Resumo
OBJETIVO
Compreender os significados atribuídos pelos universitários do sexo masculino à condição de usuários de álcool e outras drogas.
MÉTODO
Estudo exploratório de abordagem qualitativa, com análise de conteúdo indutiva de entrevistas semiestruturadas de 20 universitários do sexo masculino, matriculados em uma universidade pública da região sudeste do Brasil, fundamentado no referencial teórico-metodológico da Antropologia Interpretativa e do método etnográfico.
RESULTADOS
Os dados foram interpretados com a análise de conteúdo indutiva em dois temas: O uso do álcool e/ou drogas como válvula de escape; O uso do álcool e/ou outras drogas: alternativa para o pertencimento e para a identidade.
CONCLUSÃO
Os universitários do sexo masculino compartilham normas de seu meio sociocultural, que valorizam o uso de álcool e/ou outras drogas, como uma forma de lidar com as exigências e o estresse da vida universitária, criar uma identidade e ter pertencimento neste contexto social, reforçando a influência da cultura.
Descritores
Estudantes; Usuários de Drogas; Alcoolismo; Masculinidade; Enfermagem em Saúde Pública
Abstract
OBJECTIVE
To understand the meanings that male university students assign to the condition of users of alcohol and other drugs.
METHOD
An exploratory study using a qualitative approach, with inductive analysis of the content of semi-structured interviews applied to 20 male university students from a public university in the southeast region of Brazil, grounded on the theoretical-methodological referential of interpretive anthropology and ethnographic method.
RESULTS
Data were construed using content inductive analysis for two topics: use of alcohol and/or drugs as an outlet; and use of alcohol and/or other drugs: an alternative for belonging and identity.
CONCLUSION
Male university students share the rules of their sociocultural environment that values the use of alcohol and/or other drugs as a way of dealing with the demands and stress ensuing from the everyday university life, and to build identity and belong to this social context, reinforcing the influence of culture.
Descriptors
Students; Drug Users; Alcoholism; Masculinity; Public Health Nursing
Resumen
OBJETIVO
Comprender los significados atribuidos por los universitarios del sexo masculino a la condición de adictos al alcohol y otras drogas.
MÉTODO
Estudio exploratorio de abordaje cualitativo, con análisis de contenido inductivo de entrevistas semiestructuradas de 20 universitarios del sexo masculino, matriculados en una universidad pública de la región sureste de Brasil, fundado en el marco de referencia teórico-metodológico de la Antropología Interpretativa y del método etnográfico.
RESULTADOS
Los datos fueron interpretados con el análisis de contenido inductivo en dos temas: El uso del alcohol y/o drogas como válvula de escape; El uso del alcohol y/u otras drogas: alternativa para la pertenencia y la identidad.
CONCLUSIÓN
Los universitarios del sexo masculino comparten normas de su medio sociocultural, que valorizan el uso de alcohol y/u otras drogas, como una manera de manejar las exigencias y el estrés de la vida universitaria, crear una identidad y tener pertenencia en este contexto social, reforzando la influencia de la cultura.
Descriptores
Estudiantes; Consumidores de Drogas; Alcoholismo; Masculinidad; Enfermería en Salud Pública
Introdução
Na atualidade, no Brasil e no mundo, o uso e o abuso de álcool e/ou outras drogas lícitas e ilícitas têm crescido de forma progressiva entre as pessoas de todas as classes sociais, especialmente entre os jovens. Constitui um problema de saúde pública que tem merecido maior atenção na atualidade devido aos seus determinantes e condicionantes culturais, ético-legais, políticos, econômicos e tecnológicos gerando impacto sobre o indivíduo, a família e a sociedade. Assim, requer atenção não somente dos pais e responsáveis pelo jovem, mas também da sociedade, dos educadores, profissionais de saúde e da comunidade científica11 Eckschmidt F, Andrade AG, Oliveira LG. Comparação do uso de drogas entre universitários brasileiros, norte-americanos e jovens da população geral brasileira. J Bras Psiquiatr [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 28];62(3):199-207. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v62n3/04.pdf
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2 United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report [Internet], 2014. Viena: UNODC; 2014 [cited 2015 Oct 25]. Available from: Available from: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/WDR2014/World_Drug_Report_2014_web.pdf
https://www.unodc.org/documents/data-and...
3 Wright MGM, Cumsille F, Padilha MI, Ventura CA, Sapag J, Brands B, et al. International research capacity building program for health related professionals to study the drug phenomenon in Latin America and the Caribbean. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Nov 28];24(n.spe):17-25. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24nspe/0104-0707-tce-24-spe-00017.pdf
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-44 Arora A, Kannan S, Gowri S, Choudhary S, Sudarasanan S, Khosla PP. Substance abuse amongst the medical graduate students in a developing country. Indian J Med Res. 2016;143(1):101-3..
