Acessibilidade / Reportar erro

Influência do estado nutricional e dos parâmetros laboratoriais e dietéticos sobre a excreção urinária ácida em pacientes portadores de litíase cálcica.

RESUMO

Introdução:

A obesidade e a Síndrome Metabólica (SM) se associam a pH urinário ácido e representam fatores de risco para litíase renal, especialmente a úrica. Dietas acidogênicas também podem contribuir para a redução do pH urinário. Já foi demonstrado maior risco de precipitação de oxalato de cálcio em proporção aos critérios de SM.

Objetivo:

Avaliar retrospectivamente o impacto de parâmetros antropométricos, composição corporal, critérios de SM e padrão alimentar sobre o pH urinário e outros parâmetros litogênicos em pacientes com sobrepeso e obesos com litíase cálcica.

Métodos:

Foram coletados dados de antropometria, composição corporal, exames séricos e urinários, e registros alimentares (3 dias) de 102 (34M/68F) pacientes com litíase cálcica.

Resultados:

O pH urinário se correlacionou negativamente com a circunferência da cintura e ácido úrico sérico (homens). A produção endógena de ácidos orgânicos (AO) se correlacionou positivamente com os triglicérides séricos e o número de critérios de SM (homens), e com glicemia, ácido úrico, triglicérides e número de critérios para SM (mulheres). Não se observaram correlações significantes entre a excreção renal líquida de ácidos (NAE) e o potencial de carga ácida renal (PRAL) da dieta com nenhum dos parâmetros avaliados. Na análise de regressão multivariada, os AO apresentaram associação negativa significante com o pH urinário.

Conclusão:

A produção endógena de AO, e não um padrão de dieta acidogênica, foi o fator determinante independente para menores níveis de pH urinário em pacientes com litíase cálcica. Pacientes com hipercalciúria e/ou hiperuricosúria apresentaram maiores valores de AO e menores de pH urinário.

Palavras-chave:
obesidade; obesidade abdominal; nefrolitíase; dietoterapia

ABSTRACT

Introduction:

Obesity and Metabolic Syndrome (MS) are associated with low urinary pH and represent risk factors for nephrolithiasis, especially composed by uric acid. Acidogenic diets may also contribute to a reduction of urinary pH. Propensity for calcium oxalate precipitation has been shown to be higher with increasing features of the MS.

Objective:

A retrospective evaluation of anthropometric and body composition parameters, MS criteria and the dietary patterns of overweight and obese calcium stone formers and their impact upon urinary pH and other lithogenic parameters was performed.

Methods:

Data regarding anthropometry, body composition, serum and urinary parameters and 3-days dietary records were obtained from medical records of 102(34M/68F) calcium stone formers.

Results:

A negative correlation was found between urinary pH, waist circumference and serum uric acid levels (males). The endogenous production of organic acids (OA) was positively correlated with triglycerides levels and number of features of MS (males), and with glucose, uric acid and triglycerides serum levels, and number of features of MS (females). No significant correlations were detected between Net Acid Excretion (NAE) or Potential Renal Acid Load of the diet with any of the assessed parameters. A multivariate analysis showed a negative association between OA and urinary pH.

Conclusion:

The endogenous production of OA and not an acidogenic diet were found to be independently predictive factors for lower urinary pH levels in calcium stone formers. Hypercalciuric and/or hyperuricosuric patients presented higher OA levels and lower levels of urinary pH.

Keywords:
Obesity; Obesity, Abdominal; Nephrolithiasis; Food Habits

INTRODUÇÃO

A Síndrome Metabólica (SM) e a obesidade têm sido reportadas como fatores de risco para doenças renais, incluindo a nefrolitíase.11 Chen J, Muntner P, Hamm LL, Jones DW, Batuman V, Fonseca V, et al. The metabolic syndrome and chronic kidney disease in U.S. adults. Ann Intern Med 2004;140:167-74.

2 West B, Luke A, Durazo-Arvizu RA, Cao G, Shoham D, Kramer H, et al. Metabolic syndrome and self-reported history of kidney stones: the National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) 1988-1994. Am J Kidney Dis 2008;51:741-7.
-33 Curhan GC, Willett WC, Rimm EB, Speizer FE, Stampfer MJ. Body size and risk of kidney stones. J Am Soc Nephrol 1998;9:1645-52. Indivíduos com SM tendem a apresentar pH urinário mais ácido, considerado o fator mais importante na precipitação dos cristais de ácido úrico.33 Curhan GC, Willett WC, Rimm EB, Speizer FE, Stampfer MJ. Body size and risk of kidney stones. J Am Soc Nephrol 1998;9:1645-52.

4 Heilberg IP. Treatment of patients with uric acid stones. Urolithiasis 2016;44:57-63.

5 Abate N, Chandalia M, Cabo-Chan AV Jr, Moe OW, Sakhaee K. The metabolic syndrome and uric acid nephrolithiasis: novel features of renal manifestation of insulin resistance. Kidney Int 2004;65:386-92.

6 Sakhaee K, Adams-Huet B, Moe OW, Pak CY. Pathophysiology basis for normouricosuric uric acid nephrolithiasis. Kidney Int 2002;62:971-9.

7 Pak CY, Sakhaee K, Peterson RD, Poindexter JR, Frawley WH. Biochemical profile of idiopathic uric acid nephrolithiasis. Kidney Int 2001;60:757-61.
-88 Maalouf NM, Cameron MA, Moe OW, Adams-Huet B, Sakhaee K. Low urine pH: a novel feature of the metabolic syndrome. Clin J Am Soc Nephrol 2007;2:883-8. Da mesma forma, o peso e o IMC também se associam inversamente com o pH urinário.33 Curhan GC, Willett WC, Rimm EB, Speizer FE, Stampfer MJ. Body size and risk of kidney stones. J Am Soc Nephrol 1998;9:1645-52. Os mecanismos pelos quais a obesidade e a síndrome metabólica levam à redução do pH urinário e, consequentemente, ao aumento do risco de litíase úrica parecem ser mediados pela resistência à insulina, menor excreção de amônio e tamponamento dos íons H+.88 Maalouf NM, Cameron MA, Moe OW, Adams-Huet B, Sakhaee K. Low urine pH: a novel feature of the metabolic syndrome. Clin J Am Soc Nephrol 2007;2:883-8.,99 Cameron MA, Maalouf NM, Adams-Huet B, Moe OW, Sakhaee K. Urine composition in type 2 diabetes: predisposition to uric acid nephrolithiasis. J Am Soc Nephrol 2006;17:1422-8.

