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Habilidade de cuidado de cuidadores familiares urbanos e rurais: relação com a sobrecarga, estresse e coping* * Extraído da dissertação: “Habilidade de cuidado, sobrecarga, estresse e coping de cuidadores familiares urbanos e rurais de pacientes em tratamento oncológico”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria, 2019.

RESUMO

Objetivo:

Correlacionar a habilidade de cuidado com a sobrecarga, o estresse e o coping de cuidadores familiares urbanos e rurais de pacientes em tratamento oncológico.

Método:

Estudo transversal, realizado em um hospital de referência no tratamento oncológico, com cuidadores do contexto urbano e rural que responderam aos instrumentos: questionário de caracterização sociodemográfica do cuidador e do cuidado prestado, escala de Estresse Percebido, escala Burden Interview e COPE Breve. Para a análise estatística, foi utilizado o teste de Correlação de Pearson, com nível de significância ≤5%.

Resultados:

Participaram 163 cuidadores urbanos e 59 cuidadores rurais. Entre a habilidade de cuidado e o estresse, constatou-se correlação negativa e moderada nos cuidadores rurais. Na relação da habilidade de cuidado e a sobrecarga, verificou-se correlação estatisticamente significativa nos cuidadores urbanos no fator relação interpessoal e percepção de autoeficácia. Entre o coping e a habilidade de cuidado, identificou-se correlação positiva e moderada no coping focado no problema na dimensão conhecimento nos cuidadores urbanos.

Conclusão:

Cuidadores urbanos apresentaram maior intensidade de sobrecarga e coping focado no problema na relação com a habilidade de cuidado.

Cuidadores; Pacientes; Neoplasias; População Urbana; População Rural; Enfermagem Oncológica

ABSTRACT

Objective:

To correlate caring ability with overburden, stress and coping of urban and rural family caregivers of patients undergoing cancer treatment.

Method:

Cross-sectional study, carried out in a referral hospital for cancer treatment, with urban and rural caregivers who responded the following instruments: questionnaire of sociodemographic characterization of the caregiver and the care provided, Perceived Stress scale, Burden Interview scale and Brief COPE. Pearson's correlation test was used for statistical analysis, with a significance level ≤5%.

Results:

A total of 163 urban caregivers and 59 rural caregivers participated in the study. Between the caring ability and stress, a negative and moderate correlation was found in rural caregivers. In the relationship between the caring ability and the overburden, there was a statistically significant correlation in urban caregivers in the interpersonal relationship and perception of self-efficacy factor. Between coping and the caring ability, a positive and moderate correlation was identified in coping focused on the problem in the knowledge dimension in urban caregivers.

Conclusion:

Urban caregivers had greater intensity of overburden and coping focused on the problem in relation to the caring ability.

Caregivers; Patients; Neoplasms; Urban Population; Rural Population; Oncology Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Correlacionar la habilidad del cuidado con la sobrecarga, el estrés y el afrontamiento (coping ) de familiares urbanos y rurales cuidadores de pacientes en tratamiento oncológico.

Método:

Se trata de un estudio transversal, realizado en un hospital referencia en tratamiento oncológico, con cuidadores de los medios urbano y rural que respondieron a los instrumentos: cuestionario de caracterización sociodemográfica del cuidador y de la atención prestada, escala de Estrés Percibido, escala de Entrevista de Carga y COPE 28. Para el análisis estadístico se utilizó la prueba de Correlación de Pearson, con nivel de significación ≤5%.

Resultados:

Participaron 163 cuidadores urbanos y 59 cuidadores rurales. Entre la capacidad del cuidado y el estrés, se constató una correlación negativa y moderada en los cuidadores rurales. En la relación de la habilidad del cuidado y la sobrecarga, se comprobó una correlación estadísticamente significativa entre los cuidadores urbanos en el factor de la relación interpersonal y en la percepción de la autoeficacia. Entre el afrontamiento y la habilidad del cuidado, se identificó una correlación positiva y moderada en el afrontamiento, centrado en el problema de la dimensión de conocimientos de los cuidadores urbanos.

Conclusión:

Los cuidadores urbanos presentaron una mayor intensidad de sobrecarga y coping enfocado en el problema de la relación con la capacidad del cuidado.

Cuidadores; Pacientes; Neoplasias; Población Urbana; Población Rural; Enfermería Oncológica

INTRODUÇÃO

O câncer, na contemporaneidade, é uma das doenças crônicas não transmissíveis com maior impacto econômico nos serviços de saúde, tanto a nível mundial como nacional11 Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional de Câncer Jose Alencar Gomes da Silva. Incidência de câncer no Brasil: estimativas 2016 [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2015 [citado 2019 mar. 20]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/campanhas/dia-nacional-de-combate-ao-cancer/2015/estimativa-2016-incidencia-de-cancer-no-brasil
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. Nesse contexto, as particularidades do adoecimento podem causar alterações patológicas irreversíveis que podem comprometer a capacidade da pessoa de realizar as atividades de vida diária, necessitando de cuidados permanentes, tanto no âmbito hospitalar quanto no domiciliar22 Delalibera M, Barbosa A, Leal I. Circunstâncias e consequências do cuidar: caracterização do cuidador familiar em cuidados paliativos. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(4):1105-17. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.12902016
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. Nessa perspectiva, em situação de adoecimento crônico incapacitante, as demandas de cuidado podem aumentar, requerendo, geralmente, que um dos membros da família assuma essa responsabilidade de cuidador33 Fernandes CS, Angelo M. Family caregivers: what do they need? An integrative review. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(4):672-8. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000500019
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. A assunção desse papel ocorre de forma gradual ou repentina, para o qual o cuidador pode não estar preparado, o que exige o desenvolvimento de habilidades para cuidar44 Eterovic Díaz C, Mendoza Parra S, Sáez Carrilo K. Habilidad de cuidado y nivel de sobrecarga em cuidadoras/es informales de personas dependientes. Enferm Glob. 2015;14(2):235-48. doi: https://doi.org/10.6018/eglobal.14.2.198121
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.

