro é caro e faz mal para minha saúde

Os fumantes reconhecem os malefícios do hábito de fumar e, apesar das diversas tentativas para retirar o tabaco de suas vidas, continuam fumando:

(...)eu tento parar de fumar porque eu sei que não faz bem para saúde, vou fazer mais uma tentativa, mas não sei se um dia consigo (...)eu gostaria muito de parar de fumar para ter uma vida mais saudável (...) tenho medo das consequências depois (...)busco exemplo nas pessoas que conseguiram, como conseguiram, cada um consegue de uma maneira diferente (E3).

Quero ficar sem fumar, sem tossir, fazendo algum tratamento, porque tem algo errado com meu pulmão, sinto muita dor nas costas (...)é DPOC (...)cheguei aqui outro dia cansada, com dispneia (...)só pode ser o cigarro (E9).

Embora continuem fumando, o preço elevado do cigarro foi mencionado pelos participantes como um fator que os estimulam às tentativas de se livrarem do vício:

(...)eu pretendo parar de fumar, porque, além de custar muito caro, faz mal para a minha saúde. (...) se a gente parar e fizer as contas de quanto a gente gasta com cigarro, vê que dava para fazer outras coisas com esse dinheiro que a gente gasta (E5).

A família pede para eu parar de fumar

Os participantes referem a pressão exercida por familiares como justificativa para suas tentativas de abandonar o hábito de fumar:

Eu crio minha neta, então tenho que dar um jeito de parar de fumar (...) , porque todo mundo fala para eu parar de fumar... minha filha, minha neta, minha esposa (E1).

Prometi para o neto que eu vou parar de fumar (...)vou dar de presente de aniversário para ele, parar de fumar. (...)Ele falou 'vó, eu não aguento mais ver você fumar, o cheiro de cigarro' (...) (E4).

Ah, eu vou tentando enquanto eu tiver força (...)quero que meu filho fique satisfeito. (...)para o meu filho de seis aninhos ficar mais feliz, não ser obrigado a abraçar a mãe com cheiro de cigarro (...) (E8).

Ao refletir sobre os motivos que impedem a cessação do uso do tabaco, o fumante apresenta como expectativa para obter êxito na sua próxima tentativa seguir as orientações recebidas, além de conseguir outras terapêuticas não contempladas no grupo de prevenção e tratamento do tabagismo.

Como conseguir parar de fumar?

Para tentar deixar o cigarro, os participantes mencionam o desejo de utilizar as estratégias que aprenderam no grupo, como a redução gradual do número de cigarros e substituição do mesmo por algum alimento ou atividade:

Espero dar um jeito, ir diminuindo o cigarro, deu vontade de fumar, pegar alguma coisa para comer, distrair, quero ir tentando largar aos poucos (E1).

(...)vou colocar outra coisa no lugar do cigarro (...)muita água, caminhar, comer cenoura para não fumar (...)já participei dos grupos de tabagismo e não parei. (...)não sei mais o que eu faço. (...)tenho que ir tentando, diminuindo devagar, porque, de uma vez, eu não paro. Espero fumar cada vez menos (E5).

Outra questão mencionada refere-se à necessidade de suporte psicológico especializado aliado ao grupo de prevenção e tratamento do tabagismo:

(...)acho que a gente tinha que ter uma ajuda psicológica, não só ficar falando: 'você não pode fumar, você come uma cenoura! Você faz uma atividade física, quando você quiser fumar, você respira fundo', isso aí não ajuda não. Tinha que ter o psicólogo, ensinar a gente a lidar com esse problema do vício. Quanto mais você fala do cigarro mais você quer fumar, então acho que tem que falar dos problemas que levam a gente a fumar (...)o porquê da vontade de fumar, o que te deixa estressada, nervosa que te leva a fumar (...)tem que colocar um psicólogo para conversar com a gente (E2).

Alguns fizeram referência à necessidade de utilização de outros medicamentos além dos já preconizados pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo e outros Fatores de Risco de Câncer:

(...)preciso de outro tipo de ajuda. Só com esses remédios do posto e frequentar a reunião não tem como parar de fumar (...) (E2).

(...)preciso de outro tipo de remédio (...)o grupo não adiantou (...)já participei de dois grupos de fumantes e eu não consegui parar de fumar. Já usei adesivo e Bupropiona (...) preciso de um remédio mais forte (E4).