Os jovens buscam no ambiente da universidade crescimento pessoal e a conquista de uma profissão, no entanto, este meio social pode propiciar o início e a manutenção do consumo excessivo de álcool e outras drogas lícitas e ilícitas55 Nóbrega MPSS, Simich L, Strike C, Brands B, Giesbrecht N, Khenti A. Policonsumo simultâneo de drogas entre estudantes de graduação da área de ciências da saúde de uma universidade: implicações de gênero, sociais e legais,, Santo André - Brasil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [citado 2015 nov. 28];21(n.esp):25-33. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21nspe/v21nspea03.pdf
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-66 Zeferino MT, Hamilton H, Brands B, Wright MGM, Cumsille F, Khenti A. Drug consuption among university students: family, spirituality and entertainment moderating influence of pairs. Texto Context Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Nov 20]; 24(n.spe):125-135. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24nspe/en_0104-0707-tce-24-spe-00125.pdf
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O uso e o consumo excessivo de álcool e outras substâncias psicoativas podem reduzir a expectativa de vida do estudante universitário, uma vez que o predispõe a acidentes automobilísticos, episódios de violência interpessoal, relações sexuais desprotegidas e transmissão do HIV, distúrbios do sono, mudanças do hábito alimentar, redução da percepção e estresse, além de causar prejuízos acadêmicos55 Nóbrega MPSS, Simich L, Strike C, Brands B, Giesbrecht N, Khenti A. Policonsumo simultâneo de drogas entre estudantes de graduação da área de ciências da saúde de uma universidade: implicações de gênero, sociais e legais,, Santo André - Brasil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [citado 2015 nov. 28];21(n.esp):25-33. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21nspe/v21nspea03.pdf
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6 Zeferino MT, Hamilton H, Brands B, Wright MGM, Cumsille F, Khenti A. Drug consuption among university students: family, spirituality and entertainment moderating influence of pairs. Texto Context Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Nov 20]; 24(n.spe):125-135. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24nspe/en_0104-0707-tce-24-spe-00125.pdf
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-77 Arria AM, Caldeira KM, Bugbee BA, Vincent K B, O'Grady KE. The academic consequences of marijuana use during college. Psychol Addict Behav. 2015; 29(3):564-75.. Destaca-se ainda como consequência grave a dependência, que pode gerar prejuízo mental ou físico do usuário11 Eckschmidt F, Andrade AG, Oliveira LG. Comparação do uso de drogas entre universitários brasileiros, norte-americanos e jovens da população geral brasileira. J Bras Psiquiatr [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 28];62(3):199-207. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v62n3/04.pdf
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Nesse contexto, a universidade tem a responsabilidade de preocupar-se com a formação técnico-científica e ética do acadêmico e cidadão, sobretudo, com a sua saúde. Assim, faz-se necessário empreender esforços para o estabelecimento de medidas preventivas no combate ao uso de drogas lícitas e ilícitas, de tratamento e reinserção na sociedade e na vida universitária. Para isso, é imprescindível analisar e compreender os fatores que influenciam os estudantes ao consumo de álcool e/ou outras drogas, para que sejam capazes de se desenvolver intelectualmente e, ainda, de enfrentar as adversidades decorrentes das exigências do meio acadêmico e do distanciamento dos familiares55 Nóbrega MPSS, Simich L, Strike C, Brands B, Giesbrecht N, Khenti A. Policonsumo simultâneo de drogas entre estudantes de graduação da área de ciências da saúde de uma universidade: implicações de gênero, sociais e legais,, Santo André - Brasil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [citado 2015 nov. 28];21(n.esp):25-33. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21nspe/v21nspea03.pdf
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,88 Arria AM, Caldeira KM, Allen HK, Vincent KB, Bugbee BA, O'Grady KE. Drinking like an adult? Trajectories of alcohol use patterns before and after college graduation. Alcohol Clin Exp Res. 2016;40(3):583-90..
Ainda que os estudos reconheçam a complexidade dessa etapa da vida, os serviços de apoio ao estudante das instituições de ensino superior têm procurado implementar políticas de assistência estudantil, embora ainda incipiente. Experiências pessoais e dificuldades intrínsecas a esse período de vida não têm sido efetivamente valorizadas em prol dos conteúdos programáticos dos cursos de graduação.
Consideramos relevante destacar que o envolvimento com o álcool e/ou outras drogas afeta tanto pessoas do gênero masculino quanto do feminino, sendo estes em menor proporção44 Arora A, Kannan S, Gowri S, Choudhary S, Sudarasanan S, Khosla PP. Substance abuse amongst the medical graduate students in a developing country. Indian J Med Res. 2016;143(1):101-3.,55 Nóbrega MPSS, Simich L, Strike C, Brands B, Giesbrecht N, Khenti A. Policonsumo simultâneo de drogas entre estudantes de graduação da área de ciências da saúde de uma universidade: implicações de gênero, sociais e legais,, Santo André - Brasil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [citado 2015 nov. 28];21(n.esp):25-33. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21nspe/v21nspea03.pdf
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,99 McBride NM, Barrett B, Moore KA, Schonfeld L. The role of positive alcohol expectancies in underage binge drinking among college students. J Am Coll Health. 2014;62(6):370-9.. Acreditamos que determinados comportamentos são aprendidos socialmente e que o envolvimento com o uso de álcool e outras drogas pode estar relacionado às construções socioculturais de gênero e das masculinidades, pois desde que nascem os meninos são levados a ter atitudes masculinas1010 Ryle R. Questioning gender: a sociological exploration. Thousand Oaks: Sage; 2014..Tal assertiva está em consonância com o referencial teórico deste estudo, o qual preconiza que os comportamentos são determinados pelo contexto sociocultural e que as pessoas agem com base nos significados que o álcool e outras drogas têm para elas1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014..