A partir disso, entende-se a habilidade de cuidado como um potencial que a pessoa tem para assumir o papel de cuidador de um familiar ou alguém significativo que se encontra em situação de doença incapacitante55 Nkongho N. The caring ability inventory. In: Watson J. Assessing and measuring caring in nursing. New York: Spriger; 2009.. Sob tais considerações, nessa habilidade, incluem-se dimensões cognitivas, instrumentais e atitudinais que podem ser identificadas e medidas segundo os indicadores de conhecimento, coragem e paciência55 Nkongho N. The caring ability inventory. In: Watson J. Assessing and measuring caring in nursing. New York: Spriger; 2009.. O desempenho das funções de cuidador sem o equilíbrio entre a habilidade de cuidado e suas dimensões pode acarretar desgaste físico, emocional e social e, consequentemente, suscitar a percepção de sobrecarga e estresse66 Cantillo-Medina CP, Ramírez-Perdomo CA, Perdomo-Romero AY. Habilidad de cuidado en cuidadores familiares de personas con enfermedad crónica y sobrecarga percibida. Cienc Enferm. 2018;24:16. doi: http://dx.doi.org/10.4067/s0717-95532018000100216
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. Além disso, destaca-se a necessidade de utilizar determinadas estratégias de enfrentamento que favoreçam lidar com o processo do adoecimento e do cuidado77 Pompeo DA, Carvalho A, Olive AM, Souza MGG, Galera SAF. Strategies for coping with family members of patients with mental disorders. Rev Latino Am Enfermagem. 2016;24:e2799. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1311.2799
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.

No que tange ao viver no contexto urbano e rural, os cuidadores enfrentam desafios na sua responsabilidade de cuidar, os quais podem estar relacionados às particularidades e experiências vividas pelos cuidadores de formas diferentes em cada ambiente88 Ehrlich K, Emami A, Heikkilä K. The relationship between geographical and social space and approaches to care among rural and urban caregivers caring for a family member with dementia: a qualitative study. Int J Qual Stud Health Well Being. 2017;12(1):1275107. doi: http://dx.doi.org/10.1080/17482631.2016.1275107
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. Em vista disso, para conhecer as possíveis diferenças e o desempenho dos cuidadores na função de cuidar, comparando o contexto urbano e rural, buscou-se, por meio de uma revisão narrativa nas bases de dados National Library of Medicine - PubMed e na Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), e na Scientific Electronic Library Online (SciELO), identificar as publicações nessa temática. Como resultados, constatou-se que as pesquisas comparativas entre esses cenários ainda são incipientes e estão concentradas no contexto internacional88 Ehrlich K, Emami A, Heikkilä K. The relationship between geographical and social space and approaches to care among rural and urban caregivers caring for a family member with dementia: a qualitative study. Int J Qual Stud Health Well Being. 2017;12(1):1275107. doi: http://dx.doi.org/10.1080/17482631.2016.1275107
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9 Brazil K, Kaasalainen S, Williams A, Dumont S. A comparison of support needs between rural and urban family caregivers providing palliative care. Am J Hosp Palliat Care. 2014;31(1):13-9. doi: https://doi.org/10.1177/1049909112474712
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10 Tommis Y, Seddon D, Woods B, Robinson CA, Reeves C, Russell IT. Rural-urban differences in the effects on mental well-being of caring for people with stroke or dementia. Aging Ment Health. 2007;11(6):743-50. doi: http://dx.doi.org/10.1080/13607860701365972
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-1111 Brazil K, Kaasalainen S, Williams A, Rodriguez C. Comparing the experiences of rural and urban family caregivers of the terminally ill. Rural Remote Health. 2014;13(1):2250.. Dessa forma, indica-se uma lacuna na produção dos estudos brasileiros e a necessidade de desenvolver investigações direcionadas ao aprofundamento dos conhecimentos nessa temática, relacionada a fatores que possam interferir no ser cuidador nesses cenários.

Diante do exposto, questiona-se: como se correlaciona a habilidade de cuidado e a sobrecarga, o estresse e o coping de cuidadores familiares urbanos e rurais de pacientes em tratamento oncológico? Assim, o estudo objetiva correlacionar a habilidade de cuidado com a sobrecarga, o estresse e o coping de cuidadores familiares urbanos e rurais de pacientes em tratamento oncológico.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo transversal.

CENÁRIO

Foi realizado nos setores de quimioterapia e radioterapia de uma instituição de referência para tratamento oncológico no Rio Grande do Sul.