Discussão

Os significados expressos nos depoimentos dos participantes revelam barreiras para a cessação do hábito de fumar que remetem ao cenário da ação social - o mundo cotidiano. O modo como o fumante se situa biograficamente nesse mundo dificulta a cessação do hábito de fumar, considerando os desafios a serem enfrentados rotineiramente no âmbito das relações sociais. O contexto vivido pelos fumantes mostra os motivos que fundamentam o fracasso das tentativas de abandono do cigarro (motivos porque).

Nesse sentido, o fracasso da tentativa de parar de fumar desvelado neste estudo esteve ligado ao fato de o cigarro ser considerado um apoio para o enfrentamento do estresse resultante das atividades cotidianas, incluindo o convívio familiar. Esses resultados também foram evidenciados por estudo realizado com mulheres, em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Este ressaltou que a manutenção do consumo do cigarro parecia estar associada às pressões doser adulto , visto que, nessa fase da vida, lidar com dificuldades no trabalho e com problemas familiares é um desafio corriqueiro do ser humano. As pessoas tendem a acreditar que o cigarro pode acalmá-las e aumentar a sua autoconfiança. Nesse contexto, o sentido dado ao ato de fumar é tido como um apoio para lidar com as dificuldades do dia a dia e com as emoções indesejadas(1515 Eckerdt NS, Corradi-Webster CM. Meanings about smoking for women participant in a group for smokers. Rev Latino Am Enferm. 2010;18(n.spe):641-7.).

Os participantes do presente estudo relatam que, durante as tentativas de cessação do hábito de fumar, convivem com sintomas depressivos e/ou de ansiedade. Pesquisa realizada no sul do Brasil mostrou que 52,5% das mulheres e 12,5% dos homens apresentavam depressão e 27,5% das mulheres e 7,5% dos homens conviviam com sintomas de ansiedade. Esses percentuais revelam que tais comorbidades psiquiátricas são fatores importantes a serem considerados na avaliação de tabagistas, pois podem ser uma das causas das recaídas e/ou do fracasso da tentativa de parar de fumar(1616 Zancan N, Colognese BT, Ghedini F, Both T. Intervenções psicológicas em grupos de controle de tabagismo: relato de experiência. Rev Psic IMED. 2011;l3(2):534-44.).

Acrescenta-se em relação à dificuldade de cessar o tabagismo a questão da dependência da nicotina, que conta com dois componentes básicos: o físico, representado pelo desejo intenso de fumar e pelos sintomas de abstinência, e o psicológico, representado pelo sentido que as pessoas dão ao cigarro como apoiador para lidar com situações de solidão, estresse e frustrações. Além disso, envolve associações de comportamentos como fumar e tomar café, fumar e consumir bebidas alcoólicas, fumar após as refeições, entre outras(1717 Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Abordagem e tratamento do fumante: consenso 2001. Rio de Janeiro: INCA; 2001.).

Ficou evidente na fala dos participantes deste estudo a dificuldade de lidar com os sintomas de abstinência da nicotina, dependência psicológica e comportamentos associados ao hábito de fumar. Pesquisa realizada com funcionários de uma escola de enfermagem do sul do Brasil mostrou convergência com estes resultados ao destacar que a maior dificuldade em cessar o tabagismo foi a dependência da nicotina. Também foram destacados o prazer trazido pelo cigarro, as questões emocionais, a influência de outras pessoas e o uso do cigarro incorporado à rotina(88 Ferreira SAL, Teixeira CC, Corrêa APA, Lucena AF, Echer IC. Motivos que contribuem para indivíduos de uma escola de nível superior tornarem-se ou não tabagistas. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(2):287-93.). Outro estudo realizado com grupos de tabagistas na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, salientou que, além da dependência química, os fumantes reportaram a dependência psicológica, expressa ao considerarem o cigarro como um companheiro(1818 Nepomuceno TB, Romano VF. Tabagismo e relações de poder na produção da saúde. Saude Soc. 2014;23(2):701-10.).