Estudos preliminares demonstraram uma correlação inversa entre peso corporal e excreção renal líquida de ácidos (NAE) com o pH urinário em formadores de cálculo de ácido úrico. Entretanto, apesar de 80% dos cálculos renais serem compostos por sais de cálcio, especialmente por oxalato de cálcio (CaOx),1010 Coe FL, Parks JH, Asplin JR. The pathogenesis and treatment of kidney stones. N Engl J Med 1992;327:1141-52.,1111 Levy FL, Adams-Huet B, Pak CY. Ambulatory evaluation of nephrolithiasis: an update of a 1980 protocol. Am J Med 1995;98:50-9. são poucos os estudos que exploram a relação entre SM e indivíduos portadores desses tipos de cálculos. Sakhaee e cols1212 Sakhaee K, Capolongo G, Maalouf NM, Pasch A, Moe OW, Poindexter J, et al. Metabolic syndrome and the risk of calcium stones. Nephrol Dial Transplant 2012;27:3201-9. observaram que a chance de precipitação de oxalato de cálcio em indivíduos saudáveis era maior, mas não independentemente associada ao número de critérios para SM.

Por outro lado, a ingestão de uma dieta acidogênica, rica em proteína de origem animal, também pode contribuir potencialmente para a redução do pH urinário1313 Breslau NA, Brinkley L, Hill KD, Pak CY. Relationship of animal protein-rich diet to kidney stone formation and calcium metabolism. J Clin Endocrinol Metab 1988;66:140-6.,1414 Reddy ST, Wang CY, Sakhaee K, Brinkley L, Pak CY. Effect of low-carbohydrate high-protein diets on acid-base balance, stone-forming propensity, and calcium metabolism. Am J Kidney Dis 2002;40:265-74. devido à geração de prótons durante a oxidação de radicais sulfurados a sulfato presentes na proteína animal.1515 Sabry ZI, Shadarevian SB, Cowan JW, Campbell JA. Relationship of dietary intake of sulphur amino-acids to urinary excretion of inorganic sulphate in man. Nature 1965;206:931-3. O objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto de parâmetros antropométricos e de composição corporal, os critérios de síndrome metabólica e a influência do padrão alimentar sobre o pH urinário e outros parâmetros litogênicos em pacientes com sobrepeso e obesos portadores de litíase cálcica.

PACIENTES E MÉTODOS

Este estudo retrospectivo baseou-se na revisão de 150 prontuários médicos de pacientes atendidos no Ambulatório de Litíase Renal da Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), no período entre 2000 a 2008. O diagnóstico de litíase renal havia sido realizado com base na presença de cólica renal com hematúria e eliminação espontânea e/ou remoção cirúrgica do(s) cálculo(s) e/ou evidência dele(s) em exame de imagem de ultrassom e radiografia simples. Os critérios de exclusão foram: idade < 18 anos, infecção urinária de repetição, acidose tubular renal, nefrocalcinose, hiperparatireoidismo, doenças malignas, doença renal crônica (definida por taxa de filtração glomerular estimada < 60 mL/min/1,73 m2), pacientes sem exame de radiografia simples demonstrando presença de cálculo(s) rádio-opaco(s) ou pacientes que tivessem análise cristalográfica revelando cálculo puro de ácido úrico. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica e Pesquisa da UNIFESP e todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram coletados dados de antropometria, ingestão alimentar através do registro alimentar de 3 dias e de exames bioquímicos séricos e urinários. As medidas antropométricas utilizadas foram o Índice de Massa Corpórea (IMC) e Circunferência da Cintura (CC) de todos os pacientes. Os parâmetros de composição corporal foram obtidos de 62 pacientes que haviam sido submetidos à bioimpedância elétrica (BIA). Essa estimativa pela BIA baseia-se nas diferenças de condutividade elétrica do tecido magro (alta, devido à grande quantidade de água e eletrólitos) comparada a gordura e ossos (baixa), sendo medida por meio de eletrodos distais e proximais após a passagem de uma corrente elétrica imperceptível, gerando vetores de resistência e reactância. O exame é habitualmente realizado com o paciente em jejum mínimo de 4 horas, com a bexiga vazia, sem ter ingerido álcool ou praticado atividade física nas últimas 24 horas, sem nenhum metal ou prótese e fora do período menstrual. Os pacientes foram classificados de acordo com o IMC em eutróficos (< 25 kg/m2), sobrepeso (25-29,9 kg/m2) e obesos (≥ 30 kg/m2). A partir dos resultados dos inquéritos alimentares de 3 dias, registrou-se as médias dos consumos médios de energia, macro e micronutrientes, previamente calculados através do programa computadorizado "Dietpro - versão 6.0" (Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais). O cálculo das ingestões de proteína, fósforo, potássio, magnésio e cálcio foi utilizado para estimar o potencial de carga ácida renal (PRAL) de acordo com o proposto por Remer & Manz1616 Remer T, Manz F. Potential renal acid load of foods and its influence on urine pH. J Am Diet Assoc 1995;95:791-7. pela fórmula PRAL(mEq/d) = 0,49 x Proteína (g/d) + 0,037 x Fósforo (mg/d) - 0,021 x Potássio (mg/d) - 0,026 x Magnésio (mg/d) - 0,013 x Cálcio (mg/d). O cálculo da produção endógena de ácidos orgânicos (AO) foi obtido pela fórmula proposta por Berkemeyer e Remer:1919 Berkemeyer S, Remer T. Anthropometrics provide a better estimate of urinary organic acid anion excretion than a dietary mineral intake-based estimate in children, adolescents and young adults. J Nutr 2006;136:1203-8. AO (mEq/d) = área de superfície corporal (m2)* x 41/1,73. *Área de superfície corporal (m2) = 0,007184 x altura (cm)0,725 x peso (kg)0,425. A excreção renal líquida de ácidos (NAE) correspondente à produção ácida líquida do organismo1717 Adeva MM, Souto G. Diet-induced metabolic acidosis. Clin Nutr 2011;30:416-21.,1818 Murakami K, Sasaki S, Takahashi Y, Uenish K; Japan Dietetic Students' Study for Nutrition and Biomarkers Group. Association between dietary acid-base load and cardiometabolic risk factors in young Japanese women. Br J Nutr 2008;100:642-51. pode ser medida em urina de 24 horas por meio da diferença entre a soma de acidez titulável e de excreção de amônio com o bicarbonato excretado (NAE: AT + NH4 − HCO3). Devido à ausência de disponibilidade de tais parâmetros no presente estudo, o NAE foi estimado pela soma da produção endógena de (AO)1919 Berkemeyer S, Remer T. Anthropometrics provide a better estimate of urinary organic acid anion excretion than a dietary mineral intake-based estimate in children, adolescents and young adults. J Nutr 2006;136:1203-8. e do PRAL obtido a partir dos dados dietéticos,2020 Remer T, Dimitriou T, Manz F. Dietary potential renal acid load and renal net acid excretion in healthy, free-living children and adolescents. Am J Clin Nutr 2003;77:1255-60. utilizando-se a fórmula NAE = PRAL + AO.1616 Remer T, Manz F. Potential renal acid load of foods and its influence on urine pH. J Am Diet Assoc 1995;95:791-7. A avaliação bioquímica incluiu os valores séricos de creatinina, ureia, sódio, cálcio, ácido úrico, colesterol total e frações, triglicerídeos, glicemia e insulina. O índice HOMA-IR, que avalia a resistência insulínica, foi calculado através da fórmula: insulinajejum (µU/ml) x glicemiajejum (mmol/L)/22,5. Os parâmetros urinários de 24 horas utilizados no estudo foram volume, cálcio, sódio, citrato, ácido úrico, oxalato e pH. A creatinina foi determinada de acordo com a reação de Jaffé modificada com calibrador rastreável à referência por ID-MS (espectrometria de massa com diluição isotópica). O cálcio sérico e o urinário foram determinados por método de colorimetria, o ácido úrico sérico e urinário, citrato, oxalato, glicose e triglicérides por método enzimático automatizado, o colesterol total e HDL por método enzimático, o LDL calculado por meio da Equação de Friedewald, a insulina por quimioluminescência, o citrato urinário por espectrofotometria UV/VIS e o sódio sérico e urinário por eletrodo íon-seletivo. Todos esses parâmetros bioquímicos foram dosados em aparelho Beckman Clinical Chemistry Analyser (AU480-America Inc., Pennsylvania, USA). O pH da urina foi medido por meio de pHmetro (Micronal, São Paulo, Brasil). A hipercalciúria foi considerada pela excreção urinária de cálcio ≥ 250 ou 300 mg/24 h (para mulheres e homens, respectivamente), na vigência de normocalcemia, hiperuricosúria por ácido úrico urinário > 750 ou 800 mg/24 h (para mulheres e homens, respectivamente), hipocitratúria por citrato urinário < 320 mg/24 h e hiperoxalúria por valores maiores de oxalato maiores do que 45 mg/24 h.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Análises paramétricas ou não paramétricas foram utilizadas de acordo com a natureza das variáveis avaliadas por teste de normalidade. Foi utilizado o teste Qui-Quadrado ou Exato de Fisher para comparação das variáveis categóricas entre os tercis. O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para comparar as variáveis numéricas entre os tercis. O coeficiente de correlação de Spearman foi utilizado para avaliar a correlação entre parâmetros antropométricos, séricos e urinários, como pH, PRAL, AO e NAE. A análise de regressão linear univariada e multivariada (Stepwise) foi utilizada para avaliar fatores relacionados ao pH urinário. O nível de significância adotado foi p <0.05. As análises foram realizadas por meio do programa SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 9.2 (SAS Institute Inc., 2002-2008, Cary, NC, USA).