A população do estudo foi composta por cuidadores familiares urbanos e rurais de pacientes em tratamento oncológico.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

A seleção dos cuidadores ocorreu a partir da identificação dos pacientes, com mais de 18 anos, em tratamento oncológico nos setores de quimioterapia e radioterapia, que apresentassem algum grau de dependência para realizar atividades de vida diária no domicílio, avaliado pelo Índice de Barthel1212 Minosso, JSM, Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Validação, no Brasil, do Índice de Barthel em idosos atendidos em ambulatórios. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):218-23. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002010000200011
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. Selecionaram-se os cuidadores responsáveis pelo cuidado prestado no domicílio ao paciente dependente, podendo ser um membro da família, amigo, vizinho ou outra pessoa considerada significativa com 18 anos ou mais, independentemente do tempo no cuidado. Nas situações em que havia mais de um cuidador, solicitava-se ao paciente para indicar aquele que prestava cuidado por mais tempo e era considerado o principal.

DEFINIÇÃO DA AMOSTRA

A seleção da amostra foi não probabilística, por conveniência. Desse modo, 264 pacientes dependentes estiveram em atendimento no serviço durante o período de coleta de dados. Ao entrar em contato com os cuidadores, trinta não eram os cuidadores principais, cinco demonstraram dificuldades na compreensão e interpretação nas questões dos instrumentos de coleta de dados, dois eram menores de 18 anos e cinco não aceitaram integrar a pesquisa. Assim, a amostra foi composta por 222 cuidadores familiares, representando 84,09% da população de pacientes dependentes em tratamento oncológico durante a realização desta pesquisa. A amostra final foi dividida em dois grupos, de acordo com o local de residência do cuidador: área urbana (n=163) e área rural (n=59).

COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada no período de abril de 2017 a maio de 2018, por meio da aplicação de um questionário de caracterização sociodemográfica do cuidador e do cuidado prestado, do Inventário de Habilidade de Cuidado (IHC), da escala de Sobrecarga de Zarit (Burden Interview Scale), da escala de Estresse Percebido (PSS) e do COPE breve.

QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO SOCIODEMOGRÁFICA

Contém as variáveis sexo, idade, escolaridade em anos de estudo, situação conjugal, renda familiar, tempo e período de cuidado, auxílio de terceiros e com quem reside.

INVENTÁRIO DE HABILIDADE DE CUIDADO (IHC)

O IHC é procedente do Caring Ability Inventory (CAI), criado em 199055 Nkongho N. The caring ability inventory. In: Watson J. Assessing and measuring caring in nursing. New York: Spriger; 2009., com o objetivo de avaliar as habilidades de um sujeito, a partir da percepção dele próprio, para prestar o cuidado adequado, atentando para aspectos instrumentais e cognitivos. Foi validado e traduzido para o português do Brasil em 20161313 Rosanelli CL, Silva LM, Gutiérrez MGR. Cross-cultural adaptation of the Caring Ability Inventory to Portuguese. Acta Paul Enferm. 2016;29(3):347-54. doi: 10.1590/1982-0194201600048
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. A confiabilidade e a validade foram avaliadas pelo Alfa de Cronbach, obtendo um valor de 0,78 e o Coeficiente de Correlação com escore 0,761313 Rosanelli CL, Silva LM, Gutiérrez MGR. Cross-cultural adaptation of the Caring Ability Inventory to Portuguese. Acta Paul Enferm. 2016;29(3):347-54. doi: 10.1590/1982-0194201600048
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. No presente estudo, a consistência interna obtida foi de 0,68 no IHC total. É constituído por 37 itens, os quais se dividem em três dimensões: conhecimento, coragem e paciência, com 14, 13 e 10 itens, respectivamente. As respostas são organizadas em uma escala likert, que varia de 1 a 5, na qual 1 é "discordo fortemente" e 5 "concordo fortemente". As respostas aos itens são adicionadas, gerando uma pontuação total e uma para cada subescala55 Nkongho N. The caring ability inventory. In: Watson J. Assessing and measuring caring in nursing. New York: Spriger; 2009..

ESCALA DE SOBRECARGA DE ZARIT (BURDEN INTERVIEW SCALE)