Neste entendimento, "a masculinidade não é uma entidade fixa encarnada no corpo ou nos traços da personalidade dos indivíduos. As masculinidades são configurações de práticas que são realizadas na ação social e, dessa forma, podem se diferenciar de acordo com as relações de gênero em um cenário social particular. Desse modo, as masculinidades hegemônicas podem ser construídas de forma que não correspondam verdadeiramente à vida de nenhum homem real"1212 Connell RW, Messerschmidt JW. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Rev Estud Fem [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 14];21(1):241-82. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v21n1/14.pdf
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O uso de álcool e outras drogas pelos universitários nos parece uma prática comum, haja vista os convites de festas estampados em cartazes, faixas e flyers, frequentemente nos portões de acesso às universidades para eventos desta natureza promovidos na cidade. Esta realidade nos tem provocado inquietações e despertado o interesse em aprofundar um pouco mais o nosso conhecimento, a partir do ponto de vista dos universitários, pois como docentes e enfermeiras sentimo-nos comprometidas com a problemática do uso dessas substâncias psicoativas entre acadêmicos de uma universidade pública da região sudeste do Brasil. Priorizamos os universitários do sexo masculino por estarmos alinhadas à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)1313 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem: princípios e diretrizes [Internet]. Brasília; 2008 [citado 2015 set. 25]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_atencao_homem.pdf
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e à Política Nacional sobre Drogas1414 Brasil. Presidência da República; Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Legislação e Políticas Públicas sobre Drogas no Brasil [Internet]. Brasília; 2010 [citado 2015 jan. 20]. Disponível em: Disponível em: http://obid.senad.gov.br/obid/biblioteca/publicacoes/legislacao-e-politicas-publicas-sobre-drogas-no-brasil.pdf
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,cujos dados epidemiológicos apontam para a necessidade de abordagem específica para a proposição de medidas preventivas, de promoção, tratamento e reabilitação desta parcela da população55 Nóbrega MPSS, Simich L, Strike C, Brands B, Giesbrecht N, Khenti A. Policonsumo simultâneo de drogas entre estudantes de graduação da área de ciências da saúde de uma universidade: implicações de gênero, sociais e legais,, Santo André - Brasil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [citado 2015 nov. 28];21(n.esp):25-33. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21nspe/v21nspea03.pdf
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Este estudo teve como objetivo compreender os significados atribuídos pelos universitários do sexo masculino à condição de usuários de álcool e outras drogas.
Método
Para dar respostas às nossas inquietações, fundamentamo-nos no referencial da Antropologia Interpretativa1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014. que focaliza a cultura e preconiza o método etnográfico na busca de uma descrição densa. A partir de pequenos fatos densamente entrelaçados é possível obter análise e interpretação, com ampliação do entendimento sobre o papel da cultura na construção da vida coletiva. Neste entendimento, a experiência do uso e do consumo de álcool e outras drogas é uma forma de organizar a vida do universitário do sexo masculino, construir sentido ou determinar uma identidade, uma vez que no meio acadêmico o uso e o consumo dessas substâncias psicoativas permeiam encontros e comemorações, que constituem espaços sociais e coletivos da vida universitária, e os estudantes estão ávidos pela conquista de pertencimento. Destaca-se que dependendo do grupo que o interpreta, o significante "droga" pode ter diferentes significados1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014..
Nesta perspectiva, a escolha do método foi adequada por permitir a apreensão da experiência a partir daquele que a vivencia. A busca por uma descrição densa constituiu um desafio, não apenas pelo método, mas pela complexidade da temática e pela abordagem de universitários do sexo masculino, contexto bem distinto do das pesquisadoras.
O trabalho de campo ocorreu no período de novembro 2014 a julho de 2015, nas dependências da universidade e nas residências dos participantes. A entrada no campo de pesquisa se deu por meio da inserção da pesquisadora principal nas rodas de conversa de alunos de graduação nos espaços da universidade, contando com a colaboração de três assistentes de pesquisa, o que possibilitou que alunos de diversos cursos e de diferentes períodos participassem da pesquisa.
Nos intervalos das aulas, as pesquisadoras se apresentavam aos universitários, com explicação do objetivo do estudo e convite para participação da pesquisa. Inicialmente houve receio por parte de alguns universitários, mas, pelo contato prévio estabelecido com alguns alunos, estes ajudaram a sanar dúvidas, principalmente sobre abordagem das drogas neste estudo, a qual não se restringia a drogas ilícitas, incluindo todos os tipos de drogas, como álcool, tabaco, ansiolíticos, anfetaminas e que, caso houvesse interesse de participação, as pesquisadoras estariam nos corredores e espaços de convivência da universidade. A partir deste momento, aqueles alunos que se interessavam, nos procuravam.
Os universitários dos primeiros períodos, embora convidados para o estudo, não se interessaram. No entanto, estudantes dos últimos períodos voluntariamente nos procuraram para participar do estudo, quando novamente eram explicados o objetivo da pesquisa, as técnicas de coleta de dados, com agendamento dos encontros, na universidade ou nas residências, conforme disponibilidade deles.
Para iniciar a coleta de dados na universidade ou nas residências, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, respeitando-se os aspectos éticos estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466, de 12 de dezembro de 20121515 Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Brasília; 2012 [citado 2013 mar. 20]. Disponível em: Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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, com fornecimento de uma via para o participante, e a outra foi arquivada pelas pesquisadoras. Para a preservação do anonimato, os participantes receberam nomes fictícios escolhidos por eles mesmos. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, Parecer nº 822.626.
Foi utilizado um instrumento composto por duas partes, uma por dados sócio demográficos e acadêmicos, como período/curso, e outra pela seguinte questão norteadora: Fale como é para você ser universitário e fazer uso de bebida alcoólica e/ou outras drogas.