RESULTADOS

Do total de prontuários revisados, 102 pacientes com litíase renal cálcica (34M/68F, 46 ± 12 anos) que preencheram os critérios de inclusão foram selecionados para o estudo, dos quais 92 possuíam exame de radiografia simples evidenciando cálculo(s) radio-opaco(s) e 10 apresentavam análise cristalográfica revelando cálculos compostos de oxalato e/ou fosfato de cálcio. Quarenta e dois (41,1%) pacientes eram hipertensos, dos quais 5 (4,9%) eram eutróficos, 15 (14,7%) sobrepesos e 22 (21,5%) obesos. Trinta e três pacientes (32,3%) apresentavam SM, sendo 18 deles (17,6%) com 3 critérios, 10 (9,8%) com 4 critérios e 5 (4,9%) com 5 critérios, enquanto que apenas 9 (8,7%) eram diabéticos, dos quais 2 (1,9%) eram eutróficos, 1 (0,9%) sobrepeso e 6 (5,8%) obesos. O IMC médio dos participantes foi de 29,5 ± 5,3 kg/m2. De acordo com a BIA, a média do percentual de gordura corpórea e massa magra foi de 26 ± 6% e 31 ± 8%, respectivamente, entre os homens, e de 36 ± 7% e 42 ± 7% entre as mulheres. A CC média dos homens foi de 99 ± 6 cm e de 97 ± 4 cm entre as mulheres (dados não apresentados na tabela). A distribuição dos valores antropométricos e da bioquímica sérica e urinária, de acordo com a categorização do IMC, é apresentada na Tabela 1. Entre os homens, 9 (26,4%) eram eutróficos, 11 (32,3%) sobrepeso e 14 (41,1%) obesos. Entre as mulheres, 14 (20,5%) eram eutróficas, 25 (36,7%) sobrepeso e 29 (42,6%) obesas. Do total de pacientes, apenas 3 (1M/2F) eram obesos grau III (IMC ≥ 40kg/m2). A produção de AO foi significantemente maior entre os obesos e sobrepeso quando comparados aos eutróficos (48 ± 5, 44 ± 3 versus 40 ± 2 p = < 0,001 e 43 ± 2, 41 ± 2 versus 37 ± 2 p = < 0,001) para homens e mulheres, respectivamente (dados não apresentados na tabela). Em comparação aos eutróficos, os homens obesos e sobrepesos não apresentaram diferenças significantes quanto ao PRAL (37 ± 4, 16 ± 4 versus 27 ± 5 p = 0,603) e o mesmo ocorreu entre as mulheres (34 ± 5, 17 ± 4 versus 27 ± 4 p = 0,785) (dados não apresentados na tabela). Comparados aos homens eutróficos, o HDL sérico foi significantemente menor entre os homens obesos. Já a creatinina urinária foi significantemente maior nos obesos e com sobrepeso versus eutróficos. As mulheres obesas e com sobrepeso apresentaram glicemia de jejum, HOMA-IR e ácido úrico sérico e urinário significantemente maiores quando comparadas às eutróficas. Não foi observada diferença estatística do pH urinário nem do NAE entre as categorias de IMC em ambos os gêneros. As correlações entre pH, PRAL, AO e NAE com os parâmetros antropométricos, séricos e urinários são mostradas na Tabela 2. A correlação entre a produção de AO e os parâmetros antropométricos não foi calculada, uma vez que o primeiro é calculado a partir da superfície corporal. O pH urinário se correlacionou negativamente com a CC e o ácido úrico sérico entre os homens, mas não entre as mulheres. Os AO se correlacionaram com os níveis séricos de triglicérides e o número de critérios para SM entre os homens, e com os níveis séricos de glicemia, ácido úrico, triglicérides e número de critérios para SM entre as mulheres. Não se observaram correlações significantes entre pH, PRAL, NAE e AO com nenhum dos parâmetros urinários. A Tabela 3 apresenta as médias do pH urinário, parâmetros antropométricos, NAE, PRAL e AO de acordo com a presença ou não de alterações metabólicas urinárias isoladas ou em associação. O pH urinário foi significantemente menor e a produção de AO significantemente maior entre os pacientes com hipercalciúria comparados àqueles sem o distúrbio. Não se observou diferença estatística entre os diversos parâmetros com relação à presença de hipocitratúria. Por outro lado, o pH urinário foi significantemente menor e os AO e IMC significantemente maiores na presença de hiperuricosúria, isolada ou em associação. A dosagem de oxalato urinário só se encontrava disponível em 20% da amostra e, destes, nenhum paciente apresentava hiperoxalúria, razão pela qual não foi feita uma subanálise dos pacientes com e sem o distúrbio. Por fim, os fatores determinantes do pH urinário avaliados por meio da análise de regressão estão demonstrados na Tabela 4. Na análise univariada, os níveis séricos de triglicérides e ácido úrico e os AO apresentaram associação negativa significante com o pH urinário, mas somente os AO apresentaram associação negativa significante com o pH urinário na análise multivariada, permanecendo no modelo como fator determinante independente.