Apesar das dificuldades elencadas pelos tabagistas em abandonar o cigarro, estes referem motivação pessoal para tentar cessar o hábito de fumar, caracterizada especialmente pela consciência acerca dos malefícios advindos do uso do cigarro para sua saúde. Por outro lado, mostra que a pressão de familiares constitui-se como fator motivacional extrínseco que colabora para o fumante continuar tentando parar de fumar. Por se tratar de um hábito que envolve não só fatores pessoais, as razões sociais e do ambiente social desempenham um papel significativo na aquisição, na manutenção e nas tentativas de abandono do hábito de fumar(1919 Robson N, Bond A, Wolff K. A comparison of smoking behaviour characteristics between Caucasian smokers in the United Kingdom and Malay smokers in Malaysia. Prev Med. 2013;57 Suppl:S8-10.).

Resultados similares foram encontrados em pesquisa realizada na Holanda. O estudo elencou, entre os motivos que levaram os fumantes a tentar parar de fumar, a preocupação com os problemas de saúde associados ao cigarro, a motivação individual e a influência de pessoas próximas(1010 Bommelé J, Schoenmakers TM, Kleinjan M, van-Straaten B, Wits E, Snelleman M, et al. Perceived pros and cons of smoking and quitting in hard-core smokers: a focus group study. BMC Public Health. 2014;14:175.). O fato de presenciarem a experiência de outras pessoas que tiveram prejuízos à saúde devido ao fumo pode estimular a decisão de abandono do vício(1515 Eckerdt NS, Corradi-Webster CM. Meanings about smoking for women participant in a group for smokers. Rev Latino Am Enferm. 2010;18(n.spe):641-7.). Entretanto, estudo conduzido no norte de Portugal revelou que muitas pessoas continuavam a fumar, mesmo tendo uma percepção negativa das consequências e dos riscos associados ao uso do tabaco(2020 Afonso F, Pereira MG. Preditores da dependência nicotínica e do comportamento planeado para deixar de fumar. Aná Psicológica (Lisboa). 2013;31(1):17-29.).

O estímulo dado por profissionais de saúde aos fumantes, por meio de informações sobre os benefícios de parar de fumar, pode ser uma estratégia para motivá-los à tentativa de cessação do hábito(88 Ferreira SAL, Teixeira CC, Corrêa APA, Lucena AF, Echer IC. Motivos que contribuem para indivíduos de uma escola de nível superior tornarem-se ou não tabagistas. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(2):287-93.). Nesse sentido, estudos recomendam, como incentivo nas abordagens e campanhas preventivas destinadas aos fumantes, a utilização do argumento de que abandonar o tabaco trará benefícios à saúde. Tal alegação deve ser reforçada, mesmo após a instalação de uma doença decorrente do fumo(2121 Russo AC, Azevedo RCS. Factors that motivate smokers to seek outpatient smoking cessation treatment at a university general hospital. J Bras Pneumol. 2010;36(5):603-11.).

Contudo, a tentativa de cessar o hábito de fumar é uma questão complexa que requer mais do que informações sobre os malefícios do fumo à saúde. Estudo norte-americano ratificou esta afirmativa ressaltando que a ação de valorizar os riscos do fumo para a saúde nas atividades de educação em saúde voltadas ao público dependente do tabaco parece não atingir seus objetivos no que tange à decisão da pessoa em parar de fumar(2222 Stewart DW, Adams CE, Cano MA, Correa-Fernández V, Li Y, Waters AJ et al. Associations between health literacy and established predictors of smoking cessation. Am J Public Health. 2013;103(7):43-9.).

Outra questão apontada como fator que contribui para que fumantes insistam nas tentativas de parar de fumar foi a preocupação com os encargos financeiros decorrentes da compra do cigarro. Estes resultados vão ao encontro dos de outra investigação que também indicou como temas motivacionais para o abandono do hábito de fumar os gastos advindos da compra de cigarros, assim como os agravos à saúde decorrentes desse hábito(2323 Rosenthal L, Carroll-Scott A, Earnshaw VA, Sackey N, O'Malley SS, Santilli A et al. Targeting cessation: understanding barriers and motivations to quitting among urban adult daily tobacco smokers. Addict Behav. 2013;38(3):1639-42.). Por outro lado, sabe-se que, considerando a renda do fumante, o custo do cigarro precisa ser substancial para influenciar na motivação para o abandono do vício(1111 Uppal N, Shahab L, Britton J, Ratschen E. The forgotten smoker: a qualitative study of attitudes towards smoking, quitting, and tobacco control policies among continuing smokers. BMC Public Health. 2013;13:432.).

