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Injúria renal aguda em pacientes com vírus da influenza A (H1N1)

EDITORIAL EDITORIAL

Injúria renal aguda em pacientes com vírus da influenza A (H1N1)

Dr. João Egidio Romão Junior

Prof. Livre-Docente de Nefrologia - FMUSP, Chefe do Serviço de Nefrologia do Hosp. Beneficência Portuguesa, São Paulo

No início de 2009, uma epidemia causada por um novo vírus da influenza A da gripe suína (H1N1) foi detectada no México.1 Casos subsequentes foram detectados em todo o mundo e, em junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde considerou a ocorrência uma pandemia em nível máximo de alerta. Neste ano, mais de 17.000 mortes relacionadas a esta infecção foram descritas.1,2 No Brasil, no período de 1º de janeiro de 2012 a 21 de julho de 2012, foram notificadas internações de 11.232 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave, sendo 2.347 pelo vírus pós-pandêmico H1N1 (75% dos casos de influenza), com 860 óbitos.3 Caracteristicamente, os pacientes mais graves infectados com o H1N1 apresentam acometimento pulmonar, falência respiratória e instabilidade hemodinâmica. Em alguns pacientes, falência de múltiplos órgãos pode ocorrer, sendo relacionada à resposta inflamatória sistêmica, hipoxemia e sepsis bacteriana, embora uma ação citopática direta do vírus não seja descartada.4,5

Poucos foram os estudos que analisaram o acometimento extrapulmonar de pacientes acometidos por esta infecção, em especial a injúria renal aguda (IRA).5-9A IRA é frequente em pacientes mais graves com H1N1, com uma incidência ao redor de 50-60%, sendo relacionada à instabilidade hemodinâmica, idade avançada, obesidade, presença de diabetes melito, de rabdomiólise e de doença renal crônica.6-8 Em pacientes transplantados renais brasileiros, a incidência de disfunção renal aguda é relatada em 58%.10Estudos mostraram presença do vírus H1N1 na urina e em células renais de pacientes com a infecção; porém, estes achados não puderam ser relacionados a uma lesão renal diretamente provocada pelo vírus.11,12

Muitos pacientes desenvolvem formas graves de IRA, definidas como categorias RIFLE de Injúria e Falência, havendo necessidade de terapia dialítica em até um quarto dos doentes.6,7 A IRA, junto com a necessidade de ventilação mecânica, hipotensão arterial necessitando de drogas vasoativas e acidose metabólica, constitui fator associado com um risco maior de mortalidade.1,7-9Dentre os sobreviventes, existe relato de casos que não recuperaram totalmente a função renal, meses após alta hospitalar.7

No presente número do Jornal Brasileiro de Nefrologia, Sevignani e colaboradores descrevem os achados histopatológicos renais de pacientes comprovadamente infectados pelo H1N1, que desenvolveram IRA, correlacionando-os com os aspectos clínicos dos casos.13 Embora existam publicações nacionais abordando o tema, este trabalho torna-se relevante por analisar os aspectos histológicos dos rins de pacientes com IRA e infectados pelo H1N1. Os casos estudados apresentaram dados clínicos e/ou laboratoriais de IRA e somente um não apresentou oligúria. À histologia renal, todos os doentes estudados apresentavam graus variáveis de alterações tubulares, não sendo encontrados sinais evidentes de necrose tubular aguda, parecendo existir um componente pré-renal como a causa principal de IRA nestes pacientes, associada a outros fatores como hipoxia sistêmica prolongada, rabdomiólise e resposta inflamatória grave.

Diante da mantida epidemia de influenza A associada ao vírus H1N1, torna-se importante monitorizar a função renal dos doentes mais graves, instituindo medidas terapêuticas de proteção renal. Há a necessidade de melhor conhecimento dos mecanismos envolvidos na fisiopatogenia da disfunção renal aguda que acomete estes doentes. Finalmente, como ocorre com os demais pacientes que sobrevivem à IRA, deve-se atentar para um acompanhamento em longo prazo da função renal destes doentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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