Tabela 1
Parâmetros antropométricos, séricos e urinários de acordo com a categorização pelo Índice de Massa Corpórea
Tabela 2
Correlação (r) entre parâmetros antropométricos, séricos e urinários com pH, PRAL, NAE e AO
Tabela 3
Associação entre pH urinário, NAE, PRAL, AO e parâmetros antropométricos com a presença de distúrbios metabólicos
Tabela 4
Análise de regressão linear univariada e multivariada pa ra pH urinário

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo avaliar o impacto de parâmetros antropométricos e de composição corporal, os critérios de síndrome metabólica e a influência do padrão alimentar sobre o pH urinário e outros parâmetros litogênicos em pacientes com sobrepeso e obesos portadores de litíase cálcica.

O principal achado foi que a produção endógena de ácidos orgânicos (AO), estimada a partir de valores antropométricos, e não uma dieta de padrão acidogênico, avaliada por meio do PRAL, constituiu-se fator determinante independente de redução do pH urinário em pacientes com litíase cálcica. Os pacientes com hipercalciúria e/ou hiperuricosúria apresentaram pH urinário mais ácido e maiores valores de AO.

A obesidade ou o ganho de peso, especialmente quando acompanhados de Síndrome Metabólica, têm sido associados à redução do pH urinário2121 Maalouf NM, Sakhaee K, Parks JH, Coe FL, Adams-Huet B, Pak CY. Association of urinary pH with body weight in nephrolithiasis. Kidney Int 2004;65:1422-5.,2222 Remer T, Berkermeyer S, Rylander R, Vormam J. Muscularity and adiposity in addition to net acid excretion as predictors of 24-h urinary pH in young adults and elderly. Eur J Clin Nutr 2007;61:605-9. e a maior incidência e prevalência de litíase renal, especialmente em relação aos cálculos de ácido úrico.33 Curhan GC, Willett WC, Rimm EB, Speizer FE, Stampfer MJ. Body size and risk of kidney stones. J Am Soc Nephrol 1998;9:1645-52.,2323 Taylor EN, Stampfer MJ, Curhan GC. Obesity, weight gain, and the risk of kidney stones. JAMA 2005;293:455-62.

24 Reichard C, Gill BC, Sarkissian C, De S, Monga M. 100% uric acid stone formers: what makes them different. Urology 2015;85:296-8.
-2525 Shavit L, Ferraro PM, Johri N, Robertson W, Walsh SB, Maachhala S, et al. Effect of being overweight on urinary metabolic risk factors for kidney stone formation. Nephrol Dial Transplant 2015;30:607-13. Entretanto, estudos epidemiológicos não fazem distinção entre os tipos de cálculos formados. A partir do ano 2000, surgiram os primeiros relatos de pH urinário mais ácido em pacientes com obesidade severa.2626 Powell CR, Stoller ML, Schwartz BF, Kane C, Gentle DL, Bruce JE, et al. Impact of body weight on urinary electrolytes in urinary stone formers. Urology 2000;55:825-30. Posteriormente, Maalouf et al.,2121 Maalouf NM, Sakhaee K, Parks JH, Coe FL, Adams-Huet B, Pak CY. Association of urinary pH with body weight in nephrolithiasis. Kidney Int 2004;65:1422-5. em um estudo de coorte envolvendo 4883 pacientes litiásicos, observaram uma forte correlação inversa e gradual entre os níveis de pH urinário e o peso corpóreo, porém sem especificações quanto ao tipo de cálculo. Entretanto, apesar de Sakhaee et al.1212 Sakhaee K, Capolongo G, Maalouf NM, Pasch A, Moe OW, Poindexter J, et al. Metabolic syndrome and the risk of calcium stones. Nephrol Dial Transplant 2012;27:3201-9. terem observado redução de pH em pacientes com SM, a litíase cálcica não se associou de maneira independente com a elevação da saturação urinária para oxalato de cálcio. Portanto, não é possível estabelecer relação entre a redução de pH urinário e a formação de cálculos de cálcio. Finalmente, em um recente grande estudo retrospectivo longitudinal de pacientes litiásicos acompanhados por 35 anos, Xu et al.2727 Xu LHR, Adams-Huet B, Poindexter JR, Maalouf NM, Moe OW, Sakhaee K. Temporal Changes in Kidney Stone Composition and in Risk Factors Predisposing to Stone Formation. J Urol 2017;197:1465-71. observaram aumento na proporção de pacientes com cálculos de ácido úrico de 7% para 14%, os quais apresentavam maior IMC e menor pH em relação aos pacientes com cálculos de oxalato de cálcio, que representavam a imensa maioria. De qualquer forma, segundo esses investigadores, o reduzido pH urinário se mostrou o maior discriminante de ocorrência apenas de litíase úrica, mas não da cálcica.

O consumo excessivo de proteína de origem animal também tem sido associado à redução do pH urinário em indivíduos não litiásicos, com ou sem SM.1414 Reddy ST, Wang CY, Sakhaee K, Brinkley L, Pak CY. Effect of low-carbohydrate high-protein diets on acid-base balance, stone-forming propensity, and calcium metabolism. Am J Kidney Dis 2002;40:265-74. Em estudos anteriores, apesar de ter sido observada maior prevalência de sobrepeso em pacientes com litíase,2828 Martini LA, Heilberg IP, Cuppari L, Medeiros FA, Draibe SA, Ajzen H, et al. Dietary habits of calcium stone formers. Braz J Med Biol Res 1993;26:805-12.