Escala foi traduzida e validada para o Brasil em 2002 e obteve um Alfa de Cronbach de 0,871414 Scazufca M. Brazilian version of the Burden Interview Scale for the assessment of care in carers of people with mental illnesses. Rev Bras Psiquiatr. 2002;24(1):1217. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
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. É composta de 22 itens, com cada um pontuado de zero a quatro. Ao somar a pontuação, obtém-se um escore global, que pode variar de zero a 88. Quanto maior a pontuação, maior a percepção de sobrecarga, sendo classificada em: <20 ausência de sobrecarga; 21-40 sobrecarga leve a moderada; 41-60 sobrecarga moderada a severa; >60 sobrecarga intensa1515 Luzardo AR, Gorini MIPC, Silva APSS. Características de idosos com doença de Alzheimer e seus cuidadores: uma série de casos em um serviço de Neurogeriatria. Texto Contexto Enferm. 2006;15(4):587-94. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072006000400006
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. Ademais, a escala apresenta um constructo multidimensional que permite avaliar a sobrecarga objetiva e subjetiva, constituída por quatro fatores: impacto da prestação de cuidados (IPC) e relação interpessoal (RI), que se direcionam para a sobrecarga objetiva, expectativas face ao cuidar (EFC) e percepção de autoeficácia (PA), fatores que remetem à sobrecarga subjetiva1616 Sequeira CAC. Adaptação e validação da Escala de Sobrecarga do Cuidador do Zarit. Rev Referência. 2010;2(12):9-16.. Destaca-se que a escala já foi traduzida em vários idiomas, sendo utilizada em muitos países com cuidadores de pessoas dependentes em diferentes faixas etárias e situações de adoecimento1313 Rosanelli CL, Silva LM, Gutiérrez MGR. Cross-cultural adaptation of the Caring Ability Inventory to Portuguese. Acta Paul Enferm. 2016;29(3):347-54. doi: 10.1590/1982-0194201600048
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14 Scazufca M. Brazilian version of the Burden Interview Scale for the assessment of care in carers of people with mental illnesses. Rev Bras Psiquiatr. 2002;24(1):1217. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462002000100006
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15 Luzardo AR, Gorini MIPC, Silva APSS. Características de idosos com doença de Alzheimer e seus cuidadores: uma série de casos em um serviço de Neurogeriatria. Texto Contexto Enferm. 2006;15(4):587-94. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072006000400006
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-1616 Sequeira CAC. Adaptação e validação da Escala de Sobrecarga do Cuidador do Zarit. Rev Referência. 2010;2(12):9-16..

ESCALA DE ESTRESSE PERCEBIDO (PSS)

Essa escala foi originalmente desenvolvida em 19831717 Cohen S, Kamarck T, Mermelstein R. A global measure of perceived stress. J Health Soc Behav. 1983;24(4):385-96. e validada para a língua portuguesa em 2007. A consistência interna foi verificada, obtendo-se um Alfa de Cronbach de 0,621818 Luft CDB, Sanches SO, Mazo GZ, Andrade A. Versão brasileira da Escala de Estresse Percebido: tradução e validação para idosos. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):606-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000400015
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. Trata-se de uma escala composta por 14 itens, sete com sentido positivo e sete negativo, sendo que cada item da escala é pontuado de zero a cinco. As questões com conotação positiva têm sua pontuação somada invertida, e as demais questões são negativas e devem ser somadas diretamente. Desse modo, quanto maior a pontuação, maior a percepção de estresse1818 Luft CDB, Sanches SO, Mazo GZ, Andrade A. Versão brasileira da Escala de Estresse Percebido: tradução e validação para idosos. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):606-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000400015
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.

COPE BREVE

Instrumento traduzido e validado para a população brasileira em 2012, apresentando um Alfa de Cronbach de 0,841919 Brasileiro SV. Adaptação Transcultural e Propriedades Psicométricas do COPE Breve em uma Amostra Brasileira [dissertação]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás; 2012.. Contém 28 itens avaliados por escala likert, que varia de um a quatro, na qual 1= Não tenho feito e 4= Tenho feito bastante, permitindo aos entrevistados relatarem o que costumam fazer frente ao estressor. Os escores são somados, sendo que quanto maior for a nota obtida maior é o uso de determinada estratégia de enfrentamento. O resultado final da escala aponta para um perfil baseado nas subescalas mais ou menos utilizadas. O tipo de enfrentamento utilizado pode ser classificado em focado no problema ou focado na emoção, podendo, este, ser subdividido em adaptativo ou desadaptativo1919 Brasileiro SV. Adaptação Transcultural e Propriedades Psicométricas do COPE Breve em uma Amostra Brasileira [dissertação]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás; 2012..

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Para a análise estatística, os dados foram organizados e digitados concomitantemente ao período de coleta de dados, em uma planilha eletrônica, no programa Excel for Windows, por dupla digitação independente. Após a verificação das inconsistências, tais informações foram analisadas eletronicamente com auxílio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 23.0. Os dados obtidos foram agrupados conforme o local de residência dos cuidadores. As variáveis sociodemográficas foram todas medidas de maneira categórica e apresentadas pela distribuição de frequências absolutas e relativas. A normalidade dos grupos foi testada a partir do teste de Lilliefors. A consistência interna dos instrumentos utilizados foi avaliada pelo Alfa de Cronbach. A relação da habilidade de cuidado com a sobrecarga, estresse e coping foi avaliada pelo Coeficiente de Correlação de Pearson, ao nível de significância ≤5%, diante da aderência à normalidade dos dados. Para análise das forças de correlação linear entre as medidas, empregou-se a classificação que determina que os valores de correlação menores do que 0,30 indicam fraca correlação e, mesmo quando estatisticamente significantes, não apresentam relevância clínica; os valores entre 0,30 e 0,50 indicam moderada correlação e acima de 0,50 trata-se de forte correlação2020 Ajzen I, Fishbein M. Understanding attitudes and predicting social behavior. New Jersey: Prentice-Hall; 1980..

ASPECTOS ÉTICOS

O desenvolvimento da pesquisa respeitou os preceitos éticos que regem estudos envolvendo seres humanos, da Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Parecer n. 1.977.316, de 2017. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

No que tange à consistência interna, os instrumentos utilizados apresentaram os seguintes valores: Habilidade de cuidado - CAI-BR total (0,68); Conhecimento (0,63); Coragem (0,67) e Paciência (0,65); Sobrecarga (0,83); Estresse percebido (0,87); e COPE Breve (0,72).