Mesmo sabendo dos prejuízos pessoais e socioeconômicos, a pessoa mantém o hábito de fumar, experienciando uma situação de ambivalência entre o prazer proporcionado pelo cigarro e o desejo de interromper o uso do fumo. Considerando a motivação como um estado interno consciente que incentiva a pessoa para a ação(1212 Wagner HR, organizador. Sobre a fenomenologia e relações sociais: Alfred Schutz. Petrópolis: Vozes; 2012.), faz-se necessário trabalhar essa ambivalência evidenciada pelo fumante que simultaneamente procura ajuda, mas nem sempre está preparado para a cessação(2121 Russo AC, Azevedo RCS. Factors that motivate smokers to seek outpatient smoking cessation treatment at a university general hospital. J Bras Pneumol. 2010;36(5):603-11.).

A compreensão do contexto de vida do fumante deste estudo revela que as tentativas de abandonar o vício do cigarro estiveram relacionadas em grande parte às situações vivenciadas nas relações sociais, como, por exemplo, com os familiares. Embora as pessoas significativas possam estimular a tentativa de cessar o uso do fumo, o fumante precisa fortalecer sua motivação intrínseca para obter êxito dessa ação. A ação humana é consciente, intencional, dotada de propósitos e se fundamenta em motivos existenciais. Estes pressupõem a reflexão acerca das experiências vivenciadas (motivo porque) e o desejo de promover mudanças (motivo para)(1212 Wagner HR, organizador. Sobre a fenomenologia e relações sociais: Alfred Schutz. Petrópolis: Vozes; 2012.).

As expectativas dos fumantes (motivo para) após tentativas frustradas revelam o desejo de cessar o hábito de fumar gradualmente. É importante salientar que a estratégia de redução do número de cigarros fumados nem sempre culmina com o sucesso da tentativa, podendo tornar a experiência de deixar de fumar mais difícil do que o necessário, visto que, em muitos casos, torna-se uma forma de adiar o fim do vício e não de parar(1717 Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Abordagem e tratamento do fumante: consenso 2001. Rio de Janeiro: INCA; 2001.). Um estudo conduzido com um grupo de motoristas e cobradores fumantes de Porto Alegre, Brasil, evidenciou que os que optaram pelo método da parada abrupta tiveram mais êxito na tentativa de parar de fumar em comparação com os que escolheram o método da parada gradual. Os fumantes que escolheram o método de redução de cigarros voltaram, no decorrer do tempo, ao antigo padrão de consumo(2424 Lopes FM, Peuker AC, Bizarro L. Aplicação de um programa de cessação do tabagismo com rodoviários urbanos. Psicol Cienc Prof. 2013;33(2):490-9.).

O grupo de prevenção e tratamento para fumantes propicia um cenário em que as pessoas podem encontrar o apoio necessário para superar o desafio de abandonar o hábito de fumar, compartilhando experiências e dificuldades vivenciadas(1111 Uppal N, Shahab L, Britton J, Ratschen E. The forgotten smoker: a qualitative study of attitudes towards smoking, quitting, and tobacco control policies among continuing smokers. BMC Public Health. 2013;13:432.,1515 Eckerdt NS, Corradi-Webster CM. Meanings about smoking for women participant in a group for smokers. Rev Latino Am Enferm. 2010;18(n.spe):641-7.). Contudo, no presente estudo, os fumantes consideraram a abordagem cognitiva-comportamental, assim como a terapia medicamentosa fornecida pelo sistema público de saúde, insuficientes para alcançar o sucesso do seu tratamento. Salienta-se o fato de os participantes terem expressado a necessidade de suporte psicológico especializado, embora sejam acompanhados em atividades grupais por profissionais da equipe de saúde da família.