29 Gordiano EA, Tondin LM, Miranda RC, Baptista DR, Carvalho M. Evaluation of food intake and excretion of metabolites in nephrolithiasis. J Bras Nefrol 2014;36:437-45.
-3030 Oliveira LM, Hauschild DB, Leite Cde M, Baptista DR, Carvalho M. Adequate dietary intake and nutritional status in patients with nephrolithiasis: new targets and objectives. J Ren Nutr 2014;24:417-22. a maioria não demonstrou maior ingestão proteica em relação aos controles,3030 Oliveira LM, Hauschild DB, Leite Cde M, Baptista DR, Carvalho M. Adequate dietary intake and nutritional status in patients with nephrolithiasis: new targets and objectives. J Ren Nutr 2014;24:417-22.,3131 de O G Mendonça C, Martini LA, Baxmann AC, Nishiura JL, Cuppari L, Sigulem DM, et al. Effects of an oxalate load on urinary oxalate excretion in calcium stone formers. J Ren Nutr 2003;13:39-46. a não ser nos fins de semana.2828 Martini LA, Heilberg IP, Cuppari L, Medeiros FA, Draibe SA, Ajzen H, et al. Dietary habits of calcium stone formers. Braz J Med Biol Res 1993;26:805-12. Recentemente, Ferraro et al.3232 Ferraro PM, Mandel EI, Curhan GC, Gambaro G, Taylor EN. Dietary Protein and Potassium, Diet-Dependent Net Acid Load, and Risk of Incident Kidney Stones. Clin J Am Soc Nephrol 2016;11:1834-44. avaliaram a ingestão de proteína animal (derivada de produtos lácteos ou não) e de proteína vegetal e concluíram que o risco de cálculo renal incidente pode variar de acordo com o tipo de proteína ingerida. A maior ingestão de proteína animal de origem não láctea se associou a maior excreção de ácido úrico e menor pH urinário, mas surpreendentemente não com a calciúria.3232 Ferraro PM, Mandel EI, Curhan GC, Gambaro G, Taylor EN. Dietary Protein and Potassium, Diet-Dependent Net Acid Load, and Risk of Incident Kidney Stones. Clin J Am Soc Nephrol 2016;11:1834-44.

No presente estudo, envolvendo apenas pacientes com litíase cálcica, observou-se uma tendência não estatisticamente significante na redução do pH urinário de sobrepesos e eutróficos (6,2 ± 0,3 e 6,1 ± 0,2 versus 6,0 ± 0,3 p = 0,51) em relação aos obesos (IMC > 30 kg/m2) (dados não apresentados na tabela). Devido às diferenças de composição corporal inerentes entre os gêneros, uma subanálise dos diversos parâmetros nutricionais e bioquímicos foi realizada separadamente para cada gênero. No entanto, mesmo quando avaliados de acordo com o gênero, não se atingiu significância em relação à redução de pH urinário nos subgrupos de obesos de ambos os sexos. Esses resultados diferem dos encontrados por outros investigadores,2525 Shavit L, Ferraro PM, Johri N, Robertson W, Walsh SB, Maachhala S, et al. Effect of being overweight on urinary metabolic risk factors for kidney stone formation. Nephrol Dial Transplant 2015;30:607-13.,2626 Powell CR, Stoller ML, Schwartz BF, Kane C, Gentle DL, Bruce JE, et al. Impact of body weight on urinary electrolytes in urinary stone formers. Urology 2000;55:825-30.,3333 Eisner BH, Eisenberg ML, Stoller ML. Relationship between body mass index and quantitative 24-hour urine chemistries in patients with nephrolithiasis. Urology 2010;75:1289-93.

34 Negri AL, Spivacow FR, Del Valle EE, Forrester M, Rosende G, Pinduli I. Role of overweight and obesity on the urinary excretion of promoters and inhibitors of stone formation in stone formers. Urol Res 2008;36:303-7.
-3535 Siener R, Glatz S, Nicolay C, Hesse A. The role of overweight and obesity in calcium oxalate stone formation. Obes Res 2004;12:106-13. especialmente quanto aos que avaliaram pacientes com grau de obesidade mais importante do que o da presente série.2626 Powell CR, Stoller ML, Schwartz BF, Kane C, Gentle DL, Bruce JE, et al. Impact of body weight on urinary electrolytes in urinary stone formers. Urology 2000;55:825-30.,3333 Eisner BH, Eisenberg ML, Stoller ML. Relationship between body mass index and quantitative 24-hour urine chemistries in patients with nephrolithiasis. Urology 2010;75:1289-93. Entretanto, diferentemente de nossa amostra, incluindo apenas pacientes com litíase cálcica, os outros estudos avaliaram também pacientes com litíase úrica,2525 Shavit L, Ferraro PM, Johri N, Robertson W, Walsh SB, Maachhala S, et al. Effect of being overweight on urinary metabolic risk factors for kidney stone formation. Nephrol Dial Transplant 2015;30:607-13.,3434 Negri AL, Spivacow FR, Del Valle EE, Forrester M, Rosende G, Pinduli I. Role of overweight and obesity on the urinary excretion of promoters and inhibitors of stone formation in stone formers. Urol Res 2008;36:303-7. o que deve ter influenciado os resultados em função da bem estabelecida relação entre litíase úrica e redução do pH urinário. Shavit et al.,2525 Shavit L, Ferraro PM, Johri N, Robertson W, Walsh SB, Maachhala S, et al. Effect of being overweight on urinary metabolic risk factors for kidney stone formation. Nephrol Dial Transplant 2015;30:607-13. apesar de haverem observado redução do pH urinário não somente em obesos mas também naqueles com sobrepeso, também demonstraram maior incidência de cálculos de ácido úrico, mas não de cálcio. Sakhaee et al.,1212 Sakhaee K, Capolongo G, Maalouf NM, Pasch A, Moe OW, Poindexter J, et al. Metabolic syndrome and the risk of calcium stones. Nephrol Dial Transplant 2012;27:3201-9. apesar de terem observado redução do pH urinário em pacientes formadores de cálculos puros de ácido úrico em relação aos de oxalato de cálcio, não notaram diferenças de pH em relação aos cálculos mistos.