Quanto à caracterização dos participantes, verificou-se semelhança na comparação das frequências nas variáveis analisadas, na qual a maior parte dos cuidadores era do sexo feminino (urbano: n=133; 81,60%; rural: n=43; 72,88%), na faixa etária de 48 a 76 anos (urbano: n=96; 58,90%; rural: n=38; 64,41%), com companheiro (urbano: n=124; 76,07%; rural: n=48; 81,36%), com renda familiar de até três salários mínimos (urbano: n=105; 64,42%; rural: n=48; 81,36%), residindo com a pessoa cuidada e outros familiares (urbano: n=81; 49,69%; rural: n=24; 40,68%), cuidando em período integral (urbano: n= 98; 60,12%; rural: n=41; 69,49%) e com auxílio de terceiros (urbano: n=114; 69,94%; rural: n=42; 71,19%). As disparidades nas frequências foram constatadas nas variáveis escolaridade (urbano: 7 a 13 anos de estudo, n=84; 51,53%; rural: 0 a 6 anos de estudo, n=33; 55,93%) e tempo de cuidado (urbano: 1 a 4 meses, n=62; 38,04%; rural: > 8 meses, n=32; 54,24%), nas quais os cuidadores urbanos evidenciaram ter mais anos de estudo e os cuidadores rurais apresentaram cuidar em maior tempo.

Dentre os resultados identificados e apresentados na Tabela 1, nota-se, de maneira geral, que a intensidade das correlações obtidas foi fraca entre as medidas da habilidade de cuidado e suas dimensões com os fatores da sobrecarga, estresse e as estratégias de coping utilizadas. Ao se relacionar as medidas da habilidade de cuidado com o estresse, observou-se uma correlação negativa e de intensidade fraca na habilidade de cuidado total (CAI-BR total) (r=-0,165; p=0,035) e nas dimensões conhecimento (r=-0,211; p=0,007) e coragem (r=-0,165; p=0,035) nos cuidadores do contexto urbano. Esses resultados denotam que, com o aumento da habilidade de cuidado total e das dimensões conhecimento e coragem, ocorreu diminuição do estresse percebido entre os cuidadores do contexto urbano, ou vice-versa.

Tabela 1
Correlação entre as medidas da habilidade de cuidado total (CAI-BR Total) e suas dimensões com a sobrecarga, estresse e coping dos cuidadores urbanos - Santa Maria, RS, Brasil, 2019.

No que se refere à sobrecarga e seus fatores, observa-se correlação negativa no CAI-BR total (r=-0,194; p=0,030) e na dimensão coragem (r=-0,206; p=0,021) com o fator PA. No fator RI, nota-se correlação estatisticamente significativa e negativa na dimensão conhecimento (r=-0,203; p=0,034). Esses resultados demonstraram correlações de intensidade fraca, as quais podem indicar que, quanto maior a habilidade de cuidado total e a coragem, menor é a sobrecarga no fator PA e, quanto maior a dimensão conhecimento, menor é a sobrecarga no fator RI nos cuidadores.

Na análise das medidas de correlação da habilidade de cuidado e suas dimensões, com as estratégias de coping, identificou-se relação de moderada intensidade, positiva e estatisticamente significativa, entre a dimensão conhecimento e as estratégias de coping focadas no problema (r=0,341; p<0,001). Desse modo, esses resultados apontam que, quanto maior o conhecimento, maior pode ser o uso de estratégias focadas no problema.

No tocante ao estresse percebido entre os cuidadores rurais, os resultados apontaram relação estatisticamente significativa, negativa e de intensidade moderada entre o CAI-BR total (r=-0,305; p=0,019) e a dimensão conhecimento (r=-0,359; p=0,005), demonstrando que, quanto maior a habilidade de cuidado total e o conhecimento, menor a percepção de estresse entre os cuidadores e vice-versa (Tabela 2).

Tabela 2
Correlação entre as medidas da habilidade de cuidado total (CAI-BR Total) e suas dimensões com a sobrecarga, estresse e coping dos cuidadores rurais - Santa Maria, RS, Brasil, 2019.

Ao se relacionar as medidas da habilidade de cuidado e suas dimensões com os fatores da sobrecarga, houve correlação negativa de intensidade fraca na dimensão conhecimento, e estatisticamente significativa com o fator RI (r=-0,290; p=0,026), indicando que, quanto maior o conhecimento, menor pode ser o impacto no fator RI nos cuidadores rurais.