Um estudo conduzido em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, recomendou a incorporação de psicólogos e psiquiatras na equipe multiprofissional para o acompanhamento dos fumantes muito ansiosos ou acometidos por outros distúrbios psiquiátricos(77 Pawlina MMC, Rondina RC, Espinosa MM, Botelho C. Anxiety and low motivational level associated with the failure in smoking cessation. J Bras Psiquiatr. 2014;63(2):113-20.). A presença destes profissionais permite abordar em maior profundidade os aspectos psicossociais envolvidos no cotidiano do fumante que impactam a tentativa de abandonar o cigarro(2525 Seabra CR, Faria HMC, Santos FR. O tabagismo em uma perspectiva biopsicossocial: panorama atual e intervenções interdisciplinar. CES Rev. 2011;25:321-36.). Além disso, permite uma avaliação abrangente, valorizando a subjetividade com vistas a elaborar um plano individualizado e adequado às necessidades do fumante. Isso poderá potencializar os resultados da terapia cognitiva-comportamental utilizada para ajudar na cessação do hábito de fumar(77 Pawlina MMC, Rondina RC, Espinosa MM, Botelho C. Anxiety and low motivational level associated with the failure in smoking cessation. J Bras Psiquiatr. 2014;63(2):113-20.,2525 Seabra CR, Faria HMC, Santos FR. O tabagismo em uma perspectiva biopsicossocial: panorama atual e intervenções interdisciplinar. CES Rev. 2011;25:321-36.).

Sobre a necessidade de terapia medicamentosa, um estudo conduzido no Paraná, Brasil, apontou que somente a utilização da técnica cognitiva-comportamental não favoreceu a continuidade do tratamento de fumantes. Mais da metade dos participantes que concluíram a quarta sessão de tratamento obtiveram sucesso na cessação do hábito de fumar, sendo que, destes, 83,3% necessitaram de terapia farmacológica(2626 Meier DAP, Vannuchi MTO, Secco IAO. Abandono do tratamento do tabagismo em programa de município do norte do Paraná. Rev Esp Saúde. 2011;13(1):35-44.).

Salienta-se a importância da associação de métodos tanto farmacológicos quanto não farmacológicos para o êxito do tratamento de pessoas que desejam abandonar o uso do tabaco. A complexidade que envolve a tentativa de deixar o cigarro requer a realização de, além das atividades grupais, uma abordagem singular ao fumante, que deve considerar a inserção de profissionais especializados para intervir na dimensão psíquica que o hábito de fumar está envolvido.

Conclusão

Esta investigação possibilitou a compreensão da experiência de pessoas tabagistas frente ao insucesso da tentativa de parar de fumar. Esta compreensão remete ao contexto de vida do fumante, permeado pela dependência do cigarro e visto como um apoio para o enfrentamento de situações estressantes do cotidiano. Cabe aos profissionais que atuam na atenção primária à saúde valorizar este contexto como um dificultador para cessar o hábito de fumar e buscar na rede de atenção à saúde parcerias que auxiliem os fumantes no enfrentamento dessas situações.

O estudo mostrou que a tentativa de cessar o hábito foi alicerçada na necessidade de melhoria da saúde, pressão de pessoas próximas e elevado preço do cigarro. Estas evidências chamam a atenção do profissional para a necessidade de intervenções que reforcem a automotivação como elemento fundamental para a cessação do hábito de fumar.

Além disso, evidenciou as expectativas do fumante em obter sucesso na cessação do uso do tabaco a partir da utilização de estratégias aprendidas no grupo de tabagismo. Contudo, aponta a necessidade de acompanhamento psicológico especializado. Estes resultados mostram a importância dos grupos de prevenção e tratamento para os tabagistas nos serviços de atenção primária à saúde, porém se sugere que as estratégias utilizadas nesses grupos sejam ampliadas, favorecendo o acesso da pessoa que deseja parar de fumar aos serviços especializados de psicologia e/ou psiquiatria.

Salienta-se como limitação deste estudo o fato de ter sido realizado com participantes de um grupo específico de prevenção e tratamento do tabagismo, o que impossibilita a generalização de seus resultados. Contudo, as evidências científicas apresentadas poderão contribuir para os profissionais de saúde repensarem as estratégias utilizadas com fumantes nos serviços de atenção primária à saúde.

Sugere-se a condução de outros estudos qualitativos e de intervenção voltados para as pessoas que buscam parar de fumar, a fim de possibilitar aos profissionais de saúde o acesso a uma gama maior de evidências científicas com vistas a tornar eficaz a abordagem ao fumante.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2015
  • Aceito
    16 Dez 2015
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