A entrevista foi registrada por meio de gravador digital, com a permissão dos participantes. Em média foram realizadas duas a três entrevistas com cada participante, com duração de 40 minutos. A observação participante e o diário de campo forneceram aspectos do contexto onde ocorria a coleta de dados e as impressões obtidas pela pesquisadora principal. Estes aspectos foram registrados em diversos momentos dos encontros com os acadêmicos em vários ambientes, e foram fundamentais para contextualizar e realizar a descrição de fatos, comportamentos e para esclarecimentos das questões abordadas na entrevista1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014..
As entrevistas foram transcritas na íntegra, imediatamente após a realização, enumeradas em sequência crescente, arquivadas eletronicamente utilizando-se do programa Word for Windows. Os dados da observação participante e do diário de campo foram integrados a estes textos. Estes dados foram lidos e relidos exaustivamente, e a análise de conteúdo indutiva resultou na escolha das estruturas de significação, no estabelecimento dos códigos na determinação da sua base social e importância, segundo o referencial teórico-metodológico adotado, uma vez que o objeto da etnografia constitui-se de estruturas significantes e o papel do etnógrafo é o de tentar compreender estas, que se apresentam como uma superposição de inferências e implicações1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014..
Resultados
Participaram 20 estudantes de graduação, do sexo masculino, sendo nove da área de Ciências da Saúde, sete de Ciências Humanas e Letras e quatro de Exatas, na faixa etária entre 20 e32 anos, com predomínio daqueles com 25 anos. Todos solteiros, a maioria se declarou branca, católica e com renda familiar de quatro salários mínimos. Verificou-se também que 14 moravam em república, quatro com os pais e dois dividiam a moradia com um colega. Quanto à renda pessoal, um participante trabalhava, sete eram bolsistas, sendo dois de Iniciação Científica e um do Programa de Educação Tutorial - PET. Apenas um se mantinha com uma bolsa de R$400,00 sem auxílio da família. Com o trabalho de campo com estes 20 participantes e a análise de dados, consideramos o número suficiente para o alcance do objetivo proposto no estudo.
Os resultados foram categorizados em dois temas: O uso de álcool e/ou outras drogas como válvula de escape; e O uso do álcool e/ou outras drogas: alternativa para o pertencimento e para a identidade.
O uso de álcool e/ou outras drogas como válvula de escape
Apresentamos os depoimentos dos universitários a respeito do uso de álcool e/ou outras drogas como uma forma de suavizar um pouco as atividades impostas pela vida acadêmica.
(...) ah! Eu, no caso do álcool eu vejo que é como uma válvula de escape para minimizar os problemas e as responsabilidades que a faculdade traz. E o cigarro mais para tirar o estresse, a ansiedade; essas coisas. Mas já usei algumas vezes já... tipo maconha...se falar uma, é falar mentira (E1‒ Adriano).
Pedro considerou
(...) uma espécie de válvula de uma realidade e uma opção de uso recreativo para diminuir o estresse diário a que estamos submetidos. O que vem à minha mente: a alteração da percepção da realidade, e consequentemente, uma válvula de escape (E1‒ Pedro).
César ressaltou:
(...)uso mais maconha nos finais de período, antes de provas, ou depois de fazer prova, a maconha me ajuda muito a pensar também, a escrever. Me sinto mais relaxado mesmo, tranquilo (E1‒ César).
Maurício e Julio alegaram usar drogas para alívio das pressões:
(...)álcool, em uma palavra, eu acho que é refúgio. Até mesmo porque o álcool causa relaxamento nas pessoas e as pessoas não veem a hora de chegar ao fim do dia para fazer o happy hour, ter essa sensação de prazer, já que vivem o cotidiano na ansiedade, no estresse e veem a única forma de relaxar através da bebida e das drogas (E1 ‒ Maurício).
(...)então, pelo menos na minha opinião, é uma forma de escapismo, às vezes a gente toma um pouco para escapar dos problemas, uma forma assim talvez de diversão, sair daquele monte de pressão social que a gente tem de uma determinada forma, acho que por conta disso. É uma forma de diversão. Acho que bem nessa linha, na questão de perder um pouco a consciência. Eu uso mais para me divertir. É uma forma de escapismo, uma saída de uma realidade muito tumultuada que a gente vive este tipo de coisa (E1‒Julio).
O uso do álcool e/ou outras drogas: alternativa para o pertencimento e para a identidade.
O depoimento de Rodrigo evidenciou o estabelecimento de relações permeado pelo uso dessas substâncias psicoativas. Usa drogas:
(...) em festas, com amigos, na república, para socializar mesmo. Nunca fui pressionado, mas sempre o acesso foi fácil, sempre tem alguém oferecendo algo, em festa principalmente (E2‒ Rodrigo).
O uso de drogas pode favorecer os relacionamentos, inclusive com o sexo oposto:
(...) em um barzinho, ou vou em alguma festinha e acabo bebendo um pouco. Ajuda na pegação, fica mais soltinho, aproxima mais. As pessoas estão cada vez mais tímidas, fechadas no seu mundo. Precisam de um estopim para chegar e conversar com a outra pessoa (E2‒ Levi).
E Pedro acrescentou:
(...)a bebida te deixa mais desinibido e sem dúvida ajuda a se relacionar com o sexo oposto e amenizar a insegurança. A maconha é uma droga mais introspectiva, te deixa mais relaxado, mais pensativo, sabe? A sensibilidade fica diferente, aumenta o prazer do contato físico (silêncio) acho que o público masculino consome mais devido a uma pressão social que existe. Você precisa consumir o álcool para ser aceito em círculos sociais (E2‒ Pedro).