Entre os objetivos do presente estudo, visava-se avaliar o impacto do excesso de peso ou da obesidade e os critérios de SM não só sobre o pH urinário, mas também sobre a composição urinária de 24 horas incluindo a excreção renal de ácidos, estimada pelo NAE, que foi maior nos grupos de obesos de ambos os gêneros, em relação aos eutróficos, porém sem atingir significância estatística. Esses dados são semelhantes aos de Sakhaee et al.,66 Sakhaee K, Adams-Huet B, Moe OW, Pak CY. Pathophysiology basis for normouricosuric uric acid nephrolithiasis. Kidney Int 2002;62:971-9. que também não observaram elevação estatisticamente significante do NAE naqueles com cálculos de oxalato de cálcio ou mistos, apenas nos pacientes com litíase úrica. Na presente amostra, como a análise cristalográfica da composição de cálculo se encontrava disponível em apenas 10% dos prontuários, consideramos todos os cálculos radio-opacos como litíase cálcica, porém sem discriminação quanto a composições mistas envolvendo fosfato de cálcio ou ácido úrico,2727 Xu LHR, Adams-Huet B, Poindexter JR, Maalouf NM, Moe OW, Sakhaee K. Temporal Changes in Kidney Stone Composition and in Risk Factors Predisposing to Stone Formation. J Urol 2017;197:1465-71.,3636 Coe FL, Evan A, Worcester E. Pathophysiology-based treatment of idiopathic calcium kidney stones. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:2083-92. com reconhecidos impactos diferentes sobre o pH urinário. De qualquer modo, o NAE não se correlacionou com nenhum dos parâmetros urinários litogênicos. Dentre os demais parâmetros urinários, observamos na presente série apenas a elevação das médias de excreção urinária de creatinina entre os homens obesos e de ácido úrico urinário entre as mulheres com sobrepeso e obesas, em relação às eutróficas. Apesar de alguns estudos reportarem maior porcentagem de indivíduos hipercalciúricos entre os obesos,2323 Taylor EN, Stampfer MJ, Curhan GC. Obesity, weight gain, and the risk of kidney stones. JAMA 2005;293:455-62.,2626 Powell CR, Stoller ML, Schwartz BF, Kane C, Gentle DL, Bruce JE, et al. Impact of body weight on urinary electrolytes in urinary stone formers. Urology 2000;55:825-30. na presente amostra não foi observada elevação da excreção urinária média de cálcio entre os obesos, o que está em acordo com o reportado por Shavit et al.2525 Shavit L, Ferraro PM, Johri N, Robertson W, Walsh SB, Maachhala S, et al. Effect of being overweight on urinary metabolic risk factors for kidney stone formation. Nephrol Dial Transplant 2015;30:607-13. Entretanto, observamos nesta série uma redução significante de pH urinário especificamente entre os pacientes que apresentavam hipercalciúria, isolada ou associada a outros distúrbios, quando comparados a normocalciúricos de IMC semelhante. Já em pacientes com hiperuricosúria, isolada ou associada, foi observada uma média de pH urinário significantemente menor e IMC e produção de AO significantemente maiores em comparação a de pacientes sem o distúrbio. Curiosamente, Sakhaee et al.66 Sakhaee K, Adams-Huet B, Moe OW, Pak CY. Pathophysiology basis for normouricosuric uric acid nephrolithiasis. Kidney Int 2002;62:971-9. também observaram elevação do ácido úrico urinário em pacientes com cálculos de oxalato de cálcio ou misto, com IMC semelhante ao do presente estudo.

Considerando-se que a dieta pode afetar o estado ácido-básico da urina, uma estimativa de carga ácida dos alimentos e da dieta de uma forma geral vem sendo utilizada, obtida pelo cálculo do PRAL,1616 Remer T, Manz F. Potential renal acid load of foods and its influence on urine pH. J Am Diet Assoc 1995;95:791-7. que fornece uma estimativa da produção de ácidos endógenos que excede o nível de álcalis produzidos por determinados grupos de alimentos consumidos diariamente. O PRAL pode ser calculado a partir do próprio registro alimentar e está diretamente relacionado ao NAE. Não existem valores de normalidade para o PRAL, mas valores tendendo a positivos indicam cargas ácidas, enquanto os negativos traduzem excesso de bases. Apesar de haver tendência a maiores níveis de PRAL entre os obesos do presente estudo, os pacientes eutróficos também apresentaram valores numericamente maiores do que os sobrepesos, resultando na ausência de diferença estatística desses parâmetros entre os subgrupos de ambos os sexos. Além disso, o PRAL não se correlacionou com nenhum dos parâmetros analisados no presente estudo, incluindo os antropométricos e os bioquímicos urinários. Em conjunto, nossos achados não sugerem que o padrão dietético tenha desempenhado influência importante sobre o pH urinário. Por outro lado, não se pode descartar que a medida de sulfato urinário,3737 Maalouf NM. Metabolic syndrome and the genesis of uric acid stones. J Ren Nutr 2011;21:128-31. bem como a determinação da excreção de amônio, acidez titulável e bicarbonatúria, que representaria mais adequadamente a excreção ácida consequente a uma dieta acidogênica, poderia revelar resultados distintos, mas tais parâmetros não estavam disponíveis nos prontuários médicos no presente estudo. De qualquer forma, Maalouf et al.2121 Maalouf NM, Sakhaee K, Parks JH, Coe FL, Adams-Huet B, Pak CY. Association of urinary pH with body weight in nephrolithiasis. Kidney Int 2004;65:1422-5. observaram que a relação inversa entre pH urinário e peso corpóreo persistia mesmo após ajustes pelo sulfato urinário, sugerindo um mecanismo independente da dieta, o que também foi observado para pacientes com litíase úrica mesmo em uso de dieta de conteúdo neutro.55 Abate N, Chandalia M, Cabo-Chan AV Jr, Moe OW, Sakhaee K. The metabolic syndrome and uric acid nephrolithiasis: novel features of renal manifestation of insulin resistance. Kidney Int 2004;65:386-92.,66 Sakhaee K, Adams-Huet B, Moe OW, Pak CY. Pathophysiology basis for normouricosuric uric acid nephrolithiasis. Kidney Int 2002;62:971-9. Adicionalmente, foi observado que, apesar de indivíduos com SM exibirem sulfato urinário significantemente maior, o que sugeria uma dieta acidogênica, para qualquer nível de sulfato urinário, o pH era significantemente menor entre os indivíduos com SM, sugerindo fatores não relacionados à dieta interferindo no pH urinário.