Ao analisar as medidas de correlação da habilidade de cuidado e suas dimensões com as estratégias de coping, constata-se que os resultados apresentaram relação estatisticamente significativa, negativa e de intensidade moderada, na estratégia de enfrentamento desadaptativo focado na emoção, com o CAI-BR total (r=-0,355; p=0,008) e a dimensão conhecimento (r=-0,334; p=0,013). Esses resultados indicam que, quanto maior a habilidade de cuidado total e o conhecimento, menor o uso de estratégias de coping desadaptativas, focadas na emoção, entre os cuidadores rurais.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo evidenciam semelhança na caracterização dos cuidadores, na maioria das variáveis analisadas, ao comparar o contexto urbano e rural. Desse modo, tem-se a reafirmação de que a mulher tem sido a principal provedora do cuidado, em consonância com a literatura2121 Coppetti LC, Girardon-Perlini NMO, Andolhe R, Gutiérrez MGR, Dapper SN, Siqueira FD. Caring ability of family caregivers of patients on cancer treatment: associated factors. Rev Latino Am Enfermagem. 2018;26:e3048. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2824.3048
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-2222 Bierhals CCBK, Santos NO, Fengler FL, Raubustt KD, Forbes DA, Paskulin LMG. Needs of family caregivers in home care for older adults. Rev Latino Am Enfermagem. 2017;25:e2870. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1511.2870
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, refletindo o importante papel social que as mulheres desempenham na sociedade, tanto no trabalho, quanto no cuidado da casa e dos membros da família2222 Bierhals CCBK, Santos NO, Fengler FL, Raubustt KD, Forbes DA, Paskulin LMG. Needs of family caregivers in home care for older adults. Rev Latino Am Enfermagem. 2017;25:e2870. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1511.2870
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.

Em relação à renda familiar, a maioria dos cuidadores urbanos e rurais referiu receber até três salários mínimos. Essa renda pode ter sido influenciada pelo afastamento do mercado de trabalho, em prol da função de cuidador em período integral, como identificado em outros estudos2222 Bierhals CCBK, Santos NO, Fengler FL, Raubustt KD, Forbes DA, Paskulin LMG. Needs of family caregivers in home care for older adults. Rev Latino Am Enfermagem. 2017;25:e2870. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1511.2870
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. Além disso, pode refletir a realidade da população brasileira2121 Coppetti LC, Girardon-Perlini NMO, Andolhe R, Gutiérrez MGR, Dapper SN, Siqueira FD. Caring ability of family caregivers of patients on cancer treatment: associated factors. Rev Latino Am Enfermagem. 2018;26:e3048. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2824.3048
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Receber auxílio de terceiros para desempenhar tarefas de vida diária e para cuidar do familiar doente, característica mencionada por cuidadores urbanos e rurais, pode favorecer e fortalecer a habilidade de cuidado dos cuidadores, pelo fato de ter pessoas com quem contar em momentos que necessitam de apoio. Nesse sentido, estudo que comparou cuidadores familiares urbanos e rurais identificou que os cuidadores urbanos contam com ajuda de amigos e conhecidos, enquanto que a fonte auxílio dos cuidadores rurais, geralmente, fica centrada na família2323 Mitchell LA, Hirdes J, Poss JW, Slegers-Boyd C, Caldarelli H, Martin L. Informal caregivers of clients with neurological conditions: profiles, patterns and risk factors for distress from a home care prevalence study. BMC Health Serv Res. 2015;15:350. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12913-015-1010-1
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.

No que se refere às diferenças entre as características dos cuidadores urbanos e rurais, evidencia-se que os cuidadores urbanos apresentaram mais anos de estudo, enquanto os cuidadores rurais cuidam por um período de tempo maior de seu familiar em tratamento oncológico. O maior grau de escolaridade entre os cuidadores urbanos é um fator favorável para que esses indivíduos tenham uma visão positiva do cuidado, exibindo melhor saúde mental1010 Tommis Y, Seddon D, Woods B, Robinson CA, Reeves C, Russell IT. Rural-urban differences in the effects on mental well-being of caring for people with stroke or dementia. Aging Ment Health. 2007;11(6):743-50. doi: http://dx.doi.org/10.1080/13607860701365972
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. Por outro lado, o baixo grau de escolaridade pode resultar em sobrecarga do cuidador, pois essa realidade, além de limitar a inserção no mercado de trabalho e as perspectivas de significar o cuidado prestado, circunscreve uma condição em que os cuidadores tendem a se dedicar as atividades domésticas2424 Gratão ACM, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Rosset I, Freitas CP, Rodrigues RAP. Functional dependency of older individuals and caregiver burden. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):137-44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342013000100017
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) e ao cuidado em tempo integral. Além disso, estar na função de cuidador por um longo período predispõe a envolver-se no cuidado com maior propriedade1111 Brazil K, Kaasalainen S, Williams A, Rodriguez C. Comparing the experiences of rural and urban family caregivers of the terminally ill. Rural Remote Health. 2014;13(1):2250.,2424 Gratão ACM, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Rosset I, Freitas CP, Rodrigues RAP. Functional dependency of older individuals and caregiver burden. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):137-44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342013000100017
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, o que favorece o desenvolvimento de habilidade de cuidado, embora, também, possa vir a ser um fator gerador de sobrecarga ao não vislumbrar possibilidade de mudanças nesse cenário.