Nas reuniões entre homens a liberdade é marcante nos depoimentos. Julio disse:
(...)aqui tem a turma aqui de casa e também o que chamamos de agregados, que é a turma que não mora aqui em casa, mas sempre está aqui. Sai, bebe, fuma juntos, se diverte joga bola... temos uma roda grande de amigos. É o que comentamos da liberdade, um grupo de liberdade, você junta um bando de gente buscando a liberdade, vamos usar um negócio diferente. Aqui todos fumam maconha e eu cigarro, às vezes pode ser para eu interagir, existe essa questão de criar um certo espírito comunitário em várias esferas, não só na droga, pode ser modismo também, a sociedade nossa, ocidental, é assim (E2‒ Julio).
O depoimento de Alexandre demonstra a influência da cultura na experiência do uso de álcool e/ou outras drogas:
(...) acho que também por influência, tipo, de conviver no lugar que muitos fumam talvez incentiva um pouco.Eu digo que te deixa propício, fica fácil, aí você passa a ver a rotina daquilo e, tipo, o que aconteceu foi... é, cai o tabu, desmitificou o negócio, sabe?Você passa lidar com aquilo (E3‒ Alexandre).
Os participantes consideraram importante aproveitar a vida universitária e as sensações que as drogas produzem, mas enfatizaram também que procuram desenvolver estratégias de autocontrole para evitar o uso compulsivo de drogas.
(...) eu acho que a universidade representa pra muita gente, como liberdade. A gente está na liberdade e temos que aproveitar. Se não for agora, não vai ser mais! Mas eu sou da seguinte tese, que acho até justo a gente sugar o tutano da vida, mas tem que tomar cuidado para não morrer com o osso engasgado. Há um certo limite! Limite, sou dessa tese. O álcool não me prejudicou porque mais ou menos eu sei calibrar, se eu tenho alguma coisa para estudar amanhã não vou beber muito hoje, pelo menos no meu caso nunca deu problema, mas, no caso, se eu tiver uma coisa para estudar e beber muito esta noite amanhã eu terei dificuldade para raciocinar melhor, pra tudo (E2‒ Julio).
E Alexandre complementa:
(...) minha mãe tem um ditado e meu pai fala isso, tudo em excesso prejudica, até a felicidade em muito excesso prejudica. Na vida real acadêmica, não consigo dizer que fui mal a alguma prova porque eu fumei maconha, nunca aconteceu isso comigo. Sou um pouco responsável, eu acho (E2‒ Alexandre).
Discussão
O uso de álcool e/ou outras drogas como válvula de escape
O ingresso no ensino superior representa para o senso comum uma oportunidade para a conquista de uma profissão. No entanto, diversos fatores podem levar o universitário a usar essas substâncias, como interrupção de hábitos e rotinas anteriores, afastamento da família99 McBride NM, Barrett B, Moore KA, Schonfeld L. The role of positive alcohol expectancies in underage binge drinking among college students. J Am Coll Health. 2014;62(6):370-9., necessidade de adaptação a um ambiente desconhecido, formação de novas amizades, novas formas de lazer, independência, novos desafios impostos pela vida acadêmica, preocupação relacionada à futura inserção no mercado de trabalho, bem como a maior possibilidade de acesso às drogas lícitas e ilícitas11 Eckschmidt F, Andrade AG, Oliveira LG. Comparação do uso de drogas entre universitários brasileiros, norte-americanos e jovens da população geral brasileira. J Bras Psiquiatr [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 28];62(3):199-207. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v62n3/04.pdf
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,66 Zeferino MT, Hamilton H, Brands B, Wright MGM, Cumsille F, Khenti A. Drug consuption among university students: family, spirituality and entertainment moderating influence of pairs. Texto Context Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Nov 20]; 24(n.spe):125-135. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24nspe/en_0104-0707-tce-24-spe-00125.pdf
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,1616 Hirsch CD, Barlem ELD, Almeida LK, Tomaschewski-Barlem JG, Figueira AB, Lunardi VL. Coping strategies of nursing students for dealing with university stress. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Oct. 20];68(5):783-90. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n5/en_0034-7167-reben-68-05-0783.pdf.
Os padrões de policonsumo simultâneo de drogas e suas implicações de gênero, sociais e legais entre universitários ocorreram em decorrência dos estresses44 Arora A, Kannan S, Gowri S, Choudhary S, Sudarasanan S, Khosla PP. Substance abuse amongst the medical graduate students in a developing country. Indian J Med Res. 2016;143(1):101-3. das tarefas escolares e para obter relaxamento físico e mental, inclusive dentro da universidade. Ainda, os dias preferidos para a utilização dessas substâncias eram as sextas-feiras e os sábados, o que evidencia que esse uso não é apenas para lidar com o cotidiano escolar, mas também em ocasiões sociais44 Arora A, Kannan S, Gowri S, Choudhary S, Sudarasanan S, Khosla PP. Substance abuse amongst the medical graduate students in a developing country. Indian J Med Res. 2016;143(1):101-3.-55 Nóbrega MPSS, Simich L, Strike C, Brands B, Giesbrecht N, Khenti A. Policonsumo simultâneo de drogas entre estudantes de graduação da área de ciências da saúde de uma universidade: implicações de gênero, sociais e legais,, Santo André - Brasil. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2012 [citado 2015 nov. 28];21(n.esp):25-33. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21nspe/v21nspea03.pdf
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.Resultados similares foram encontrados neste estudo.