Com relação aos parâmetros séricos relacionados à SM entre os homens, observamos que o subgrupo de obesos apresentava menores níveis de HDL - achado semelhante ao de uma grande coorte de litiásicos avaliados por Torricelli et al.,3838 Torricelli FC, De SK, Gebreselassie S, Li I, Sarkissian C, Monga M. Dyslipidemia and kidney stone risk. Urology 2014;191:667-72. que observaram menores níveis de HDL sérico, maiores níveis de triglicérides, além de menor pH urinário em pacientes com maior IMC. Esses investigadores também encontraram associação entre HDL baixo e triglicérides elevados e formação de cálculos de ácido úrico, o que não foi o foco do presente estudo. De qualquer forma, os homens da presente série apresentaram correlação inversa entre pH urinário e ácido úrico sérico, e os AO se correlacionaram diretamente com os níveis séricos de triglicérides. Entre as mulheres da presente série, observamos também uma correlação positiva entre AO e glicemia e níveis séricos de ácido úrico e triglicérides. Esses achados estão de acordo com os de Powell et al.,2626 Powell CR, Stoller ML, Schwartz BF, Kane C, Gentle DL, Bruce JE, et al. Impact of body weight on urinary electrolytes in urinary stone formers. Urology 2000;55:825-30. que também detectaram maiores níveis de glicemia e ácido úrico séricos em pacientes obesas do sexo feminino. Além disso, os AO se correlacionaram positivamente com o número de critérios para SM em ambos os sexos, o que pode elevar o risco de formação de cálculos de oxalato de cálcio, segundo Sakhaee et al.1212 Sakhaee K, Capolongo G, Maalouf NM, Pasch A, Moe OW, Poindexter J, et al. Metabolic syndrome and the risk of calcium stones. Nephrol Dial Transplant 2012;27:3201-9.

No que diz respeito à composição corporal, foi observada uma correlação inversa entre o pH e a CC, que reflete o componente visceral de gordura nos homens, mas não a porcentagem de gordura corporal total. Entre as mulheres, não foram evidenciadas correlações entre o pH e algum parâmetro de composição corporal. Esses achados diferem dos reportados por Pigna et al.,3939 Pigna F, Sakhaee K, Adams-Huet B, Malouf NM. Body fat content and distribution and urinary risk factors for nephrolithiasis. Clin J Am Soc Nephrol 2014;9:159-65. que observaram maior porcentagem de gordura visceral relacionada a pH urinário ácido em pacientes de ambos os sexos. No entanto, é possível que a bioimpedância não tenha sido suficientemente sensível para detecção de diferenças estatísticas, já que, nesse outro estudo,3939 Pigna F, Sakhaee K, Adams-Huet B, Malouf NM. Body fat content and distribution and urinary risk factors for nephrolithiasis. Clin J Am Soc Nephrol 2014;9:159-65. foi utilizado o DEXA, método considerado padrão ouro para avaliação da composição corporal. De qualquer modo, a razão pela qual não foi detectada correlação inversa entre pH e CC nas mulheres permanece não esclarecida.

Na presente análise de regressão, o pH urinário demonstrou associação com os níveis séricos de ácido úrico e triglicérides e com a produção de AO, mas apenas com este último de maneira independente. Associação inversa entre NAE e pH urinário já foi descrita por outros investigadores,1414 Reddy ST, Wang CY, Sakhaee K, Brinkley L, Pak CY. Effect of low-carbohydrate high-protein diets on acid-base balance, stone-forming propensity, and calcium metabolism. Am J Kidney Dis 2002;40:265-74.,4040 Bobulesco IA, Dubree M, Zhang J, McLeroy P, Moe OW. Reduction of renal triglyceride accumulation: effects on proximal tubule Na+/H+ exchange and urinary acidification. Am J Renal Physiol 2009;297:F1419-26.,4141 Manz F, Wentz A, Lange S. Factors affecting renal hydrogen ion excretion capacity in healthy children. Pediatr Nephrol 2001;16:443-5. mas não entre o pH urinário com os AO. A ausência de uma associação inversa entre o pH urinário e o PRAL na presente série sugere que o padrão dietético desses pacientes caracterize-se por um balanço entre o consumo de proteína de origem animal (com maior influência sobre o pH urinário) e os demais macronutrientes, como lipídeos e carboidratos, sem privilegiar nenhum deles. Entre as limitações do presente estudo destacam-se as inerentes a um estudo retrospectivo, menor disponibilidade de resultados de bioimpedância e de oxalato urinário e ausência de análise cristalográfica dos cálculos da grande maioria dos pacientes.

Em conclusão, o presente estudo sugeriu que a produção endógena de ácidos orgânicos (AO), e não uma dieta de padrão acidogênico, foi fator determinante independente para menores níveis de pH urinário entre pacientes com litíase cálcica. Maiores valores de AO e menores de pH foram observados em pacientes com hipercalciúria e/ou hiperuricosúria.

AGRADECIMENTOS

Este estudo teve o apoio da Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), do Hospital do Rim (HRim) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Agradecemos a valiosa contribuição de Silvia Regina Silva Moreira, responsável pelo suporte técnico laboratorial nas dosagens bioquímicas incluídas no estudo.