Na comparação da relação entre a habilidade de cuidado e suas dimensões com o estresse dos cuidadores, constatou-se que nos cuidadores do contexto rural a correlação foi mais forte na habilidade de cuidado total e na dimensão conhecimento do que nos cuidadores urbanos. Em vista disso, o estresse, no contexto rural, pode ser desenvolvido em decorrência da necessidade de lidar com fatores externos, como a dependência do familiar e as demandas de cuidados nas atividades do cotidiano, que incluem, também, os afazeres específicos de quem vive no meio rural, ou na presença de fatores internos, como sentimentos de ansiedade e insegurança88 Ehrlich K, Emami A, Heikkilä K. The relationship between geographical and social space and approaches to care among rural and urban caregivers caring for a family member with dementia: a qualitative study. Int J Qual Stud Health Well Being. 2017;12(1):1275107. doi: http://dx.doi.org/10.1080/17482631.2016.1275107
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,1010 Tommis Y, Seddon D, Woods B, Robinson CA, Reeves C, Russell IT. Rural-urban differences in the effects on mental well-being of caring for people with stroke or dementia. Aging Ment Health. 2007;11(6):743-50. doi: http://dx.doi.org/10.1080/13607860701365972
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. O estresse percebido pode impactar de forma negativa na capacidade do cuidador de entender as necessidades da pessoa dependente, afetando seu conhecimento acerca do outro e de si mesmo, o que pode influenciar na habilidade de cuidado total55 Nkongho N. The caring ability inventory. In: Watson J. Assessing and measuring caring in nursing. New York: Spriger; 2009.. Estudos comparativos sobre estresse no contexto urbano e rural com cuidadores de pessoas com doenças crônicas mostraram que os cuidadores rurais se envolvem mais nos cuidados, aceitando as mudanças no seu cotidiano, porém, os cuidadores urbanos apresentaram uma visão mais positiva da responsabilidade de cuidar, exibindo melhor saúde mental na tarefa de cuidador88 Ehrlich K, Emami A, Heikkilä K. The relationship between geographical and social space and approaches to care among rural and urban caregivers caring for a family member with dementia: a qualitative study. Int J Qual Stud Health Well Being. 2017;12(1):1275107. doi: http://dx.doi.org/10.1080/17482631.2016.1275107
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9 Brazil K, Kaasalainen S, Williams A, Dumont S. A comparison of support needs between rural and urban family caregivers providing palliative care. Am J Hosp Palliat Care. 2014;31(1):13-9. doi: https://doi.org/10.1177/1049909112474712
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-1010 Tommis Y, Seddon D, Woods B, Robinson CA, Reeves C, Russell IT. Rural-urban differences in the effects on mental well-being of caring for people with stroke or dementia. Aging Ment Health. 2007;11(6):743-50. doi: http://dx.doi.org/10.1080/13607860701365972
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Ao comparar os resultados das correlações da sobrecarga com a habilidade de cuidado, identificou-se semelhança na relação entre a dimensão conhecimento com o fator relação interpessoal do cuidador com a pessoa cuidada, tanto nos cuidadores urbanos quanto rurais, notando-se que, quanto maior o conhecimento, menor pode ser o impacto interpessoal resultante da relação da prestação de cuidados. Além disso, verificou-se correlação estatisticamente significativa entre a habilidade de cuidado total e a coragem com o fator percepção de autoeficácia nos cuidadores urbanos, denotando que, quanto maior a habilidade de cuidado total e a coragem, menor é o impacto na percepção desse fator, que se relaciona com a opinião do cuidador face ao seu desempenho de cuidar.

Perante o exposto, o conhecimento da necessidade do outro e da própria capacidade de cuidar contribui para melhorar a relação interpessoal do cuidador com o indivíduo cuidado55 Nkongho N. The caring ability inventory. In: Watson J. Assessing and measuring caring in nursing. New York: Spriger; 2009.,2121 Coppetti LC, Girardon-Perlini NMO, Andolhe R, Gutiérrez MGR, Dapper SN, Siqueira FD. Caring ability of family caregivers of patients on cancer treatment: associated factors. Rev Latino Am Enfermagem. 2018;26:e3048. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2824.3048
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, influenciando de maneira positiva na habilidade de cuidado, independentemente do contexto. Nos cuidadores urbanos, a influência na percepção de autoeficácia, ou seja, a opinião do cuidador diante do seu desempenho de cuidar pode interferir na habilidade de cuidado total e na coragem, provocando sentimentos de insatisfação da sua atuação na prática de cuidar. Nessa perspectiva, estudo que comparou as experiências de cuidadores familiares do contexto urbano com o rural evidenciou que os cuidadores urbanos demonstraram mais sentimentos de insatisfação na responsabilidade de cuidar, vista como uma obrigação a ser cumprida, limitando seu espaço pessoal e independência88 Ehrlich K, Emami A, Heikkilä K. The relationship between geographical and social space and approaches to care among rural and urban caregivers caring for a family member with dementia: a qualitative study. Int J Qual Stud Health Well Being. 2017;12(1):1275107. doi: http://dx.doi.org/10.1080/17482631.2016.1275107
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No que concerne aos resultados das estratégias de coping identificadas neste estudo, constataram-se diferenças na correlação dos cuidadores no contexto urbano com o rural. Diante disso, verificou-se que os cuidadores urbanos apontaram que, quanto maior o conhecimento, maior pode ser o uso de estratégias focadas no problema. Nesse sentido, o cuidador faz uma reavaliação positiva da situação vivenciada no momento, na qual estratégias cognitivas são utilizadas para manejar o sentindo desse momento estressante1919 Brasileiro SV. Adaptação Transcultural e Propriedades Psicométricas do COPE Breve em uma Amostra Brasileira [dissertação]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás; 2012.. Assim, o indivíduo inicia uma ação pensando no modo de enfrentar o estressor, quando busca suporte instrumental na forma de informação ou conselhos de outras pessoas e, também, apoio emocional1717 Cohen S, Kamarck T, Mermelstein R. A global measure of perceived stress. J Health Soc Behav. 1983;24(4):385-96.