Reiteramos que, para o senso comum, o álcool, o tabaco e outras drogas aliviam as pressões e os sofrimentos da vida. Acreditamos que tal prática está relacionada às construções socioculturais1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014., uma vez que o uso de substâncias psicoativas constitui uma prática milenar e universal, registrada em toda a história da humanidade, em diferentes culturas e contextos, com diversas finalidades, entre elas, como remédio ou veneno, de forma divina ou demonizada e para o prazer1717 Moraes M. Gênero e usos de drogas: por que é importante articular esses temas? In: Moraes M, Castro R, Petuco D, organizadores. Gênero e drogas: contribuições para uma atenção integral à saúde [Internet]. Recife: Instituto PAPAI; 2011 [citado 2015 set. 17]. Disponível em: Disponível em: http://psicologiasocial.uab.es/fic/es/webfm_send/523
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Por outro lado, é importante considerar que o estresse44 Arora A, Kannan S, Gowri S, Choudhary S, Sudarasanan S, Khosla PP. Substance abuse amongst the medical graduate students in a developing country. Indian J Med Res. 2016;143(1):101-3. está relacionado às novas exigências da vida universitária que implicam cada um aprender a lidar com os novos desafios, criar uma identidade como universitário, e também corresponder às expectativas deste novo espaço social e de formação profissionalizante. Para se adaptar a este contexto, os comportamentos dos universitários vão se modificando por influência das normas sociais do grupo social escolhido para o convívio1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014.. Ao longo desta formação, eles passam a ter noção da importância da aquisição de conhecimentos e habilidades que serão necessários para o sucesso da vida profissional e da vida adulta masculina após a graduação, assim como o aumento da competividade. Para aqueles que têm maior dificuldade para lidar com estes desafios, as drogas podem se constituir em uma válvula de escape.
No Brasil, o uso dessas substâncias é permeado pelo legado cultural, tanto da população nativa quanto de nossos colonizadores e imigrantes, e compreender essa história é de suma importância para que se entenda a origem de estigmas moralistas e conceitos equivocados, que acabam colocando as pessoas que fazem uso dessas substâncias em situações de marginalização1818 Formigoni MLOS, coordenadora. SUPERA: Sistema para detecção do uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas: encaminhamento, intervenção breve, reinserção social e acompanhamento [Internet]. Brasília; 2014 [citado 2015 mar.18]. Disponível em: Disponível em: http://www.supera.senad.gov.br/
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. Desse modo, a experiência de consumir uma substância psicoativa é cultural, o que determina o comportamento para a escolha e o consumo da droga1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014.,1717 Moraes M. Gênero e usos de drogas: por que é importante articular esses temas? In: Moraes M, Castro R, Petuco D, organizadores. Gênero e drogas: contribuições para uma atenção integral à saúde [Internet]. Recife: Instituto PAPAI; 2011 [citado 2015 set. 17]. Disponível em: Disponível em: http://psicologiasocial.uab.es/fic/es/webfm_send/523
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,1919 Raup LM, Adorno RCF. Jovens em situação de rua e usos de crack: um estudo etnográfico em duas cidades. Rev Bras Adolesc Conflitual [Internet]. 2011 [citado 2015 nov. 10];4:52-67. Disponível em: Disponível em: http://portal.cnm.org.br/sites/9700/9797/docArtigos/jovensecrack.pdf
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Apreendemos que, com o ingresso na universidade, os estudantes foram reconstruindo as teias de significados, pois a cultura é dinâmica1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014. e se estabelece a partir da interação com os novos grupos sociais. A partir da influência dessa interação, eles encontram nestas substâncias meios para minimizar sofrimentos e encontrar instantes de prazer1919 Raup LM, Adorno RCF. Jovens em situação de rua e usos de crack: um estudo etnográfico em duas cidades. Rev Bras Adolesc Conflitual [Internet]. 2011 [citado 2015 nov. 10];4:52-67. Disponível em: Disponível em: http://portal.cnm.org.br/sites/9700/9797/docArtigos/jovensecrack.pdf
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Na atualidade, com a sociedade individualista, vivemos a absolutização do presente, ou seja, a vida não é depois, é agora2020 Bauman Z. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar; 2007.. Cada um tem a obrigação de ser feliz, e uma vida realizada é alcançada no campo do consumo2020 Bauman Z. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar; 2007.. Nesse sentido, cada sociedade apresenta formas culturais do que seria uma vida realizada e, quando esse projeto fracassa, a pessoa apresenta depressão, transtorno do sono, angústia, solidão, vazio e drogadição.
O uso do álcool e/ou outras drogas: alternativa para o pertencimento e para a identidade
Considerando-se que o ambiente universitário constituiu um meio propício para a experimentação de álcool e/ou outras drogas pelo seu fácil acesso99 McBride NM, Barrett B, Moore KA, Schonfeld L. The role of positive alcohol expectancies in underage binge drinking among college students. J Am Coll Health. 2014;62(6):370-9. e pela naturalização de seu consumo entre os estudantes, eles iniciaram ou deram continuidade como uma forma de pertencimento, de interação, de ritual de passagem para a vida adulta, de coragem, de liberdade, de prazer sexual11 Eckschmidt F, Andrade AG, Oliveira LG. Comparação do uso de drogas entre universitários brasileiros, norte-americanos e jovens da população geral brasileira. J Bras Psiquiatr [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 28];62(3):199-207. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v62n3/04.pdf
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e de reafirmação da masculinidade.