REFERENCES

  • 1
    Chen J, Muntner P, Hamm LL, Jones DW, Batuman V, Fonseca V, et al. The metabolic syndrome and chronic kidney disease in U.S. adults. Ann Intern Med 2004;140:167-74.
  • 2
    West B, Luke A, Durazo-Arvizu RA, Cao G, Shoham D, Kramer H, et al. Metabolic syndrome and self-reported history of kidney stones: the National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) 1988-1994. Am J Kidney Dis 2008;51:741-7.
  • 3
    Curhan GC, Willett WC, Rimm EB, Speizer FE, Stampfer MJ. Body size and risk of kidney stones. J Am Soc Nephrol 1998;9:1645-52.
  • 4
    Heilberg IP. Treatment of patients with uric acid stones. Urolithiasis 2016;44:57-63.
  • 5
    Abate N, Chandalia M, Cabo-Chan AV Jr, Moe OW, Sakhaee K. The metabolic syndrome and uric acid nephrolithiasis: novel features of renal manifestation of insulin resistance. Kidney Int 2004;65:386-92.
  • 6
    Sakhaee K, Adams-Huet B, Moe OW, Pak CY. Pathophysiology basis for normouricosuric uric acid nephrolithiasis. Kidney Int 2002;62:971-9.
  • 7
    Pak CY, Sakhaee K, Peterson RD, Poindexter JR, Frawley WH. Biochemical profile of idiopathic uric acid nephrolithiasis. Kidney Int 2001;60:757-61.
  • 8
    Maalouf NM, Cameron MA, Moe OW, Adams-Huet B, Sakhaee K. Low urine pH: a novel feature of the metabolic syndrome. Clin J Am Soc Nephrol 2007;2:883-8.
  • 9
    Cameron MA, Maalouf NM, Adams-Huet B, Moe OW, Sakhaee K. Urine composition in type 2 diabetes: predisposition to uric acid nephrolithiasis. J Am Soc Nephrol 2006;17:1422-8.
  • 10
    Coe FL, Parks JH, Asplin JR. The pathogenesis and treatment of kidney stones. N Engl J Med 1992;327:1141-52.
  • 11
    Levy FL, Adams-Huet B, Pak CY. Ambulatory evaluation of nephrolithiasis: an update of a 1980 protocol. Am J Med 1995;98:50-9.
  • 12
    Sakhaee K, Capolongo G, Maalouf NM, Pasch A, Moe OW, Poindexter J, et al. Metabolic syndrome and the risk of calcium stones. Nephrol Dial Transplant 2012;27:3201-9.
  • 13
    Breslau NA, Brinkley L, Hill KD, Pak CY. Relationship of animal protein-rich diet to kidney stone formation and calcium metabolism. J Clin Endocrinol Metab 1988;66:140-6.
  • 14
    Reddy ST, Wang CY, Sakhaee K, Brinkley L, Pak CY. Effect of low-carbohydrate high-protein diets on acid-base balance, stone-forming propensity, and calcium metabolism. Am J Kidney Dis 2002;40:265-74.
  • 15
    Sabry ZI, Shadarevian SB, Cowan JW, Campbell JA. Relationship of dietary intake of sulphur amino-acids to urinary excretion of inorganic sulphate in man. Nature 1965;206:931-3.
  • 16
    Remer T, Manz F. Potential renal acid load of foods and its influence on urine pH. J Am Diet Assoc 1995;95:791-7.
  • 17
    Adeva MM, Souto G. Diet-induced metabolic acidosis. Clin Nutr 2011;30:416-21.
  • 18
    Murakami K, Sasaki S, Takahashi Y, Uenish K; Japan Dietetic Students' Study for Nutrition and Biomarkers Group. Association between dietary acid-base load and cardiometabolic risk factors in young Japanese women. Br J Nutr 2008;100:642-51.
  • 19
    Berkemeyer S, Remer T. Anthropometrics provide a better estimate of urinary organic acid anion excretion than a dietary mineral intake-based estimate in children, adolescents and young adults. J Nutr 2006;136:1203-8.
  • 20
    Remer T, Dimitriou T, Manz F. Dietary potential renal acid load and renal net acid excretion in healthy, free-living children and adolescents. Am J Clin Nutr 2003;77:1255-60.
  • 21
    Maalouf NM, Sakhaee K, Parks JH, Coe FL, Adams-Huet B, Pak CY. Association of urinary pH with body weight in nephrolithiasis. Kidney Int 2004;65:1422-5.
  • 22
    Remer T, Berkermeyer S, Rylander R, Vormam J. Muscularity and adiposity in addition to net acid excretion as predictors of 24-h urinary pH in young adults and elderly. Eur J Clin Nutr 2007;61:605-9.
  • 23
    Taylor EN, Stampfer MJ, Curhan GC. Obesity, weight gain, and the risk of kidney stones. JAMA 2005;293:455-62.
  • 24
    Reichard C, Gill BC, Sarkissian C, De S, Monga M. 100% uric acid stone formers: what makes them different. Urology 2015;85:296-8.
  • 25
    Shavit L, Ferraro PM, Johri N, Robertson W, Walsh SB, Maachhala S, et al. Effect of being overweight on urinary metabolic risk factors for kidney stone formation. Nephrol Dial Transplant 2015;30:607-13.
  • 26
    Powell CR, Stoller ML, Schwartz BF, Kane C, Gentle DL, Bruce JE, et al. Impact of body weight on urinary electrolytes in urinary stone formers. Urology 2000;55:825-30.
  • 27
    Xu LHR, Adams-Huet B, Poindexter JR, Maalouf NM, Moe OW, Sakhaee K. Temporal Changes in Kidney Stone Composition and in Risk Factors Predisposing to Stone Formation. J Urol 2017;197:1465-71.
  • 28
    Martini LA, Heilberg IP, Cuppari L, Medeiros FA, Draibe SA, Ajzen H, et al. Dietary habits of calcium stone formers. Braz J Med Biol Res 1993;26:805-12.
  • 29
    Gordiano EA, Tondin LM, Miranda RC, Baptista DR, Carvalho M. Evaluation of food intake and excretion of metabolites in nephrolithiasis. J Bras Nefrol 2014;36:437-45.
  • 30
    Oliveira LM, Hauschild DB, Leite Cde M, Baptista DR, Carvalho M. Adequate dietary intake and nutritional status in patients with nephrolithiasis: new targets and objectives. J Ren Nutr 2014;24:417-22.
  • 31
    de O G Mendonça C, Martini LA, Baxmann AC, Nishiura JL, Cuppari L, Sigulem DM, et al. Effects of an oxalate load on urinary oxalate excretion in calcium stone formers. J Ren Nutr 2003;13:39-46.
  • 32
    Ferraro PM, Mandel EI, Curhan GC, Gambaro G, Taylor EN. Dietary Protein and Potassium, Diet-Dependent Net Acid Load, and Risk of Incident Kidney Stones. Clin J Am Soc Nephrol 2016;11:1834-44.
  • 33
    Eisner BH, Eisenberg ML, Stoller ML. Relationship between body mass index and quantitative 24-hour urine chemistries in patients with nephrolithiasis. Urology 2010;75:1289-93.
  • 34
    Negri AL, Spivacow FR, Del Valle EE, Forrester M, Rosende G, Pinduli I. Role of overweight and obesity on the urinary excretion of promoters and inhibitors of stone formation in stone formers. Urol Res 2008;36:303-7.
  • 35
    Siener R, Glatz S, Nicolay C, Hesse A. The role of overweight and obesity in calcium oxalate stone formation. Obes Res 2004;12:106-13.
  • 36
    Coe FL, Evan A, Worcester E. Pathophysiology-based treatment of idiopathic calcium kidney stones. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:2083-92.
  • 37
    Maalouf NM. Metabolic syndrome and the genesis of uric acid stones. J Ren Nutr 2011;21:128-31.
  • 38
    Torricelli FC, De SK, Gebreselassie S, Li I, Sarkissian C, Monga M. Dyslipidemia and kidney stone risk. Urology 2014;191:667-72.
  • 39
    Pigna F, Sakhaee K, Adams-Huet B, Malouf NM. Body fat content and distribution and urinary risk factors for nephrolithiasis. Clin J Am Soc Nephrol 2014;9:159-65.
  • 40
    Bobulesco IA, Dubree M, Zhang J, McLeroy P, Moe OW. Reduction of renal triglyceride accumulation: effects on proximal tubule Na+/H+ exchange and urinary acidification. Am J Renal Physiol 2009;297:F1419-26.
  • 41
    Manz F, Wentz A, Lange S. Factors affecting renal hydrogen ion excretion capacity in healthy children. Pediatr Nephrol 2001;16:443-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2018
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2017
  • Aceito
    24 Jul 2017
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com