18 Luft CDB, Sanches SO, Mazo GZ, Andrade A. Versão brasileira da Escala de Estresse Percebido: tradução e validação para idosos. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):606-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000400015
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-1919 Brasileiro SV. Adaptação Transcultural e Propriedades Psicométricas do COPE Breve em uma Amostra Brasileira [dissertação]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás; 2012..

Entre os cuidadores do contexto rural, evidencia-se que, quanto menor o impacto do coping desadaptativo, ou seja, do uso de estratégias de negação na tentativa de rejeitar a realidade estressante, culpando-se, criticando-se ou deixando de se esforçar para enfrentar o estressor, maior a habilidade de cuidado total e o conhecimento. No entanto, observa-se que o tipo de estratégia utilizada pelo cuidador pode influenciar na sua habilidade de cuidado total e no seu conhecimento, tanto no cenário urbano quanto rural, o que pressupõe considerar que o cuidador, independentemente do contexto, se esforça para administrar o estresse1717 Cohen S, Kamarck T, Mermelstein R. A global measure of perceived stress. J Health Soc Behav. 1983;24(4):385-96.

18 Luft CDB, Sanches SO, Mazo GZ, Andrade A. Versão brasileira da Escala de Estresse Percebido: tradução e validação para idosos. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):606-15. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000400015
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-1919 Brasileiro SV. Adaptação Transcultural e Propriedades Psicométricas do COPE Breve em uma Amostra Brasileira [dissertação]. Goiânia: Universidade Federal de Goiás; 2012. e compreender as suas necessidades e as da pessoa cuidada, levando ao desenvolvimento de maior habilidade de cuidado e conhecimento.

As evidências do presente estudo contribuem para o conhecimento relacionado à habilidade de cuidado, sobrecarga, estresse e as estratégias de coping de cuidadores familiares no contexto urbano e rural. Além disso, podem sensibilizar e estimular para que os profissionais de saúde, em especial da enfermagem, planejem e implementem ações que orientem, instrumentalizem, encorajem, valorizem e promovam apoio e autocuidado dos cuidadores, considerando as particularidades do contexto em que vivem. Ações nesse sentido têm potencial para minimizar a sobrecarga e o estresse, favorecendo o uso de estratégias focadas no problema, de forma que a situação vivenciada com o adoecimento por câncer não interfira na habilidade de cuidado.

As limitações deste estudo estão relacionadas ao delineamento transversal e ao viés da temporalidade, o que inviabiliza a relação de causalidade dos eventos investigados, bem como a delimitação de cuidadores familiares vinculados a um serviço público de atendimento especializado em oncologia, restringindo a generalização dos resultados. Ressalta-se, ainda, a exiguidade de estudos brasileiros que comparam a habilidade de cuidado de cuidadores urbanos e rurais, o que dificulta a discussão dos resultados.

CONCLUSÃO

No presente estudo, constatou-se que os cuidadores familiares urbanos e rurais foram, predominantemente, do sexo feminino, com faixa etária de 48 a 76 anos, com companheiro, com renda de até três salários mínimos, que residiam com a pessoa cuidada e outros familiares, cuidavam em período integral e com auxílio de terceiros. As diferenças entre os cuidadores urbanos e rurais concentraram-se na escolaridade e no tempo de cuidado. Os cuidadores urbanos apresentaram mais anos de estudo, enquanto os cuidadores rurais mais tempo na função de cuidador.

Evidenciou-se que a intensidade da relação, entre as medidas da habilidade de cuidado com o estresse, foi maior nos cuidadores do contexto rural, apresentando uma correlação moderada, negativa e estatisticamente significativa na habilidade de cuidado total e no conhecimento. Verificou-se que, nos cuidadores urbanos, a relação da habilidade de cuidado com a sobrecarga exibiu uma correlação estatisticamente significativa, fraca e negativa no fator percepção de autoeficácia com a habilidade de cuidado total e a coragem, e no fator relação interpessoal com o conhecimento. Na relação da habilidade de cuidado com as estratégias de coping, verificou-se uma correlação estatisticamente significativa, moderada e negativa no coping desadaptativo com a habilidade de cuidado total e o conhecimento, entre os cuidadores rurais. Nos cuidadores urbanos, a correlação foi estatisticamente significativa, moderada e positiva no coping focado no problema com o conhecimento.

As descobertas deste estudo contribuem para que os profissionais que atuam nos serviços de saúde mobilizem estratégias de informação, orientação e apoio para fortalecer e instrumentalizar os cuidadores para o cuidado, a fim de minimizar a sobrecarga e o estresse. Ademais, instiga a realização de novas pesquisas que comparem a realidade de outros serviços, permitindo que esses cuidadores familiares desenvolvam suas habilidades de cuidado.

  • *
    Extraído da dissertação: “Habilidade de cuidado, sobrecarga, estresse e coping de cuidadores familiares urbanos e rurais de pacientes em tratamento oncológico”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Maria, 2019.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2019
  • Aceito
    27 Maio 2020
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