Estudos constataram que os universitários iniciaram e persistiram no consumo em decorrência da necessidade de participação em atividades sociais e também pela disponibilidade dessas substâncias no circuito de relações deles66 Zeferino MT, Hamilton H, Brands B, Wright MGM, Cumsille F, Khenti A. Drug consuption among university students: family, spirituality and entertainment moderating influence of pairs. Texto Context Enferm [Internet]. 2015 [cited 2015 Nov 20]; 24(n.spe):125-135. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v24nspe/en_0104-0707-tce-24-spe-00125.pdf
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,99 McBride NM, Barrett B, Moore KA, Schonfeld L. The role of positive alcohol expectancies in underage binge drinking among college students. J Am Coll Health. 2014;62(6):370-9..
Estudo sobre sexualidade e drogadição reiterou que entre adolescentes e jovens adultos é empreendida uma busca incessante por substâncias psicoativas com a finalidade de aumentar a libido e o prazer, bem como de facilitar a aproximação entre as pessoas2121 Diehl A, Pillon SC, Jordán MJ. Sexualidad y drogadicción. In: Rodrigues Junior OM, organizador. Cuestiones básicas para la sexologia latinoamericana. São Paulo: Instituto Paulista de Sexualidade; 2014. p. 261-86.. Estes resultados também foram encontrados em nosso estudo, pois os universitários justificaram o consumo do álcool e/ou outras drogas como alternativa de desinibição frente ao sexo oposto, como forma de reafirmar a sua masculinidade.
Em relação ao álcool, se usado em doses baixas, pode potencializar o desejo sexual. No entanto, em doses altas pode prejudicar a ereção e produzir ejaculação precoce2121 Diehl A, Pillon SC, Jordán MJ. Sexualidad y drogadicción. In: Rodrigues Junior OM, organizador. Cuestiones básicas para la sexologia latinoamericana. São Paulo: Instituto Paulista de Sexualidade; 2014. p. 261-86..
Quanto à maconha, poucos estudos abordaram a sua relação com a sexualidade, contudo, considerando-se os resultados controversos, é uma temática que merece mais investigação. Estudo revelou que homens que já utilizavam drogas, quando em tratamento, relataram a dificuldade na obtenção do orgasmo e na ereção. Por outro lado, há relatos de que a maconha pode promover encontro sexual, aumentar a libido e prolongar o orgasmo. O prazer sexual induzido por esta droga pode contribuir para aumentar o número de parceiros sexuais e predispor a doenças sexualmente transmissíveis2020 Bauman Z. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar; 2007..
A sensação de liberdade intensificada pelo afastamento do seio familiar e pela concepção de que a vida universitária constitui uma fase de liberdade e de autonomia propicia a exploração e a satisfação da curiosidade, o que leva esses estudantes a experimentar as substâncias psicoativas para produzir diferentes sensações11 Eckschmidt F, Andrade AG, Oliveira LG. Comparação do uso de drogas entre universitários brasileiros, norte-americanos e jovens da população geral brasileira. J Bras Psiquiatr [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 28];62(3):199-207. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v62n3/04.pdf
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, como eles diziam, vou beber até sair do corpo.
Um olhar refinado para a experiência do outro é de suma importância para se ouvir além do que foi dito1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014.. Para o senso comum, a vida universitária é marcada pela liberdade, o que inclui baladas, churrascos e consumo de substâncias psicoativas. Por outro lado, aquele que não tem os mesmos comportamentos do grupo pode sentir-se marginalizado e ser excluído, demonstrando fraqueza, perda do domínio do espaço público, o que se contrapõe aos ideais de masculinidade construídos culturalmente1212 Connell RW, Messerschmidt JW. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Rev Estud Fem [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 14];21(1):241-82. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v21n1/14.pdf
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Outras razões para o uso de substâncias psicoativas incluem a diversão e o prazer, próprios dessa faixa etária11 Eckschmidt F, Andrade AG, Oliveira LG. Comparação do uso de drogas entre universitários brasileiros, norte-americanos e jovens da população geral brasileira. J Bras Psiquiatr [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 28];62(3):199-207. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v62n3/04.pdf
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Despertou a nossa atenção o fato de que eles consideraram importante aproveitar a vida universitária e as sensações que as drogas produzem, mas enfatizaram também que procuram desenvolver estratégias de autocontrole para evitar o uso compulsivo de drogas.
Durante as conversas, os participantes comentaram que já fizeram muita bagunça, beberam muito, mas que agora estão mais sossegados (Diário de campo 23/04/2015). Muitos afirmaram que o término da graduação reflete mudanças, como eles diziam, agora é preciso "focar", assumir responsabilidades, como emprego, casamento e filhos, o que pode contribuir para a redução ou interrupção do consumo de substâncias psicoativas88 Arria AM, Caldeira KM, Allen HK, Vincent KB, Bugbee BA, O'Grady KE. Drinking like an adult? Trajectories of alcohol use patterns before and after college graduation. Alcohol Clin Exp Res. 2016;40(3):583-90.,2121 Diehl A, Pillon SC, Jordán MJ. Sexualidad y drogadicción. In: Rodrigues Junior OM, organizador. Cuestiones básicas para la sexologia latinoamericana. São Paulo: Instituto Paulista de Sexualidade; 2014. p. 261-86..
As construções socioculturais de gênero2222 Bottorff JL, Haines-Saah R, Kelly MT, Oliffe JL, Torchalla I, Poole N, et al. Gender, smoking and tobacco reduction and cessation: a scoping review. Int J Equity Health. 2014;13:114.podem contribuir para este novo olhar sobre o mundo. Ser homem nunca se reduz aos caracteres sexuais, mas a um conjunto de atributos morais de comportamento, socialmente sancionados, negociados e lembrados. Em relação ao gênero masculino, é válido ressaltar que não se trata de uma denominação estereotipada, pois o gênero não determina a pessoa. Ser masculino envolve um sistema de interações sociais no qual o indivíduo está inserido e a partir dele constrói a sua ideia de masculinidade. Assim, a masculinidade hegemônica2222 Bottorff JL, Haines-Saah R, Kelly MT, Oliffe JL, Torchalla I, Poole N, et al. Gender, smoking and tobacco reduction and cessation: a scoping review. Int J Equity Health. 2014;13:114.é definida como uma legitimidade patriarcal que garante uma posição dominante do homem universitário, é um poder culturalmente estabelecido, ou seja, coletivamente aceito. O homem aprende desde cedo que deve ter o controle sobre muitas coisas, dentre elas o estresse, as responsabilidades, o afastamento da família, e a socialização na vida universitária, pelo consumo de drogas, para ser aceito no seu grupo social, como expressão da identidade masculina2222 Bottorff JL, Haines-Saah R, Kelly MT, Oliffe JL, Torchalla I, Poole N, et al. Gender, smoking and tobacco reduction and cessation: a scoping review. Int J Equity Health. 2014;13:114.. Concordamos que os homens vivem em uma sociedade controladora de seus comportamentos, os quais são julgados socialmente como adequados ou não à sua expressão de gênero e, em muitos casos, acabam por reproduzir essas práticas pela incorporação da masculinidade hegemônica, o que é ensinado por gerações1212 Connell RW, Messerschmidt JW. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Rev Estud Fem [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 14];21(1):241-82. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v21n1/14.pdf
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,2222 Bottorff JL, Haines-Saah R, Kelly MT, Oliffe JL, Torchalla I, Poole N, et al. Gender, smoking and tobacco reduction and cessation: a scoping review. Int J Equity Health. 2014;13:114..
Apreendemos que na medida em que as teias vão sendo tecidas, as drogas, enquanto significantes vão assumindo diferentes significados na vida de cada um dos universitários, pois cada um passa a ter1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014. um olhar diferente sobre o estar no mundo universitário, assim como da sua identidade pessoal com escolhas sobre a sua vida adulta masculina e profissional para o futuro.
Reitera-se a necessidade de revisão de planejamento e metas a serem alcançadas pela universidade, de modo a contemplar as reais necessidades dessas pessoas, o que implica a disposição para a prevenção do uso de drogas, a redução do consumo de álcool e/ou outras drogas, o atendimento e encaminhamento para tratamento e, sobretudo, o respeito à autonomia dos graduandos, sem exclusão social.
Apesar da crescente produção de estudos acerca do uso de álcool e/ou outras drogas entre universitários é de suma importância a reunião de esforços dos pesquisadores no sentido de conhecer de perto essa experiência, inclusive com a realização de estudos na perspectiva sociocultural, dando voz e vez aos usuários. Essa também é uma forma de oferecer subsídios que contribuam, ainda mais, com o planejamento e a implementação de ações condizentes com a singularidade do universitário, a qual traz consigo a sua cultura1111 Geertz G. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC; 2014.. É imprescindível conjugar saberes, uma vez que a dimensão do uso e abuso dessas substâncias não se restringe à esfera da distância social e da discriminação, as quais apenas contribuem para o aumento das condições de vulnerabilidade. Um olhar refinado permitiu apreender que eles não podem ser rotulados como drogados, ou maconheiros, e muito menos serem excluídos da sociedade universitária.
Conclusão
A droga mais utilizada foi o álcool, seguido pelo tabaco e maconha. Apreende-se que as masculinidades podem influenciar o estudante a iniciar o uso dessas substâncias, que foram apontadas como válvula de escape da realidade para amenizar os sofrimentos, para o pertencimento e para a identidade, respondendo ao objetivo do estudo.
Os encontros com os estudantes de graduação do sexo masculino propiciaram um olhar de perto e de dentro do contexto investigado e nos permitiu apreender que eles compartilham normas de seu meio sociocultural que valorizam o uso de álcool e/ou outras drogas, reforçando a influência da cultura nesta experiência.
Como pesquisadores mulheres e docentes foi um desafio desenvolver estudos relacionados a essa temática com alunos de graduação do sexo masculino. Este aspecto requereu atenção redobrada no processo de análise para que não influenciasse as interpretações. Outra limitação do estudo foi ter sido realizado com a maioria de participantes dos últimos períodos dos cursos de graduação, com pouca participação de alunos em fase inicial de formação, o que não foi aprofundado.
Com os resultados deste estudo evidenciamos a importância de estratégias mais eficientes e viáveis, com respeito à autonomia do universitário. Sugere-se a criação de espaços de convivência para o acolhimento destes universitários e suporte profissional para a discussão e troca de experiências entre alunos, com inserção das demandas específicas do gênero masculino, com a participação institucional e de instituições parceiras.
References
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Extraído do projeto "Atenção à saúde do estudante universitário: uma proposta interdisciplinar de uma instituição pública do sul do estado de Minas Gerais, Universidade Federal de Alfenas, 2012."
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Apoio financeiro
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na Chamada Pública do Programa Casadinho/PROCAD552321/2011-7, do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), por intermédio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Oct 2016
Histórico
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Recebido
09 Dez 2015 -
Aceito
17 Ago 2016